Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01767/15.7BELRS
Data do Acordão:09/21/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
ILEGALIDADE ABSTRACTA
ILEGALIDADE ABSOLUTA
IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Sumário:I - Quando na oposição seja apreciada a legalidade abstracta ou absoluta da liquidação que consubstancia a dívida exequenda – i.e., nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT –, a sentença que reconhece a ilegalidade daquele acto tributário tem efeito anulatório do mesmo.
II - No presente caso, tendo a sentença proferida em oposição à execução fiscal reconhecido a ilegalidade do tributo que deu origem à dívida exequenda (por violação do Direito da União Europeia), deve o processo de impugnação judicial, após o trânsito em julgado daquela decisão, ser julgado extinto por inutilidade superveniente, nos termos do disposto na alínea e) do art. 277.º do CPC, uma vez que o acto impugnado foi já retirado da ordem jurídica.
III - O art. 536.º, n.º 3, do CPC, é inspirado pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da acção, por ele não ter dado origem ao facto determinante da impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa; de acordo com o mesmo princípio, se a inutilidade for imputável ao réu ou requerido, será este o responsável pela totalidade das custas.
Nº Convencional:JSTA000P29911
Nº do Documento:SA22022092101767/15
Data de Entrada:01/21/2021
Recorrente:DIRECÇÃO NACIONAL DA PSP - UNIDADE ORGÂNICA DE OPERAÇÕES E SEGURANÇA - DEPARTAMENTO DE ARMAS E EXPLOSIVOS
Recorrido 1:A............, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1767/15.7BELRS
Recorrente: Polícia de Segurança Pública
Recorrida: “A…………, S.A.”

1. RELATÓRIO

1.1 A Polícia de Segurança Pública (adiante Recorrente) recorreu para o Tribunal Central Administrativo Norte da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel (A petição inicial foi remetida pela entidade que procedeu às liquidações impugnadas ao Tribunal Tributário de Lisboa, apesar de ter sido endereçada pela Impugnante ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, ao qual os autos foram ulteriormente remetidos.), julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada (adiante Recorrida), anulou a liquidação que a esta foi efectuada, da taxa para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e Armamento (FFEA) respeitante ao período de Outubro de 2004 a Dezembro de 2014.

1.2 A Recorrente apresentou as alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. De acordo com o art. 1.º do Decreto-Lei n.º 521/71, de 24 de Novembro, compete à Polícia de Segurança Pública (PSP) o cadastro e fiscalização de produção, importação, exportação, comércio, detenção, armazenagem e emprego de armamento, munições e substâncias explosivas e prevenção da segurança nos locais utilizados para qualquer das referidas actividades.

B. A PSP possui ainda as competências estabelecidas pelo art. 9.º do Regulamento sobre a Fiscalização de Produtos Explosivos (RFPE) aprovado pelo Decreto-Lei n.º 376/84, de 30 de Novembro, designadamente, entre outras, para a concessão de licenças para importação ou exportação de produtos explosivos – al. d), concessão de licenças para aquisição e emprego de produtos explosivos ou de pólvora negra e fiscalização das condições da sua aplicação e armazenagem – al. e), fiscalização dos registos de entradas e saídas de produtos explosivos ou de matérias perigosas nas fábricas, oficinas, paióis, depósitos ou armazéns – al. h).

C. Estão ainda cometidas à PSP todas as competências da então Inspecção de Explosivos (IE), por força da sua extinção nos termos estabelecidos pelo art. 1.º do Decreto-Lei n.º 107/92, de 2 de Junho, onde se incluem, designadamente, as que constam no art. 8.º do RFPE e nos demais regulamentos aprovados também pelo Decreto-Lei n.º 376/84.

D. De referir ainda que, nos termos do artigo 3.º n.º 3 alínea a) da Lei n.º 53/2007, de 31 de Agosto, que aprova a Lei Orgânica da PSP, constitui atribuição desta PSP “Licenciar, controlar e fiscalizar o fabrico, armazenamento, comercialização, uso e transporte de armas, munições e substâncias explosivas e equiparadas que não pertençam ou se destinem às Forças Armadas e demais forças e serviços de segurança, sem prejuízo das competências de fiscalização legalmente cometidas a outras entidades;”

E. Assim, a aquisição e o emprego de produtos explosivos dependem de autorização prévia nos termos do previsto no artigo 19.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 521/71, cabendo à PSP conceder as licenças para a aquisição e emprego de produtos explosivos, de pólvora negra e dos correspondentes dispositivos de iniciação, nos termos do previsto no artigo 9.º alínea e) do RFPE conjugado com o artigo 31.º n.º 1 do RFACEPE, aprovado pelo Decreto-Lei 376/84, de 30 de Novembro.

F. Estas autorizações podem ainda ser concedidas pelos Comandos Distritais da PSP, nas situações e condições previstas no artigo 33.º do RFACEPE.

G. Relativamente à importação e exportação de substâncias explosivas, bem como a aquisição e transferência de explosivos para outro Estado-Membro ou de outro Estado-Membro para Portugal, estas carecem de autorização do Director Nacional da PSP, nos termos do disposto no artigo 25.º n.º 1 do RFACEPE, no artigo 16.º n.º1 do Decreto-Lei n.º 521/71, e artigo 9.º alínea d) do RFPE e no artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 265/94, de 25 de Outubro, que transpôs para a ordem jurídica interna a Directiva n.º 93/15/CEE, do Conselho, de 5 de Abril, relativa à harmonização das legislações dos Estados membros respeitantes à colocação no mercado e ao controlo dos explosivos para utilização civil.

H. A emissão destas licenças justifica-se atentas razões de ordem e segurança públicas.

I. Neste âmbito, são cobradas pela PSP duas taxas: a taxa para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e Armamento (FFEA) e ao Fundo de Substâncias Explosivas (FSE).

J. O Fundo de Fiscalização de Explosivos e Armamento (FFEA), que é o que nos prende nestes autos, foi instituído pelo art. 7.º do Decreto-Lei n.º 521/71, que determinou que seria constituído pelo produto das taxas constantes na tabela anexa àquele diploma, que funciona sob administração autónoma da PSP e destina-se à satisfação dos encargos, instalação e manutenção do serviço de fiscalização.

K. A referida tabela, com incidência no cálculo destas taxas, veio a ser posteriormente substituída pela tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 35/94, de 8 de Fevereiro e sofreu as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 637/2005, de 4 de Agosto, Portaria n.º 1148/2005, de 9 de Novembro, Portaria n.º 1165/2007, de 13 de Setembro, art. 1.º da Portaria n.º 1307/2010, de 23 de Dezembro, art. 4.º da Portaria n.º 1231/2010, de 9 de Dezembro, e Portaria n.º 51/2014, de 28 de Fevereiro, sendo o valor da taxa objecto de actualização nos termos do art. 1.º desta portaria, incidindo pois, de acordo com essa redacção, o seu valor no quilograma de explosivo saído das fábricas ou importado, para consumo ou revenda no território nacional.

L. Da redacção destas portarias constata-se que, para efeito de cobrança da taxa para este Fundo, não são distinguidos os explosivos de origem nacional dos estrangeiros, não existindo assim um tratamento diferenciado destes produtos em função da respectiva origem pois, objectivamente, pagam taxa para o FFEA os explosivos colocados no mercado nacional, quer destinados ao consumo ou revenda.

M. Assim, tanto o FFEA como o FSE resultam de imposições legais e constituem a contrapartida de serviços efectivamente prestados, sendo justificados por razões de protecção da vida ou saúde e da vida das pessoas, da ordem e da segurança públicas, como consta dos diplomas legais atrás referidos e do artigo 36.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), e sendo certo que a contribuição para estas taxas, além de ser conforme ao direito europeu, incide sobre os produtos explosivos e substâncias perigosas importadas ou nacionais independentemente da sua origem, não constituindo um encargo de efeito equivalente a direitos aduaneiros, integrando-se na categoria das disposições internas não discriminatórias.

N. Com a imposição de tais taxas, não se está a criar qualquer discriminação nem obstáculo à livre circulação de mercadorias na medida em que na sua cobrança não se distingue os produtos de origem nacional dos produtos de origem estrangeira, pois os procedimentos adoptados para a cobrança das taxas não trata de forma diferenciada estes produtos em função da origem, dado que objectivamente pagam taxas quer se destinem ao consumo interno como à revenda, quer sejam produzidos nos estabelecimentos ou objecto de importação.

O. Conclui-se portanto que, quer o FFEA quer o FSE, funcionam ambos na dependência da PSP e sob sua administração autónoma, destinando-se as verbas do primeiro à satisfação dos encargos, instalação e manutenção do serviço de fiscalização, enquanto as verbas do segundo se destinam ao processamento dos encargos com o pessoal e outras obrigações decorrente do património e da integração do pessoal da extinta IE no quadro da PSP.

P. O montante das taxas incide assim, objectivamente, sobre os produtos e realização de quaisquer operações discriminadas nos respectivos regimes legais, designadamente, quanto ao FSE no art. 1.º do Decreto-Lei n.º 35/94 e quanto ao FFEA na tabela constante do anexo III à Portaria n.º 1307/2010, de 23 de Dezembro, com alteração introduzida pela Portaria n.º 51/2014, de 28 de Fevereiro, sendo o valor desta última taxa objecto de actualização nos termos do art. 1.º desta Portaria.

Q. Alegou a impugnante, ora recorrida, que a parte relativa à presente impugnação, cujo pagamento não efectuou, se ficou apenas a dever ao facto de entender existir dupla tributação, uma vez que, tendo sido autorizada a importar determinados produtos e artigos e pago a taxa respectiva, nenhuma outra taxa com eles relacionada deverá pagar quando os introduza no mercado, pois é isso que resulta da conjunção disjuntiva “ou” utilizada pelo legislador no Anexo III da Portaria n.º 1307/2010, de 23 de Dezembro ou no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 35/94, de 8 de Fevereiro, sendo certo que tal conjunção não tem a virtualidade pretendida, já que o dever de pagamento da taxa subsiste em todos os casos aí enumerados, sejam eles de produção, importação, exportação, introdução, expedição, armazenagem e de (para o efeito = a “ou”) colocação no mercado de produtos explosivos.

R. Não é, contudo, este o entendimento da recorrente, confirmado pelas 3 decisões judiciais juntas, sendo certo que tal conjunção não tem a virtualidade pretendida, já que o dever de pagamento da taxa subsiste em todos os casos aí enumerados, a saber: quer na “importação” e “exportação”, quer também na comercialização, seja esta relativa a produto simplesmente importado ou exportado, seja de produto fabricado ou transformado.

S. Para além disso, nos termos da tabela anexa quer ao Decreto-Lei n.º 521/71, de 24 de Novembro quer ao Decreto-Lei n.º 35/94, de 8 de Fevereiro, são distintas as situações em que os explosivos saem da fábrica, em que são “importados” ou em que são “exportados”, sendo por isso aplicável uma taxa, relativamente à saída da fábrica, outra taxa correspondente à “importação” de tais produtos e outra taxa quando sejam “exportados”, sendo por isso cumulativas as taxas aplicadas, pois se trata de factos tributários distintos para cada operação e que por cada uma destas existe um novo acréscimo de trabalho e de actividade por parte da fiscalização, já que esta tem o dever de “acompanhar” e fiscalizar a existência de todos os produtos e substâncias explosivas ou perigosas desde a sua criação ou fabrico até ao seu desaparecimento total, independentemente do seu destino e da forma como o mesmo decorre ou se processa.

T. Conclui-se assim que, com a utilização da conjunção “ou” referida não ocorre uma situação de dupla tributação, como a impugnante entende e o tribunal sufragou, a qual apenas se verificaria quando relativamente ao mesmo facto tributário incidissem taxas da mesma natureza, o que não é o caso dos autos, pois, como se alegou, correspondem a distintos factos tributários a “importação” ou “exportação” ou a saída das fábricas dos produtos.

U. Isto é, cada uma destas operações ou actos (acto de importação ou acto de comercialização, seja esta de consumo ou para revenda em território nacional) está sujeita ao pagamento de taxa.

V. Por isso a posição sustentada pela Impugnante não só não faz sentido como carece de fundamento legal.

W. Conforme se alega no ponto 32 supra e aqui se dá por integralmente reproduzido, a noção de dupla tributação reporta-se a um concurso de normas, isto é, quando normas tributárias divergentes incidem sobre o mesmo facto tributário dando origem a duas ou mais obrigações de imposto, o que no caso não se verifica.

X. No caso em apreço não existe cumulação do mesmo facto jurídico, uma vez que, nem o objecto é o mesmo, nem o período de tributação coincidem, pelo que não ocorre dupla tributação.

Y. De todo o exposto resulta que a sentença incorreu em violação de lei, na medida em que decide contra a letra e o espírito dos diplomas legais que regulam a matéria, designadamente o Decreto-Lei n.º 521/71 e respectiva tabela, a qual, com incidência no cálculo destas taxas, veio a ser posteriormente substituída pela tabela anexa ao Decreto-Lei n.º 35/94, de 08 de Fevereiro e sofreu as alterações introduzidas pelas Portarias n.º 637/2005, de 4 de agosto; Portaria n.º 1148/2005, de 9 de Novembro; Portaria n.º 1165/2007, de 13 de Setembro; Portaria n.º 1307/2010, de 23 de Dezembro; art. 4.º da Portaria n.º 1231/2010, de 9 de Dezembro e Portaria n.º 51/2014, de 28 de Fevereiro, sendo o valor da taxa objecto de actualização nos termos do art. 1.º desta portaria.

Nestes termos e nos demais de Direito, deverá o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogar-se a decisão proferida pelo tribunal “a quo”, com todas as consequências legais».

1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença e juntando cópia da sentença proferida no processo n.º 2031/15.7BEPNF, alegando que essa decisão transitou em julgado.

1.4 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso e indicou como tribunal competente este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual remeteu os autos.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e mantida a sentença recorrida. Isto, com a seguinte fundamentação:

«[…] Entendeu a douta sentença recorrida que não é devida qualquer taxa FFEA em relação aos produtos importados ou adquiridos de outro comerciante nacional.
E, na verdade, uma taxa sobre a importação de produtos provenientes do mercado europeu equivale a um direito de importação intracomunitário, vedado pelo Direito Europeu,
Consequentemente, não pode a PSP taxar os explosivos importados dos Estados-Membros da União Europeia, no momento da sua importação e da sua colocação no mercado.
Assim sendo, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião que a sentença impugnada fez uma correta interpretação dos factos e aplicou correctamente o direito que lhes corresponde.
Assim, no tocante às questões jurídicas suscitadas nas conclusões das alegações da Recorrente, discorre o Mmº Juiz [do Tribunal] a quo, na douta sentença recorrida, com proficiência, fazendo uma exegese rigorosa dos preceitos legais, norteada pela mais categorizada doutrina e pela mais avalizada jurisprudência dos nossos tribunais superiores.
Na verdade, o Mmº Juiz [do Tribunal] a quo citou, inventariou e analisou as disposições que convocou para a solução do caso vertente.
Fazendo-o com clareza, acerto e proficiência, razão pela qual merece a nossa total adesão.
Acresce que as considerações interpretativas aí vertidas são, quanto a nós, inteiramente válidas e pertinentes e resultam da mais sã e fidedigna hermenêutica jurídica, sendo, ademais, as que decorrem dos ensinamentos dos mais insignes autores.
Já o entendimento plasmado nas alegações do recurso em apreço, se nos afigura por demais simplista, desarticulado e confuso
E, daí, contrário aos ensinamentos da doutrina e da jurisprudência e, também, violador das disposições legais aplicáveis, pelo que não o sufragamos.
O que, como referimos supra, a Impugnante, ora Recorrida, colocou directamente em causa não foi a tributação pela importação (aqui utilizada no sentido lato que abrange a aquisição intracomunitária),
Mas a tributação que lhe é aplicada posteriormente sobre todos os produtos que saem das suas instalações,
Independentemente de estes terem sido já tributados – seja em sede de importação, seja por aquisição através de outros fabricantes nacionais.
Não há aqui qualquer exclusão do produto nacional: há apenas a exclusão dos produtos que são produzidos pelo próprio vendedor, incentivando-se a integração vertical no sector da pólvora e dos explosivos.
Com efeito, não tem razão a PSP ao exigir taxas aquando da importação e ao exigir taxas aquando da posterior revenda,
Colocando os produtores dos outros Estados-membros numa situação de desvantagem, vis a vis com a situação dos produtores-revendedores radicados em Portugal.
Nesta conformidade, entendemos que o recurso não merece provimento».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 A sentença recorrida efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos:

«A) Em data não determinada, mas anterior a 8/11/2005, a Direcção Nacional da PSP remeteu à Impugnante o ofício referência n.º 20075, datado de 24/10/2005, com o seguinte conteúdo (fls. 12-13 e 18-21 do PA):

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B) Em 17/5/2012, a Impugnante recebeu o ofício referência n.º 6419/DEX/2012, com o assunto “Taxas para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e Armamento e para o Fundo de Substâncias Explosivas – Comunicação do valor de taxas para liquidação – cobrança coerciva da dívida”, entre o mais, com o seguinte teor (fls. 61-65 do PA):

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C) Em 6/3/2015, a Impugnante recebeu o ofício referência n.º 03882, com o assunto “Não pagamento do valor das taxas legalmente estabelecidas para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e Armamento”, com o conteúdo que infra se reproduz (fls. 107-110 do PA):

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D) Em 29/4/2015, o Director Nacional Adjunto da PSP emitiu certidão de dívida na qual certifica que a Impugnante deve a quantia de € 46.272,25 a título de taxas para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e de Armamento, à qual anexou, a fls. 1-3, cópia do documento referido na alínea C) (certidão de dívida e respectivos anexos juntos a fls. 132-137 dos autos de oposição n.º 2031/15.7BEPNF que correm termos neste tribunal).

Com interesse para a decisão da causa, o Tribunal julga não provado:

1. Além dos ofícios identificados na matéria de facto julgada provada nas alíneas A) a C), foram remetidos outros ofícios à Impugnante através dos quais se exigiu desta o pagamento de quaisquer montantes a título de taxa para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e de Armamento (PA junto aos autos)».

2.1.2 Com interesse para a decisão a proferir e mediante a consulta do processo com o n.º 2031/15.7BEPNF (na sequência da apresentação, pela Recorrida e com as contra-alegações, da cópia da sentença aí proferida), verificamos o seguinte circunstancialismo:

a) com base na certidão referida em C) foi instaurada contra a sociedade ora Recorrida execução fiscal para cobrança da dívida a que se referem as liquidações impugnadas nos presentes autos;

b) a ora Recorrida deduziu oposição a essa execução fiscal, a qual foi decidida por sentença proferida em 28 de Fevereiro de 2020, que transitou em julgado;

c) nos termos dessa sentença, que apreciou «a (i)legalidade abstracta das liquidações» por «violação do Direito da União Europeia», as liquidações das taxas que deram origem à dívida exequenda são inválidas por violação do Direito da União Europeia.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 DA IMPOSSIBILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE

No presente processo, que foi iniciado com a apresentação da petição inicial em 30 de Junho de 2015, foi pedida a anulação das liquidações impugnadas, de taxa liquidação da taxa para o Fundo de Fiscalização de Explosivos e Armamento, referente aos meses de Outubro de 2004 a Dezembro de 2014. Estamos agora confrontados com o recurso interposto para este Supremo Tribunal da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou procedente essa impugnação judicial e anulou os actos impugnados.
Antes de sindicar o julgamento efectuado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, há que ter presente i) que a AT instaurou execução fiscal para cobrança coerciva das dívidas geradas pelas liquidações impugnadas no presente processo, ii) que a ora Recorrida deduziu oposição a essa execução fiscal e iii) que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, por sentença proferida nesses autos em 28 de Fevereiro de 2020, que transitou em julgado, julgou procedente essa oposição.
Cumpre, pois, averiguar de eventual repercussão dessa sentença – de que a Recorrida juntou cópia com as contra-alegações, propiciando o exercício do contraditório – sobre o presente processo.
Em regra, não ocorre caso julgado entre o processo de oposição à execução fiscal e o processo de impugnação judicial em que se esteja a discutir a legalidade da liquidação que deu origem à dívida exequenda, pois os efeitos jurídicos típicos e mais comummente visados num e noutro meio processual são distintos: naquele, a extinção da execução fiscal quanto ao opoente; neste, a anulação do acto tributário.
Há, no entanto, que ter presente que no caso sub judice a oposição à execução fiscal foi julgada procedente com fundamento na ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação que consubstancia a dívida exequenda, reconduzível à previsão da alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT. Salienta JORGE LOPES DE SOUSA, em comentário a esta alínea: «Está-se, aqui, perante aquilo que doutrinal e jurisprudencialmente se designa por ilegalidade abstracta ou absoluta da liquidação, que se distingue da «ilegalidade em concreto» por na primeira estar em causa a ilegalidade do tributo e não a mera ilegalidade do acto tributário ou da liquidação; isto é, na ilegalidade abstracta a ilegalidade não reside directamente no acto que faz aplicação da lei ao caso concreto, mas na própria lei cuja aplicação é feita, não sendo, por isso, a existência de vício dependente da situação real a que a lei foi aplicada nem do circunstancialismo em que o acto foi praticado» (Código de Procedimento e de Processo Tributário, Áreas Editora, 2011, 6.ª edição, volume III, nota 4 ao art. 204.º, pág. 443.). É nesta alínea que estão previstas, como fundamento de oposição à execução fiscal, as situações de violação da lei constitucional ou do direito da União Europeia.
No presente caso, tendo a sentença proferida em oposição à execução fiscal reconhecido a ilegalidade do tributo que deu origem à dívida exequenda por violação do direito da União Europeia, deve o processo de impugnação judicial, após o trânsito em julgado daquela decisão, ser julgado extinto por impossibilidade superveniente, nos termos do disposto na alínea e) do art. 277.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, uma vez que o acto impugnado foi já retirado da ordem jurídica, ou seja, verificou-se o desaparecimento do objecto do processo na pendência do processo.
Note-se que não releva a circunstância de na sentença proferida em sede de oposição à execução fiscal não ter sido expressamente decretada a anulação do acto ora impugnado. É que não há dúvida de que é esse o efeito jurídico que resulta da procedência da oposição com fundamento na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

2.2.2 DAS CUSTAS

Resta apreciar e decidir sobre a responsabilidade pelas custas.
Recordemos que a instância da presente impugnação judicial é julgada extinta por impossibilidade superveniente porque a liquidação impugnada foi anulada em sede da oposição que extinguiu a execução que prosseguia para cobrança da dívida originada por esse acto tributário.
A situação não cabe, pois, em qualquer das hipóteses catalogadas no n.º 2 do art. 536.º do CPC, motivo por que é de aplicar o n.º 3 do mesmo artigo, nos termos do qual, «[n]os restantes casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide, a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas».
No caso, a impossibilidade superveniente da lide, porque resulta da anulação judicial da liquidação impugnada, é imputável à Recorrente, enquanto entidade que procedeu à liquidação que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel julgou inválida por violação do direito da União Europeia.
Assim, nos termos do citado n.º 3 do art. 536.º do CPC – que constitui um corolário do princípio da causalidade que estrutura o sistema legal da responsabilidade pelo pagamento das custas –, as custas ficarão a cargo da Recorrente.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulo as seguintes conclusões:

I - Quando na oposição seja apreciada a legalidade abstracta ou absoluta da liquidação que consubstancia a dívida exequenda – i.e., nas situações previstas na alínea a) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT –, a sentença que reconhece a ilegalidade daquele acto tributário tem efeito anulatório do mesmo.

II - No presente caso, tendo a sentença proferida em oposição à execução fiscal reconhecido a ilegalidade do tributo que deu origem à dívida exequenda (por violação do Direito da União Europeia), deve o processo de impugnação judicial, após o trânsito em julgado daquela decisão, ser julgado extinto por inutilidade superveniente, nos termos do disposto na alínea e) do art. 277.º do CPC, uma vez que o acto impugnado foi já retirado da ordem jurídica.

III - O art. 536.º, n.º 3, do CPC, é inspirado pelo princípio de que, não havendo sucumbência, não é legítimo onerar o réu ou o demandado com o pagamento das custas da acção, por ele não ter dado origem ao facto determinante da impossibilidade superveniente da lide, o que constitui corolário do princípio da causalidade na sua formulação negativa; de acordo com o mesmo princípio, se a inutilidade for imputável ao réu ou requerido, será este o responsável pela totalidade das custas.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em julgar extinta a instância, por impossibilidade superveniente.

Custas pela Recorrente (cfr. ponto 2.2.2 supra).


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Lisboa, 21 de Setembro de 2022. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.