Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0421/02
Data do Acordão:09/30/2003
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:ANTÓNIO MADUREIRA
Descritores:CASINO.
PROIBIÇÃO DE ACESSO A SALA DE JOGOS.
COMPETÊNCIA DA INSPECÇÃO GERAL DE JOGOS.
TUTELA ADMINISTRATIVA.
INTEGRAÇÃO DE LACUNAS.
LACUNA DE LEI.
NORMA EXCEPCIONAL.
Sumário:I - Todas as decisões proferidas ao abrigo do n.º 1 do art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, pelos directores do serviço de jogos, em matéria de recusa de emissão de cartões de entrada em salas de jogos de fortuna ou azar ou de acesso às mesmas de indivíduos cuja presença seja considerada inconveniente estão sujeitas ao controle da Inspecção-Geral de Jogos.
II - Apesar de não expressamente prevista a forma de controle pela Inspecção Geral de Jogos sobre aquelas decisões, ela é pressuposta pelo n.º 3 do art.º 38.º do mesmo diploma, ao prever a possibilidade de recurso das decisões do Inspector-Geral de Jogos relativas a matérias previstas naquele art.º 36.º, e está prevista genericamente no n.º 4 do art.º 95.º daquele diploma.
III - Nestas condições, a falta de indicação do processamento a adoptar para concretizar tal controle pela Inspecção-Geral de Jogos constitui uma lacuna de regulamentação e não a manifestação de uma intenção legislativa de inexistência de controle.
IV - A tutela administrativa apenas tem carácter excepcional relativamente às pessoas que detêm poder público em nome próprio, o que não acontece no âmbito de concessões de serviços públicos, em que é inerente à relação de concessão, pois que os concessionários não são titulares de poderes próprios, mas sim de poderes cedidos transitoriamente pela Administração, em nome da qual os exercem.
V - Por isso, o preceituado no art.º 11.º do Código Civil não é obstáculo ao preenchimento, por interpretação analógica, da lacuna existente no n.º 1 do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 10/1, aplicando-se-lhe o regime estabelecido no n.º 2 do artigo 37.º.
Nº Convencional:JSTA00059654
Nº do Documento:SA1200309300421
Data de Entrada:03/11/2002
Recorrente:A...
Recorrido 1:SE DO TURISMO
Recorrido 2:OUTRO
Votação:UNANIMIDADE
Ref. Acórdãos:
Meio Processual:REC CONT.
Objecto:DESP SE DO TURISMO DE 2002/01/18.
Decisão:NEGA PROVIMENTO.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - ACTO.
Legislação Nacional:DL 422/89 DE 1989/12/02 NA REDACÇÃO DO DL 10/95 DE 1995/01/10 ART29 ART36 ART37 ART38 ART95 N4.
CCIV66 ART9 N1 ART10 N1 ART11.
CONST97 ART18 N1 ART199 F ART266 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC44798 DE 2002/05/22.; AC STA PROC19404 DE 1990/03/01 IN AP-DR DE 1995/01/12 PAG1517.; AC STA PROC17228 DE 1990/10/18 IN AP-DR DE 1995/03/22 PAG5908.; AC STA PROC32732 DE 1995/11/14 IN AP-DR DE 1998/04/30 PAG8789.; AC STA PROC36414 DE 1996/07/11 IN BMJ N459 PAG323.; AC STA PROC33823 DE 1996/01/23 IN AP-DR DE 1998/08/31 PAG385.; AC STA PROC47836 DE 2003/07/02.
Referência a Pareceres:P PGR 44/98 DE 1999/02/24 IN DR IIS PAG3951.
Referência a Doutrina:PEDRO GONÇALVES A CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS PAG246 PAG247.
FREITAS DO AMARAL CURSO DE DIREITO ADMINISTRATIVO VI PAG693.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na 2.ª Subsecção da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1. RELATÓRIO:
A..., SA, com os demais sinais nos autos, interpôs recurso contencioso do despacho do Secretário de Estado do Turismo de 18/1/02, que indeferiu o recurso hierárquico interposto pela recorrente para o Coordenador da Inspecção junto do Casino da Póvoa do Varzim, assacando-lhe vários vícios.
Devidamente citado, respondeu a autoridade recorrida, que defendeu a legalidade do acto impugnado e o consequente improvimento do recurso (fls 62-68).
Foram indicados seis recorridos particulares, apenas uma tendo contestado uma - ... - pugnando pelo improvimento do recurso (fls 80-82).
Nas sua alegações, a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª) - O presente recurso vem interposto do Despacho n.° 55/00/SET, de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo, de 18/01/02, notificado à recorrente em 24/01/99, pelo qual indeferiu o Recurso Hierárquico interposto pela ora Recorrente, em 31/12/01, do acto do Senhor Coordenador da Inspecção junto do Casino da Póvoa, notificado na mesma data, que havia decidido não confirmar o acto pelo qual a Recorrente decidiu recusar o acesso às salas de Jogos Tradicionais e à Sala de Máquinas a 6 frequentadores;
2.ª) -A recorrente é concessionária da exploração de jogos de fortuna ou azar da zona de jogo da Póvoa de Varzim, para o período compreendido entre 1 de Janeiro de 1989 e 31 de Dezembro do ano de 2023, nos termos constantes do contrato, publicado no DR.III Série, n.° 37, de 14/02/89;
3.ª) - Em 28 de Dezembro de 2001, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 36.° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.° 10/95, de 19 de Janeiro, a Recorrente deliberou recusar o acesso à Sala das Máquinas e de Jogos Tradicionais, com fundamento em presença inconveniente a 6 frequentadores;
4.ª) - Informou o Serviço de Inspecção de Jogos junto do Casino da Póvoa da sua deliberação e indicou os nomes dos frequentadores, o número de cartão de que eram titulares, o fundamento da decisão e as testemunhas que tinham conhecimento dos factos/fundamento;
5.ª) -No dia 31 de Dezembro de 2001, a Recorrente foi notificada de um despacho do Coordenador da Equipa de Inspecção que decidiu não confirmar a medida adoptada pela Recorrente;
6.ª) -A Recorrente interpôs o competente Recurso Hierárquico do referido despacho, para Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo e invocou os vícios de violação de lei, por violação do disposto nos artigos 36.° e 37.º do DL n.° 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção que lhe foi dada pelo DL 10/95, de 19 de Janeiro, vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de facto e vício de incompetência;
7.ª) -Por despacho de Sua Excelência o Senhor Secretário de Estado do Turismo foi negado provimento ao recurso hierárquico: é desse acto que vem interposto o presente recurso;
8.ª) -A fundamentação do despacho recorrido é a Informação da Inspecção-Geral de Jogos de 6/1/66;
9.ª) - Essa informação invoca o Parecer n.º 44/98, votado na sessão de 24.09.98 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Gera1 da República e publicado na II Série do DR de 17/03/99, n.° 64, pp. 3951 e segs.;
10.ª) - Alega, em suma, que:
a) O Governo, através do responsável pelo sector do turismo, exerce, relativamente às concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar a tutela administrativa, nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva;
b) O artigo 36.º do Decreto Lei n.° 422/89, na redacção do DL n.° 10/95, de 19 de Janeiro, contém uma lacuna de regulamentação jurídica a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37.º, n.° 2 do mesmo diploma;
c) Ao utilizar, a expressão "presença inconveniente", como fundamento de recusa do acesso às salas de jogo de fortuna ou azar, o legislador quis intencionalmente utilizar um conceito vago e indeterminado;
11.ª) - A questão que cumpre decidir passa pela análise da competência da Recorrente, enquanto concessionária e da entidade Recorrida, enquanto órgão da administração, para recusar o acesso a frequentadores às salas de jogos tradicionais e de máquinas;
12.ª) -O legislador distinguiu, para efeitos de regime jurídico, o acesso aos Casinos do acesso às Salas de Jogo e, relativamente a estas, distinguiu o acesso às salas de jogos tradicionais e mistas do acesso às salas de máquinas;
13.ª) - O acesso aos casinos é que decorre dos artigos 27° e 29.º da Lei do Jogo e o acesso às salas de jogos é o que decorre do artigo 36.°;
14.ª) - Uma vez que só o acesso às salas de jogos permite jogar, o legislador -autonomizou e regulamentou de modo distinto o acesso aos casinos do acesso às salas de jogos;
15.ª) - Tendo em conta que o exercício da actividade de exploração de jogos de fortuna ou azar é levada a efeito em regime de concessão, o legislado cuidou de estabelecer e articular a competência da Administração e das Concessionárias para permitirem o acesso aos casinos e às salas de jogos;
16.ª) - Nos termos do disposto nos n.ºs 2 e 3 do artigo 29.° da Lei do Jogo impôs às concessionárias o dever de não permitirem o acesso aos casinos a determinadas categorias de indivíduos, sendo que sempre que exerçam esse dever têm de comunicar a decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos justificativos, indicando testemunhas a ser ouvidas sobre os factos e devendo pedir a confirmação da medida adoptada;
17.ª) - Só a partir do artigo 34.° o legislador cuidou de regular o acesso às salas de jogos, tendo estabelecido quem tem livre acesso às salas de jogos, mesmo que esteja impedido de jogar, e quem, para ter acesso tem de ser portador de cartão de entrada ou de acesso a ser passado pela concessionária, nos termos do n.° 1 do artigo 35.°;
18.ª) - No n.° 1 do artigo 36.°, vem conferir competência ao Director de Serviço de Jogos e à Inspecção Geral de Jogos para recusar a emissão de cartões de entrada ou acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente;
porém,
19.ª) - Não impõe ao Director de Serviço de Jogos o dever de sempre que recuse a emissão de cartão de entrada ou recuse o acesso às salas de jogos comunique a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, como impõe para a recusa de acesso ao casino (n.ºs 2 e 3 do artigo 29.°),e para a expulsão das salas, (n.ºs 1 e2 do artigo 37.°), pelo que, salvo melhor entendimento, a Recorrente não estava obrigada a comunicar a sua decisão e a requerer confirmação e a entidade recorrida não tinha competência para não confirnar a decisão;
20.ª) - É manifesto que, contrariamente, ao entendimento da entidade recorrida, não existe lacuna de regulamentação no artigo 36.° a ser integrada nos termos do artigo 37.º : o legislador pretendeu, inequivocamente, estabelecer um regime de acesso às salas de jogos diferente daquele que estabeleceu para o acesso aos casinos e para a expulsão das salas;
21.ª) - O artigo 36.° foi consagrado com o intuito de conferir capacidade, quer à concessionária, por intermédio do Director de Serviço, quer à Administração, por intermédio da Inspecção Geral de Jogos, para restringir o acesso a indivíduos cuja presença seja considerada inconveniente;
22.ª) - Não foi intenção do legislador possibilitar que a decisão da concessionária fosse sujeita a confirmação da Inspecção Geral de Jogos, na medida em que quando assim decida, a concessionária age no seu próprio interesse, em primeira 1inha, e apenas em segunda linha, no interesse do Estado, sendo certo que o interesse privado neste concreto, é a obtenção de lucro;
23.ª) - Do que se infere que a opção de restrição de acesso a salas por parte da aqui Recorrente, foi tomada como ultima ratio em prol do correcto desenvolvimento da sua actividade, a qual não pode ser posta em causa pela posterior actuação da Inspecção Geral de Jogos;
24.ª) - E é nesta medida que a acção da Inspecção Geral de Jogos foi ilegítima e ilegal, no caso sub judice, tanto mais que fez suas competências que não lhe assistiam, e nem sequer tinham sido atribuídas a qualquer órgão da Adminsitração;
25.ª) - Quanto à posição dos particulares visados, esta sempre seria salvaguardada através do recurso à jurisdição competente, pelo que nem assim se poderia justificar a actuação administrativa colocada em crise nos presentes autos;
26.ª) - Poderia também a Inspecção Geral de Jogos restringir o acesso de determinados individuos quando a aqui Recorrente não o tivesse feito, e desde que fundamentasse a sua decisão;
27.ª) - A possibilidade de recurso dessa decisão para o membro do Governo que tutela o turismo, nos termos do n.° 3 do artigo 38.° do DL 422/89, justifica-se, desde logo, para permitir à concessionária sindicar uma decisão que considere ilegal, e assim defender o seu interesse no fomento da sua actividade; e,
28.ª) - Por outro lado, relativamente à posição dos particulares interessados, justifica-se pela necessidade de obter uma decisão definitiva, a qual é pressuposto do recurso contencioso, nos termos do n.° 1 do artigo 25.° da LPTA;
29.ª) - Do disposto no n.° 3 do artigo 38.° não é legítimo inferir a existência de qualquer tipo de tutela correctiva ou integrativa e favor da Inspecção Geral de Jogos, na medida em que esta não é expressa ou tacitamente prevista, sendo certo que, a admitir, ela deveria sempre ser expressamente referida, o que, manifestamente, não sucede;
30.ª) - O legislador quis que não tivessem acesso às salas de jogos os indivíduos cuja presença fosse considerada inconveniente pela concessionária ou pela Inspecção Geral de Jogos, por isso, nos termos do artigo 36.°, conferiu competência a ambas as entidades para recusar a emissão de cartão de entrada e para recusar o acesso a frequentadores, bastando que uma recuse para que o acesso não seja permitido;
31.ª) - O acto recorrido é inválido por ilegalidade por violação por erro sobre os pressupostos de direito, uma vez que a entidade recorrida fez errónea interpretação e aplicação do n.° 1 do artigo 36.°, considerou que existia uma lacuna a integrar nos termos do n.° 2 do artigo 37.° e, consequentemente, considerou que a Recorrente estava obrigada a pedir a confirmação da sua decisão e que tinha competência para a não confirmar, o que salvo melhor entendimento não acontece; acresce que,
32.ª) - O acto é inválido por ilegalidade por vício de incompetência, uma vez que a entidade recorrida se arrogou de competência para confirmar as decisões da Recorrente relativas à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas, quando tem apenas competência para confirmar ou não os actos de recusa de acesso ao casino e os actos de expulsão de frequentadores das salas;
33.ª) - A competência é de ordem pública, não se presume nem se pode inferir por analogia, no pressuposto de que existem lacunas a integrar, como acabou por fazer a entidade recorrida;
34.ª) - Também, salvo o devido respeito, não assiste razão à entidade Recorrida quando afirma que a lei do jogo confere ao Governo poderes de tutela administrativa sobre as concessionárias de exploração de jogo de fortuna ou azar nas suas formas correctiva, substitutiva e inspectiva, uma vez que, no caso em apreço, resulta claro que existe apenas tutela inspectiva e o acto recorrido caracteriza uma forma de tutela que, em última análise, configura tutela integrativa ou substitutiva: a entidade recorrida, por este meio, permitiria o acesso a indivíduos a quem a Recorrente o recusou; Ora,
35.ª) - Como bem se afirma no Parecer da procuradoria-Geral da República, citado na fundamentação do acto recorrido "A intervenção tutelar, como limite (ou excepção) à autonomia dos entes descentralizados, supõe a concorrência de uma habilitação legal para agir. A tutela apenas pode ser exercida nos casos, nos limites e segundo as condições previstas na lei; o controlo de tutela há-de ser expressamente atribuído pelo direito positivo", o que significa que está proibida a interpretação extensiva e analógica;
36.ª) - O legislador não conferiu competência à Inspecção para pôr em crise a decisão de recusa de emissão de cartão de entrada ou recusa de acesso tomada pela Concessionária, pelo que, não pode a mesma ser presumida ou encontrada por recurso à analogia ou a qualquer forma de interpretação, que não a literal, pressupondo a sua consagração expressa por parte do legislador;
37.ª) - Conferiu-lhe competência, isso sim, para pôr em crise decisões de emissão de cartões de entrada ou permissões de ingresso tomadas pela Recorrente, desde que considere que a presença dos indivíduos a quem foi emitido cartão de entrada ou permitido o acesso é inconveniente;
38.ª) - O legislador regulou o acesso às salas de jogos em termos precisos e rigorosos, não existe qualquer lacuna de regulamentação e nunca, a existir, poderia ser integrada por recurso à analogia, uma vez que estamos em de normas de atribuição de competência em direito público;
39.ª) - O legislador não conferiu poderes de tutela à entidade recorrida que permitam arrogar-se de poderes para confirmar ou não confirmar as decisões das concessionárias relativamente à recusa de emissão de cartões de entrada ou recusa de ingresso nas salas de jogos tradicionais e de máquinas;
40.ª) - Ainda que assim se não entendesse, sempre se diria que o legislador sempre tinha tido oportunidade de alterar o regime legal expresso, senão a todo o tempo, pelo menos aquando da introdução de alterações ao DL 422/89, pelo DL 10/95;
41.ª) - Acresce que, sendo o regime de tutela um regime excepcional, a eventual lacuna, cuja inexistência reiteramos, não podia ser preenchida por analogia.
Contra-alegou a autoridade recorrida, que formulou as seguintes conclusões:
1.ª) - Cabe à Inspecção-Geral de Jogos a competência para proceder à confirmação da medida pretendida pela concessionária relativamente à entrada nas salas de jogos.
2.ª) - Pelo que podia a Inspecção-Geral de Jogos não confirmar a recusa de acesso por parte de alguns frequentadores às salas de jogos.
3.ª) - Assim sendo, é válido e eficaz o acto recorrido, pelo que não deve ser dado provimento ao recurso.
4.ª) - Como se fará.
A recorrida particular não contra-alegou.
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O Exm.º Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer de fls 127, pronunciando-se no sentido do não provimento do recurso.
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Foram colhidos os vistos dos Exm.ºs Juízes Adjuntos, pelo que cumpre decidir.
1. FUNDAMENTAÇÃO
2. 1. OS FACTOS:
Consideram-se provados, com interesse para a decisão do presente recurso, os seguintes factos:
1. Através do ofício com a referência ADM/189/FP/2001, de 28/12/2001, a requerente, que é concessionária do Casino da Póvoa de Varzim, comunicou ao Inspector-Geral de Jogos que iria recusar o acesso à Sala de Jogos Tradicionais e à Sala de Máquinas, a partir do dia 1 de Janeiro de 2002, aos referenciados requeridos particulares (ofício de fls 30 dos autos, que aqui se dá por reproduzido para todos efeitos legais, tal com os outros documentos que vierem a ser referidos);
2. Através dos documentos de fls 31-36, especificou as razões dessa proibição e indicou testemunhas;
3.O Coordenador do Serviço da Inspecção-Geral de Jogos junto desse Casino decidiu, por despacho de 01/12/29, não confirmar essa medida de recusa de acesso e mandar proceder a averiguações, tendentes a apurar e ponderar as circunstâncias específicas do caso em apreço (fls 38 );
4. A requerente interpôs recurso hierárquico desse despacho para o Secretário de Estado do Turismo ( fls 43-56 );
5. Esse recurso foi indeferido, por despacho dessa entidade de 18/1/2002, que constitui o acto recorrido, com base na informação do Inspector-Geral de Jogos de 14/1/2002 (fls 23 e 39-42).
2. 2. O DIREITO:
O objecto do presente recurso é o acto referido no n.º 5 da matéria de facto, ou seja, o acto do Secretário de Estado do Turismo de 18/12/02, que indeferiu o recurso hierárquico, para ele interposto pela recorrente contenciosa, do despacho do Coordenador do Serviço da Inspecção-Geral de Jogos junto do Casino da Póvoa de Varzim de 29/12/01, que não confirmou a medida de recusa de acesso à Sala de Jogos Tradicionais e à Sala de Máquinas daquele Casino, a partir do dia 1 de Janeiro de 2002, que a recorrente havia decidido impôr aos requeridos particulares, medida essa comunicada por ofício da recorrente de 28/12/01.
Assaca-lhe o vício de violação de lei - por violação dos artigos 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2/12, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 10/95, de 19/1, decorrente de erro nos seus pressupostos de direito - e o vício de incompetência.
Da globalidade da sua petição e das alegações de recurso, em que estes vícios aparecem tratados interligadamente, o que resulta que a recorrente questiona é se ela, como concessionária de zona de jogo, tem competência para recusar o acesso de frequentadores às salas de jogos tradicionais e de máquinas, sem necessidade de comunicação e confirmação pela Inspecção-Geral de Jogos.
Na sua tese, a Inspecção-Geral de Jogos tem apenas competência para confirmar ou não actos de recusa de acesso ao casino e actos de expulsão de frequentadores das salas, bem como para pôr em crise decisões de emissão de cartões de entrada ou permissões de ingresso, mas não tem competência para confirmar decisões da concessionária de recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquinas, em virtude do artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89 não prever essa confirmação, não conter qualquer lacuna de regulamentação e não ser legalmente admissível o recurso à analogia para integrar normas atributivas de competência em regime de tutela.
Para a autoridade recorrida, a Inspecção-Geral de Jogos tem competência para proceder não só a todas as medidas supra admitidas pela recorrente, como também para proceder à confirmação da medida de recusa de acesso relativamente à entrada nas salas de jogos por ela pretendida, solução a que chega defendendo que existe uma lacuna de regulamentação jurídica do referido artigo 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, a integrar, por analogia, pelo disposto no artigo 37.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Os preceitos legais em que se estribam a recorrente e o recorrido para sustentarem as suas teses são os artigos 29.º, 36.º e 37.º do Decreto-Lei n.º 422/89.
Estabelecem estes preceitos:
Artigo 29.°
Reserva do direito de acesso aos casinos
1 - As concessionárias podem cobrar bilhetes de entrada nos casinos, cujo preço não deverá exceder um montante máximo a fixar anualmente pela Inspecção-Geral de Jogos.
2 - O acesso aos casinos é reservado, devendo as concessionárias não permitir a frequência de indivíduos que, designadamente:
a) A partir das 22 horas, sejam menores de 14 anos, excepto quando maiores de 10 anos, desde que acompanhados pelo respectivo encarregado de educação;
b)Não manifestem a intenção de utilizar ou consumir os serviços neles prestados;
c) Se recusem, sem causa legítima, a pagar os serviços utilizados ou consumidos;
d)Possam causar cenas de violência, distúrbios do ambiente ou causar estragos;
e) Possam incomodar os demais utentes do casino com o seu comportamento e apresentação;
f)Sejam acompanhados por animais, exerçam a venda ambulante ou prestem serviços;
3 - Sempre que a direcção do casino exerça o dever que lhe é imposto no número anterior, deverá comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no casino, no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada.
Artigo 36.°
Restrições de acesso
1 - O acesso às salas de jogos de fortuna ou azar é reservado, devendo o director do serviço de jogos ou a Inspecção-Geral de Jogos recusar a emissão de cartões de entrada ou o acesso aos indivíduos cuja presença nessas salas considerem inconveniente, designadamente nos casos do n.° 2 do artigo 29.°
2 - Independentemente do disposto no número anterior, é vedada a entrada nas salas de jogos, designadamente, aos indivíduos:
a) Menores de 18 anos;
b)Incapazes, inabilitados e culpados de falência fraudulenta, desde que não tenham sido reabilitados;
c) Membros das Forças Armadas e das corporações paramilitares, de qualquer nacionalidade, quando se apresentem fardados;
d)Empregados das concessionárias que prestam serviço em salas de jogos, quando não em serviço;
e) Portadores de armas, engenhos ou matérias explosivas e de quaisquer aparelhos de registo e transmissão de dados, de imagem ou de som.
Artigo 37.°
Expulsão das salas de jogos
1 - Todo aquele que for encontrado numa sala de jogos em infracção às disposições legais, ou quando seja inconveniente a sua presença, será mandado retirar pelos inspectores da Inspecção-Geral de Jogos ou pelo director do serviço de jogos, sendo a recusa de saída considerada crime de desobediência qualificada, no caso de a ordem ser dada ou confirmada pelos referidos inspectores.
2 - Sempre que o director do serviço de jogos tenha de exercer o poder que lhe confere o n° 1, deve comunicar a sua decisão ao serviço de inspecção no prazo de vinte e quatro horas, indicando os motivos que a justificam e as testemunhas que possam ser ouvidas sobre os factos, pedindo a confirmação da medida adoptada.
3 - A expulsão das salas de jogos por força do disposto nos números anteriores implica a proibição preventiva de acesso a essas salas, a decretar nos termos do artigo seguinte, e dá lugar:
a) A processo contra-ordenacional, nos termos dos artigos 144.° e seguintes, quando a expulsão se funde na prática de contra-ordenação;
b)A processo criminal, quando a expulsão se funde na prática de um crime.
O acórdão deste Supremo Tribunal de 22/5/02, proferido no recurso n.º 44 798, tratou de uma questão abolutamente igual à dos presentes autos, fazendo-o de forma muito desenvolvida e consagrando doutrina com que concordamos inteiramente e que, por isso, iremos seguir de perto.
Como nele se escreveu, " no n.º 3 do art.º 29.º e no n.º 2 do art.º 37.º prevê-se expressamente a necessidade de confirmação pelos serviços de inspecção das decisões das concessionárias" , enquanto que, "no artigo 36.º não se prevê, por forma expressa, a necessidade de as decisões de recusa de emissão de cartões ou de acesso proferidas pelo director do serviço de jogos serem confirmadas por qualquer entidade."
E, assim sendo, "numa primeira análise, a comparação do teor expresso dos artigos 29.º e 37.º com o referido art. 36.º favorece a conclusão defendida pela recorrente, de que a decisão do director do serviço de jogos, nas situações previstas neste art.º 36.º não necessita de confirmação, pois ela não está aqui expressamente prevista, ao contrário do que sucede naqueles art.ºs 29.º e 37.º.
Porém, o intérprete não deve cingir-se à letra da lei, devendo reconstituir o pensamento legislativo a partir dos textos legais, considerados globalmente, como exige a salvaguarda da unidade do sistema jurídico, elemento primacial da interpretação jurídica (art.º 9.º, n.º 1, do Código Civil).
Constata-se, desde logo, que a conclusão a que conduz aquela análise do teor literal daquelas disposições, a ser correcta, consubstanciaria uma situação de incongruência, em face do preceituado no n.º 3 do art.º 38.º do mesmo diploma, em que se estabelece que «das decisões tomadas pelo Inspector-geral de Jogos ao abrigo do disposto nos números anteriores e nos artigos 36.° e 37.° cabe recurso para o membro do Governo responsável pela área do turismo, nos termos da lei geral».
Na verdade, estando o Inspector-Geral de Jogos funcionalmente colocado, no âmbito do Decreto-Lei n.º 422/89, numa posição de supremacia em relação aos directores de serviço de jogos, com poderes de fiscalização da acção destes (enunciados, com o carácter de princípio geral, no art.º 95.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 422/89), não se compreenderia que as decisões daquele proferidas directamente ao abrigo do n.º 1 do art.º 36.º estivessem sujeitas a controle hierárquico por uma entidade governamental e estivessem excluídas de qualquer controle administrativo, mesmo por entidade subalterna, as decisões dos directores de serviço de jogos proferidas no uso dos poderes conferidos pelo mesmo art.º 36.º, idênticos aos dos inspectores de jogos.
Assim, sendo intolerável, em termos da congruência valorativa do sistema jurídico, a aceitação de um regime legal nos termos do qual o mesmo legislador que viu no interesse público (interesse público que não é constituído apenas pelos interesses próprios da Administração, designadamente o de obter proveitos patrimoniais, mas que abrange também a garantia da salvaguarda dos direitos individuais, mesmo os não qualificáveis como fundamentais, como componente primacial da legalidade democrática por cujo cumprimento as entidades públicas devem zelar [art.ºs 18.º, n.º 1, 199.º, alínea f), e 266.º, n.º 1, da C.R.P.]. ) em causa nas decisões proferidas ao abrigo do art.º 36.º importância suficiente para abrir a porta à intervenção de uma entidade da cúpula da Administração Estadual, quando eles são objecto de uma decisão de um órgão da Administração, se tenha desinteressado completamente desses interesses quando eles são ponderados por uma entidade privada a quem atribuiu funções de menor relevo do que àquele órgão, é forçosa a conclusão de que a unidade do sistema jurídico não pode deixar de reclamar a existência de um qualquer meio de controle administrativo para as decisões desta última entidade, que possa garantir que não são postos em causa os interesses públicos a se atribui tanto relevo.
Por outro lado, não variando a importância dos interesses públicos em causa conforme as decisões proferidas ao abrigo do referido art. 36.º sejam proferidas por um director de serviço de jogos ou pela inspecção de jogos, a congruência legislativa exigirá que seja sempre possível a intervenção daquela mesma entidade governamental para decidir, em última instância administrativa, sobre aquelas matérias.
Neste contexto, sendo a única via prevista no Decreto-Lei n.º 422/89, para a intervenção desta entidade governamental, o recurso referido no n.º 3 do art.º 38.º, a interpor das decisões do inspector-geral de Jogos, tem de concluir-se que todas as decisões proferidas ao abrigo do art.º 36.º pelos directores do serviço de jogos estão sujeitas ao controle deste órgão.
A correcção deste entendimento confirma-se pelo princípio geral sobre o âmbito dos poderes de inspecção, enunciado no art.º 95.º do Decreto-Lei n.º 422/89, em cujo n.º 4 se atribui expressamente à Inspecção-Geral de Jogos competência fiscalizadora da actividade das concessionárias em matéria de «aplicação de medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo», categoria em que se inserem as medidas previstas no n.º 1 do art.º 36.º.
Para além de neste art.º 95.º não se estabelecer qualquer restrição a esta Inspecção como fiscalizadora nesta matéria, não se vislumbra qualquer explicação razoável para se abrir uma excepção a esta regra nas situações previstas no referido art.º 36.º. Não há, assim, necessidade de qualquer aplicação analógica ou mesmo de interpretação extensiva para fundamentar a competência da Inspecção-Geral de Jogos, pois ela é-lhe atribuída globalmente, para toda a matéria em que se enquadra a situação em apreço. Lacuna de regulamentação poderá existir apenas no que concerne à forma como tal competência fiscalizadora se deve concretizar na situação prevista naquele art.º 36.º.
(...) Na verdade, não se refere neste art.º 36.º qual a forma como o controle das decisões do director de serviços de jogos aí previstas pode ser assegurado pelo Inspector-Geral de Jogos.
Porém, sendo a existência deste controle pressuposta pelo referido n.º 3 do art.º 38.º, tem de ter-se por seguro que a falta de indicação do processamento a adoptar constitui uma lacuna de regulamentação e não a manifestação de uma intenção legislativa de inexistência de controle. Havendo uma lacuna de regulamentação, ela tem de ser preenchida prioritariamente por via analógica, como impõe o n.º 1 do art.º 10.º do Código Civil. A esta aplicação analógica não é obstáculo o facto de o art.º 11.º do Código Civil proibir a aplicação analógica de normas excepcionais e a tutela ter carácter excepcional no que concerne a órgãos que detêm em nome próprio poderes de autoridade.
Com efeito, a tutela apenas assume carácter excepcional nos casos em que é exercida sobre entidades que detêm em nome próprio poderes de autoridade. O direito de explorar jogos de fortuna ou azar é reservado ao Estado (art.º 9.º do Decreto-Lei n.º 422/89), sendo os poderes de que gozam transitoriamente as concessionárias, durante a vigência da concessão, poderes próprios do Estado.
Como se salienta no douto Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República junto aos autos (Parecer n.º 44/98, de 24/2/99, publicado no DR, II Série, n.º 64, pág. 3951 e sgs), nesta matéria de concessões, a tutela pelo concedente é que é a regra, enunciada pela fórmula «o concessionário gere, a Administração controla» (PEDRO GONÇALVES, A concessão de serviços públicos, 1999, página 246, citando LINOTTE/MESTRE, Services publics et droit public économique, página 310, e GARRIDO FALLA, Tratado de Derecho Administrativo, volume II, página 333. ), sendo o poder de fiscalização inerente à relação de concessão, com suporte legal no art.º 180.º, alínea d), em que se atribui à Administração, nos contratos administrativos, o poder de «fiscalizar o modo de execução do contrato». (PEDRO GONÇALVES, Obra citada, página 247, que acrescenta, citando ELIO CASETTA, Vigilanza e tutela dello Stato sulle società concessionarie do pubblici servizi, página 297, que «o controlo sobre o concessionário não é uma ocorrência excepcional, estando implicado no uso da técnica concessória».) Por isso, não há qualquer obstáculo à possibilidade de integração da lacuna referida através da analogia."
Em declaração de voto apresentada no referenciado Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, foi defendido que, na concessão do Jogo, não existe qualquer relação tutelar, na medida em que as concessionárias não são titulares de quaisquer poderes próprios, sendo-lhes os seus poderes cedidos pela Administração, com o âmbito e contornos que esta entender adequados à prossecução do interesse público que visa proteger. Donde resulta que os poderes previstos no art.º 36.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, que se inscrevem na competência da Inspecção Geral de Jogos, devem ser directamente exercidos e fiscalizados, podendo o Inspector decidir diversamente da concessionária, exercendo assim poderes próprios.
Esta orientação, que conduziria a solução idêntica à adoptada no acórdão citado, afasta, em absoluto, a crítica de que a integração das lacunas de normas que estabelecem o exercício da tutela não pode ser encontrada através do recurso à analogia.
Mas a solução adoptada (de que a tutela apenas assume carácter excepcional nos casos em que é exercida sobre entidades que detêm em nome próprio poderes de autoridade, ou seja, sobre pessoas de direito público, o que nunca acontece com os concessionários, sejam eles entidades públicas ou privadas) resolve, a nosso ver, acertadamente a questão e, por isso, a consagramos.
Na verdade, como escreve Freitas do Amaral, in Curso de Direito Administrativo, Vol I, 1986, pág. 693, "Em bom rigor, não deveria aceitar-se os poderes de tutela administrativa sobre pessoas colectivas privadas. Mas, como vimos ao estudar as diversas pessoas colectivas de utilidade pública, há leis que o impõe e a Constituição não o impede: a entidade tutelada pode, pois, ser uma pessoa colectiva privada."
E, como se escreve no referido Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, "Podemos afirmar, com Oliveira Ascensão e Menezes Cordeiro, que não oferece dúvidas (...) a repartição das competências (da Inspecção-Geral de Jogos) pelos diversos tipos de tutela.
A tutela correctiva, que ora interessa à economia do parecer, tem apoio legal nos normativos relativos à intervenção da Inspecção-Geral, aprovando ou não, a posteriori, os actos do ente tutelado - a concessionária - , vertidos nos artigos 29.º, n.º 3 e 37.º, n.º 2, nomeadamente, do já citado Decreto-Lei n.º 422/89".
Acrescentaremos, como mais uma forma de consagração inequívoca da tutela (a inspectiva), a nova redacção que o Decreto-Lei n.º 10/95 veio dar a vários artigos do Decreto-Lei n.º 422/89, alterando o seu n.º1, em que estatuiu, onde se estabelecia que as concessionárias ficavam sujeitas à inspecção e fiscalização do Estado, que estas ficavam sujeitas à inspecção tutelar do Estado, exercida pela Inspecção-Geral de Jogos.
Iremos, por isso, continuar a seguir a doutrina do citado acórdão, sendo certo que o afastamento da tutela não alteraria, em face do que ficou dito, a solução nele alcançada.
Prosseguindo, refere o acórdão que "No caso em apreço, é manifesto que essa analogia existirá não só com a situação regulada no n.º 3 do art.º 29.º (em que se prevê comunicação a fazer pela direcção do casino), mas principalmente com a do n.º 2 do art.º 37.º, em que se prevê a necessidade comunicação pelos directores de serviço de jogos ao serviço de inspecção das decisões por aqueles proferidas, no prazo de 24 horas, com a respectiva motivação e testemunhas que possam ser ouvidas, pedindo a confirmação da medida adoptada.
Trata-se, na verdade, de situações absolutamente análogas, não só por estar em causa o relacionamento entre as mesmas entidades, mas também porque os interesses em causa são precisamente os mesmos."
Em face de todo o exposto, improcedem todos os vícios arguidos pela recorrente de que há que conhecer, o que não acontece com o da violação do princípio da boa fé, arguido no artigo 79.º da petição de recurso, mas não levado às suas alegações e respectivas conclusões, pelo que se deve considerar, conforme uniforme jurisprudência deste Supremo Tribunal, abandonado (cfr., neste sentido, por todos, os acórdãos deste STA de:– 1-3-90, proferido no recurso n.º 19404, publicado em Apêndice ao Diário da República de 12-1-95, página 1517; – de 18-10-90, proferido no recurso n.º 17228, publicado em Apêndice ao Diário da República de 22-3-95, página 5908;
– de 14-11-95, proferido no recurso n.º 32732, publicado em Apêndice ao Diário da República de 30-4-98, página 8789; – de 11-7-96, proferido no recurso n.º 36414, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.° 459, página 323;
– de 23-1-96, proferido no recurso n.º 33823, publicado em Apêndice ao Diário da República de 31-8-98, página 385).
O imputado à errada interpretação dos artigos 36.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 422/89, na medida em que é correcta a posição nele adoptada sobre a possibilidade e a necessidade de integrar a lacuna de regulamentação detectada no n.º 1 do art. 36.º com o regime previsto n.º 2 do art. 37.º do Decreto-Lei n.º 422/89, bem como sobre a obrigação da recorrente pedir a confirmação da referida decisão do Senhor Director do Serviço de Jogos relativa à recusa de emissão de cartões de entrada e acesso às salas de jogos tradicionais e de máquina e sobre a competência da Inspecção Geral de Jogos para esta confirmação (vd, ainda, no sentido de que a tutela exercida pelo Governo sobre uma concessionária de zona de jogo, em regime de exclusivo, não tem carácter excepcional, antes constituindo o regime - regra, que se justifica por o direito de explorar o jogo se achar reservado ao Estado, não se inscrevendo nos poderes próprios do ente tutelado, o acórdão deste STA de 2/7/03, recurso n.º 47 836).
O da incompetência, pela conjugação dos mesmos preceitos legais, bem como do n.º 4 do art.º 95.º do Decreto-Lei n.º 422/89, do qual resulta essa competência para a Inspecção-Geral de Jogos fiscalizar a actividade das concessionárias em matéria de «aplicação de medidas preventivas e cautelares de inibição de acesso às salas de jogo».
3. DECISÃO
Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 400 euros e a procuradoria em metade.
Lisboa, 30 de Setembro de 2003.
António Madureira- relator - São Pedro- Rosendo José