Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0416/09.7BECBR
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
APRESENTAÇÃO TARDIA DA DECLARAÇÃO
Sumário:I - Contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei - aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também -, a declaração de rendimentos tardiamente apresentada não beneficia da presunção de verdade estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada.
II - A entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa da liquidação de IRC na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros.
Nº Convencional:JSTA000P27106
Nº do Documento:SA2202102030416/09
Data de Entrada:01/17/2019
Recorrente:A...................., LDA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Processo nº: 416/09.7BECBR (Recurso Jurisdicional)



Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

A…………………, Lda.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, datada de 11-10-2018, que julgou improcedente a pretensão deduzida pela mesma no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com as liquidações oficiosas de IRC dos exercícios de 2003 e 2004, mantidas por decisões proferidas em procedimento de reclamação graciosa e posterior recurso hierárquico.


Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

A) O presente recurso põe em crise os fundamentos de direito da sentença proferida que preconiza e defende que efectuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação, se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e preconiza e defende que a demonstração da inexistência ou não verificação do facto tributário é da inteira responsabilidade do sujeito passivo, porquanto tais declarações não gozam de presunção de veracidade e de boa fé.

B) No entanto, entende-se que existe vício de violação de lei, pois embora o tribunal “a quo” tenha entendido que as declarações tributárias entregues pelo sujeito passivo fora dos prazos legais estão destituídas da presunção legal de veracidade com assento nos artigos 74º, e 75º nº2, da LGT, entende a Recorrente que a resposta à questão não se afigura tão automática e cristalina, seja pelos princípios normativos que enformaram a presunção legal de veracidade, seja pela não exclusão literal daquela força probatória pelo mero decurso do tempo.

C) Pois é feita uma interpretação extensiva, abusiva e ilegal do nº 2 do art.º 75 da LGT, segundo a qual o comportamento do sujeito passivo, se cumprido dentro dos prazos legais, é movido por boa-fé, sem mais, mas se cumprido extemporaneamente está imediatamente excomungado daqueles ditames e ferido nas suas “boas intenções”.

D) O que não se aceita visto que o legislador não se sente perturbado com a possibilidade de apresentação de declarações substitutivas de que resulte imposto superior durante quase todo o decurso do prazo de caducidade de liquidação (cfr. artigo 59º, n.º 3, alínea b), ponto III) do CPPT), pelo que em homenagem aos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, se impõe também a solução inversa, ou seja, a apresentação de declarações de que resulte imposto inferior ao liquidado oficiosamente.

E) O legislador presume a boa-fé do sujeito passivo (cfr. artigo 59º, nº 2 da LGT) e daí decorre necessariamente que tem de confiar nas suas declarações da mesma forma apesar da sua apresentação fora de prazo, podendo contudo, solicitar elementos probatórios a fim de aferir da sua validade e compatibilidade com a realidade fiscal, aliás tal como o pode fazer em qualquer circunstância.

F) Sem esquecer que no artigo 75º, nº 2, da LGT mais não faz, o legislador, do que evidenciar que certos factos desde logo permitem rejeitar aquele tratamento merecedor de veracidade, neles não figurando, nem expressa, nem indirectamente, o decurso do tempo de per se.

G) Caso duvide do teor/materialidade das declarações entregues pelo sujeito passivo, a AT goza, para além das situações de entrega das declarações dentro do prazo, também nestas situações, de idênticos recursos e mecanismos de fiscalização e controlo da situação tributária auto-revelada pelo sujeito passivo, o que não fez in casu.

H) A perda daquela presunção de veracidade não decorre da lei, quanto interpretada de forma integrada e una, nem o desmerecimento das declarações tributárias se revela digno de tutela pelo decurso do tempo, da lei, só decorre que a declaração apresentada fora de prazo deve continuar a merecer um tratamento legal análogo, o que, conforme é bom de ver, em caso algum inibe a AT de prosseguir na descoberta da verdade material (cfr. artigo 58º da LGT) e da tributação pelo rendimento real, princípios que regem todo o procedimento tributário, e que não são por isso interrompidos ou abafados com o decurso do prazo legal de apresentação das declarações de rendimentos.

I) Por isso, a recorrente entende, pois que no caso em análise, as declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo, após a liquidação oficiosa promovida pela AT, deveriam ser credoras do mesmo tratamento de presunção de boa-fé, sem prejuízo a AT pudesse solicitar todos os esclarecimentos que entendesse pertinentes (cfr. artigo 59º, nº 4 da LGT) em ordem a testar a credibilidade da mesma, se motivos houvesse para dela dissentir, assim se cumprindo o disposto no artigo 83.º, nº10 do CIRC, o que não sucedeu.

J) E, tal como bem consta na sentença proferida pelo tribunal, “Ora, a pretensão da ora Impugnante foi indeferida pela AT por vários motivos, embora alguns deles, talvez fruto de serem vertidos por técnica economista, NÃO MUITO FELIZES OU CERTOS JURIDICAMENTE. FALAMOS, CLARO ESTÁ, DA AFIRMAÇÃO DA NÃO SUBORDINAÇÃO DIRECTA DA AT À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E DA IMPOSSIBILIDADE DE ANALOGIA EM DIREITO, COMO SE PODE LER DO TEOR DOS RECURSOS HIERÁRQUICOS EM CAUSA (cfr. factos provados sob os pontos 3. e 7.).”.

K) Pelo que tais decisões, impugnadas, se subsumem numa tomada de posição vaga, imprecisa e inválida, que não de per si fazer inverter o ónus da prova, nem tão pouco revogar a presunção legal de veracidade estabelecida na lei fiscal para aquelas declarações apresentadas pelo sujeito passivo, ainda que fora do prazo legal para o efeito.

L) A AT tem como dever legal o de prosseguir pelo objectivo da tributação pelo rendimento real, e, em momento algum, foi a Recorrente notificada para proceder à junção dos documentos dos factos invocados, designadamente, dos constantes das declarações de rendimento por si entregues.

M) O que demonstra a violação dos princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, quer nos termos do art.º 55º da LGT, segundo o qual a: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”, sendo que estes princípios estão a montante do ónus da prova.

N) Pois, a direcção da instrução do procedimento tributário cabe à administração tributária (art.º71 da LGT). Toda a actividade da administração tributária deve subordinar-se ao interesse público que, relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (art.º103º, nº1, da CRP). Por força do preceituado no art.º266º da CRP, esta actividade tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.

O) Também o art.º3º do CPA concretiza o princípio da legalidade especificando que «os órgãos da administração pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes foram conferidos».

P) Ainda, o princípio da igualdade impõe à Administração que, nas suas relações com os particulares, os trate de forma igualitária, não os privilegiando, beneficiando, prejudicando, privando de qualquer direito ou isentando de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social (art.º5º, nº1, do CPA).

Q) Também, o princípio da proporcionalidade obriga a administração a não afectar os direitos ou interesses legítimos dos administrados em termos não adequados e proporcionados aos objectivos a realizar (art.º5º, nº2, do C.P.A.). O art.º46º do C.P.P.T. reafirma e desenvolve este princípio estabelecendo que «os actos a adoptar no procedimento serão os adequados aos objectivos a atingir, de acordo com os princípios da proporcionalidade, eficiência, praticabilidade e simplicidade», mesmo expressamente previsto no nº2 do art.º63º da L.G.T.

R) Os princípios da justiça e imparcialidade impõem à administração que trate de forma justa e imparcial os que com ela entrem em relação, expressamente prevista no art.º58º da L.G.T.

S) Da mesma forma, também o princípio da boa fé determina que a administração deve relacionar-se com os particulares de acordo com as regras da boa fé, ponderando os valores fundamentais do direito, designadamente, a confiança suscitada pela sua actuação e o objectivo a alcançar (art.º6º-A do C.P.A.), com suporte no art.º266º, nº2, da C.R.P., e reconhecimento na L.G.T. nos seus arts. 59º, nº1, e 68º. Veja-se a esse propósito o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 8 de Janeiro de 2015.

T) Sempre, com a pretensão de alcançar a tributação do rendimento real do sujeito passivo, pelo que, in casu, viola-se, de forma grosseira, o disposto nº2 do art.º104 da CRP.

U) Conclui-se, pois, que não só é errónea, ilegal e inválida a interpretação que decide pela invalidade e falta de força probatória das declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2003 e 2004, apresentadas pelo sujeito passivo posteriormente à emissão de uma liquidação oficiosa determinada pela Administração Tributária.

V) Tal como é ilegal e despropositada a interpretação feita, pela douta sentença recorrida, no sentido de onerar o sujeito passivo com a obrigação de apresentação de documentação ou elementos da sua contabilidade, sem que conste do probatório da mesma que tenha recebido qualquer notificação para o efeito, quer antecipadamente aos factos tributários na origem do Imposto em liquidação, quer à posteriori no âmbito dos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, impugnados e objecto da sentença recorrida.

W) Pelo que, só se poderá concluir, com os fundamentos supra invocados, que a douta sentença faz uma errónea interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do artigo 75º da LGT e artigo 59º, nº 3, alínea b), ponto III do CPPT, tal como viola, ainda, os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, constantes, dos artigos 3º, 5º e 6º do CPA, 55º, 59º, 63º, 69º, 71º, 74º e 75º da LGT, 83º do CIRC, bem como 103º, 104º e 266º da CRP.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, revogada a douta sentença recorrida, proferindo-se douto acórdão que julgue a impugnação procedente com todas as legais consequências.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em indagar se a decisão recorrida padece do vício de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do artigo 75º da LGT e artigo 59º nº 3, alínea b), ponto III do CPPT, e violação dos princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, constantes dos artigos 3º, 5º e 6º do CPA, 55º, 59º, 63º, 69º, 71º, 74º e 75º da LGT, 83º do CIRC, bem como artigos 103º, 104º e 266º da CRP.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

1. Em 18.06.2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Tábua apôs despacho de concordância sobre projecto de indeferimento de reclamação graciosa deduzida pela ora Impugnante da liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2003, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:

«Valor da liquidação: €10.614,39

Valor reclamado: €10.614,39.

Data limite para pag. voluntário: 2005-08-31.

Data da entrada do pedido: 2006-05-09.

Data limite para reclamação: 2005-11-29 [nº1 do artigo 128° do CIRC, conjugado com o n.º 1 do artigo 70º do CPPT, redacção anterior à dada pela Lei 60-A/05, de 30/12 e a) do n.º 1 do artigo 102° do CPPT].

O(s) reclamante(s) possui(em) legitimidade.

CONTEÚDO DA RECLAMAÇÃO:

Notificado da liquidação oficiosa de IRC, exercício de 2003, procedeu à entrega da declaração em falta tendo apurado um prejuízo fiscal de €1.351,47.

Dado que não apurou imposto em tal declaração, deve ser anulada a liquidação oficiosa que ora reclama.

ELEMENTOS NECESSÁRIOS E RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO:

Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112° do CIRC (Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), a liquidação de IRC é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita e tem por base o montante mínimo previsto no nº 4 do artigo 53° do CIRC ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.

É o que determina a b) do nº 1 do artigo 83° do CIRC.

No caso em apreço a reclamante não procedeu à entrega da declaração modelo 22 de IRC, exercício de 2003, dentro do prazo normal. Somente a tal procedeu em 2005-11-18 e já após ter sido efectuada em 2005-07-20 a liquidação oficiosa que agora reclama.

O ofício 35523 de 2001.10.02 da Direcção de Serviços de IR veio informar os serviços que as liquidações oficiosas efectuadas nos termos da citada b) do nº 1 do artº 83° do CIRC, não podem ser substituídas pela via da entrega da declaração de rendimentos, a não ser que o sujeito passivo declare matéria colectável superior à apurada, tendo o mesmo ao seu dispor os meios de defesa constantes da Lei, nomeadamente reclamação ou impugnação da liquidação nos termos do art.º 128° do CIRC.

A liquidação oficiosa teve por base a matéria colectável de €36.769,04 e que corresponde à totalidade da matéria colectável do exercício de 2002,

Na declaração apresentada pela reclamante apurou prejuízo fiscal.

A liquidação reclamada tem o nº 8310085850 de 2005-07-20.

A data limite para pagamento ocorreu em 2005-08-31.

O prazo para deduzir a reclamação terminou em 2005-11-29.

A reclamação foi entregue nos serviços em 2006-05-09, entrada geral n.º 2716.

MÉRITO DO PEDIDO

Pelo que acima se refere, a presente reclamação deverá ser Indeferida por extemporânea.»;

Cfr. documento n.º 1 junto pela Impugnante, a fls. 49 e ss. dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

2. Em 11.07.2008 o Chefe do mesmo Serviço de Finanças proferiu despacho de indeferimento da aludida reclamação graciosa, com o seguinte teor:

«Após ter sido concedido à reclamante o direito de participação/audição no procedimento tributário, conforme determina a alínea b) do n.º 1 do Art.º 60º da Lei Geral Tributária, a mesma não o exerceu.

Assim, mantenho a proposta de decisão, indeferindo a petição.»;

Cfr. documento n.º 2 junto pela Impugnante, a fls. 52 e ss. dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

3. Em 23.01.2009 a Directora de Serviços do IRC da ATA proferiu despacho de indeferimento de recurso hierárquico interposto pela ora Impugnante da decisão referida no ponto anterior, com os fundamentos vertidos em informação elaborada por técnica economista daquela Direcção de Serviços, com o seguinte teor:

I. Introdução:

Em requerimento dirigido ao Ministro das Finanças, vem o sujeito passivo A…………………, Lda, (…), nos termos do disposto no n.º 2 do art.66.º do CPPT interpor recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 086820060400017.0 da liquidação oficiosa de IRC (fls 3/6 dos autos de recurso), no montante de 10.614,39 € do exercício de 2003.

II. Questões Prévias:

A recorrente apresenta legitimidade no presente procedimento, nos termos dos artigos 65° da LGT e do artigo 9º do CPPT.

O recurso é tempestivo, dentro do prazo previsto no n.º 1, do art. 76° do CPPT, em consonância com o n.º 2, do art. 66° do mesmo diploma, dado que foi a recorrente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 11.07.2008 (fls 31 dos autos de reclamação) e a petição do recurso hierárquico foi apresentada no Serviço de Finanças de Tábua, em 29.07.2008 (fls 3/6 dos autos de recurso).

III. Natureza e Fundamentos:

Dada a falta de entrega da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2004, a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 109° do CIRC, no prazo previsto no artigo 112° do mesmo código, foi efectuada a liquidação oficiosa para aquele exercício pela AT, nos termos da alínea b) do artigo 83° do CIRC. Foi recepcionada, fora de prazo, declaração para o mesmo exercício, entregue pelo contribuinte.

Foi a recorrente notificada da liquidação de IRC do exercício de 2003, para pagamento da importância de 10.614,39 € tendo reclamado para o Serviço de Finanças, no sentido de ser anulada aquela liquidação, pelo facto de ter entregue, ainda que posteriormente, declaração com prejuízo fiscal de 1.351,47€.

Aquela entidade procedeu à notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 11.07.2008 ao sujeito passivo

Pelo Ofício nº 2374 de 08.08.2008 chegou à DSIRC o citado Recurso Hierárquico para efeitos de informação.

IV - Reclamação Graciosa

Síntese dos fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa

A recorrente vem alegar o facto de a reclamação graciosa, apresentada em 09.05.2006 no Serviço de Finanças de Tábua, ter sido indeferida implicando violação dos direitos e interesses dos cidadãos por contrariar o estatuído nos princípios da CRP. De facto, a tributação das empresas deve reger-se pelo rendimento real apurado.

O contribuinte pretendia, na reclamação, que lhe fosse considerado o prejuízo fiscal relativo ao exercício de 2003 no montante de 1.351,47 € constante da declaração de rendimentos modelo 22 de 2003, entregue em 18.11.2005.

Como para o exercício de 2003 o contribuinte não entregou declaração modelo 22, foi emitida declaração oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 83° do CIRC.

Tendo entregue declaração após a citada liquidação oficiosa e apresentando prejuízo, esta não será liquidável nessas circunstâncias, de acordo com o preceituado no ofício 35523 de 02.10.2001.

Por outro lado, foi considerada extemporânea, por ultrapassar o prazo previsto no n.º 1 do artigo 70° e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102°, ambos do CPPT.

V - Recurso Hierárquico

1) Síntese dos fundamentos

Na sequência da decisão de indeferimento proferida no processo de reclamação graciosa nº 0868200604000170 respeitante a IRC do ano de 2003, vem o sujeito passivo apresentar Recurso Hierárquico nos termos do artigo 66°, n.º 1 do CPPT, por não se conformar com a decisão tomada.

Reiterando os fundamentos da reclamação graciosa, a requerente alega que não foram considerados os argumentos que apresentou; acrescenta que a não entrega da declaração de rendimentos no prazo previsto do artigo 112° do CIRC não pode ter consequências pois procedeu à sua entrega dentro do prazo de caducidade, "podendo a Administração Fiscal proceder à sua liquidação com base naquela".

Por outro lado, a Administração Fiscal nada fez para averiguar da verdade material, limitando-se a efectuar liquidação oficiosa, com base na última declaração entregue.

Compete à Administração Fiscal a prossecução do interesse público, materializada no princípio do inquisitório e do dever de imparcialidade, devendo "tomar a iniciativa de realizar todas as diligências para correcta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão".

Ou seja, se existiam dúvidas sobre o rendimento negativo apurado pela recorrente, a Administração deveria procurar conhecer a sua comprovação, solicitando elementos probatórios.

Incorre, assim, em vício de violação da lei, implicando a anulação da decisão tomada nos termos da lei e em particular de acórdãos do STA.

Alega ser a reclamação tempestiva face à entrega da declaração e mesmo que o não fosse poderia sempre ser convolada em pedido de revisão nos termos do artigo 78° da LGT.

Pretende a anulação da declaração oficiosa e a consideração do valor do prejuízo fiscal apresentado na declaração entregue de 2003.

2) Análise do recurso

A decisão ora recorrida do indeferimento da reclamação graciosa, assentou no facto desta ser considerada intempestiva, face aos prazos previstos no n.º 1 do artigo 70° e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102°, ambos do CPPT; à data dos acontecimentos o prazo, era de 90 dias após a data limite para pagamento voluntário da notificação da liquidação.

Sendo essa data limite em 31.08.2005 (fls 18 dos autos de reclamação) o prazo para apresentação da reclamação terminaria em 29.11.2005; como a reclamação foi entregue em 09.05.2006 (fls 3/5 dos autos de reclamação) o prazo foi largamente excedido, sendo considerada extemporânea.

A solução proposta no recurso em convolar a reclamação em pedido de revisão, não se mostra compatível, pois o prazo previsto no n.º 1 do artigo 78° da LGT é o mesmo da reclamação administrativa, que como vimos já foi ultrapassado.

Apesar desta constatação, analisaremos os pontos alegados no recurso:

> Não entregou declaração de rendimento, dentro do prazo, referente ao exercício de 2003.

- Foi notificada para o pagamento da liquidação oficiosa nº 20058310085850, no montante de 10.614,39 € relativamente ao exercício de 2003.

Esta liquidação foi emitida de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 83° do CIRC, pelo facto de o contribuinte ser considerado faltoso naquele exercício, observando-se o disposto nas instruções divulgadas pela DSIRC através dos Ofícios n.º 35523 de 02.10.2001 e n.º 17978 de 25.05.2004.

- A recorrente entregou, posteriormente declaração de rendimento modelo 22, para aquele exercício, ficando na situação de "não liquidável", pois foi entregue em data posterior à liquidação oficiosa e com matéria colectável inferior.

Como já vimos o contribuinte não entregou declaração para o exercício de 2003, dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 112° do CIRC "A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 109.° deve ser enviada, anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia útil do mês de Maio, (Red. Dec.-Lei n.º 238/2006 de 20/12)".

A liquidação oficiosa emitida para esse exercício teve por base a matéria colectável de IRC do exercício mais próximo (segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 83° do CIRC e metodologia do Ofício 17978 da DSIRC de 25.05.2004).

- A recorrente ao não entregar a declaração modelo 22 dentro do prazo legal (e com valor inferior ao da liquidação oficiosa, depois da Administração Fiscal ter usado dos seus poderes vinculados ao efectuar a liquidação oficiosa para o exercício de 2003) a presunção da verdade que está subjacente à sua declaração deixou de existir; como tal o resultado por si apresentado, não é reconhecido pela Administração Fiscal.

- O ofício 35523 de 02.10.2001 dispõe claramente sobre os procedimentos a adoptar no caso de incumprimento por parte dos contribuintes na entrega das declarações de rendimento; assim indica que as liquidações oficiosas não podem ser substituídas por via da entrega da declaração de rendimentos, a não ser que o sujeito passivo declare matéria colectável superior à apurada por aquela via.

Ainda que a recorrente venha fazer uso de normativos legais (nomeadamente a Constituição da República Portuguesa e alguns acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo) tais argumentos não colhem na presente apreciação.

De facto, a CRP prevê diversos princípios que devem reger a sociedade, mesmo no plano fiscal; contudo, são princípios orientadores no pressuposto do cumprimento dos deveres tanto dos cidadãos como das instituições públicas.

Se por um lado se deve exigir (no caso presente) à Administração Fiscal a subordinação aos princípios da justiça e da boa-fé (artigo 266°) e a preponderância da tributação das empresas sobre o seu rendimento real (artigo 104°);

Também, estas, se devem reger pelos mesmos princípios cumprindo com os seus deveres na sociedade; sendo que um dos fundamentais é o cumprimento das obrigações fiscais pela entrega atempada das declarações e/ou do pagamento dos tributos.

Quando o sujeito passivo é o primeiro a prevaricar, não pode vir de seguida exigir que lhe sejam concedidas as mesmas prerrogativas dadas aos sujeitos passivos cumpridores; daí, a existência de regras de procedimento para casos de falta de cumprimento do disposto nos Códigos Fiscais.

São estes os normativos legais regulamentadores das relações tributárias; a Administração Fiscal não está directamente subordinada à Constituição, apenas indirectamente, no que respeita aos princípios orientadores comuns à sociedade portuguesa.

- Os acórdãos dos Tribunais são vinculativos para o caso julgado e servem de indicação para os semelhantes; não há possibilidade de analogia em Direito.

Tanto na reclamação graciosa apresentada como no recurso hierárquico ora apreciado, a recorrente limita-se a justificar o resultado negativo constante da declaração entregue tardiamente, como sendo mais consentâneo com a sua realidade. Seriam estes os momentos apropriados para apresentar elementos que demonstrassem cabalmente o resultado contabilístico/fiscal e não o fez. A entrega da declaração de rendimentos fora de prazo e após a liquidação oficiosa, só por si, não surte qualquer efeito.

> Face ao exposto, somos de parecer que foi correctamente indeferida por intempestiva, nos termos do art. 102° do CPPT, a reclamação graciosa apresentada pela recorrente, não merecendo provimento o recurso hierárquico interposto daquela decisão de indeferimento.

Além disso, também pela apreciação dos factos se conclui não ser de conceder a pretensão da recorrente, pois a declaração apresentada não reúne as condições para ser liquidável e consequentemente ser anulada a liquidação oficiosa.

VI - Direito de Audição

Tendo em conta que, sobre a mesma matéria em fases anteriores do mesmo processo a Recorrente já se pronunciou, não tendo na presente petição acrescentado novos factos, é dispensada a audição prévia no presente caso, nos termos do n.º 3 do art. 60° da LGT em conjugação com a Circular 13/99 - alíneas a) e c) do nº 3 do cap. II.

VII - Conclusões

Assim, entendemos que não deve ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se, o despacho do indeferimento da reclamação, pois:

> A intempestividade da reclamação está confirmada atendendo aos prazos previstos no n.º 1 do artigo 70° e da alínea a) do n.º 1 do artigo 102°, ambos do CPPT; à data dos acontecimentos o prazo, era de 90 dias após a data limite para pagamento voluntário da notificação da liquidação.

> Para além disso (e ainda que não relevante para a decisão no caso em apreço), relativamente à liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2003, não é possível anulá-la, pois a declaração de rendimento não foi entregue dentro do prazo.

Validar esta declaração, é inviável pois não preenche os pressupostos dos ofícios nº 35523 de 02.10.2001 e nº 17978 de 25.05.2004 (entregue em data posterior às LO's e com matéria colectável inferior).

> A decisão tomada em sede de reclamação graciosa apresenta-se correcta e a recorrente não apresentou argumentos válidos que pudessem alterar aquela decisão, pelo que deverá ser indeferido o presente recurso hierárquico.»;

Cfr. documento n.º 3 junto pela Impugnante, a fls. 54 e ss. dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

4. A decisão referida no ponto anterior foi levada ao conhecimento da ora Impugnante por ofício dirigido ao seu mandatário, datado de 10.02.2009, enviado por correio postal registado com aviso de recepção para o domicílio profissional daquele, e aí recebido em 12.02.2009;

Cfr. 1.ª página do documento n.º 3 junto pela Impugnante, a fls. 54 dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública - oficio n.º 311-331 da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra e print o site dos CTT referente à recepção do registo postal RC146726485PT, junto pela Impugnante a fls. 96 dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

5. Em 18.06.2008 o Chefe do Serviço de Finanças de Tábua apôs despacho de concordância sobre projecto de indeferimento de reclamação graciosa da liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2004 interposto pela ora Impugnante, no qual se pode ler, entre o mais, o seguinte:

«Valor da liquidação: €9.373,60

Valor reclamado: €9.373,60.

Data limite para pag. voluntário: 2006-05-26.

Data da entrada do pedido: 2006-06-23.

Data limite para reclamação: 2006-09-23 [nº1 do artigo 128° do CIRC, conjugado com o n.º 1 do artigo 70º do CPPT, redacção anterior à dada pela Lei 60-A/05, de 30/12 e a) do n.º 1 do artigo 102° do CPPT].

O(s) reclamante(s) possui(em) legitimidade.

CONTEÚDO DA RECLAMAÇÃO:

Notificado da liquidação oficiosa de IRC, exercício de 2004, procedeu à entrega da declaração em falta tendo apurado um prejuízo fiscal de €6.856,01.

Dado que não apurou imposto em tal declaração, deve ser anulada a liquidação oficiosa que ora reclama.

ELEMENTOS NECESSÁRIOS E RELEVANTES PARA A APRECIAÇÃO DO PEDIDO:

Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112° do CIRC (Código do Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas), a liquidação de IRC é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita e tem por base o montante mínimo previsto no nº 4 do artigo 53° do CIRC ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada.

É o que determina a b) do nº 1 do artigo 83° do CIRC.

No caso em apreço a reclamante não procedeu à entrega da declaração modelo 22 de IRC, exercício de 2004, dentro do prazo normal. Somente a tal procedeu em 2006-05-04 e já após ter sido efectuada em 2006-04-12 a liquidação oficiosa que agora reclama, apurando na mesma um prejuízo fiscal de €6.856,01.

O ofício 35523 de 2001.10.02 da Direcção de Serviços de IR veio informar os serviços que as liquidações oficiosas efectuadas nos termos da citada b) do nº 1 do artº 83° do CIRC, não podem ser substituídas pela via da entrega da declaração de rendimentos, a não ser que o sujeito passivo declare matéria colectável superior à apurada.

No caso em apreço a liquidação oficiosa e de que agora se reclama, obedeceu a todos os preceitos legais acima já referidos designadamente quanto à matéria colectável e colecta apurada, pelo que deve manter-se.

MÉRITO DO PEDIDO

Pelo que acima se refere, a presente reclamação deverá ser Indeferida.»;

Cfr. documento n.º 4 junto pela Impugnante, a fls. 62 e ss. dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

6. Em 11.07.2008 o Chefe do mesmo Serviço de Finanças proferiu despacho de indeferimento da aludida reclamação graciosa, com o seguinte teor:

«Após ter sido concedido à reclamante o direito de participação/audição no procedimento tributário, conforme determina a alínea b) do n.º 1 do Art.º 60º da Lei Geral Tributária, a mesma não o exerceu.

Assim, mantenho a proposta de decisão, indeferindo a petição.»;

Cfr. documento n.º 5 junto pela Impugnante, a fls. 65 e ss. dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

7. Em 23.01.2009 a Directora de Serviços do IRC da ATA proferiu despacho de indeferimento de recurso hierárquico interposto pela ora Impugnante da decisão referida no ponto anterior, com os fundamentos vertidos em informação elaborada por técnica economista daquela Direcção de Serviços, com o seguinte teor:

«I. Introdução:

Em requerimento dirigido ao Ministro das Finanças, vem o sujeito passivo A………………., Lda, (…), nos termos do disposto no n.º 2 do art.66.º do CPPT interpor recurso hierárquico contra o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 086820060400019.6 da liquidação oficiosa de IRC (fls 4/7 dos autos de recurso), no montante de 9.373,60€ do exercício de 2004.

II. Questões Prévias:

A recorrente apresenta legitimidade no presente procedimento, nos termos dos artigos 65° da LGT e do artigo 9º do CPPT.

O recurso é tempestivo, dentro do prazo previsto no n.º 1, do art. 76° do CPPT, em consonância com o n.º 2, do art. 66° do mesmo diploma, dado que foi a recorrente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 11.07.2008 (fls 28 dos autos de reclamação) e a petição do recurso hierárquico foi apresentada no Serviço de Finanças de Tábua, em 23.07.2008 (fls 4/7 dos autos de recurso).

III. Natureza e Fundamentos:

Dada a falta de entrega da declaração de rendimentos relativa ao exercício de 2004, a que se refere a alínea b) do nº 1 do artigo 109° do CIRC, no prazo previsto no artigo 112° do mesmo código, foi efectuada a liquidação oficiosa para aquele exercício pela AT, nos termos da alínea b) do artigo 83° do CIRC. Foi recepcionada, fora de prazo, declaração para o mesmo exercício, entregue pelo contribuinte.

Foi a recorrente notificada da liquidação de IRC do exercício de 2004, para pagamento da importância de 9.373,60 € tendo reclamado para o Serviço de Finanças, no sentido de ser anulada aquela liquidação, pelo facto de ter entregue, ainda que posteriormente, declaração com prejuízo fiscal de 6.856,01€.

Aquela entidade procedeu à notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 11.07.2008 ao sujeito passivo.

Pelo Ofício nº 2375 de 08.08.2008 chegou à DSIRC o citado Recurso Hierárquico para efeitos de informação.

IV - Reclamação Graciosa

Síntese dos fundamentos do indeferimento da reclamação graciosa

A recorrente vem alegar o facto de a reclamação graciosa, apresentada em 23.06.2006 no Serviço de Finanças de Tábua, ter sido indeferida implicando violação dos direitos e interesses dos cidadãos por contrariar o estatuído nos princípios da CRP. De facto, a tributação das empresas deve reger-se pelo rendimento real apurado.

O contribuinte pretendia, na reclamação, que lhe fosse considerado o prejuízo fiscal relativo ao exercício de 2004 no montante de 6.856,01€ constante da declaração de rendimentos modelo 22 de 2004, entregue em 04.05.2006.

Como para o exercício de 2004 o contribuinte não entregou declaração modelo 22, foi emitida declaração oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º1 do artigo 83° do CIRC.

Tendo entregue declaração após a citada liquidação oficiosa e apresentando prejuízo, esta não será liquidável nessas circunstâncias, de acordo com o preceituado no ofício 35523 de 02.10.2001.

V - Recurso Hierárquico

1) Síntese dos fundamentos

Na sequência da decisão de indeferimento proferida no processo de reclamação graciosa nº 0868200604000196 respeitante a IRC do ano de 2004, vem o sujeito passivo apresentar Recurso Hierárquico nos termos do artigo 66°, n.º 1 do CPPT, por não se conformar com a decisão tomada.

Reiterando os fundamentos da reclamação graciosa, a requerente alega que não foram considerados os argumentos que apresentou; acrescenta que a não entrega da declaração de rendimentos no prazo previsto do artigo 112° do CIRC não pode ter consequências pois procedeu à sua entrega dentro do prazo de caducidade, "podendo a Administração Fiscal proceder à sua liquidação com base naquela".

Por outro lado, a Administração Fiscal nada fez para averiguar da verdade material, limitando-se a efectuar liquidação oficiosa, com base na última declaração entregue.

Compete à Administração Fiscal a prossecução do interesse público, materializada no princípio do inquisitório e do dever de imparcialidade, devendo "tomar a iniciativa de realizar todas as diligências para correcta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão".

Ou seja, se existiam dúvidas sobre o rendimento negativo apurado pela recorrente, a Administração deveria procurar conhecer a sua comprovação, solicitando elementos probatórios.

Incorre, assim, em vício de violação da lei, implicando a anulação da decisão tomada nos termos da lei e em particular de acórdãos do STA.

Pretende a anulação da declaração oficiosa e a consideração do valor do prejuízo fiscal apresentado na declaração entregue de 2004.

2) Análise do recurso

> Não entregou declaração de rendimento, dentro do prazo, referente ao exercício de 2004.

- Foi notificada para o pagamento da liquidação oficiosa n.º 20068310014843, no montante de 9.376,60€ relativamente ao exercício de 2004.

Esta liquidação foi emitida de acordo com o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 83° do CIRC, pelo facto de o contribuinte ser considerado faltoso naquele exercício, observando-se o disposto nas instruções divulgadas pela DSIRC através dos Ofícios n.º 35523 de 02.10.2001 e n.º 17978 de 25.05.2004.

- A recorrente entregou, posteriormente declaração de rendimento modelo 22, para aquele exercício, ficando na situação de "não liquidável", pois foi entregue em data posterior à liquidação oficiosa e com matéria colectável inferior.

Como já vimos o contribuinte não entregou declaração para o exercício de 2004, dentro do prazo previsto no n.º 1 do artigo 112° do CIRC "A declaração periódica de rendimentos a que se refere a alínea b) do n.º 1 do artigo 109.° deve ser enviada, anualmente, por transmissão electrónica de dados, até ao último dia útil do mês de Maio, (Red. Dec.-Lei n.º 238/2006 de 20/12)".

A liquidação oficiosa emitida para esse exercício teve por base a matéria colectável de IRC do exercício mais próximo (segundo a alínea b) do n.º 1 do artigo 83° do CIRC e metodologia do Ofício 17978 da DSIRC de 25.05.2004).

- A recorrente ao não entregar a declaração modelo 22 dentro do prazo legal (e com valor inferior ao da liquidação oficiosa, depois da Administração Fiscal ter usado dos seus poderes vinculados ao efectuar a liquidação oficiosa para o exercício de 2004) a presunção da verdade que está subjacente à sua declaração deixou de existir; como tal o resultado por si apresentado, não é reconhecido pela Administração Fiscal.

- O ofício 35523 de 02.10.2001 dispõe claramente sobre os procedimentos a adoptar no caso de incumprimento por parte dos contribuintes na entrega das declarações de rendimento; assim indica que as liquidações oficiosas não podem ser substituídas por via da entrega da declaração de rendimentos, a não ser que o sujeito passivo declare matéria colectável superior à apurada por aquela via.

Ainda que a recorrente venha fazer uso de normativos legais (nomeadamente a Constituição da República Portuguesa e alguns acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo) tais argumentos não colhem na presente apreciação.

De facto, a CRP prevê diversos princípios que devem reger a sociedade, mesmo no plano fiscal; contudo, são princípios orientadores no pressuposto do cumprimento dos deveres tanto dos cidadãos como das instituições públicas.

Se por um lado se deve exigir (no caso presente) à Administração Fiscal a subordinação aos princípios da justiça e da boa-fé (artigo 266°) e a preponderância da tributação das empresas sobre o seu rendimento real (artigo 104°);

Também, estas, se devem reger pelos mesmos princípios cumprindo com os seus deveres na sociedade; sendo que um dos fundamentais é o cumprimento das obrigações fiscais pela entrega atempada das declarações e/ou do pagamento dos tributos.

Quando o sujeito passivo é o primeiro a prevaricar, não pode vir de seguida exigir que lhe sejam concedidas as mesmas prerrogativas dadas aos sujeitos passivos cumpridores; daí, a existência de regras de procedimento para casos de falta de cumprimento do disposto nos Códigos Fiscais.

São estes os normativos legais regulamentadores das relações tributárias; a Administração Fiscal não está directamente subordinada à Constituição, apenas indirectamente, no que respeita aos princípios orientadores comuns à sociedade portuguesa.

- Os acórdãos dos Tribunais são vinculativos para o caso julgado e servem de indicação para os semelhantes; não há possibilidade de analogia em Direito.

Tanto na reclamação graciosa apresentada como no recurso hierárquico ora apreciado, a recorrente limita-se a justificar o resultado negativo constante da declaração entregue tardiamente, como sendo mais consentâneo com a sua realidade. Seriam estes os momentos apropriados para apresentar elementos que demonstrassem cabalmente o resultado contabilístico/fiscal e não o fez. A entrega da declaração de rendimentos fora de prazo e após a liquidação oficiosa, só por si, não surte qualquer efeito.

> Face ao exposto, somos de parecer que foi correctamente indeferida a reclamação graciosa apresentada peia recorrente, não merecendo provimento o recurso hierárquico interposto daquela decisão de indeferimento.

Pela apreciação dos factos se conclui não ser de conceder a pretensão da recorrente, pois a declaração apresentada não reúne as condições para ser liquidável e consequentemente ser anulada a liquidação oficiosa.

VI - Direito de Audição

Tendo em conta que, sobre a mesma matéria em fases anteriores do mesmo processo a Recorrente já se pronunciou, não tendo na presente petição acrescentado novos factos, é dispensada a audição prévia no presente caso, nos termos do n.º 3 do art. 60° da LGT em conjugação com a Circular 13/99 - alíneas a) e c) do nº 3 do cap. II.

VII - Conclusões

Assim, entendemos que não deve ser dado provimento ao presente recurso, mantendo-se, o despacho do indeferimento da reclamação, pois:

> Relativamente à liquidação oficiosa de IRC do exercício de 2004, não é possível anulá-la, pois a declaração de rendimento não foi entregue dentro do prazo.

Validar esta declaração, é inviável pois não preenche os pressupostos dos ofícios nº 35523 de 02.10.2001 e nº 17978 de 25.05.2004 (entregue em data posterior às LO's e com matéria colectável inferior).

> A decisão tomada em sede de reclamação graciosa apresenta-se correcta e a recorrente não apresentou argumentos válidos que pudessem alterar aquela decisão, pelo que deverá ser indeferido o presente recurso hierárquico.»;

Cfr. documento n.º 6 junto pela Impugnante, a fls. 67 e ss. dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública.

8. A decisão referida no ponto anterior foi levada ao conhecimento da ora Impugnante por ofício dirigido ao seu mandatário, datado de 10.02.2009, enviado por correio postal registado com aviso de recepção para o domicílio profissional daquele;
Cfr. fls. 1 do documento n.º 6 junto pela Impugnante, a fls. 67 dos autos, não impugnado pelo Representante da Fazenda Pública - oficio n.º 311-327 da Divisão de Justiça Tributária da Direcção de Finanças de Coimbra.
9. Em 12.05.2009 foi enviada por correio postal registado a p.i. de impugnação que deu origem aos presentes autos.
Cfr. registo SITAF a fls. 0 e cópia do talão de aceitação de correio postal registado junto pela Impugnante a fls. 97, não impugnado pela Fazenda Pública.

*
Não existem factos alegados a dar como não provados e a considerar com interesse para a decisão.
**
A decisão da matéria de facto efectuou-se com base no exame dos documentos presentes nos autos, juntos pela Impugnante e não impugnados pelo Representante da Fazenda Pública, tudo conforme o que se deixou plasmado a propósito de cada um dos pontos do probatório.”

«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de indagar da bondade da decisão recorrida que julgou improcedente a presente impugnação intentada contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico apresentado do indeferimento de reclamação graciosa, por sua vez apresentada contra os actos de liquidação oficiosos de IRC relativos aos anos de 2003 e 2004.

Para o efeito, o Tribunal a quo ponderou que “a declaração de rendimentos tardia não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada» e de que «a entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros”, referindo depois que “o princípio constitucional da tributação das empresas sobre o seu rendimento real não é impeditivo de qualquer liquidação tendo por base os elementos que a Administração Fiscal disponha, mormente a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, no caso de o sujeito passivo não cumprir com as obrigações declarativas ou não as cumprir nos prazos legalmente estabelecidos”, rematando no sentido de que “nestes casos, não é suficiente que o sujeito passivo entregue a declaração Mod. 22 de IRC após a liquidação oficiosa para que a AT aceite os dados aí inscritos como verdadeiros e anule depois total ou parcialmente a liquidação entretanto realizada. Também não bastará que o contribuinte reclame ou impugne a liquidação oficiosa invocando a violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real ou a violação do princípio do inquisitório. É imprescindível que traga ao conhecimento da Administração Tributária ou do Tribunal, consoante os casos, todos os elementos contabilísticos que permitam verificar que a liquidação oficiosa não se poderá manter, por não se verificar o facto tributário, ou por se verificar um excesso na quantificação”.

Nas suas alegações, a Recorrente defende que é feita uma interpretação extensiva, abusiva e ilegal do nº 2 do art.º 75 da LGT, segundo a qual o comportamento do sujeito passivo, se cumprido dentro dos prazos legais, é movido por boa-fé, sem mais, mas se cumprido extemporaneamente está imediatamente excomungado daqueles ditames e ferido nas suas “boas intenções”, o que não se aceita visto que o legislador não se sente perturbado com a possibilidade de apresentação de declarações substitutivas de que resulte imposto superior durante quase todo o decurso do prazo de caducidade de liquidação (cfr. artigo 59º, n.º 3, alínea b), ponto III) do CPPT), pelo que em homenagem aos princípios constitucionais da tributação pelo rendimento real e da capacidade contributiva, se impõe também a solução inversa, ou seja, a apresentação de declarações de que resulte imposto inferior ao liquidado oficiosamente, sendo que o legislador presume a boa-fé do sujeito passivo (cfr. artigo 59º, nº 2 da LGT) e daí decorre necessariamente que tem de confiar nas suas declarações da mesma forma apesar da sua apresentação fora de prazo, podendo contudo, solicitar elementos probatórios a fim de aferir da sua validade e compatibilidade com a realidade fiscal, aliás tal como o pode fazer em qualquer circunstância, sem esquecer que no artigo 75º, nº 2, da LGT mais não faz, o legislador, do que evidenciar que certos factos desde logo permitem rejeitar aquele tratamento merecedor de veracidade, neles não figurando, nem expressa, nem indirectamente, o decurso do tempo de per se e caso duvide do teor/materialidade das declarações entregues pelo sujeito passivo, a AT goza, para além das situações de entrega das declarações dentro do prazo, também nestas situações, de idênticos recursos e mecanismos de fiscalização e controlo da situação tributária auto-revelada pelo sujeito passivo, o que não fez in casu.

Tal significa que a perda daquela presunção de veracidade não decorre da lei, quanto interpretada de forma integrada e una, nem o desmerecimento das declarações tributárias se revela digno de tutela pelo decurso do tempo, da lei, só decorre que a declaração apresentada fora de prazo deve continuar a merecer um tratamento legal análogo, o que, conforme é bom de ver, em caso algum inibe a AT de prosseguir na descoberta da verdade material (cfr. artigo 58º da LGT) e da tributação pelo rendimento real, princípios que regem todo o procedimento tributário, e que não são por isso interrompidos ou abafados com o decurso do prazo legal de apresentação das declarações de rendimentos, pelo que, no caso em análise, as declarações de rendimentos apresentadas pelo sujeito passivo, após a liquidação oficiosa promovida pela AT, deveriam ser credoras do mesmo tratamento de presunção de boa-fé, sem prejuízo a AT pudesse solicitar todos os esclarecimentos que entendesse pertinentes (cfr. artigo 59º, nº 4 da LGT) em ordem a testar a credibilidade da mesma, se motivos houvesse para dela dissentir, assim se cumprindo o disposto no artigo 83.º, nº10 do CIRC, o que não sucedeu, além de que a AT tem como dever legal o de prosseguir pelo objectivo da tributação pelo rendimento real, e, em momento algum, foi a Recorrente notificada para proceder à junção dos documentos dos factos invocados, designadamente, dos constantes das declarações de rendimento por si entregues, o que demonstra a violação dos princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, quer nos termos do art.º55º da LGT, segundo o qual a: “A administração tributária exerce as suas atribuições na prossecução do interesse público, de acordo com os princípios da legalidade, da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da celeridade, no respeito pelas garantias dos contribuintes e demais obrigados tributários”, sendo que estes princípios estão a montante do ónus da prova, pois, a direcção da instrução do procedimento tributário cabe à administração tributária (art.º71 da LGT). Toda a actividade da administração tributária deve subordinar-se ao interesse público que, relativamente ao sistema fiscal, consiste, em primeira linha, na obtenção de receitas para satisfação das necessidades financeiras do Estado e outras entidades (art.º103º, nº1, da CRP). Por força do preceituado no art.º266º da CRP, esta actividade tem de ser levada a cabo em subordinação à Constituição e à lei e deve respeitar os direitos e interesses legítimos dos cidadãos (princípio da legalidade) e os princípios da igualdade, da proporcionalidade, da justiça, da imparcialidade e da boa fé.

Nesta medida, não só é errónea, ilegal e inválida a interpretação que decide pela invalidade e falta de força probatória das declarações de rendimentos respeitantes aos exercícios de 2003 e 2004, apresentadas pelo sujeito passivo posteriormente à emissão de uma liquidação oficiosa determinada pela Administração Tributária, tal como é ilegal e despropositada a interpretação feita, pela douta sentença recorrida, no sentido de onerar o sujeito passivo com a obrigação de apresentação de documentação ou elementos da sua contabilidade, sem que conste do probatório da mesma que tenha recebido qualquer notificação para o efeito, quer antecipadamente aos factos tributários na origem do Imposto em liquidação, quer à posteriori no âmbito dos procedimentos de reclamação graciosa e recurso hierárquico, impugnados e objecto da sentença recorrida, pelo que, só se poderá concluir, com os fundamentos supra invocados, que a douta sentença faz uma errónea interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do artigo 75º da LGT e artigo 59º, nº 3, alínea b), ponto III do CPPT, tal como viola, ainda, os princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como o princípio da tributação pelo rendimento real, constantes, dos artigos 3º, 5º e 6º do CPA, 55º, 59º, 63º, 69º, 71º, 74º e 75º da LGT, 83º do CIRC, bem como 103º, 104º e 266º da CRP.

Que dizer?

Desde logo, cumpre notar que o art. 75º nº 1 da LGT dispõe que “presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos”.

Depois, o art. 59º nº 2 do CPPT estabelece que “o apuramento da matéria tributável far-se-á com base nas declarações dos contribuintes, desde que estes as apresentem nos termos previstos na lei e forneçam à administração tributária os elementos indispensáveis à verificação da sua situação tributária”, referindo o nº 3 do mesmo preceito legal que “em caso de erro de facto ou de direito nas declarações dos contribuintes, estas podem ser substituídas:

a) Seja qual for a situação da declaração a substituir, se ainda decorrer o prazo legal da respectiva entrega;

b) Sem prejuízo da responsabilidade contra-ordenacional que ao caso couber, quando desta declaração resultar imposto superior ou reembolso inferior ao anteriormente apurado, nos seguintes prazos:

I) Nos 30 dias seguintes ao termo do prazo legal, seja qual for a situação da declaração a substituir;

II) Até ao termo do prazo legal de reclamação graciosa ou impugnação judicial do acto de liquidação, para a correcção de erros ou omissões imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto de montante inferior ao liquidado com base na declaração apresentada;

III) Até 60 dias antes do termo do prazo de caducidade, para a correcção de erros imputáveis aos sujeitos passivos de que resulte imposto superior ao anteriormente liquidado. …”.

No caso presente, é sabido que os actos de liquidação oficiosa de IRC relativos aos anos de 2003 e 2004 subjacentes aos presentes autos foram emitidos pela AT na sequência de omissão de apresentação de declarações por parte do sujeito passivo (ao abrigo da alínea b) do nº1 do artigo 90º do CIRC), sendo que entretanto foram apresentadas declarações de IRC relativas aos exercícios em causa, as quais não foram atendidas pela Administração Tributária.

Nesta sequência, a Recorrente destaca que o facto de a declaração de rendimentos ser apresentada fora de prazo não implica a perda da presunção de veracidade que lhe conferem os preceitos legais descritos e, nessa medida deviam os elementos da declaração apresentada terem sido considerados pela AT, a não ser que obtivesse elementos que contrariassem o declarado, o que não ocorreu.

Numa primeira linha de análise, cremos ser pertinente notar qual o enquadramento das liquidações impugnadas, ou seja, fazer apelo ao então art. 83º nº 1 al. b) do CIRC que estipulava que “a liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes: b) Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 112º, a liquidação é efectuada até 30 de Novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6º mês seguinte ao do termo do prazo para a apresentação da declaração aí mencionada e tem por base a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada”, sendo que esta liquidação, de acordo com o nº 10 do mesmo preceito, podia ser corrigida, se for caso disso, dentro do prazo a que se refere o artigo 93º, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas.

Por outro lado, diz o artigo 95º, nº 1 do CIRC que a Direcção-Geral dos Impostos procede oficiosamente à anulação, total ou parcial, do imposto que tenha sido liquidado, sempre que este se mostre superior ao devido, nos seguintes casos: “a) Em consequência de correcção da liquidação nos termos dos nºs 9 e 10 do artigo 83º ou do artigo 92º”.

Assim, efectuada oficiosamente uma liquidação, esta só poderá ser anulada, nomeadamente por inexistência de facto tributário ou excesso de liquidação se o contribuinte reclamar ou impugnar tal liquidação e demonstrando que “in casu” não existiu facto tributário ou se verificou excesso de liquidação.

Tal significa que a simples apresentação tardia de uma declaração de rendimentos da qual vem a resultar inexistência de imposto ou imposto diverso do anteriormente liquidado não anula automaticamente a anterior liquidação, por tal não resultar do artigo 95º acima citado, pois que, a ser assim, bastaria um contribuinte não apresentar a sua declaração de rendimentos em tempo e depois apresentava uma declaração de rendimentos em que não declarasse rendimentos e a liquidação oficiosa ficaria pura e simplesmente anulada.

Ora, não é esse o sentido da lei. A liquidação só poderá ser anulada oficiosamente, nos casos previstos na lei, pela Administração Tributária na sequência de decisão proferida em reclamação graciosa ou por determinação de Tribunal Tributário.

Neste sentido, o Ac. deste Tribunal de 04-05-2016, Proc. nº 0415/15, www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida aponta “… Não se acompanha a sentença recorrida quando julga verificada uma “ilegalidade à posteriori” da liquidação oficiosa de IRC efectuada ao abrigo do então vigente artigo 83.º n.º 1 alínea b) do Código do IRC mercê da apresentação extemporânea da declaração modelo 22 de IRC até então omitida. É que, o que o n.º 10 do então artigo 83.º do Código do IRC não estabelece em parte alguma haver lugar à correcção oficiosa da liquidação se entretanto – e qualquer que seja o momento em que o faça, desde que dentro do prazo de caducidade – o contribuinte vier apresentar a declaração omitida, antes, que a liquidação podia ser corrigida, se fosse caso disso, dentro do prazo de caducidade, cobrando-se ou anulando-se então as diferenças apuradas. …”.

Mas o aresto identificado vai mais longe quando pondera que “… Ora, poder ser corrigida, designadamente em virtude da apresentação tardia de declaração que a Administração tributária aceite como ver verdadeira é coisa bem diversa de ter necessariamente de ser corrigida, sob pena de ilegalidade do acto de liquidação oficiosa praticado antes dessa entrega, pois que, contrariamente ao que sucede nos casos em que a declaração de rendimentos é apresentada nos termos previstos na lei - aí se incluindo o prazo legal para a sua apresentação, pois que os termos previstos na lei o incluem também - a declaração de rendimentos tardia não beneficia já de tal presunção estabelecida no artigo 75.º da Lei Geral Tributária, sendo livremente valorada.

Assim, e contrariamente ao decidido, não há verdadeiramente uma alternativa entre impugnar ou reclamar graciosamente da liquidação oficiosa ou entregar tardiamente a declaração de rendimentos omitida. Ou melhor, a entrega tardia da declaração de rendimentos não tem necessariamente por efeito a anulação da liquidação oficiosa na medida da diferença para menos, como julgado, pois que os valores aí declarados, por si só, não se presumem verdadeiros. …”.

Nesta sequência, temos de concluir que a sentença recorrida andou bem ao afirmar que “… nestes casos, não é suficiente que o sujeito passivo entregue a declaração Mod. 22 de IRC após a liquidação oficiosa para que a AT aceite os dados aí inscritos como verdadeiros e anule depois total ou parcialmente a liquidação entretanto realizada. Também não bastará que o contribuinte reclame ou impugne a liquidação oficiosa invocando a violação do princípio da tributação das empresas pelo rendimento real ou a violação do princípio do inquisitório. É imprescindível que traga ao conhecimento da Administração Tributária ou do Tribunal, consoante os casos, todos os elementos contabilísticos que permitam verificar que a liquidação oficiosa não se poderá manter, por não se verificar o facto tributário, ou por se verificar um excesso na quantificação e ainda que “… atento o teor das decisões proferidas no procedimento de reclamação graciosa e no procedimento de recurso hierárquico surge evidente que em momento algum o sujeito passivo ofereceu qualquer meio de prova, nem mesmo quando foi notificado para o exercício do direito de audição no procedimento de reclamação graciosa, nem quando recorreu hierarquicamente, falhando pois no cumprimento do seu ónus de prova e que ora imputa à AT, por invocação da violação do princípio do inquisitório.

Para além de que, na presente acção, a ora Impugnante também não juntou nenhum documento para além dos despachos proferidos no procedimento gracioso, não arrolou qualquer testemunha ou requereu a produção de qualquer meio de prova, pelo que sempre se concluiria pela falta de prova da inexistência do facto tributário ou do excesso de quantificação das liquidações impugnadas”.

Com efeito, na situação dos autos, perante a falta de cumprimento do dever de apresentação da declaração de rendimentos por parte do sujeito passivo, a AT lançou mão do mecanismo legal previsto na alínea b) do nº 1 do artigo 83º do CIRC, recorrendo a uma matéria tributável ficcionada - matéria colectável do exercício mais próximo, o que equivale a dizer que recorreu a uma avaliação indirecta da matéria tributável, procedimento este que fundamentou nos termos legais e cujos pressupostos não foram postos em causa pela Recorrente.

Nessa medida, é inequívoco que, ao contrário do que pretende a Recorrente, recai sobre o sujeito passivo o ónus da prova do excesso da quantificação dessa matéria tributável, ónus esse que não é satisfeito com a mera apresentação de uma declaração de rendimentos, porquanto, como já ficou dito, tal declaração, “in casu”, não beneficia da presunção de veracidade consagrada no nº 1 do artigo 75º, da LGT, por não ter sido apresentada no prazo previsto no artigo 112º do CIRC.

Não se olvide ainda que, na situação em apreço, em bom rigor, nem sequer se pode falar em “declaração de substituição”, pois não estamos perante nenhum dos casos previstos no então artigo 114º do CIRC (actual 122º).

Deste modo, as declarações a que alude a Recorrente apenas poderão ser valoradas pela AT, desde que acompanhadas por outra documentação e meios probatórios que permitam ajuizar sobre a veracidade e aderência à realidade dos dados ali inscritos, esforço probatório que não foi realizado pela Recorrente, como se deixou exarado na sentença recorrida, asserção esta que a Recorrente não põe em causa, pelo que, o recurso não pode proceder nesta sede.

A Recorrente faz ainda alusão à violação dos princípios do inquisitório, deveres de imparcialidade, justiça e proporcionalidade, bem como do princípio da tributação pelo rendimento real.

Ora, como se crê ter demonstrado, recaindo sobre o sujeito passivo, neste caso, o ónus da prova do excesso da matéria tributável tida em consideração na liquidação oficiosa, e não tendo carreado para os autos da reclamação graciosa ou do recurso hierárquico quaisquer elementos probatórios, não era exigível à AT a realização de quaisquer diligências complementares que se mostrassem necessárias à comprovação desses dados.

Além disso, o princípio constitucional consagrado no artigo 104º, nº 2 da CRP, no sentido de que a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real é perfeitamente compatível com o apuramento da matéria tributável por meios indirectos.

Efectivamente, o Ac. do Tribunal Constitucional nº 84/2003, Proc. 531/99) refere que “a tributação das empresas pelo seu rendimento real constitui um princípio ou uma regra que permite, excepcionalmente, desvios ou excepções”, ou seja, aquele TC tem admitido o apuramento da matéria tributável por meio de presunções, desde que as mesmas sejam ilidíveis, o que se verifica no caso concreto.

Sendo assim, como é, não merece qualquer censura a decisão recorrida quando aponta que “o princípio constitucional da tributação das empresas sobre o seu rendimento real não é impeditivo de qualquer liquidação tendo por base os elementos que a Administração Fiscal disponha, mormente a totalidade da matéria colectável do exercício mais próximo que se encontre determinada, no caso de o sujeito passivo não cumprir com as obrigações declarativas ou não as cumprir nos prazos legalmente estabelecidos”.

Assim sendo, não vemos como recusar total pertinência ao exposto na decisão recorrida sobre a matéria em crise nos autos, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.


4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 03 de Fevereiro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (Relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.