Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01172/13
Data do Acordão:07/10/2013
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ALBERTO AUGUSTO OLIVEIRA
Descritores:CADERNO DE ENCARGOS
ESCLARECIMENTO
CÓDIGO DOS CONTRATOS PÚBLICOS
RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
Sumário:Não há lugar a admissão de revista se o problema jurídico trazido como justificador da mesma não foi enfrentado no acórdão recorrido.
Nº Convencional:JSTA000P16128
Nº do Documento:SA12013071001172
Data de Entrada:06/28/2013
Recorrente:A... - COMPANHIA GERAL DE RESTAURANTES E ALIMENTAÇÃO
Recorrido 1:B... - GESTÃO DE RESTAURANTES E EMPRESAS, LDA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Formação de Apreciação Preliminar da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
1.

1.1. B..................... - Sociedade de Restaurantes Públicos e Privados, S.A. intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, acção de contencioso pré-contratual, visando o acto de adjudicação a A........................ – Companhia Geral de Restaurantes e Alimentação, pelo Município de Abrantes, do serviço de fornecimento de refeições para as escolas do 1.º ciclo e jardins-de-infância do Concelho de Abrantes.

1.2. O TAF de Leiria, em 31-01-2013 (fls. 219 a 269), julgou procedente a acção, anulando o acto de adjudicação e condenou o Município de Abrantes a adjudicar à B........................ o identificado fornecimento.

1.3. Inconformados, A....................... e Município de Abrantes, cada um por si, interpuseram recuso jurisdicional para o Tribunal Central Administrativo Sul que, por acórdão de 09-05-2013, (fls. 437 a 479), negou provimento ao recurso e manteve a sentença recorrida.

1.4. É desse acórdão que A...................... vem interpor o presente recurso de revista.
Alega que se justifica a admissão do recurso: «a questão que se coloca na presente revista é, assim, a de saber se, ainda que se admita que uma cláusula do Caderno de Encargos comporta dois sentidos possíveis, entre si divergentes, e tendo o júri prestado dois esclarecimentos sobre o teor da mesma, apontando um para um sentido e outro para outro sentido, qual o sentido que deverá prevalecer e de acordo com o qual deverá valer a cláusula do Caderno de Encargos em apreço? O sentido ínsito nos primeiros ou segundos esclarecimentos?
O Acórdão do TCA Sul entendeu que a cláusula do CE deveria valer com o sentido para que os primeiros esclarecimentos prestados pelo Júri no dia 2 de Julho de 2012, ou seja, o de que é obrigatória a apresentação de pratos fraccionados e de pratos com base em sucedâneos de carne.
Entende a ora Recorrente que a cláusula do CE, ainda que pudesse comportar um tal sentido (o que a Recorrente igualmente repudia), o mesmo foi definitivamente afastado pelos segundos esclarecimentos prestados pelo Júri no dia 27 de Julho de 2012 cujo teor – “Lê-se no máximo” – não poderá de forma alguma ser interpretado como impondo a presença daquele tipo de pratos, mas antes impondo apenas um limite máximo daquele tipo de pratos, devendo estes esclarecimentos, porque posteriores prevalecer sobre os primeiros.»

1.4. Nas contra-alegações, B......................, sustenta que o presente recurso de revista não deve ser admitido por não se verificarem os pressupostos estabelecidos no artigo 150.º, n.º 1, do CPTA.

Cumpre apreciar e decidir.

2.

2.1. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada no acórdão recorrido.

2.2.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».
A jurisprudência deste STA, interpretando o comando legal, tem reiteradamente sublinhado a excepcionalidade deste recurso, referindo que o mesmo só pode ser admitido nos estritos limites fixados neste preceito. Trata-se, efectivamente, não de um recurso ordinário de revista, mas antes, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, de uma «válvula de segurança do sistema» que apenas deve ser accionada naqueles precisos termos.

2.2.2. No caso em apreço, a questão que a Recorrente traz para justificar a admissão da revista prende-se com os esclarecimentos prestados pelo júri sobre determinada cláusula do caderno de encargos.
Concretamente, alega que «tendo o júri prestado dois esclarecimentos sobre o teor da mesma, apontando um para um sentido e outro para outro sentido, qual o sentido que deverá prevalecer e de acordo com o qual deverá valer a cláusula do Caderno de Encargos em apreço? O sentido ínsito nos primeiros ou segundos esclarecimentos?

Ocorre que o acórdão recorrido não apreciou o caso sob essa dicotomia. O acórdão ao definir o tema decidendum disse: «Tendo presente a factualidade constante do probatório extrai-se da alegação e das respectivas conclusões dos recursos em análise que está em causa um problema de interpretação em relação ao teor da cláusula 2ª, n.º 5, das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos».
E depois o que fez foi, precisamente, interpretar a cláusula socorrendo-se dos elementos da matéria de facto e da sua integração jurídica.
Basta, para o presente efeito transcrever a seguinte passagem do aresto: «Admitindo-se que o teor da citada cláusula pudesse ser interpretado num ou noutro sentido e, portanto, admitindo que a obrigatoriedade se referisse, quer apenas à periodicidade daquele tipo de pratos, os pratos fraccionados e os pratos com base em sucedâneos de carne, quer ao tipo de pratos em si mesmos, o certo é que nos termos dos esclarecimentos prestados, a entidade adjudicante aponta claramente para uma dessas opções interpretativas, a de que é obrigatório, semanalmente, ter pratos fraccionados e pratos com base em sucedâneos de carne, tal como descrito no ponto 5.º da Cláusula 2.ª das Cláusulas Técnicas do Caderno de Encargos.
Mostra-se, por isso, correcta e em conformidade com a interpretação a expender em relação às normas do procedimento, a decisão ora sob recurso.
Além disso, admitindo-se que pudesse ser outra a vontade da entidade adjudicante, não é possível ser a mesma sufragada, não só em face do teor da citada cláusula técnica do Caderno de Encargos, como em face do teor dos esclarecimentos prestados, que reforçam a interpretação pela obrigatoriedade quanto a tal tipo de pratos.
Por outras palavras, os documentos conformadores do procedimento de formação do contrato impõem, exigem e obrigam que, semanalmente, haja esse tipo de pratos, nos termos que decorre do sentido normal da declaração, segundo o art° 236° do Código Civil.
O Caderno de Encargos faz exigências concretas e específicas quanto à obrigatoriedade de, semanalmente, existir tais citados tipos de pratos, estabelecendo regras imperativas nesse sentido, as quais constituem um parâmetro de vinculatividade para todos os concorrentes e cujo desrespeito determina a ilegalidade das propostas apresentadas.».

Resulta do transcrito e de todo o acórdão que não houve discussão jurídica sobre prevalência de esclarecimentos sobre outros esclarecimentos.
O acórdão interpretou a cláusula em debate, sem essa discussão.
Naturalmente que a recorrente pode considerar que o acórdão recorrido não teve em total atenção os esclarecimentos, ou que deu valor a uns sem atender a outros. Mas esse é um problema muito singular, muito ligado ao próprio debate da matéria de facto, excluído de apreciação em revista, e, em qualquer caso, sem relevo para adquirir importância fundamental exigida como requisito de admissão de revista.
Neste contexto, a matéria que é trazida ao recurso nem assume importância fundamental nem a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

3. Pelo exposto, não se admite a revista.
Custas pela recorrente.
Lisboa, 10 de Julho de 2013. – Alberto Augusto Oliveira (relator) – Vítor Gomes – Rosendo José.