Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0235/13.6BEBJA 01052/17
Data do Acordão:12/12/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Descritores:MATÉRIA DE FACTO
Sumário:O princípio da legalidade em matéria fiscal impede a integração de lacuna no domínio das normas de incidência dos impostos nos termos do disposto nos artigos 103° n.º 2 da CRP e 11º, n.º 4 da LGT.
Nº Convencional:JSTA000P23952
Nº do Documento:SA2201812120235/13
Data de Entrada:09/29/2017
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E A....., S.A.
Recorrido 1:OS MESMOS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A FAZENDA PÚBLICA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Beja (TAF de Beja) datada de 20 de Outubro de 2016, que julgou a impugnação deduzida por A………., SA, totalmente procedente, anulou a liquidação de IRC e juros compensatórios relativos ao exercício de 2010, determinou o reembolso do montante pago, condenou a entidade impugnada no pagamento de juros indemnizatórios, condenou a Fazenda Pública em custas, fixou o valor da causa em € 6.931.026,77 e desatendeu a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça peticionada pela Impugnante subsidiariamente ao seu pedido de que o valor da causa se fixasse em € 275.000,00, valor também defendido pela FAZENDA PÚBLICA.

Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue:
I. Assim, o presente recurso tem por questão central saber se se encontram ou não verificados os pressupostos para a aplicação do regime transitório aos Instrumentos Financeiros Derivados alienados em 2010 ao justo valor, isto é, saber se, no que respeita aos Instrumentos Financeiros Derivados alienados em 2010, se aceita a variação de justo valor na transição do referencial contabilístico, no valor de 21.524.238,82 Euro, no próprio exercício, ou se, ao invés, se aplica o regime transitório previsto no art. 5.° do DL n.° 159/2009.
II. Com efeito, e em virtude dos ajustamentos do justo valor de Instrumentos Financeiros Derivados reconhecidos na contabilidade da Impugnante a 31/12/2009, foi aplicada pela Inspeção Tributária a norma de transição constante do disposto no art. 5.° do DL n.° 159/2009 que determina que os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adoção pela primeira vez do Sistema de Normalização Contabilística (SNC), após 1 de Janeiro de 2010, que sejam fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de ativos ou de passivos, concorrem em partes iguais para a formação do lucro tributável do primeiro período em que se aplique as normas e dos quatro períodos seguintes.
III. A Mma. Juíza, com os fundamentos expostos na Douta Sentença, entende que não se encontram verificados os pressupostos para a aplicação da referida norma.
IV. É posição da Fazenda Pública, salvo o devido respeito por posição contrária, e que é muito, que, nesta matéria, a Douta Sentença, apesar de bem elaborada e fundamentada no seu todo, enferma de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de facto e de direito, na medida em que efetuou, a nosso ver, um errado enquadramento da matéria em questão.
V. Por outro lado, versa ainda o presente recurso sobre o segmento decisório relativo ao pedido efetuado de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, com o qual, com a devida vénia, discordamos.
VI. Quanto à primeira questão (variação do justo valor dos Instrumentos Financeiros Derivados – IFD) a Impugnante, com referência ao exercício de 2010, e tendo em atenção a alteração do referencial contabilístico, do POC para o SNC, não efetuou ajustamentos de natureza contabilística aos IFD em causa porque já adotava, na valorização contabilística dos mesmos, as regras das normas internacionais de contabilidade (NIC).
VII. Isto significa que a variação do justo valor destes IFD foi refletido no resultado contabilístico de anos anteriores e, por conseguinte, também, de igual modo, no capital próprio para o qual transitam os resultados dos sucessivos exercícios.
VIII. Ao abrigo do art. 5.° do Decreto n.° 159/2009, os efeitos produzidos nos capitais próprios da Impugnante, em resultado da variação de justo valor dos IFD, por força da adoção das NIC ou do SNC, são elegíveis para efeitos de aplicação do regime transitório a que alude a referida disposição legal.
IX. Em face do exposto, sempre se encontram reunidos, para todos os devidos efeitos, os pressupostos de aplicação do regime transitório instituído pelo artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 159/2009, em virtude de se verificarem perdas de justo valor acumuladas nos capitais próprios referentes a IFD cujas variações de justo valor são agora fiscalmente relevantes, nos termos da legislação aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2010 (art. 49.º do CIRC).
X. A não aplicação do regime transitório nos casos em que as NIC já eram adotadas em períodos anteriores a 2010, nas situações em que não se mostrasse necessário proceder a ajustamentos contabilísticos de natureza quantitativa, como sucede in casu, prejudicaria o principio da igualdade fiscal, promovendo um tratamento diferenciado não previsto na lei, e uma situação de desigualdade tributária entre os contribuintes em função da forma de contabilização em vez de atender à substância das realidades subjacentes, o que não pode ter sido, em nosso entender, a intenção do legislador.
XI. Acompanhando o direito contabilístico, no âmbito do novo regime instituído em sede de IRC, a partir de 1 de Janeiro de 2010, os IFD são valorizados para efeitos fiscais segundo o modelo do justo valor através de resultados, o que significa que as perdas ou ganhos do seu justo valor verificadas em cada um dos exercícios seguintes são aceites como componentes do lucro tributável independentemente da sua concretização efetiva (venda/liquidação).
XII. Afastado que está o princípio da realização em IFD a partir da referida data, é irrelevante a circunstância dos referidos IFD serem alienados no próprio exercício 2010 ou em qualquer outro exercício seguinte.
XIII. Por conseguinte, a venda/liquidação dos IFD não faz cessar a aplicação do regime transitório mantendo-se os seus efeitos no ano 2010 e nos 4 anos seguintes.
XIV. Assim, entendemos, salvo o devido respeito por posição contrária, que a douta sentença recorrida, ao julgar procedente a impugnação judicial nesta matéria, efetuou um errado enquadramento de facto e de direito da matéria controvertida.
XV. No que respeita à segunda questão, relativa ao valor da acção para efeitos de custas temos que, no segmento decisório da sentença aqui escrutinada, determina a Meritíssima Juíza a não dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
XVI. Ora, a Fazenda Pública havia requerido, quer na contestação, quer nas alegações escritas, nos termos do art. 120.° do CPPT, a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
XVII. Com efeito, entende a Fazenda Pública que a norma do art. 11.º, conjugada com a do n.° 1 do art. 6°, e correspondente Tabela, na medida em que não estabelecem qualquer limite máximo para o valor da taxa de justiça, fazendo depender o seu montante, apenas e cegamente, do valor da ação (numa progressão infinita), são manifestamente inconstitucionais, por violação do principio do Estado de Direito, nessa sua especifica dimensão, dos princípios da proporcionalidade (arts. 2.° e 18°, n.° 2 da CRP) e da igualdade (art. 13.° da CRP), configurando um enriquecimento sem causa (art. 473.° do Código Civil (CC) na medida em que não existe contrapartida ou correspetividade entre o valor da taxa de justiça devida, nos termos daquelas normas, e o serviço prestado pelo tribunal.
XVIII. Dissecando o art. 6.º do Regulamento das Custas Processuais, verificamos, de acordo com o teor da norma do n.° 1, conjugada com a norma do n.° 7, que, são dois os requisitos essenciais para a dispensa do pagamento do remanescente, a saber: (i) a complexidade da causa e (ii) a conduta processual das partes.
XIX. Ora, é nosso entendimento de que não se verifica, no caso em apreço, uma má conduta processual das partes justificativa de tal acréscimo, estando preenchido, para aferição da possibilidade de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, o segundo pressuposto, a saber, a conduta processual das partes.
XX. Ora, entende a Fazenda Pública que, efetivamente, a matéria em questão é complexa e envolve pesquisa e conhecimentos de vária ordem.
XXI. Porém, tal complexidade não justifica uma taxa de justiça superior àquela que resulta da aplicação do limite de € 275.000, ou seja, € 1.632 por cada uma das partes.
XXII. Com efeito, um montante de custas que ascende a €83.334,00 num processo desta natureza ofende o mais elementar sentimento de justiça, revelando absolutamente imoral.
XXIII. Na verdade, se atendermos a que no dia-a-dia dos tribunais nos deparamos com ações substancialmente mais complexas que estão longe de atingir os montantes em causa nos presentes autos, a conclusão não pode ser outra senão a de que existe uma flagrante desproporcionalidade entre o serviço prestado, os custos cobrados e os custos a cobrar.
XXIV. Por outro lado, no tocante à conduta das partes durante a tramitação destes autos considera-se ter sido uma conduta normal de litigantes sem que se encontra qualquer conduta censurável.
XXV. Assim se entende, importando não olvidar que deve existir correspetividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais, quer de acordo com o principio da proporcionalidade consagrado no art. 2.° CRP, quer ainda do direito de acesso à justiça acolhido no art. 20.°, igualmente da Constituição da República Portuguesa.
XXVI. Por fim, tudo visto e ponderado, na sequência do exposto, este recurso deve proceder devendo a conta de custas a elaborar ter em conta o máximo de 275.000,00 euros fixado na tabela I do RCP aplicável desconsiderando-se o remanescente, por violação também do princípio da igualdade.
XXVII. Ou, subsidiariamente, caso assim não se entenda, o que apenas se admite por mera cautela de raciocínio, deverá o valor da causa para efeitos de custas ser ajustado para um montante considerado justo e equilibrado, adotando-se uma solução que não choque com o comum sentimento de justiça.
XXVIII. A dispensa do remanescente é, aliás, o procedimento que melhor se coaduna com a Jurisprudência.
Nesta conformidade, e quanto a estas matérias aqui sindicadas, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por acórdão que analise cabalmente, de facto e de direito, as questões suscitadas, em cumprimento das normas legais em vigor, tudo com as devidas consequências legais.

Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
A) O recurso apresentado pela Administração fiscal aos presentes Autos restringe-se a matéria de direito, pelo que, nos termos do disposto no artigo 280.°, n.° 1, do CPPT e nos artigos 26.°, alínea b) e 38.°, alínea a) do ETAF é competente para a apreciação do mesmo a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, pelo que deverá a incompetência deste Tribunal Central Administrativo Sul ser declarada com as devidas consequências legais.
B) Quanto à questão de fundo, nos termos considerados provados — e bem — pelo Tribunal a quo, em 2010, a Recorrida apurou uma perda no valor de € 26.905.298,53 decorrente da liquidação dos instrumentos financeiros derivados que se venceram e realizaram nesse ano.
C) Ora, com referência à aludida perda não se mostra aplicável, tal como decidido pelo Tribunal a quo, o regime transitório vertido no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de Julho, e que resulta de necessidade de minorar o impacto da adaptação do Código do IRC às regras do SNC que passaram a ser aplicáveis a partir de 2010.
D) Em concreto, não se verificam quaisquer dos pressupostos que poderiam conduzir à aplicação daquele regime transitório: (i) não ocorreram quaisquer efeitos nos capitais próprios da Recorrida decorrentes da adopção do SNC no que à dita perda diz respeito; (ii) não existe qualquer regra que tenha alterado o reconhecimento da perda da Recorrida (i.e., as perdas realizadas em instrumentos financeiros derivados eram já admitidas para efeitos fiscais em 2009 e continuaram a ser em 2010 ou posteriormente); (iii) não existiu também qualquer alteração à forma de determinação do montante da perda.
E) O regime transitório vertido no Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de Julho, serve apenas para definir o regime fiscal de ganhos ou perdas que a partir de 1 de Janeiro de 2010 passaram ou deixaram de ser fiscalmente relevantes face ao que acontecia em 31 de Dezembro de 2009, seja por alterações de regras de reconhecimento ou de mensuração, situação que não se verificou in casu.
F) Por outro lado, do entendimento da Administração fiscal segundo o qual, mesmo na falta do preenchimento dos requisitos previstos no artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de Julho, o «regime transitório» seria aplicável por existirem «características substancialmente idênticas aquelas que emergem da adopção pela primeira vez do novo normativo contabilístico no período de 2010», decorre que esta pretende aplicar analogicamente aquele regime transitório a realidades factuais a que a lei não permite.
G) A aplicação analógica no domínio do direito fiscal é por todos considerada ilegal, dado que do princípio da legalidade resulta a proibição da analogia e tal se encontra expressamente consagrado no n.° 4 do artigo 11.° da LGT.
H) Ademais, se se entendesse que a aplicação analógica do referido regime transitório não padecia de ilegalidade — o que só em hipótese académica se admite e sem conceder — seria essa aplicação analógica inconstitucional por violação do princípio da legalidade dos impostos constitucionalmente plasmado para as normas de incidência — cfr. artigo 103.°, n.ºs 2 e 3 e 104.°, n.° 2 da CRP —, uma vez que decorre deste princípio que a interpretação e a aplicação têm de assentar, ainda que apenas minimamente, na letra da lei o que não sucederia naquele caso e, por isso, se arguiu expressamente a sua inconstitucionalidade para todos os efeitos legais.
I) Verdadeiramente, a admitir semelhante aplicação analógica do regime transitório, esta seria, também, inconstitucional por violação do princípio da confiança ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado, nomeadamente, no artigo 2.° da CRP, pois os contribuintes não podem razoavelmente contar que com a aplicação de normas por analogia, inconstitucionalidade essa que também se arguiu no presente processo para todos os efeitos legais.
J) Tudo visto, bem andou o Tribunal a quo ao julgar não se encontrarem preenchidos os requisitos previstos no artigo 5.º do Decreto-Lei n.° 159/2009, de 13 de Julho, anulando, por manifestamente ilegal, o acto de liquidação de IRC e juros compensatórios e ordenando o reembolso do que foi já pago, sendo que, ademais, sempre a aplicação analógicas dessa norma ao caso sub judice seria manifestamente ilegal e mesmo inconstitucional.
K) Por fim, sob pena de violação dos artigos 6.º e 11.° do RCP e dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito de acesso aos Tribunais e nos termos do n.° 7 do artigo 6.º do RCP, deve a decisão recorrida ser, nos termos requeridos pela Administração fiscal no seu recurso, revogada e substituída por outra que dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

A Impugnante A…………., SA, inconformada com a decisão de não haver dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça veio a fls. 295-297, interpôs recurso subordinado, tendo concluído:
a. A Recorrente censura a sentença recorrida por esta não ter dispensado o pagamento do remanescente da taxa de justiça em primeira instância ao abrigo do n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais.
b. Ao contrário do que afirma o Tribunal a quo, o facto de se antecipar a interposição de recurso da sentença não contende — de todo em todo — com a possibilidade (e o dever) de dispensar do pagamento da taxa de justiça em primeira instância, dado que o Tribunal a quo já cessou a sua actividade nessa fase, que pelo recurso é devida taxa de justiça autónoma e que deve haver correspectividade entre os serviços prestados e a taxa de justiça cobrada aos cidadãos que recorrem aos tribunais
c. In casu o comportamento das partes tem sido de notória lisura, não foram apresentados articulados prolixos, não foi produzida prova pericial, não foram exigidas diligências de produção de prova morosas e/ou sequer complexas; sendo que é só uma a questão subjacente ao processo dos Autos, a qual se prende somente com as consequências da entrada em vigor de determinado regime fiscal e contabilístico, a qual não se afigura de marcada complexidade.
d. Dito isto, encontram-se verificados os pressupostos para a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça vertidos no n.° 7 do artigo 6.° do Regulamento das Custas Processuais, a qual deve ser decretada.
e. Sem prescindir, mesmo que assim não se pudesse concluir, sempre se teria de determinar aquela dispensa, mesmo que só parcialmente, para obviar à violação do princípio da proporcionalidade e do direito de acesso aos tribunais, por se mostrar manifesto que o montante da taxa de justiça apurado com referência ao valor da causa — i.e., € 6.931.026,77 — sem qualquer limite implica a cobrança de taxa de justiça que não só não tem qualquer correspondência com o serviço prestado, mas também que, neste ensejo, se mostra manifestamente desproporcional e cria obstáculo inadmissível ao acesso à justiça.
f. É que, tornando-se inoperativo o mecanismo da dispensa do pagamento do remanescente, deve concluir-se que os artigos 6.º e 11.º, conjugados com a Tabela I-A anexa do Regulamento das Custas Processuais, na interpretação segundo a qual inexiste qualquer limite para a fixação da taxa de justiça devida pelas partes, padecem de inconstitucionalidade por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, e do Princípio da Proporcionalidade, decorrente dos artigos 2.º e 18.º. n.° 2, segunda parte da Constituição da República Portuguesa, inconstitucionalidade já arguida.
g. Em suma, segundo o n.° 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais e sob pena de violação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e do direito de acesso aos Tribunais, deve a decisão recorrida ser revogada e a substituída por outra que dispense o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Nestes termos, deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se a decisão emitida pelo Tribunal a quo na parte respeitante à dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, a qual deve ser substituída por outra que dispense as partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça em sede de primeira instância.

Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso subordinado.

O Ministério Público notificado pronunciou-se emitindo parecer no sentido de ser confirmada a anulação da liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios (exercício de 2010) e a decisão de indeferimento do pedido de dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça ser revogada e substituída por acórdão que dispense o pagamento de 90% do remanescente da taxa de justiça.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
A) A A……… dedica-se à extracção mineira nas minas de …………, sitas no concelho de Castro Verde, ao abrigo de contrato de concessão para a exploração do depósito mineral de cobre, zinco, chumbo, prata, ouro, estanho e cobalto denominado ………….., celebrado entre o Estado e a A………. em 24 de Novembro de 1994, com a redacção que resultou após a alteração de 18 de Junho de 2004;
B) A sociedade Impugnante tem a sua sede social nas Minas ........, em …………., área deste Tribunal Tributário;
C) Em períodos de cotações muito baixas destes minérios no mercado, por forma a evitar a suspensão da actividade, a sociedade Impugnante utiliza instrumentos financeiros derivados;
D) Através destes pretende proteger-se ao risco de variação do preço dos inventários e do risco de margem de venda;
E) Deste modo a Impugnante procede à alienação de opções de compra a um determinado preço e à aquisição de opções de venda a um preço inferior, os quais criam uma banda de preços de venda para uma determinada percentagem da produção de minério da Impugnante;
F) Para efeitos contabilísticos esses instrumentos financeiros derivados eram registados no final de cada exercício com apuramento de ganho ou perda potencial para a Impugnante;
G) Perante a diminuição dos preços do cobre nos anos de 2008 e 2009 a sociedade Impugnante decidiu socorrer-se de instrumentos financeiros derivados para fazer face a uma futura redução dos ganhos e consequente reflexo na produção e eventual paragem desta;
H) Quanto ao exercício de 2009 a Impugnante reconheceu uma estimativa de perda contabilística nestes IFD por si contratados, e então ainda não liquidados, no valor de 26.905.298,53 euros;
I) A Impugnante não fez reflectir tal perda em termos fiscais quanto a esse ano porque ainda não efetivamente concretizada;
J) Somente em 2010, quando procedeu à efectiva liquidação desses IFD, reconheceu quer para efeitos contabilísticos quer para efeitos fiscais aquele montante que veio a verificar como perda final;
K) Foi desse modo que, em 2010, reconheceu que da liquidação de tais IFD decorreu uma perda de 26.905.298,53 euros;
L) Correspondentemente deduziu ao lucro tributável desse exercício perda correspondente a tal montante;
M) Em cumprimento da Ordem de Serviço n° OI201200184, de 10/08/2012, foi realizado o procedimento de inspecção externa à sociedade Impugnante;
N) Esta inspecção decorreu de selecção efectuada com o objectivo de verificar o cumprimento das obrigações fiscais referentes ao período de 2010;
O) Na sequência da inspecção realizada foi elaborado relatório que concluiu, além do mais, o seguinte:
A empresa considerou na determinação do lucro tributável de 2010 a dedução de 26.905.298,53 euros (campo 775 do quadro 07 da declaração 22) valor que:
(i) Corresponde ao ajustamento reconhecido em 31 de dezembro de 2009 relativamente à diferença entre o valor inicial e o justo valor dos IFD cujo gasto foi acrescido na determinação do lucro tributável de 2009;
(ii) Resulta da redução por justo valor dos instrumentos financeiros derivados reconhecida em 31/12/2009, momento de transição para o SNC e que corresponderia à variação patrimonial negativa apurada na transição do modelo do custo (POC) para o de justo valor através de resultados (SNC), já reflectida em capitais próprios por força da contabilização considerada em 2009, devendo ter o tratamento fiscal consignado para o impacto em 2010 do enquadramento dado a variações que apenas com a alteração dada pelo DL 159/2009 passaram a ter relevância fiscal.
Na situação em análise com a adopção do SNC não existem em 2010 quaisquer impactos em capitais próprios, contudo existem efeitos já concretizados nos capitais próprios (resultados transitados) da empresa que resultam do registo de gastos associados ao ajustamento em resultados nos períodos anteriores a 2010 mais concretamente em 2009.
Pelo que se pode afirmar que já se encontram registados nos capitais próprios efeitos inerentes à adaptação do Código do IRC ao Sistema de Normalização Contabilística, efeitos esses que devem ser considerados relevantes para efeitos fiscais porquanto apresentam características substancialmente idênticas àquelas que emergem da adopção pela primeira vez do novo formato contabilístico no período de 2010.
Nos termos do regime transitório estabelecido para os ajustamentos de transição POC/SNC pelo nº5 do art. 5º do Decreto-Lei nº 159/2009, de 13 de julho, os efeitos decorrentes da adoção pela primeira vez do Sistema Normalização Contabilística que sejam fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC concorrem em partes iguais para a formação do lucro tributável do primeiro período em que se aplique as normas e dos quatro períodos seguintes, pelo que se corrige o lucro tributável em 21.524.238,82 euros traduzido nas seguintes correcções aos valores inscritos na declaração modelo 22:

Descritivo
Variação J.V.

Das IFD a 31

dez 09
Impacto no Lucro Tributável a cada período
2010

2011
2012
2013
2014
A……..
-26.905.298,53-26.905.298,53
Adm

Tributária
-26.905.298,53-5.381.059,71
5.381.059,715.381.059,75.381.059,75.381.059,7

P) A Impugnante pronunciou-se, em sede de direito de audição, quanto às conclusões do relatório discordando, nomeadamente com estas conclusões acerca dos reflexos fiscais da perda inerente aos IFD liquidados no ano de 2010;
Q) Este relatório, mantendo as conclusões iniciais, foi sancionado pelo Director da Unidade dos Grandes Contribuintes onde foi desenvolvida a fiscalização por despacho de 27/12/2012;
R) A sociedade Impugnante tomou conhecimento deste relatório definitivo em 30/01/2013;
S) Nesta sequência foi emitida a nota de liquidação com o n° 20138310000817, em 04/02/2013, relativa a IRC e juros compensatórios do exercício de 2010, no valor de 6.931.026,77 euros;
T) A Impugnante recebeu esta liquidação por via electrónica em 12/02/2013;
U) A liquidação em questão foi objecto de nota de compensação emitida em 05/02/2013;
V) Sendo que o prazo limite para pagamento desta se encontrava fixado em 04/04/2013;
W) Com esta liquidação não se conformando veio a sociedade Impugnante deduzir impugnação contra a mesma em 03/07/2013;
X) A liquidação dos instrumentos financeiros derivados no decurso do ano de 2010 não importou qualquer efeito nos capitais próprios da A……. como referido no relatório e antes citado;
Y) De igual modo entre os anos de 2001 e 2004 a sociedade Impugnante socorreu-se de instrumentos financeiros derivados com o mesmo propósito, fazendo-os reflectir contabilística e fiscalmente pela mesma forma que fez relativamente aos instrumentos financeiros derivados liquidados no ano de 2010;
Z) Em todos estes exercícios a ATA aceitou o procedimento contabilístico e fiscal levado a cabo pela Impugnante;
AA) Ou seja, reflectiu o valor de perda ou ganho quando veio a ocorrer a sua liquidação;
BB) A Impugnante procedeu ao pagamento da liquidação aqui colocada em crise;
CC) O preço do cobre varia diariamente e decorre mundialmente do mercado de minério de Londres;
DD) Os contratos relativos aos instrumentos financeiros derivados são celebrados pela sociedade Impugnante com instituições financeiras, têm características de liquidação futura e fixam um preço do minério explorado pela mesma que lhe permita, pelo menos, cobrir os custos de produção por forma a não suspender a actividade;
EE) Daqui decorre que, se o preço efectivo no momento fixado para a liquidação for menor, a Impugnante nada perde e se for maior tem que pagar a diferença à instituição com que contratou;
FF) O valor potencial de perda dos instrumentos financeiros contratados no ano de 2009 que definiram no fim do exercício para efeitos de registo contabilístico resultou da avaliação entre o preço fixado contratualmente e o preço de mercado nesse momento;
GG) No ano de 2009 a Impugnante afectou 50 % da produção a instrumentos financeiros derivados;
HH) A organização contabilística e fiscal da sociedade Impugnante, no exercício de 2009, já era coerente com as normas do SNC porquanto adoptavam normas internacionais e não o POC que era omisso designadamente em matéria de instrumentos financeiros derivados, pelo que não houve necessidade de proceder a ajustamentos no exercício de 2010;
II) No final deste exercício a Impugnante fez reflectir contabilisticamente as perdas dos instrumentos financeiros derivados contratados e liquidados em 2009, procedendo, ainda, ao respetivo registo e dedução das perdas apuradas em termos fiscais;
JJ) Operação esta que a ATA aceitou considerando tais perdas como custo;
KK) Nos exercícios fiscais de 2011 e 2012 a sociedade Impugnante apresentou as declarações modelo 22 delas fazendo constar a parte dedutível relativa às perdas financeiras em questão como propugnado no relatório de inspecção antes citado;
LL) Quanto ao exercício de 2011 a Impugnante apresentou uma declaração de substituição, em 08/05/2013, mediante a qual aumentou o valor inicialmente deduzido no campo 705 (848.628,48€) para 6.229.688,19 €, correspondendo a diferença destes valores a 5.381.059,71 €, sendo este o montante indicado no relatório de inspecção como o susceptível de dedução no ano de 2010 e seguintes 4;
MM) A ATA não levou a cabo a correcção oficiosa da liquidação de IRC de 2011 por forma a fazer reflectir a perda considerada parcialmente e fixada em 2010 e, assim, ser deduzida em IRC;
NN) Por forma a evitar que o decurso do tempo implicasse perdas financeiras efectivas em pagamento de IRC a sociedade Impugnante optou por deduzir a partir do exercício de 2011, mediante a declaração de substituição, as parcelas da perda fixadas no relatório tornado definitivo;
OO) Tal opção derivou de uma medida preventiva por forma a evitar que o custo em causa, de 26.905.298,53€, fosse relevado apenas fiscalmente num quinto, perdendo-se de forma indefinida o efeito do custo sobrante;
PP) Tal opção não afastou a discordância da sociedade Impugnante, do seu Departamento de Contabilidade e da empresa que presta auditoria àquela com as conclusões do relatório de inspecção.
Nada mais se deu como provado.

Há que apreciar o recurso que nos vem dirigido.
No essencial, na sentença recorrida reconheceu-se razão à pretensão da recorrida por se ter entendido que no caso concreto não faria sentido a aplicação do regime transitório estabelecido no artigo 5º do DL n.º 159/2009, de 13.07, que procedeu à adaptação do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 30 de Novembro, às normas internacionais de contabilidade adoptadas pela União Europeia e ao Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de Julho, uma vez que a sociedade recorrida já anteriormente, nos exercícios fiscais anteriores, lançou mão do critério de quantificação do justo valor e evidência contabilística da estimativa da perda por recurso às normas internacionais que se mostravam harmoniosas com aquelas que o SNC veio introduzir, inexistindo alterações a registar.
Ou seja, se bem se percebe, para efeitos contabilísticos e fiscais, a posição da impugnante não surge afectada ou alterada pela entrada em vigor das novas regras uma vez que já anteriormente, esta mesma recorrida, organizava a sua contabilidade respeitando as regras que o DL 159/2009 veio introduzir no CIRC.
Já vimos que para a adaptação das novas regras introduzidas por este DL o legislador editou uma norma transitória com o seguinte teor, cfr. artigo 5º, n.º 1:
Os efeitos nos capitais próprios decorrentes da adopção, pela primeira vez, das normas internacionais de contabilidade adoptadas nos termos do artigo 3.º do Regulamento n.º 1606/2002, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de Julho, que sejam considerados fiscalmente relevantes nos termos do Código do IRC e respectiva legislação complementar, resultantes do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração, concorrem, em partes iguais, para a formação do lucro tributável do primeiro período de tributação em que se apliquem aquelas normas e dos quatro períodos de tributação seguintes.
Como bem se refere na decisão recorrida, não se vislumbra que a concreta situação de facto se possa enquadrar na previsão da norma transitória relevante pelas seguintes razões:
-a adopção do SNC pelo sujeito passivo a partir do início da sua vigência não se reflectiu no capital próprio da sociedade (entendido como valor residual dos activos da sociedade após dedução dos passivos); nem na alteração dos critérios de reconhecimento e de mensuração de activos e passivos (factos provados als. O) e X);
-no exercício de 2009 (antecedente ao primeiro exercício de aplicação do regime transitório) a impugnante tinha reconhecido uma estimativa de perda contabilística resultante da contratação de IFD nesse período de tributação mas ainda não liquidados, correspondente ao montante que deduziu ao lucro tributável do exercício de 2010 (factos provados als. H) I) J) K);
-o procedimento contabilístico e fiscal quanto a essas perdas adoptado em 2009 e 2010 foi idêntico ao adoptado nos exercícios de 2001 a 2004, com aceitação pela administração tributária (factos provados als. Y) Z);
-a perda (gasto na nova nomenclatura fiscal - art. 8° al. f) DL n° 159/2009, 13.07) apurada pelo sujeito passivo no exercício de 2010 resultou da liquidação de IFD contratados em 2009 (nos termos indicados na al. b).
Ou seja, face a este circunstancialismo fáctico disponível não resta dúvida que a perda apurada pela recorrida e aqui relevante não resulta da aplicação das regras do justo valor, ou até das demais regras adoptados pelo DL n.º 159/2009, antes pelo contrário, resulta de se ter verificado uma perda efectiva resultante da liquidação dos IFD’s, ou seja, no caso concreto tais perdas não resultam do reconhecimento ou do não reconhecimento de activos ou passivos, ou de alterações na respectiva mensuração.
E, portanto, não sendo subsumível o caso concreto à norma, a aplicação do regime transitório pretendida pela administração tributária, com fundamento numa alegada analogia do caso concreto com a adopção pela primeira vez do novo formato contabilístico (SNC) no período de 2010, constituiria uma violação do princípio da legalidade em matéria fiscal, impeditivo da integração de lacuna por interpretação no domínio das normas de incidência dos impostos nos termos do disposto nos artigos 103° n.º 2 da CRP e 11º, n.º 4 da LGT. Aliás, é a própria AT que no seu relatório, em que afirma a necessidade de correcção à declaração de IRC, que conclui pela não identidade da situação fáctica com aquela constante da previsão legal ao referir que, pelo que se pode afirmar que já se encontram registados nos capitais próprios efeitos inerentes à adaptação do Código do IRC ao Sistema de Normalização Contabilística, efeitos esses que devem ser considerados relevantes para efeitos fiscais porquanto apresentam características substancialmente idênticas àquelas que emergem da adopção pela primeira vez do novo formato contabilístico no período de 2010.
Improcederá, assim, nesta parte o recurso que nos vem dirigido.

Quanto ao segmento do recurso referente à dispensa do pagamento do remanescente da t.j.
Já se sabe que segundo a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal a norma constante do art. 6° nº 7 do RCP deve ser interpretada no sentido de que a concessão da dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, nas causas de valor superior a € 275.000,00 deve ocorrer quando for de complexidade inferior à comum e a conduta processual das partes não merecer censura; igualmente se justifica a concessão total ou parcial do benefício quando, não obstante as questões apreciadas no processo não se revestirem de complexidade reduzida, resultar da aplicação da tabela legal de custas um montante de taxa de justiça manifestamente desproporcionado ao serviço público de justiça prestado pelo tribunal, com quebra do nexo sinalagmático característico da figura tributária da taxa.
O valor da causa é de vários milhões de euros e, no essencial, a decisão fundou-se na não subsunção da concreta situação de facto à previsão da norma, o que se traduz numa apreciação jurídica que não demandou específicos conhecimentos técnicos na área contabilista.
Assim, deve-se conceder a dispensa total do pagamento do remanescente da t.j. uma vez que a t.j. assim devida é adequada aos presentes autos.
Procederá o recurso nesta parte.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
-negar provimento ao recurso no que toca à questão de mérito;
-conceder provimento ao recurso (e ao recurso subordinado) no que toca à questão da dispensa do remanescente da t.j.
Custas pela recorrente em ambas as instâncias, com dispensa do remanescente da t.j. também em ambas as instâncias.
D.n.

Lisboa, 12 de Dezembro de 2018. – Aragão Seia (relator) – Ascensão Lopes – Francisco Rothes.