Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/18
Data do Acordão:04/12/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Descritores:RECURSO DE REVISTA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23162
Nº do Documento:SA1201804120261
Data de Entrada:03/08/2018
Recorrente:A...
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO
A……………… (A…………) apresentou, no Tribunal Arbitral do Desporto (TAD), recurso do acórdão proferido, em plenário, pelo Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol (FPF), no âmbito do processo disciplinar n.º ………….. – nos termos qual o A………. foi punido da prática de infracção disciplinar prevista e punida pelos art.ºs 80, nº 1, al. c), do Regulamento Disciplinar da FPF e art.º 61.º. n.º 4, do Regulamento do Campeonato Nacional da 1.ª Divisão de …………….. - peticionando a sua revogação.

Com parcial êxito já que o TAD revogou “a decisão recorrida na parte respeitante à aplicação da sanção ao A………. de derrota no jogo n.º ……….. realizado com o Clube Futebol “ …………” no dia ………/……./….., às 16 horas; e, mantida a deliberação recorrida na parte respeitante à condenação ao pagamento de € 204 à Federação Portuguesa de Futebol por violação da al.ª c), do n.º 1, do art.º 80.º, do Regulamento Disciplinar da Federação Portuguesa de Futebol.”

A FPF recorreu para o TCA Sul e este revogou o Acórdão do TAD no segmento “em que concedeu (…) provimento parcial ao recurso, revogando-se a deliberação do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol …. na parte respeitante à aplicação da sanção ao A……….. de derrota no jogo …. e, confirmar o julgado do TAD no tocante à não isenção de custas por parte da FPF”.

É desse Aresto que o Autor recorre (art.º 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO

1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos se, in casu, tais requisitos se verificam.

2. No essencial, ficou assente a seguinte M.F.:
1 – A FPF não autorizou que o A………… transmitisse no seu canal de televisão o desafio de ……….. com o ………….
2 - Todavia, e apesar disso, a A……….TV transmitiu esse jogo na íntegra e em deferido.
3 – O que determinou a abertura de processo disciplinar no qual o Conselho de Disciplina da FPF, com fundamento no disposto na al.ª c) do n.º 1 art.º 80.º do Regulamento Disciplinar da FPF (O qual tem a seguinte redacção:
“1. O Clube que autorize a transmissão televisiva, total ou parcial, em direto ou diferido, de jogo oficial realizado no recinto desportivo por si indicado, sem prévia autorização da FPF ou em desconformidade com a regulamentação aplicável, é sancionado nos termos seguintes:
c) Transmissão em diferido da totalidade do jogo: sanção de derrota no jogo em causa e multa a fixar entre 4 e 10 UC;”), condenou o A………. com a derrota nesse jogo e com uma multa no valor de 204 euros a favor da FPF.
4 – Em via de recurso, o TAD revogou a pena de derrota no jogo mas manteve a condenação em multa.

O TAD revogou a decisão do Conselho de Disciplina com uma fundamentação de que se destaca o seguinte:
“O Tribunal não questiona nesta decisão a opção da FPF de fixar um regime de autorização prévia transmissão dos jogos ou de aplicar sanções expressas em UC.
Trata-se, aqui, de apurar se a derrota-sanção respeita o princípio da proporcionalidade, nos termos em que o CPA expressamente regula.
A Federação Portuguesa de Futebol dispõe de uma farta margem de liberdade para fixar sanções ao incumprimento das obrigações previstas nos regulamentos que aprova.
Não se pode, porém, considerar estar-se numa zona de arbítrio ou de isenção de controlo judicial.
A razão de ser da derrota-sanção está explicada na contestação: “uma sanção de multa, por muito pesada que seja não afastará os infractores da sua prática.”
O recurso da derrota-sanção para punir transmissões não autorizadas de um jogo na íntegra e em diferido não tem uma natureza necessária e adequada e apresenta-se como excessivo relativamente aos objectivos da entidade que aprovou o regulamento”.

A FPF recorreu para o TCA Sul e este, por maioria, revogou a decisão do TAD no segmento em que anulou a pena de derrota no referido jogo. Para tanto ponderou:
“No caso dos autos, o facto ilícito é a transmissão em diferido da totalidade do jogo na televisão, sem o clube arguido estar munido de prévia autorização de transmissão televisiva, da competência da FPF, supondo, evidentemente, requerimento pretensivo do clube interessado.
A moldura penal abstracta contida na norma é cumulativa, na medida em que a norma determina a aplicação simultânea de dois tipos distintos de sanção: a derrota no jogo em causa e multa na moldura abstracta fixada entre 4 e 10 UC's.
O que significa que em matéria disciplinar não está na disponibilidade competencial do órgão administrativo decidir se aplica uma ou se aplica outra, ou se aplica as duas tipologias de penas que constituem cumulativamente ex lege a moldura penal abstracta determinada na norma sancionatória para o específico ilícito constante da hipótese legal, no caso, do art.º 80º nº 1 c) RDFP.
Não pode, dito de outro modo, porque a valoração do efeito punitivo já foi feita em abstracto pelo legislador no mencionado art.º 80.º nº 1 c) RDFP, no sentido cumulativo de aplicação de tipologias de penas mediante a conjunção "e", e não no sentido alternativo mediante a conjunção '"ou''.
…..
De modo que, no caso dos autos, o legislador regulamentar ao determinar a moldura penal em cumulação dos dois tipos, derrota no jogo em causa e multa, significa que decidiu retirar à entidade administrativa julgadora do caso concreto em matéria disciplinar a competência de, em via de aplicação ao caso concreto do efeito punitivo plasmado na norma do art.º 80º, nº 1, c) do RDFPF, aferir da aplicação singular em alternativa da pena de derrota no jogo em causa ou da pena de multa.
O mesmo é dizer que está vedado à entidade administrativa dispor em violação do efeito jurídico sancionatório fixado em abstracto no art.º 80°, nº 1, c) do RDFPF no sentido cumulativo das duas tipologias de pena estatuídas: a derrota no jogo em causa e multa na moldura abstracta fixada entre 4 e 10UC's.”

3. É deste Acórdão que o A………….. recorre, ao abrigo do disposto no art.º 150.º do CPTA, para que se apreciem as seguintes questões:
“a) … poderia a FPF desaplicar o preceito regulamentar que prevê a conduta infraccional e/ou, pelo menos, a parte que prevê as respectivas sanções?
b) … tem o TAD, no âmbito da sua competência jurisdicional e no âmbito de arbitragem necessária, poderes para desaplicar as normas legais ou regulamentares que se afigurem ilegais ou inconstitucionais?”.

4. Conforme resulta do exposto o TAD, interpretando e aplicando o disposto no art.º 80.º/1/c) do RDFPF, considerou que, nas circunstâncias dos autos, ofendia o princípio de proporcionalidade condenar o A………… com a derrota no jogo e multa, por este não ter acatado a proibição da FPF e transmitido na íntegra e em deferido o referido jogo de ………….
O TCA revogou essa decisão por entender que a ofensa àquela norma fazia incorrer o infractor em duas distintas punições – a perda do jogo e, simultaneamente, uma condenação em multa – e que, o TAD não podia alterar essa estatuição e aplicar apenas uma delas.
Ou seja, o TCA entendeu que o TAD ao decidir como decidiu retirou ao legislador a sua liberdade de conformar as suas estatuições conforme entendia substituindo-as por aquelas que julgava mais justas. Deste modo, se aquele decidiu retirar à entidade administrativa julgadora do caso concreto em matéria disciplinar a competência de, em via de aplicação ao caso concreto do efeito punitivo plasmado na norma do art.º 80º, nº 1, c) do RDFPF, aferir da aplicação singular em alternativa da pena de derrota no jogo em causa ou da pena de multa” o TAD não podia interpretar essa norma como se ela permitisse uma escolha entre as sanções nela previstas.
No entanto, e apesar deste Supremo ter recentemente decidido que o TADé um verdadeiro tribunal, mas com algumas especificidades relativamente aos tribunais administrativos” (Acórdão de 8/02/2018 (rec. 1120/17).), a verdade é que essa qualidade não lhe dá o direito de corrigir o legislador e interpretar a citada norma contra o que o nela expressamente se estabelece. Quando muito poderia recusar a sua aplicação com fundamento na sua ilegalidade ou inconstitucionalidade. Mas não foi isso que aconteceu.
Deste modo, tudo indica que o Acórdão recorrido aplicou correctamente o direito não só porque a sua decisão é a que decorre mais directamente do texto legal como a mesma está suficientemente fundamentada.
Por outro lado, muito embora a punição do Recorrente possa ter especial relevância para os seus interesses enquanto clube, certo é que a mesma não é susceptível de ser considerada como uma questão de relevância jurídica ou social suficiente para justificar a admissão da revista.
Finalmente, essa punição decorreu não só de uma factualidade muito específica como a sua peculiaridade não só não traduz uma situação com grande importância jurídica ou social como não tem forte possibilidade de replicação.

Decisão.
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 12 de Abril de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – Teresa de Sousa.