Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0273/17
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:TAXA
DIREITO DE AUDIÇÃO
Sumário:I - O tributo foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição em desconformidade com o art.º 60.º da Lei Geral Tributária.
II - Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não se encontrar prevista na lei.
III - É um dever legal liquidar o tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida.
Nº Convencional:JSTA000P22093
Nº do Documento:SA2201707050273
Data de Entrada:03/09/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A... SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga
. de 13 de Dezembro de 2016

Julgou a impugnação procedente, determinando a anulação da liquidação, com todas as consequências legais, designadamente a restituição da quantia que a Impugnante pagou a esse título.


Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A Representante da Fazenda Pública, veio interpor o presente recurso da decisão supra mencionada, proferida no processo n.º 792/13.7 BEBRG de impugnação instaurado por A………… S.A., contra o acto de liquidação da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” (TSAM), criada pelo Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de Junho, no montante total de € 16.307,76, relativa ao ano de 2012, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Se, como se afirma na decisão recorrida, a AT se limitou a aplicar as normas legais vigentes e não se vislumbra qualquer possibilidade de alteração do decidido no caso concreto se tivesse sido concedido o direito de audiência prévia…”, a ilação a tirar deveria ser a de que a formalidade supostamente omitida se degradaria em formalidade não essencial o que, por sua vez, determinaria, por via do princípio do aproveitamento do ato, a «manutenção» da liquidação impugnada;

2. E não, como se decidiu, a anulação da mesma;

3. Por outro lado se, como afirma a sentença recorrida, não existiu comunicação do contribuinte no que concerne à área e esta foi determinada pela Administração de acordo com o disposto na lei, não se entende como se pode concluir pela existência da apontada invalidade.

4. Adiante-se, contudo, que não foi omitida nenhuma formalidade na liquidação impugnada e muito menos a apontada falta de audiência prévia;

5. De facto, nos termos da Portaria n. 215/2012, a área tributável apura-se ou por recurso aos dados fornecidos pelo contribuinte ou, na sua ausência, àqueles de que disponha a entidade liquidadora;

6. No caso, a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012);

7. Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento;

8. O procedimento de liquidação da TSAM é relativamente simples: na ausência de comunicação do contribuinte prevista no n.º 4 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012 (ou da comunicação prevista no n.º 3 do art.º 10.º) a DGAV procede ao apuramento da área socorrendo-se dos elementos que lhe foram comunicados nos termos do n.º 2 do art.º 9.º pela DGAE;

9. Aplicando depois às áreas assim comunicadas os coeficientes da Portaria n.º 200/2013, determinando a base tributária que multiplicada pelo valor da taxa para o ano de 2013 (art.º 4.º da Portaria n.º 215/2012), resulta no montante a cobrar, resultado que comunica ao contribuinte nos termos do n.º 3 do art.º 5.º;

10. O procedimento desenrolou-se, pois, de acordo com as regras aplicáveis e designadamente de acordo com o que se dispõe nos artigos 54.º e ss. da LGT, não ocorrendo qualquer situação que demandasse a chamada da ora Impugnante ao procedimento para nele ser ouvida antes da liquidação da «Taxa»;

11. O facto de a Impugnante ter indicado, agora e apenas neste processo, a área tributável, não torna a liquidação ilegal nem, por esta via, se lhe pode atribuir postumamente qualquer invalidade e muito menos aquela que resultaria da omissão de uma formalidade que não era, nesse procedimento, necessária;
12. A decisão recorrida violou o disposto nos artigos 5.º, 9.º e 10.º da Portaria n.º 215/2012 e no art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 119/2012.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso revogando-se, por conseguinte, a sentença recorrida e considerando-se improcedente a impugnação.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da improcedência do recurso.

Foram apresentadas contra-alegações pela recorrida A…………. S.A., pronunciando-se pela confirmação da sentença recorrida que encerram com as seguintes conclusões:
A. O Tribunal a quo, no que diz respeito à ilegalidade da Taxa de Segurança Alimentar Mais, para além de fazer uma correcta interpretação e aplicação das normas e princípios do procedimento tributário, aplicou imaculadamente as regras quanto às consequências previstas no caso de preterição de formalidades essenciais.

B. Ao contrário que que pretende a Fazenda Pública fazer crer, a ausência de comunicação do contribuinte não torna dispensável a participação do sujeito passivo para obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária.

C. E, claro, preceitua o artigo 55.º da Lei Geral Tributária que a Administração Tributária está vinculada à prossecução do “interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários.”.

D. A actuação da Recorrente ofende cada um desses princípios atrás enunciados, mas ofende, principalmente, o princípio do inquisitório, porquanto deveria aquela ter diligenciado no sentido de procurar saber qual a área tributável do estabelecimento comercial da Recorrida. Mesmo que não tivesse diligenciado nesse sentido, sempre poderia a Recorrente notificar a Recorrida para o exercício do direito de audição prévia contido no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, permitindo que esta demonstrasse qual a efectiva área tributável em sede de taxa de segurança alimentar mais.

E. Os direitos basilares dos contribuintes não se compadecem com “mecanismos substitutivos” encontrados ad hoc pela Recorrida.

F. Ao invés, prefere a DGAV, calcular o valor da taxa estabelecendo uma presunção com base em factos desconhecidos, ou, quanto muito, indemonstrados, tendo inteira noção de que possivelmente está longe de corresponder à verdade.

G. A Recorrente institui, assim, uma situação que lhe é mais conveniente, do que, procurar obter a certeza jurídica sobre a realidade tributária da Recorrida, nomeadamente, possibilitando-a a exercer o seu direito ao contraditório, concedendo-lhe, para tal, o direito a uma audiência prévia à liquidação.

H. A participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes dizem respeito é uma exigência constitucional (artigo 267.º, n.º 5 da CRP), estando vertida, inclusivamente, no artigo 60.º da Lei Geral Tributária.

I. Ora, não obstante a Recorrente considerar que, conforme ficou demonstrado, a decisão final do procedimento teria sido diferente se lhe tivesse sido concedida a hipótese de se pronunciar em momento prévio à liquidação, veja-se o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/6/2015, no qual se disse que “Como afirmou já este Supremo Tribunal Administrativo, «o direito de audiência não tem como única finalidade a possibilidade de participar na fixação da matéria colectável, antes podendo essa participação (que o direito de audiência visa assegurar) assumir muitos outros domínios da formação da decisão final» (Cfr. o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 1374/13, ainda não publicado no jornal oficial (…).

J. Por outro lado, cumpre citar o lapidar Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16-11-2011 (proc. n.º 0539/11), do qual resulta que “a participação dos contribuintes na formação das decisões que lhes digam respeito pode efectuar-se, sempre que a lei não prescrever em sentido diverso, pelo direito de audição antes da liquidação (artigos 267.º da CRP e 60.º da LGT). A preterição da formalidade que constitui o facto de não ter sido assegurado o exercício do direito de audiência só pode considerar-se não essencial se se demonstrar que, mesmo sem ela ter sido cumprida, a decisão final do procedimento não poderia ser diferente”, o que, pelo exposto supra, resulta que a decisão do procedimento teria de ser diferente caso tivesse sido assegura à Recorrente o exercício do direito de audição prévia.

K. Cite-se, ainda, o lapidar Acórdão do TCAN de 27.01.2012, proc. 00397/08.4BEPRT: “(…) E não é o facto de o contribuinte faltar a um seu dever para com a Administração que legitima esta a, por sua vez, desrespeitar um direito dele. (…) É certo que pode parecer que o contribuinte, ao faltar ao seu dever de declaração, se desinteressa de participar na definição da sua situação tributária. Mas só aparentemente assim é (…) nada permite afirmar que o contribuinte que se absteve de entregar a sua declaração não quer exercer o seu direito a participar na formação da decisão que, assente nessa omissão, a Administração venha a tomar.”

L. Sem prejuízo de todo o exposto, o direito de audição vem estabelecido e regulado no artigo 60.º da Lei Geral Tributária, estando as situações de dispensa contidas, de forma taxativa, no número 2, cabendo referir que:
- Quanto à alínea a), a Recorrida efectuou a liquidação em causa sem ter por base qualquer declaração do contribuinte, não tendo existido qualquer decisão, em sede de procedimento;
- Quanto à alínea b), tratou-se de uma liquidação oficiosa, sem que, contudo, esta tenha sido efectuada com base em critérios e objectivos previstos na lei, nem tão pouco foi a Recorrente notificada para apresentar qualquer declaração ou dado em falta.

M. De resto, tendo por base a análise doutrinal e jurisprudencial que se faz do direito de audição prévia, também se dirá que a audição prévia dos interessados se configura como obrigatória nos procedimentos em que se verifica a existência de diligências instrutórias capazes de alterar a posição da Administração Tributária.

N. Pelo que se conclui conforme o disposto pelas doutas sentenças do TAF de Braga que, com a mesma identidade de factos e fundamento, tiveram por base da Impugnação da Taxa de Segurança Alimentar Mais, “trata-se, pois, não da simples omissão de uma formalidade essencial, mas da falta total do procedimento que conduz ao acto de liquidação, o que corresponde, como vimos, a uma absoluta falta de forma, subsumível na alínea f) do n.º 2 do artigo 133.º do CPA (actual artigo 161.º, n.º 2, alínea g)).”

O. É indiscutível que a ausência da notificação da Recorrida para o exercício do direito de audição prévia determinaria diferente decisão nos presentes autos, atenta a dificuldade que a entidade que liquida tem em identificar a área a considerar em cada estabelecimento comercial, o que, de per si¸ retira qualquer carácter de simplicidade que a Fazenda Pública parece querer impor a este procedimento.

P. O que é mais evidente quando a suposta contrapartida não é mais do que um conceito abstracto, como o é a segurança e qualidade alimentar. E isto tendo por base dados cuja veracidade desconhece, o que sempre tornaria obrigatória a audição prévia do contribuinte.

Q. Ora, tendo-se verificado a preterição de formalidade essencial/legal, resulta necessariamente que a douta sentença recorrida reconhece, e bem, o vício de que padece a liquidação, motivo pelo qual não merece reparo, sendo a liquidação anulada, com as legais consequências.

Veio depois a recorrida a fazer juntar aos autos cópia do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo no proc. 216/15 que entende ser de primordial importância para a decisão deste processo.

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:
1. A agora Impugnante é uma empresa do sector da distribuição de produtos alimentares e outros, que detém e gere o estabelecimento que se apresenta com a insígnia “E. Leclerc”, no qual exerce a atividade de comércio a retalho de produtos alimentares e outros – acordo, artigo 1º e 2º não impugnado;

2. O dito estabelecimento é um estabelecimento comercial misto, com uma área total de 3.997,00 m2, sendo 2.080,00 m2 de área física de vendas de produtos alimentares e 1.917,00 m2 de área de venda de outro tipo de produtos não alimentares – acordo, artigo 3º p.i. não impugnado;

3. Nele, à semelhança do que sucede com estabelecimentos idênticos, a Impugnante comercializa “produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados” – facto público e notório, não impugnado;

4. Pelo ofício nº 019169, de 13-11-2012, a Direcção-Geral de Agricultura e Veterinária (DGAV), notificou a agora Impugnante para pagar, o montante referente ao ano de 2012 da “Taxa de Segurança Alimentar Mais” criada pelo Decreto-Lei nº 119/2012, de 15 de Junho, conforme fatura anexa: n.º 2014F/54 de 07-11-2012, no montante de € 16.307,76 – fls 1 a 3 do PA apenso;

5. Em 17-12-2012 o montante referido em 4) foi pago na totalidade –cfr. Doc nº 2 junto aos autos a fls 18;

6. . Em 17-04-2013 foi enviada por correio para o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a petição inicial – fls. 24 dos autos;
***

O objecto do presente recurso cinge-se à definição de ser ou não necessária a audiência prévia à liquidação no procedimento em causa, e as consequências da sua omissão.
Como se diz na sentença recorrida:
«A entidade Impugnada reconhece que o tributo incide, em regra, apenas sobre a área de comércio dos produtos alimentares em causa (e quanto a esta a impugnante refere que a área de comércio de produtos de origem animal e vegetal, frescos e congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados que a impugnante refere é de 2.080,00 m2 e não de 3.997,00 m2 que corresponde á área total), que relevará quando for cumprido o dever declarativo a que alude o artigo 5º, nº4, em conjugação com o artigo 10º, nº3, da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho. Pelo que só nos casos de incumprimento desse dever declarativo, como no caso dos autos, a AT recorre à aplicação do critério de quantificação previsto no artigo 1º da Portaria nº 200/2013, de 31 de maio, nos termos do artigo 5º, nº5, da Portaria nº 215/2012, de 17 de julho. Pelo que o sujeito passivo pode ilidir essa “presunção” se cumprisse “o dever de declaração, que sobre si impende (artigo 5º e 10º da Portaria nº 215/2012) ou se, mesmo omitindo-o num primeiro momento, o viesse a corrigir posteriormente”.
Ora atento o supra expendido conclui-se ter se verificado a preterição de formalidades legais invocada, resulta necessariamente que o ato praticado com esse vício tem de ser anulado.»
A Taxa de segurança alimentar mais, encontra-se definida no art.º 9.º do DL Decreto-Lei 119/2012, como contrapartida da garantia de segurança e qualidade alimentar é devida pelos estabelecimentos de comércio alimentar de produtos de origem animal e vegetal, frescos ou congelados, transformados ou crus, a granel ou pré-embalados, de uma taxa anual, cujo valor é fixado entre (euro) 5 e (euro) 8 por metro quadrado de área de venda do estabelecimento, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da agricultura». Estão isentos do pagamento dessa taxa os estabelecimentos com uma área de venda inferior a 2000 m2 ou pertencentes a microempresas em certas situações para aqui sem relevo.
A fixação anual da taxa mostra-se regulamentada pela Portaria 215/2012 de 17 de Julho que no seu artigo 5.º define as regras de liquidação do seguinte modo:
«Artigo 5.º

Liquidação e cobrança
1 - Para efeitos de aplicação da taxa, é considerada a situação dos estabelecimentos comerciais à data de 31 de dezembro do ano anterior ao que respeita a liquidação.
2 - A Direção-Geral de Alimentação e Veterinária (DGAV) elabora, até ao dia 31 de janeiro de cada ano, uma lista atualizada dos estabelecimentos abrangidos, e da qual constam, designadamente, os seguintes elementos:
a) Nome ou denominação social;
b) NIF;
c) Morada do estabelecimento;
d) Área de venda do estabelecimento.
3 - A liquidação da taxa é notificada ao sujeito passivo, por via eletrónica para a caixa postal eletrónica a que se refere o n.º 9 do artigo 19.º da lei geral tributária ou por carta registada, até ao final do mês de março de cada ano, com a indicação do montante da taxa a pagar.
4 - Os sujeitos passivos devem comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais.
5 - Em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º»
A Portaria 200/2013 de 31 de Maio veio, como dela consta, esclarecer o critério de apuramento da área relevante e o modo da sua determinação.
Como decorre de todo o processo e é mesmo confirmado pelas alegações de recurso dúvidas não há de que o tributo aqui em discussão foi liquidado com base nos dados de que dispunha a entidade liquidadora sem que tivesse sido concedido ao contribuinte o direito de audição. Bem certo que o contribuinte tinha obrigação de comunicar à DGAV, no prazo de 30 dias a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no n.º 2 relativos aos respetivos estabelecimentos comerciais. Não consta da matéria provada que haja omitido tal obrigação, como não consta que a haja cumprido, nem se esclarece que dados dispunha a entidade liquidadora sobre a área do estabelecimento com relevância para a determinação da taxa. A recorrente considera que:« (…) a Impugnante não comunicou esses dados, pelo que a DGAV lançou mão daqueles de que dispunha, as listagens da DGAE (n.º 4 e 5 do art.º 5.º da Portaria n.º 215/2012);
Este mecanismo substitutivo torna dispensável, para efeitos de determinação da área sujeita a tributação, a intervenção do contribuinte quando este não toma a iniciativa de comunicar à DGAV os dados referentes à área do estabelecimento».
Este entendimento expresso pela recorrente considera que, havendo elementos que permitam a liquidação da taxa, certos ou errados, não importa, liquida-se a taxa sem mais e exige-se o pagamento. Trata-se de uma visão estreita do cumprimento dos deveres públicos, mesmo tributários quando se foca toda a energia e atenção em liquidar para cobrar, sem olhar a quê, e sem curar dos custos para o erário público que decorrem de liquidações ilegais. É um dever legal liquidar este tributo a quem deva ser exigido, nos termos da lei, mas esse dever não se preenche sempre que se apura uma taxa, ele só se cumpre quando se liquida a taxa devida, nem mais, nem menos, pelo que, mesmo que não existisse a obrigação legal de a administração fazer os contribuintes participarem no procedimento de liquidação de tributos, sempre o dever público que impende sobre a entidade liquidadora era de liquidar apenas o que era devido, devendo, neste caso, assegurar-se de que estava a ter em conta a área correcta. Essa cautela quanto ao apuramento dos elementos que integram o cálculo para apuramento do tributo tem que atravessar de forma consistente todos os procedimentos para evitar o desperdício de recursos públicos com que aqui nos deparamos.
Para além disso, impõe o art.º 60.º da Lei Geral Tributária o direito de audição dos contribuintes antes da liquidação, salvo quando a lei estabelecer em sentido diverso, o que nesta situação não acontece, de resto como concretização do princípio do contraditório plasmado no art.º 5.º do Código de Processo e Procedimento Tributário.
Esta formalidade foi frontalmente preterida. Apesar de poder ser censurável a omissão do contribuinte de declarar a área, o legislador não a sanciona com a retirada do seu direito de audição antes da liquidação, pelo que não pode a entidade liquidadora aplicar tal sanção por não prevista na lei.
Se cumprido o direito de audição o contribuinte nada tivesse dito quanto à área do estabelecimento, então teria que funcionar o «tal mecanismo substitutivo» a que se refere a recorrente de «a liquidação ser efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha nos termos do n.º 2 do artigo 9.º». Se tal tivesse acontecido e a taxa tivesse sido erradamente liquidada, então a entidade liquidadora haveria dado cumprimento a todos os preceitos legais e só ao contribuinte poderia ser imputado qualquer erro que ainda pudesse estar contido na liquidação.
A entidade liquidadora tem que ter no procedimento uma conduta exemplar de rigoroso cumprimento da lei sejam os contribuintes cumpridores ou relapsos. Muitas, ou pelo menos algumas das omissões dos contribuintes devem-se a situações particulares de cada um que muitas vezes estão longe de condutas dolosas ou de evasão fiscal. Mas, em todo o caso, o poder sancionatório dessas condutas que num primeiro olhar parecem de incumprimento, reside no legislador e só ele pode definir sanções para cada incumprimento que, são diversos da liquidação dos tributos.
Estamos perante a preterição de uma formalidade essencial, porque prevista na lei e, tão essencial quanto pode determinar alterações no montante da taxa a liquidar, com a correspondente afectação do património do contribuinte, com consequências sobre a validade do acto subsequente de liquidação cuja conformação só foi possível com base em tal omissão de formalidade essencial do procedimento com violação de direitos fundamentais dos contribuintes, art.º 267.º da Constituição da República Portuguesa.
A sentença recorrida não enferma, pois, do erro de julgamento que lhe era apontado tendo feito uma adequada aplicação dos preceitos legais ao caso concreto, a determinar a sua confirmação.


Deliberação
Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).
Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Ana Paula Lobo (relatora) – Ascensão Lopes – António Pimpão (voto vencido conforme já votei no processo 216/15 e nos termos do voto anexo)

Proc. 273/17
Votei vencido pois entendo que se deveria anular a sentença recorrida para ampliação da matéria de facto.
Do probatório e da decisão recorrida não consta se a liquidação se fundou na declaração do contribuinte ou em omissão ou inexatidão dos elementos comunicados.
É que estabelece o n° 4 do artigo 5° da Portaria 215/2012, de 17 de julho, que "os sujeitos passivos devem comunicar a DGAV ... a contar do início da atividade ou de qualquer alteração, os elementos previstos no nº 2 ..." onde se inclui a área do estabelecimento.
E acrescenta o nº 5 do mesmo preceito que em caso de omissão ou inexatidão dos elementos comunicados, a liquidação é efetuada com base na informação relevante de que a DGAV disponha.
Naquela situação encontra-se dispensado a audiência do contribuinte existindo neste caso o direito de audiência.
Importava, por isso, fixar os fatos para determinar se a liquidação da "taxa de segurança alimentar mais" foi efetuada com base em comunicação do contribuinte a contar do início da atividade ou de qualquer alteração referente à área do estabelecimento, caso em que não haveria lugar à questionada audiência, ou com base na informação relevante de que a DGAV disponha, caso em que haveria lugar a tal audiência.
António José Pimpão