Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01435/12
Data do Acordão:07/09/2014
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PEDRO DELGADO
Descritores:DIVIDENDOS
TRIBUTAÇÃO DE SUJEITOS PASSIVOS NÃO RESIDENTES
LIVRE CIRCULAÇÃO DE CAPITAIS
CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
Sumário:I - Perante o artigo 24.° da CEDT Portugal/Países Baixos — no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos - é necessário apurar o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa — maxime a sua isenção de tributação —para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos e fazer respeitar a imposição comunitária da livre circulação de capitais (art. 56º do Tratado da Comunidade Europeia, actual art. 63º TFUE).
II - Não dispondo o Supremo Tribunal Administrativo de base factual para decidir a questão, há que ordenar a baixa dos autos ao Tribunal de 1ª instância a fim de que nele seja proferida nova decisão após ampliação da matéria de facto pertinente.
Nº Convencional:JSTA00068848
Nº do Documento:SAP2014070901435
Data de Entrada:12/19/2012
Recorrente:A............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT
Meio Processual:REC OPOS JULGADOS
Objecto:AC STA PROC01435/12 AC STA PROC0482/10
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - OPOS JULGADOS.
Legislação Nacional:ETAF02 ART27 B.
CPPTRIB99 ART284.
CPTA02 ART152.
CIRC01 ART4 N3 C ART80 N2 C.
CCIV66 ART348.
Legislação Comunitária:CEDT PORTUGAL/PAÍSES BAIXOS ART24 N2 N4 ART10 N2 ART11 N2 ART12 N2 ART13 N5 ART14 N1 B ART16 ART17 N3 ART18 N3 ART23 N1 N2.
TEVE ART63.
Jurisprudência Internacional:AC TJUE AMURTA C-379/05 DE 2007/11/08.
AC TJUE DENKAVIT INTERNACIONAL E DENTAVIT FRANCE C-170705 DE 2006/12/14.
AC TJUE COMISSÃO/ITALIA C-540/07 DE 2009/11/19.
AC TJUE COMISSÃO/ESPANHA C-487/08 DE 2010/06/03.
AC TJUE COMISSÃO/ALEMANHA C-284/09 DE 2011/10/20.
Referência a Doutrina:JOÃO FELIX NOGUEIRA - NEUTRALIZAÇÃO NA DISTRIBUIÇÃO DE DIVIDENDOS A SOCIEDADES NÃO RESIDENTES REVISTA DE FINANÇAS PÚBLICAS E DIREITO FISCAL ANOVI 3 PAG313.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1 – A…………, melhor identificada nos autos, recorre para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do mesmo Tribunal proferido em 20 de Fevereiro de 2013, invocando oposição entre ele e o acórdão igualmente da secção de Contencioso Tributário deste Tribunal de 28 de Novembro de 2012, no recurso nº 482/10.
Por despacho de 02 de Julho de 2013, a fls. 487 dos autos, o Exmº Relator veio admitir o recurso, ordenando a notificação da parte para apresentar alegações, nos termos e no prazo referido no nº 3, do artigo 284º do CPPT.
A recorrente apresentou a fls. 528/555 alegação tendente a demonstrar alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
«A) A questão decidenda objecto do presente recurso consiste em determinar se o regime ínsito no artigo 24.º, n.º 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos reflecte um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao Imposto suportado em Portugal, apto a neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.° do JFUE (ex-artigo 56.° do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes conferido pela legislação nacional — em concreto, pelos artigos 90.°, n.º 1, alínea c), 46.°, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.°, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC;
B) Entende a Recorrente ter esse Douto Tribunal no âmbito do Acórdão recorrido interpretado erroneamente o artigo 24.º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos e, por conseguinte, extraído do regime nele ínsito ilações igualmente incorrectas, impondo-se por esse motivo a revogação, com fundamento em erro de julgamento, do sentido decisório propalado em tal aresto;
C) Do artigo 24.º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos — reflexo da aplicação do método de imputação ordinária — resulta impender sobre o Reino dos Países Baixos a faculdade de incluir na base tributável sobre a qual incidirá o imposto sobre o rendimento neerlandês os rendimentos tributados em Portugal. Na medida em que tais rendimentos sejam incluídos na referida base tributável, o Reino dos Países Baixos concede uma dedução de imposto, até ao montante de imposto neerlandês correspondente, com vista à eliminação da dupla tributação;
D) A referida disposição convencional garante no Reino dos Países Baixos um crédito ordinário de Imposto pelo IRC suportado em Portugal, se e na medida em que o Reino dos Países Baixos tribute os dividendos recebidos em Portugal e até ao montante do imposto neerlandês correspondente;
E) De acordo com a legislação neerlandesa vigente nos anos de 2003 e 2004, os dividendos recebidos de participações com a então detida pela B………… no Banco C…………, S.A. não eram incluídos na base tributável do imposto neerlandês sobre sociedades, não fazendo o Reino dos Países Baixos uso do poder tributário conferido pelo artigo 24.º, n.º 2, da CEDT Portugal/Países Baixos, não havendo, por isso, lugar a qualquer crédito de imposto à luz do artigo 24.°, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos;
F) Não concedendo o Reino dos Países Baixos o referido crédito de imposto, conclui-se não ser possível neutralizar o tratamento discriminatório resultante do Direito interno por o imposto suportado em Portugal, por força da retenção na fonte operada, não ser recuperável pela Recorrente;
G) Contra o supra exposto não colhe o entendimento preconizado por esse Douto Tribunal no Acórdão recorrido, no sentido de «se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela CEDT Portugal/Países Baixos, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, uma vez que este se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica» [página 27 do Acórdão recorrido], enfermando de manifesto erro, por não existir um crédito de imposto, e, bem assim, por a sua não existência resultar expressamente do regime ínsito no artigo 24.º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos, o qual reflecte o método convencionado entre as partes com vista à eliminação da dupla tributação internacional, não se devendo a quaisquer opções, de carácter unilateral, de política fiscal do estado da residência, isto é, do Reino dos Países Baixos;
H) Assim sendo, a CEDT Portugal/Países Baixos não garante a concessão no Reino dos Países Baixos de um crédito de imposto equivalente à retenção sofrida em Portugal em termos tais que permita concluir que Portugal assegurou através da referida convenção a neutralização do tratamento discriminatório resultante das disposições do CIRC;
I) Para que o tratamento discriminatório operado pela legislação portuguesa pudesse dar-se por neutralizado, a CEDT Portugal/Países Baixos teria que ter previsto como método de eliminação da dupla tributação internacional o método de imputação integral, através do qual concederia no Reino dos Países Baixos um crédito total de imposto, independente da tributação neerlandesa de tais componentes de capital, o que efectivamente não sucede;
J) Ou da utilização do método de imputação ordinária — método aplicável pelo artigo 24.º da CEDT Portugal/Países Baixos — teria que ter resultado o apuramento de imposto neerlandês, incidente sobre dividendos, igual ou superior ao efectivamente suportado (retido na fonte) em Portugal, o que igualmente não acontece por força da não tributação desses rendimentos no Reino dos Países Baixos;
K) Constata-se assim não ser a CEDT Portugal/Países Baixos apta a neutralizar a desconformidade ao Direito Comunitário, mais concretamente ao princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do Direito interno, in casu dos artigos 90.º, n.º 1, alínea c), 46.º, n.º 1, 80.º, n.º 2, alínea c), 14.º, n.º 3, e 89.º, n.º 1, do CIRC, na redacção vigente à data dos factos em causa;
L) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal que julgue totalmente procedente o presente recurso, adoptando a solução jurídica plasmada no Acórdão fundamento e, por via disso, revogando, com fundamento em erro de julgamento, o entendimento preconizado no Acórdão recorrido, tudo com as demais consequências legais.»

2 – A Fazenda Publica veio apresentar as suas contra alegações, concluindo da seguinte forma:
«1) Entre os doutos Acórdãos em causa, o fundamento e o recorrido, não existe oposição susceptível de servir de fundamento ao recurso vertente.
2) Efectivamente, tendo o Acórdão fundamento concluído pela necessidade de os autos descerem para aquisição de matéria de facto dada como relevante, não se pode afirmar que o mesmo faz qualquer juízo definitivo sobre a questão que foi analisada e decidida peio Acórdão recorrido, para isso seria necessário que ulterior Acórdão confirmasse o juízo provisório e hipotético que é feito no Acórdão recorrido que, por ser meramente hipotético, não tem qualquer carácter de definitividade, logo não há qualquer oposição, entre Acórdão recorrido e Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
3) Não se encontra, pois, preenchido o condicionalismo previsto no art. 284° do CPPT e art. 27°, nº 1, al. b) do ETAF.
Ainda que assim não se entenda sem conceder:
4) Deve ser acolhido como jurisprudência uniforme o entendimento constante do Acórdão recorrido, isto é, de que não decorre nem do Direito da União nem da jurisprudência do Tribunal de Justiça, para os sujeitos passivos não residentes em Portugal e sem estabelecimento estável em território português (e residentes num Estado-Membro da União Europeia) um direito à igualdade de tributação em relação aos residentes (em matéria de impostos directos), prevendo pelo contrário, o TFUE que a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados membros e entre Estados-membros e países terceiros art. 63°, nº 1 do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao lugar de residência [art. 65°, nº 1, alínea a), do TFUE].
5) E que, a AT ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, limitou-se a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção sobre Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto, nos termos do estatuído no art. 24°, nºs 2 e 4, no País da residência, sendo que se pela via do direito do Estado de residência não é possível efectivar-se o crédito de imposto conferido pela referida Convenção, tal argumento não pode ser oponível ao País da fonte, que se limita a fazer aplicação do quadro legal vigente na sua ordem jurídica.»

3 – O Exmº Procurador Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o douto parecer, com a seguinte fundamentação:
«Recorrente: A…………
Objecto do recurso: acórdão STA-SCT proferido em 20 fevereiro 2013, em oposição com acórdão STA-SCT proferido em 28 novembro 2012 (processo n°482/10)
FUNDAMENTAÇÃO
1.São requisitos legais cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos:
- identidade da questão fundamental de direito
-ausência de alteração substancial da regulamentação jurídica
-identidade de situações fácticas
-antagonismo de soluções jurídicas
(art.284° CPPT; art.27° n° 1 al. b) ETAF vigente; art.152° n° 1 al. a) CPTA)
A alteração substancial da regulamentação jurídica relevante para afastar a existência de oposição de julgados verifica-se «sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica» (acórdãos STA Pleno secção de Contencioso Tributário 19.06.96 processo nº 19532 ; 18.05.2005 processo n° 276/05)
A oposição de soluções jurídicas pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 Volume IV p.475809; acórdão STJ 26.04.1995 processo n° 87 156)
A oposição e soluções jurídicas exige ainda pronúncia expressa sobre a questão, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta (acórdãos STA Pleno SCT 6.05.2009 processo nº 617/08, 26.09.2007 processo nº 452/07; acórdãos STA SCT 28.01.2009 processo nº 981/07); 22.10.2008 processo n° 224/08)
2. Apreciação do caso concreto
O acórdão recorrido enunciou como uma das questões decidendas a legalidade das tributação em IRC, por retenção na fonte, dos dividendos distribuídos a B………… (B…………),sociedade com residência fiscal na Holanda, à luz da Convenção celebrada entre Portugal e o Reino dos Países Baixos para evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre o rendimento e o capital (CDT Portugal/Países Baixos)
Pronunciou-se no sentido da compatibilidade da legislação portuguesa que impõe a tributação dos dividendos distribuídos a sociedades accionistas com sede na Holanda, à taxa liberatória de 10% (arts.4° n° 3 al. c), 80° n°2 al. c) CIRC numeração e redacção vigentes nos anos 2003 e 2004; art.10° n° 2 CDT) com o princípio comunitário da livre circulação de capitais (art.56° TCE, actual art. 63° TFUE), na medida em que a própria CDT prevê uma dedução do imposto equivalente ao montante do imposto pago em Portugal (art.24° nºs 2 e 4 CDT); e da irrelevância para a aferição da legalidade da tributação segundo a legislação portuguesa (nela incluída a CDT Portugal/Países Baixos) da eventual isenção de tributação dos dividendos distribuídos em Portugal segundo a legislação holandesa
O acórdão fundamento não se pronunciou explicitamente sobre a questão supra enunciada, limitando-se a ordenar a ampliação da matéria de facto pelo tribunal tributário, no sentido de se apurar se os dividendos distribuídos à recorrente em Portugal foram declarados na Holanda e se estão sujeitos a tributação naquele país, após consulta da pertinente legislação holandesa (acórdão IX. fls. 469/470)
Neste contexto não exprime qualquer solução expressa, antagónica da solução adoptada no acórdão recorrido, que consubstancie conflito de jurisprudência a merecer resolução.
3. A decisão da relatora na SCT que reconheceu a oposição de acórdãos (embora sem fundamentação e com formulação inculcando fraca convicção, cf. fls. 525) não impede que o pleno da secção decida em sentido contrário no julgamento do conflito de jurisprudência, o qual pressupõe oposição de soluções jurídicas (Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6.ª edição 2011 Volume IV p482).
CONCLUSÃO
O recurso deve ser julgado findo.»

4 – Colhidos os vistos dos Excelentíssimos Juízes Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar em conferência do pleno da secção.

5 – No acórdão recorrido encontram-se fixados os seguintes factos:
1. A impugnante é uma sociedade anónima (“Società per Azloni”), com sede e estabelecimento estável em Itália, inscrita na Conservatória do Registo Civil de Milão, sob o n.° ………. [Cfr. Doc. (fls. 68 a 93 e 95 a 113 dos autos), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
2. Em 31/10/2007, por escritura pública de fusão jurídica transfronteiras, a impugnante declarou incorporar, por fusão, a sociedade comercial de Direito neerlandês, B………… (B…………), cuja atividade principal consistia na gestão de participações sociais noutras sociedades, sedeada em Amesterdão e inscrita na Conservatória do Registo Comercial número ………. [Cfr. Doc. (fls. 68 a 93 e 95 a 113 dos autos), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
3. A B………… (B…………), durante os anos de 2003 e 2004, não dispôs de sede, direção efetiva ou estabelecimento estável em território nacional, sendo residente para efeitos fiscais nos Países Baixos, aí se encontrando sujeita e não isenta, sem possibilidade de opção, ao imposto neerlandês sobre o rendimento das sociedades vennoootschapsbelasting [Cfr. Doc. 4 e 5). (fls. 130 dos autos), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
4. Em 29/04/2003, a B………… era titular de 65.659.233 de ações do Banco C…………, SA, adquiridas pelo valor de € 100.528.306,60, tendo 56.788.864 das mesmas ações sido adquiridas há mais de um ano, pelo valor de € 84.972.065,51. (Cfr. Doc. 6 fls. 132 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
5. Em 10/05/2004, as 65.659.233 ações eram detidos pela B…………. [Cfr. Doc. 6. fls. 132 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
6. Quer em 29/04/2003, quer em 70/05/2004, a B………… detinha uma participação direta na sociedade C…………, SA, correspondente o 8,64% do respetivo capital social. [Cfr. Doc. 7, fls. 134 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
7. Em 29/04/2003 a B………… auferiu dividendos resultantes da sua participação social no Banco C…………, SA, no valor de € 5.252.738,64. (Cfr. Doc. 8, fls. 136 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido)
8. Em 10/05/2004, a B………… auferiu dividendos resultantes da sua participação social no Banco C…………, SA dividendos no valor de € 5.909.330,97. [Cfr. Doc. 9, fls. 138 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
9. Os dividendos referidos em 7. e 8. foram sujeitos a tributação em Portugal correspondendo tal tributação a uma quantia correspondente a 70% daquelas quantias, ou seja, a quantia de 6 525.273,86 (relativamente aos dividendos do exercício de 2003) e a quantia de 6 590.933.97 (relativamente aos dividendos do exercício de 2004), no total de 1.116.206,96. (Cfr. Doc. 8 e 9, fls. 136 e 138 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
10. Em 27/04/2007 a B………… deduziu perante o Exmo. Senhor Diretor-Geral dos Impostos, Pedido de Revisão Oficiosa dos liquidações/retenção na fonte, tendo requerido a restituição do montante retido na fonte, com fundamento numa discriminação injustificada entre acionistas residentes e não residentes em Portugal por violação do princípio da livre circulação de capitais previsto no artigo 56.º do TCE e do primado do Direito Comunitário sobre o Direito ordinário interno, estipulado no artigo 8.°, n.º 4, da CRP. [Cfr. Doc. 10, fls. 141 a 182 dos autos, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido]
11. Até à data de entrada da presente impugnação, ainda não foi proferida qualquer decisão sobre esse pedido.
12. A presente impugnação judicial deu entrada em 25/01/2008. (Cfr. fls. 2 das autos]”.

6-Por sua vez é o seguinte o teor do probatório fixado no acórdão fundamento:
a) Por requerimento entrado em 27.11.2006 no Sec. De Apoio Gabinete do Director Geral e dirigido ao Exmo Ministro de Estado e das Finanças a ora autora veio peticionar que os dividendos pagos pela D…………, que venham a ocorrer a partir de 27.1.2007, seja reconhecido o direito à dispensa de retenção na fonte de IRC e que lhe seja reconhecido o direito a ser reembolsada das retenções na fonte já efectuadas nos dividendos recebidos em 27.7.2006, do dividendo de € 29.584.892,52 na retenção de € 2.958.489,25 e em 29.9.2006, do dividendo de € 275.251.467,75 na retenção de € 27.525.146,78, por lhe parecer que tal retenção deveria ter sido dispensada, ainda que com carácter excepcional, no Acordo Especial entre AE, BV e o Governo Português, em conjugação com as também excepcionais características de Acordo, nomeadamente a verificação prévia e objetiva da duração da participação no capital da D…………, por período superior a 1 ano ou mesmo 2 anos — cfr. requerimento de três páginas do processo instrutor, as quais não se mostram numeradas;
b) No âmbito deste procedimento, a AT juntou ao mesmo os prints relativos à ora autora onde é informado que a mesma tem a morada ou sede na Holanda, que é um contribuinte não residente e que não tem representante, - cfr. o mesmo processo instrutor;
c) Aquele requerimento da ora autora foi informado pelo Chefe de Divisão em substituição, da Direcção de Serviços das Relações Internacionais, onde foi proposto que o mesmo fosse indeferido na sua totalidade, quer quanto aos dividendos a atribuir em 2007, quer quanto à restituição das retenções relativas aos dividendos já atribuídos em 2006, com os seguintes fundamentos:
1- Que as normas dos arts 14.º e 46.º do CIRC tratam duas realidades distintas: assim enquanto aquela primeira se reporta a uma entidade não residente e a quem são distribuídos os dividendos por entidade residente, sendo neste caso esta entidade beneficiária apenas tributada em Portugal por esses rendimentos aqui obtidos, já no segundo caso se trata de uma dedução à matéria colectável em que a entidade que ficou dispensada da retenção na fonte é aqui residente e como tal, está sujeita à tributação em Portugal, onde todos os seus rendimentos irão ser tributados, incluindo os relativos aos dividendos, sendo que esta norma apenas visa evitar a dupla tributação económica;
2 - Que não têm de ser iguais os pressupostos da atribuição da isenção de tributação em função de uma situação de não residência da de dispensa de retenção na fonte numa situação de residência fiscal e, consequentemente, sujeição a tributação pela totalidade dos rendimentos - cfr. mesmo processo;
d) Em tal informação, pelo Exmo Director-Geral foi aposto o seu parecer de concordância nos seguintes termos:
“Com a minha concordância à consideração de SESEAF, ressalvando que com a entrada em vigor da Lei n.º 53-A/2006, de 25 de Dez. (OE— 2007), a participação nesse capital social passou para 15%, mantendo—se as restantes condições, a que o Exmo SEAE após o seu despacho de Concordo, em 23.2.2007 - cfr. mesmo processo”
e) O despacho supra foi notificado à ora autora pelo oficio 8020, datado de 09.04.2007 - cfr. mesmo processo;
f) A petição inicial da presente acção administrativa especial deu entrada neste TCAS em 06.07.2007- cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos presentes autos;
g) Por declarações dos Bancos Espírito Santo, Caixa Geral de Depósitos, SA, Santander Totta, SA, Popular Português, SA, e Millennium BCP, durante o ano de 2006, a ora autora movimentou as acções que detinha, representativas do capital social da D…………, nos termos descritos nos respectivos quadros nelas enumerados e que aqui se dão por reproduzidos - cfr. docs. de fls. 70 a 78 dos autos;
h) A ora autora adquiriu em 07.12.2005, 23.663.875 acções representativas de 14,268% do capital social da D…………, e em 28.12.2005 adquiriu a participação detida pela E…………, correspondente a 72.905 acções, ficando assim a ser titular do total de 14,312% do capital social da mesma, percentagem que passou a partir de 29.3.2006 a ser de 13,312%, em 06.09.2006 igualmente de 13,312%, em 18.09.2006 de 31,612%, em 29.09.2006 igualmente de 31,612%, em 23.10.2006 igualmente de 31,612%, em 30.10.2006 de 33,34%, 01.11.2006 igualmente de 33,34%, em 5.12.2006 igualmente de 33,34% e em 05.01.2007 igualmente de 33,34% — cfr. doc. de fls. 80 a 82 dos autos;
i) A ora autora veio a requerer em 29.09.2008, ao abrigo do disposto no art.º 89.º do CIRC, por deter ininterruptamente, durante dois anos, uma participação na D…………, não inferior a 20% do respectivo capital social, o reembolso da retenção na fonte de € 27.525.146,78, relativo aos dividendos atribuídos em 29.9.2006, entre outros, o que lhe foi deferido, tendo aquele sido pago em 05.01.2009 — cfr. docs. de fls. 280 a 317 dos autos.

6. Da admissibilidade do recurso de oposição de acórdãos.
O presente recurso vem interposto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, proferido a fls. 475 e segs. dos presentes autos, invocando a recorrente A………… que está em oposição com o Acórdão, também proferido pela Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, em 28.11.2012, no processo nº 0482/10 (acórdão fundamento) porquanto no acórdão em recurso se terá entendido que «perante o artigo 24.° da CEDT Portugal/Países Baixos — no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos —, o tratamento fiscal diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes é compatível com a liberdade de circulação de capitais uma vez que a referida disposição convencional permite a neutralização da diferença de tratamento através de um crédito de imposto nos Países Baixos, apresentando-se como irrelevante para o juízo de legalidade das retenções de IRC que o referido crédito possa não existir em face da não tributação, pelos Países Baixos, dos rendimentos obtidos em Portugal » enquanto que no acórdão fundamento se terá entendido que « no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, o artigo 24.° da CEDT Portugal/Países Baixos apenas tornará o tratamento fiscal diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes compatível com a liberdade de circulação de capitais —neutralizando os efeitos lesivos dessa diferença de tratamento — caso a referida disposição convencional determine a existência de um crédito efectivo de imposto nos Países Baixos, o que não sucede quando os rendimentos obtidos em Portugal não sejam aí sujeitos a tributação, sendo nessa circunstância ilegal a retenção na fonte de IRC sofrida em Portugal. ».
Por despacho de fls. 523 e segs. a Exmº Relatora considerou que, tal como defende a recorrente, poderá ocorrer a invocada oposição de acórdãos.
Não obstante tal despacho, importa reapreciar se a mesma se verifica, pois tal decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal de recurso de proceder à reapreciação da necessária verificação dos pressupostos processuais de admissibilidade, prosseguimento e decisão do recurso, em conformidade com o disposto no actual artigo 641º, n.º 5, do Código de Processo Civil (anterior artº 685º-C, nº 5 do mesmo diploma), podendo, se for caso disso, ser julgado findo o recurso (cf., neste sentido, entre muitos outros, os acórdãos do Pleno desta secção de 07.05.2003, recurso 1149/02, de 18.01.2012, recurso 1030/10, e de 12.12.2012, recurso 932/12.

Por isso, e perante o circunstancialismo fáctico-jurídico supra descrito cumpre apreciar, antes de mais, se se verificam os requisitos do recurso por oposição de acórdãos.

6.1 Como vem afirmando a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo, tendo os autos dado entrada posteriormente a 1 de Janeiro de 2004 é aplicável o regime previsto nos artigos 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), pelo que são os seguintes os requisitos de admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos:
- existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito;
– a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que concerne à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados constitui também jurisprudência pacífica do pleno desta secção que se devem adoptar os critérios já assentes no domínio do ETAF de 1984 e da LPTA, para detectar a existência de uma contradição, ou seja:
– identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica;
– que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica;
– que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; o que pressupõe identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.
– a oposição deverá decorrer de expressa resolução da questão de direito suscitada, não sendo atendível a oposição implícita dos julgados – ver acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 18.02.1998, recurso 28637, de 12.03.2003, recurso 35205, de 26.09.2007, recurso 452/07, de 21.05.2008, recurso 460/07, de 06.06.2009, recurso 617/08, e de 13.11.2013, recurso 594/12.


6.2 No caso vertente a recorrente faz consistir a alegada oposição no facto de o acórdão recorrido ter considerado que «perante o artigo 24.° da CEDT Portugal/Países Baixos — no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos —, o tratamento fiscal diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes é compatível com a liberdade de circulação de capitais uma vez que a referida disposição convencional permite a neutralização da diferença de tratamento através de um crédito de imposto nos Países Baixos, apresentando-se como irrelevante para o juízo de legalidade das retenções de IRC que o referido crédito possa não existir em face da não tributação, pelos Países Baixos, dos rendimentos obtidos em Portugal», argumentando que, por outro lado, na tese do acórdão fundamento se terá entendido que «no contexto da distribuição de dividendos por uma sociedade residente em Portugal a uma sociedade sua accionista residente nos Países Baixos, o artigo 24.° da CEDT Portugal/Países Baixos apenas tornará o tratamento fiscal diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes compatível com a liberdade de circulação de capitais — neutralizando os efeitos lesivos dessa diferença de tratamento — caso a referida disposição convencional determine a existência de um crédito efectivo de imposto nos Países Baixos, o que não sucede quando os rendimentos obtidos em Portugal não sejam aí sujeitos a tributação, sendo nessa circunstância ilegal a retenção na fonte de IRC sofrida em Portugal.»


Vejamos, pois, se verifica o primeiro dos pressupostos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos: contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito.
O acórdão recorrido elegeu como questão a decidir (ponto 2.2) a de saber se as liquidações de IRC por retenção na fonte, a título definitivo e à taxa de 10%, operadas pela Fazenda Pública sobre os dividendos distribuídos à B…………, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco C…………, SA, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjunta dos arts. 4º, nº 3, alínea c), subalínea 3, e 80.°, n.° 2, alínea c), do CIRC, e 10.º, nº 2, da CEDT Portugal/Países Baixos, enfermam de vício de violação de lei, em especial por violação do princípio da livre circulação de capitais.
Em causa estava o alegado tratamento diferenciado, conferido nos anos de 2003 e 2004, pelos artigos 90.º, n.° 1, alínea c), 46.°, n.° 1, 80.°, n.° 2, alínea c), 14.º, n.° 3, e 89.°, n.° 1, do Código do IRC, aos accionistas residentes e não residentes de sociedades comerciais portuguesas e a possibilidade de tal tratamento diferenciado o que configurar uma discriminação injustificada em função da residência, proibida pelo artigo 56.° do TCE — actual artigo 63.° do TFUE - e constituir uma restrição à livre circulação de capitais, argumentação esta que foi acolhida pela sentença de primeira instância (Do TAF do Porto, pags. 323 e segs.).
Tendo assim delimitado o objecto do recurso, o acórdão começou por analisar a jurisprudência comunitária sobre a neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes e, nomeadamente, por ponderar que «o Tribunal de Justiça concluiu que os princípios relativos à livre circulação de capitais e à liberdade de estabelecimento não se opõem a que a regulamentação fiscal de um Estado-membro que obriga à retenção na fonte do imposto sobre os juros pagos por uma sociedade residente desse Estado a uma sociedade beneficiária residente de outro Estado-membro, embora isente dessa retenção os juros pagos a uma sociedade beneficiária residente do primeiro Estado-membro cujos rendimentos são tributados neste último Estado-membro a título de imposto sobre sociedades.»
Sublinhou também que «o TFUE refere expressamente que “a proibição de todas as restrições aos movimentos de capitais entre Estados-Membros e entre Estados-Membros e países terceiros (art. 63º, nº 1, do TFUE), não prejudica os Estados-Membros de “Aplicarem as disposições pertinentes do seu direito fiscal que estabeleçam uma distinção entre contribuintes que não se encontrem em idêntica situação no que se refere ao seu lugar de residência ou ao lugar em que o seu capital é investido” [art. 65º, nº 1, alínea a), do TFUE]».

E sobre a apreciação da legalidade das liquidações à luz da aplicação da Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos para evitar a Dupla Tributação, ponderou ainda o acórdão recorrido, com base na sua interpretação da jurisprudência comunitária (nomeadamente o Despacho do TJUE de 22 de Novembro de 2010, o acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05 e o acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C-170705) que de tal jurisprudência se retira que «não há lugar a qualquer discriminação e consequente violação do Direito Comunitário se o imposto retido no Estado da fonte (Portugal) puder ser imputado no imposto devido no Estado Residente até ao montante da diferença de tratamento, em resultado da aplicação da Convenção sobre dupla tributação celebrada entres os dois Estados».

No prosseguimento de tal argumentação julgou o acórdão recorrido que «a Administração Tributária, ao tributar os dividendos através da retenção na fonte à taxa de 10%, se limitou a dar cumprimento ao estatuído no regime jurídico constante da referida Convenção, não incorrendo em qualquer ilegalidade, pois decorre do mesmo diploma que a referida retenção será neutralizada por aplicação de um crédito de imposto nos termos do estatuído no art. 24º, nºs 2 e 4, da mesma».
E concluiu que ”beneficiando a B…………, em conformidade com a Convenção sobre dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, de um crédito de imposto, a deduzir no País de residência, a recorrida carece, nesta situação, de base para argumentar que a nossa legislação (que compreende a derivada de Convenções Internacionais) não é compatível com a legislação Comunitária, em termos de fundamentar a existência de discriminação entre accionistas residentes e não residentes.”

Por sua vez no acórdão fundamento (482/10, a fls. 457 e segs.) estava em causa, também, a compatibilidade com o direito da União Europeia do regime de tributação, por retenção na fonte (artigos 14.°, n.° 3, 46.°, n.° 1, 89.° e 96.°, n.os 2 e 3, do CIRC), dos dividendos distribuídos no exercício de 2006, a sociedade não residente (mas residente noutro Estado membro da EU – a Holanda) pela D………… SA, e em concreto saber se tal regime colidia com uma das liberdades fundamentais previstas no Tratado da Comunidade Europeia (actual TFUE): a livre circulação de capitais e pagamentos.

No âmbito do referido processo o Supremo Tribunal Administrativo decidiu suspender a instância e submeter ao Tribunal de Justiça a seguinte questão prejudicial: «Os artigos 63.º TFUE e 65.º TFUE […] opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a dos artigos 46.º, n.º 1, 96.º, n.os 2 e 3, 14.º, n. 3, e 89.º do CIRC, que, no âmbito da eliminação da dupla tributação económica de lucros distribuídos, muito embora respeitando a Diretiva [90/435], não permite às sociedades acionistas residentes noutro Estado-Membro obter o reembolso do imposto retido na fonte nas mesmas circunstâncias que as sociedades acionistas residentes em Portugal, exigindo para o efeito um período mínimo de detenção maior e uma participação social mínima mais relevante, tornando mais morosa ou inviabilizando a eliminação da dupla tributação económica?»

E sobre tal questão o Tribunal de Justiça, por despacho de 18.06.2012, proferido no processo C-38/11 (In http://eur-lex.europa.eu), depois de ponderar que, no processo principal, o Supremo Tribunal Administrativo não apresentou a convenção destinada a evitar a dupla tributação como fazendo parte do quadro jurídico aplicável ao processo, declarou que:

1) Os artigos 63.º TFUE e 65.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que não permite a uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 10%, mas inferior a 20%, obter a isenção do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal e sujeita assim esses dividendos à dupla tributação económica, ao passo que, quando os dividendos são distribuídos às sociedades acionistas residentes em Portugal e que detêm o mesmo tipo de participação, essa dupla tributação económica dos dividendos é evitada. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais.

2) Os artigos 49.º TFUE e 54.º TFUE opõem-se à legislação de um Estado-Membro, como a que está em causa no processo principal, que permite que uma sociedade residente noutro Estado-Membro que detém, numa sociedade residente em Portugal, uma participação superior a 20% obtenha o reembolso do imposto retido na fonte sobre as distribuições de dividendos efetuadas pela sociedade residente em Portugal unicamente se tiver detido essa participação de modo ininterrupto durante dois anos, tornando assim mais morosa a eliminação da dupla tributação económica relativamente às sociedades acionistas residentes em Portugal que detêm o mesmo tipo de participação. Quando um Estado-Membro invoca uma convenção destinada a evitar a dupla tributação celebrada com outro Estado-Membro, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção e, sendo caso disso, verificar se esta permite neutralizar os efeitos da restrição à liberdade de estabelecimento.

Na sequência da decisão do Tribunal de Justiça o acórdão fundamento delimitou a questão controvertida como sendo a de saber «se efectivamente, a Convenção de Dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais ou à liberdade de estabelecimento, ou, (…) por outras palavras (…) se o valor do imposto retido em Portugal poderia vir a ser recuperado nos Países Baixos».
E sobre tal questão, depois de ponderar que, a ser correcta a tese da recorrente e estando o valor retido em Portugal isento nos Países Baixos, não constituía aí «base tributável de imposto sobre o rendimento/capitais, pelo que não haveria lugar a crédito de imposto» e, «assim não haveria possibilidade de recuperar o imposto retido em Portugal» o acórdão fundamento veio a concluir que, para se poder chegar a essa conclusão havia que «apurar factos, nomeadamente, saber se tais dividendos foram ou não declarados nos Países Baixos» e havia «que trazer aos autos as normas legais que a recorrente refere como vigentes nos Países Baixos», decidindo, em consequência «a revogação da decisão recorrida, com a baixa dos autos tendo em vista a aquisição das normas legais aplicáveis e ampliação da matéria de facto pertinente, a fim de se confirmar ou não o alegado pela recorrente.»

Em suma, o Acórdão recorrido considerou que regime tributário interno de retenção na fonte dos dividendos distribuídos a sociedade não residente previsto no CIRC é compatível com o Direito Comunitário na medida em que o artigo 24º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos garante um crédito de imposto que permite neutralizar a retenção na fonte de IRC sofrida em Portugal, sendo para o efeito irrelevante não existir a possibilidade de beneficiar desse crédito nos Países Baixos por os dividendos serem aí isentos de tributação.
Inversamente, o Acórdão fundamento — em cumprimento, após reenvio prejudicial, da pronúncia do Tribunal de Justiça da União Europeia em sede do Despacho Fundamentado proferido no Processo C-38/11 —, considera que o tratamento fiscal conferido nos Países Baixos aos dividendos em causa — maxime a sua isenção de tributação — é decisivo para determinar a existência ou não do crédito de imposto e, desse modo, para aferir da eventual neutralização pelo artigo 24º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos da discriminação decorrente da tributação em sede de IRC de tais rendimentos.
Ou seja ambos os acórdãos interpretam de forma diferente o teor do artº 24º nº 4 da CEDT Portugal/Países Baixos e dele retiram consequências diversas quanto à compatibilidade do regime de tributação em IRC dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes com o principio da livre circulação de capitais.
Enquanto que o acórdão recorrido se basta com a chamada neutralização potencial, i.e. com a previsão de um método de crédito na convenção e com a possibilidade jurídica do sujeito passivo obter a neutralização, já no acórdão fundamento se entende que é necessária uma neutralização efectiva, isto é que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência, sendo pois necessário determinar, à luz do referido artº 24º, qual o tratamento fiscal conferido pelo Estado da residência aos rendimentos em causa.
Acresce que ambos os arestos foram proferidos no âmbito do mesmo quadro jurídico, já que quer no acórdão recorrido quer no acórdão fundamento estava em causa a aplicação do artigo 24º da CEDT Portugal/Países Baixos — e o mecanismo de crédito de imposto aí previsto — no contexto da compatibilidade com o Direito Comunitário de uma tributação em IRC que consubstancia um tratamento fiscal diferenciado pelo Estado português entre accionistas de sociedades portuguesas residentes em Portugal e accionistas de sociedades portuguesas residentes nos Países Baixos, em detrimento destes últimos — decorrendo esse tratamento diferenciado, em qualquer das situações subjacentes aos referidos Acórdãos, do disposto no artigo 46.º, n.º 1, do CIRC e no artigo 14.º, n.º 3, do CIRC.

6.3 Verifica-se assim o apontado conflito de jurisprudência e verifica-se também o segundo requisito do recurso por oposição de acórdãos pois não se pode afirmar que o acórdão recorrido está em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Com efeito, bem pelo contrario, a mais recente jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem-se pronunciado, por diversas vezes, em sentido claramente divergente à tese acolhida no acórdão recorrido, ou seja, no sentido de que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 29.02.2012, recurso 1017/11, de 28.11.2012, recurso 482/10, de 29.05.2013, recurso 322/13, de 27.11.2013, recurso 654/13, de 18.12.2013, recurso 568/13, de 09.04.2014, recurso 1318/13 e de 21.05.2014, recurso 1192/13, todos in www.dgsi.pt.


Estão, assim reunidos todos requisitos do recurso com fundamento em oposição de acórdãos.

7. Deste modo, verificada a oposição, cumpre decidir a questão objecto do recurso que, tal como a recorrente a configura nas suas alegações, é a de saber se o regime decorrente do artigo 24º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.° do TFUE (ex-artigo 56.° do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes.
Pretende a recorrente que o Acórdão recorrido fez uma interpretação errónea do artigo 24º, n.ºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos e, por conseguinte, extraiu do regime nele ínsito ilações igualmente incorrectas, impondo-se por esse motivo a revogação do sentido decisório propalado em tal aresto, com fundamento em erro de julgamento, e, em consequência, a adopção do entendimento perfilhado no Acórdão fundamento.

7.1 Como vimos, sobre a apreciação da legalidade das liquidações à luz da aplicação da Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos para evitar a Dupla Tributação, o acórdão recorrido considerou que o regime tributário interno de retenção na fonte dos dividendos distribuídos a sociedade não residente previsto no CIRC é compatível com o Direito Comunitário na medida em que o artigo 24º, n.º 4, da CEDT Portugal/Países Baixos garante um crédito de imposto que permite neutralizar a retenção na fonte de IRC sofrida em Portugal, sendo para o efeito irrelevante não existir a possibilidade de beneficiar desse crédito nos Países Baixos por os dividendos serem aí isentos de tributação.
Ponderou-se no acórdão recorrido que ” beneficiando a B…………, em conformidade com a Convenção sobre dupla Tributação celebrada entre Portugal e os Países Baixos, de um crédito de imposto, a deduzir no País de residência, a recorrida carece, nesta situação, de base para argumentar que a nossa legislação (que compreende a derivada de Convenções Internacionais) não é compatível com a legislação Comunitária, em termos de fundamentar a existência de discriminação entre accionistas residentes e não residentes.”
Invocando a jurisprudência comunitária - nomeadamente o Despacho do TJUE de 22 de Novembro de 2010, o acórdão de 8 de Novembro de 2007, Amurta, C-379/05 e o acórdão de 14 de Dezembro de 2006, Denkavit Internationaal e Denkavit France, C- 170705 – o aresto afirma que de tal jurisprudência se retira que «não há lugar a qualquer discriminação e consequente violação do Direito Comunitário se o imposto retido no Estado da fonte (Portugal) puder ser imputado no imposto devido no Estado Residente até ao montante da diferença de tratamento, em resultado da aplicação da Convenção sobre dupla tributação celebrada entres os dois Estados».
E prosseguindo nesta argumentação acaba por concluir que «as dificuldades invocadas pela recorrida para alcançar a neutralidade fiscal sempre seriam de imputar não ao método consignado na Convenção celebrada entre Portugal e os Países Baixos que, como vimos, é o que acolhe maior aceitação entre os Estados, mas a razões de política fiscal seguida no Pais de residência, ao decidir isentar os dividendos. Havendo isenção no País de residência, tudo se passa como se a Convenção em causa tivesse consagrado o método da isenção como método de eliminar a dupla tributação, no qual a retenção na fonte é sempre definitiva.»

7.2 Em suma o acórdão recorrido considera que, havendo isenção no País de residência, tudo se passa como se a Convenção em causa tivesse consagrado o método da isenção como método de eliminar a dupla tributação.
Não sufragamos no entanto este entendimento.
Antes entendemos, de acordo com o que vem sendo dito, de forma clara, pela jurisprudência do TJUE, que “quando um Estado-Membro invoca uma convenção celebrada com outro Estado-Membro, destinada a evitar a dupla tributação, cabe ao órgão jurisdicional nacional determinar se há que tomar em consideração essa convenção no litígio no processo principal e, sendo caso disso, verificar se esta convenção permite neutralizar os efeitos da restrição à livre circulação de capitais” (Ac. do TJUE proferido no processo C-379/05, Amurta SP contra Inspecteur van de belastingdienst/Amsterdam)
Como sublinha, João Félix Pinto Nogueira (Neutralização na distribuição de dividendos a sociedades não residentes, Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano VI, tomo 3, pag.313) o TJUE não se prende com a forma jurídica que assuma o crédito, e tem aceitado que a neutralização possa ocorrer tanto como consequência de um crédito integral, como por força de um crédito ordinário.
Porém, não basta a previsão de um qualquer método de crédito na convenção sendo necessária uma neutralização efectiva, isto é, que o sujeito passivo seja efectivamente capaz de imputar toda a retenção sofrida na fonte em imposto a suportar no Estado da residência.

Como ficou expresso no despacho do Tribunal de Justiça de 18 de Junho de 2012, proferido no processo C-38/11, na sequência de pedido de decisão prejudicial suscitado no âmbito do acórdão fundamento, “o Tribunal de Justiça já declarou, relativamente ao método de imputação para a prevenção da dupla tributação, que a aplicação desse método deve permitir que o imposto sobre os dividendos cobrado no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição desses dividendos seja totalmente imputado ao imposto devido no Estado de residência da sociedade beneficiária, de modo a que, se sobre os dividendos recebidos por essa sociedade incidir, no final, uma tributação superior à que incide sobre os dividendos pagos a sociedades residentes no primeiro Estado-Membro, essa carga fiscal superior já não seja imputável ao Estado de residência da sociedade distribuidora, mas ao Estado de residência da sociedade beneficiária, que exerceu o seu poder tributário (….).
Por conseguinte, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte no Estado de residência da sociedade que procede à distribuição dos dividendos só pode ser neutralizada através deste método de imputação se os dividendos provenientes do Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro. Ora, se esses dividendos não forem tributados ou não o forem num montante suficiente, não é possível imputar o montante de imposto cobrado no Estado-Membro de residência da sociedade que procede à distribuição, ou uma fracção dele» (v. acórdãos de 19 de Novembro de 2009, Comissão/Itália, C-540/07, de 3 de Junho de 2010, Comissão/Espanha, C-487/08, e de 20 de Outubro de 2011, Comissão/Alemanha, C-284/09, Colet., p. I-0000, n.º 63).).

Quer isto dizer, tal como concluiu o TJUE, que para se alcançar a neutralização é necessário que os dividendos distribuídos sejam efectivamente tributados no Estado da residência. Se o não forem, ou não o forem a um nível suficiente, então não se produz a total anulação dos efeitos discriminatórios provocados pela originária retenção na fonte e não há neutralização (Vide neste sentido, João Félix Pinto Nogueira, ob. citada, pag.313.).
Também neste sentido, e na sequência desta jurisprudência do TJUE, a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo tem afirmado por diversas vezes que o regime português de tributação por retenção na fonte com natureza definitiva dos dividendos distribuídos a sociedades não residentes, mas residentes em estados membros da UE é discriminatório e violador dos princípios da liberdade de estabelecimento e da livre circulação de capitais, se os mesmos dividendos se encontram isentos de imposto sobre o rendimento no Estado da residência, não se permitindo aí a dedução, compensação ou recuperação de qualquer imposto pago em Portugal – cf. acórdãos supracitados em 6.3.

Ora no caso em apreço, tal como no caso sobre que versou o acórdão fundamento estava em causa a CEDT Portugal/Países Baixos a qual, juntamente com as normas internas de tributação em IRC e as normas legais vigentes nos países baixos, faz parte do quadro jurídico aplicável com vista a aferir da possibilidade de neutralização dos efeitos de restrição à livre circulação de capitais provocados pela originária retenção na fonte.
O método de prevenção da dupla tributação está previsto no artigo 24.º daquela Convenção, que dispõe no seu nº 2:
«Os Países Baixos, ao tributarem os seus residentes, podem incluir na base sobre a qual esses impostos incidem os elementos do rendimento do capital que, de acordo com o disposto nesta convenção, podem ser tributados em Portugal”.
E, no nº 4, acrescenta-se: “(…) os Países Baixos concedem uma dedução do imposto dos Países Baixos assim calculado relativamente aos elementos do rendimento e do capital que, nos termos do nº 2 do artigo 10º, do nº 2 do artigo 11º, do nº 2 do artigo 12º, do nº 5 do artigo 13º, do nº 1, alínea b), do artigo 14º, do artigo 16º, do artigo 17º, do nº 3 do artigo 18º e dos nºs 1 e 2 do artigo 23º desta Convenção, podem ser tributados em Portugal na medida em que tais elementos estejam incluídos na base referida no nº 2. O montante desta dedução será equivalente ao imposto pago em Portugal sobre esses elementos do rendimento ou do capital, mas não excederá o montante da redução que seria concedida se os elementos do rendimento ou do capital assim incluídos fossem os únicos elementos do rendimento ou do capital isentos de imposto dos Países Baixos de acordo com as disposições da legislação dos Países Baixos relativa à eliminação de dupla tributação”.
A convenção adoptou assim um método de crédito ordinário de imposto em que a dedução permitida pelo Estado da residência é limitada à fracção do respectivo imposto correspondente aos rendimentos com origem no outro Estado.

No caso subjudice, como vimos, a diferença de tratamento decorrente da retenção na fonte efectuada a título definitivo e à taxa de 10%, sobre os dividendos distribuídos à B…………, aquando da distribuição de dividendos pelo Banco C…………, SA, relativos aos exercícios de 2003 e 2004, por força da aplicação conjunta dos arts. 4º, nº 3, alínea c), subalínea 3, e 80.º, n.º 2, alínea c), do CIRC, só pode ser neutralizada através deste método de imputação se tais dividendos forem suficientemente tributados no outro Estado-Membro (Holanda).

Importa pois apurar, de acordo com legislação fiscal holandesa, como são tratados os dividendos em causa, distribuídos à B………… e relativos aos exercícios de 2003 e 2004, nomeadamente se beneficiam de alguma isenção e, em caso negativo, se a mesma podia deduzir esse imposto pago em Portugal no imposto holandês sobre os rendimentos das pessoas colectivas.

Ora, apesar de na decisão de primeira instância se fazer alusão ao facto de a impugnante não poder deduzir o imposto no país de residência e de ter sido junto pela recorrida um parecer jurídico sobre o direito neerlandês - fls. 293 e segs. – não se vislumbra do probatório qualquer referência a esse facto ou à aquisição das normas legais dos Países Baixos aplicáveis, que também não foram trazidas aos autos.
E se é certo que, como se disse no acórdão fundamento, de acordo com o artº 348º do Código Civil àquele que invocar direito estrangeiro compete fazer prova da sua existência e conteúdo, sem prejuízo de o tribunal, oficiosamente, obter o respectivo conhecimento, não menos certo é que envolverá apreciação de matéria de facto saber se os dividendos em causa foram ou não declarados nos países baixos, e se, à luz da legislação fiscal holandesa, a recorrida reunia os requisitos para beneficiar de isenção de tributação sobre esses dividendos.
Neste contexto, porque que este Tribunal de recurso não dispõe de base factual para decidir o presente recurso jurisdicional – uma vez que ele pressupõe uma realidade de facto que não está pré-estabelecida nem aqui pode estabelecer-se por virtude de o Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de revista, carecer de poderes de cognição em sede de facto – verifica-se, um défice na fixação dos elementos de facto pertinentes para a discussão do aspecto jurídico da causa, que impõe a necessidade de ampliação da matéria de facto.

7.3 Em face de tudo o exposto, e considerando que, como supra se deixou dito,

a) a questão suscitada no presente recurso por oposição de acórdãos é delimitada à questão de saber a de saber se o regime decorrente do artigo 24º, nºs 2 e 4, da CEDT Portugal/Países Baixos encerra a concessão de um crédito de imposto no Reino dos Países Baixos, equivalente ao imposto suportado em Portugal, e permite neutralizar os efeitos lesivos, assentes na incompatibilidade com a liberdade de circulação de capitais prevista no artigo 63.º do TFUE (ex-artigo 56.º do TCE), do tratamento diferenciado em sede de IRC entre accionistas residentes e não residentes,
b) que não foi considerada pelo acórdão recorrido a necessidade de apurar se os dividendos distribuídos foram efectivamente tributados no Estado da residência,
c) e que não foi fixada pela primeira instância a matéria de facto pertinente para a discussão deste aspecto jurídico da causa,

há que revogar o acórdão recorrido e, nesta medida, anular também a sentença de fls. 323 e segs., e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito, de acordo com o que se atrás se apontou, assim se concedendo provimento ao recurso.

8. Termos em que acordam os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em julgar procedente o recurso e, em consequência, revogar o acórdão recorrido e a sentença de fls. 323, que deve ser substituída por outra que decida, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos acima apontados.

Custas pela Fazenda Pública que contra-alegou neste Supremo Tribunal Administrativo.

Lisboa, 9 de Julho de 2014. - Pedro Manuel Dias Delgado (relator) - Dulce Manuel da Conceição Neto - Joaquim Casimiro Gonçalves (na consideração que já tinha revisto posição no ac. de 27.11.2013, no proc. nº 654/13). - Isabel Cristina Mota Marques da SilvaJosé de Ascensão Nunes Lopes - Francisco António Pedrosa de Areal RothesAna Paula da Fonseca Lobo - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia José Maria da Fonseca Carvalho.