Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0957/13
Data do Acordão:10/08/2014
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IRS
BENEFÍCIO DE PERDÃO FISCAL
DIREITOS DE AUTOR
Sumário:I - O direito de autor coenvolve direitos exclusivos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público com percepção de remuneração) e direitos morais (reivindicação da paternidade e garantia da genuinidade e integridade).
II - Os rendimentos provenientes das obras literárias beneficiam da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS (art. 56º, correspondente ao actual art. 58º, do EBF). A finalidade deste benefício fiscal é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizado pelas obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias.
III - Em regra, porque não são criadas nem apreciadas como arte, não podem ter-se como obras literárias as participações, como comentador, entrevistador ou debatente, em programas de estações televisivas e de radiodifusão.
Nº Convencional:JSTA00068934
Nº do Documento:SA2201410080957
Data de Entrada:05/27/2013
Recorrente:A...............
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT.
Área Temática 2:DIR FISC - IRS.
Legislação Nacional:EBFISC01 ART56 N1 N2.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0649/12 DE 28/11/2012.; AC TC1057/96 DE 16/10/1996.
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS - SOBRE O IRS 2ED ALMEDINA PAG82-83.
NUNO SÁ GOMES - BENEFICIOS FISCAIS DOS RENDIMENTOS PROVENIENTES DA PROPRIEDADE ARTÍSTICA E LITERÁRIA PARECER DE 31/10/1989, CTF N358 ABRIL-JUNHO 1990 PAG365-391.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

RELATÓRIO

1.1.A…………….., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença que, proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, julgou improcedente a impugnação judicial que deduzira contra a liquidação adicional de IRS referente ao ano de 2001, no montante de € 1.164,77.

1.2. O recorrente termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1. O presente recurso jurisdicional vem interposto da decisão de primeira instância que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pelo ora recorrente contra a liquidação de IRS do ano de 2001.
2. O recorrente, na impugnação judicial apresentada, contestou a legalidade da liquidação de IRS daquele ano, alegando, em síntese, que a Autoridade Tributária qualificou erradamente determinados rendimentos obtidos pelo recorrente no âmbito de um contrato de prestação de serviços celebrado com a B ……..–…………….., S.A (doravante B…….).
3. O recorrente considera que estes rendimentos provêm da sua propriedade intelectual, devendo, nessa medida, gozar do benefício fiscal constante do artigo 56º do Estatuto dos Benefícios Fiscais - EBF.
4. O tribunal a quo entendeu, todavia, inexistir propriedade intelectual para efeitos de aplicação da sobredita disposição, alegando que “o impugnante emite opiniões, como resultado de ideias, não constituindo uma actividade de criação, cujo produto final seja algo até ali inexistente. As opiniões consubstanciam uma apreciação de carácter subjectivo, sobre os vários acontecimentos que ocorrem na sociedade nacional ou internacional, de cariz económico, político, social ou outros, mas não se configuram uma obra. E, também não são uma «obra», e no âmbito do artigo 56º do EBF, a redução a escrito dos comentários televisivos. As opiniões, os comentários expressos de forma oral ou reduzidos a escrito e publicados, não constituem obra protegida pelos direitos de autor, nem caem na previsão do artigo 56º do EBF”.
5. Ora, a sentença mostra-se desconforme às disposições legais aplicáveis.
6. Com efeito, a lei – nomeadamente o artigo 56º do EBF, artigos 1º e 2º do CDADC e artigo 42º da CRP – é bastante clara ao considerar totalmente irrelevante a forma de exteriorização da obra do autor: é, precisamente, a sua exteriorização, por qualquer modo, que a transforma de simples ideia em obra protegida.
7. Ora, como não se poderá deixar de concordar, a publicação num jornal de um artigo ou a verbalização num programa de televisão ou de rádio são formas diversas de exteriorizar a mesma obra.
8. No entanto, o legislador, e, especialmente, o fiscal, em momento algum quis aplicar regimes fiscais diferentes aos diversos modos de exteriorização de uma mesma obra, situação essa, aliás, que a acontecer consubstanciaria uma crassa violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP) que também aqui se invoca.
9. Em suma, a criação do recorrente é uma manifestação particular da sua liberdade de expressão do pensamento, que consubstancia uma obra, protegida nos termos legais. Independentemente do modo como a mesma é exteriorizada, esta obra é objecto de protecção constitucional e, bem assim, por via da tutela dos direitos de autor, estando, por conseguinte, abrangida pelos mesmos benefícios que são concedidos a todas as demais obras.
10. E, sendo assim, a decisão proferida pelo tribunal a quo efectuou uma errada interpretação das disposições legais aplicáveis, havendo, portanto, erro de julgamento quanto à apreciação da matéria de direito por violação das disposições acima citadas, devendo a sentença proferida ser revogada, com todas as demais consequências legais.
Termina pedindo o provimento do recurso e seja revogada a sentença recorrida, com todas as consequências legais.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O MP emite Parecer nos termos seguintes:
«Reitera-se o parecer emitido a fls. 160 e 161.
Conforme Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa “uma rubrica de jornal”, mas também de “emissão televisiva”, “onde são relatados e comentados, de um ponto de vista pessoal, notícias ou episódios relativos a uma determinada área”, não são de considerar como arte mas como mera crónica jornalística, não assumindo dignidade bastante para gozar do pretendido benefício fiscal.»

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.


FUNDAMENTOS
2. Na sentença recorrida julgaram-se provados os seguintes factos (ora se rectificando o erro material constante da alínea A) relativamente ao montante de €164,77 e sendo que os factos constantes das alíneas A) a C) se consideraram relevantes para a decisão da excepção da caducidade do direito de acção e os restantes se consideraram relevantes para a decisão do mérito da impugnação):
A) Pelo registo dos CTT: RY323513222PT, foi endereçado a A……………………… a liquidação de IRS, relativa ao ano de 2001, n° 2005 5004400454, com data limite de pagamento: 2006-01-30, no valor de € 1.164,77 – cfr. fls. 13;
B) Em 03/01/2006, foi entregue o registo dos CTT: RY323513222PT – cfr. fls. 152;
C) Em 03/05/2006, via fax, foram apresentados os presentes autos de impugnação - cfr. fls. 3.
D) O Impugnante, jornalista de profissão celebrou com a B............... - ………….. S.A. um contrato de prestação de serviços, no âmbito do qual se obrigou a “participar como comentador, entrevistador ou debatente, no programa designado «………….. » ou noutros programas de informação da estação, acordados entre as partes” – cfr. contrato de prestação de serviços de fls. 11 e 12;
E) As remunerações pagas ao Impugnante são devidas a título de direitos de autor – cfr. contrato de prestação de serviços de fls. 11 e 12;
F) O Impugnante colabora na qualidade de comentador ou debatente com a C………….. S.A. – cfr. artigo 8º da petição a fls. 4 e fls. 80 do processo administrativo apenso;
G) O Impugnante declarou, por referência ao IRS do exercício de 2001, a verba de 287.491,84 €, em rendimento bruto da categoria B, descriminada nos seguintes campos:
- € 28.680,88 no campo 403 (Outras prestações de serviços e outros rendimentos) do Anexo B;
- € 129.405,48 no campo 404 (Propriedade Intelectual) do Anexo B;
- € 129.405,48 no campo 501 (rendimentos de propriedade literária, artística e científica - art. 56º do EBF) do Anexo H – cfr. fls. 17 dos autos e fls. 71 a 76 do processo administrativo apenso;
H) O Director de Finanças Adjunto, por delegação da Direcção de Finanças de Lisboa, emitiu despacho segundo o qual, altera os elementos constantes da declaração de rendimentos respeitante ao ano de 2001, do Impugnante: corrigiu os montantes declarados no Anexo B e Anexo H (campos 404 e 501) de 129.405,48 € para 85.480,12 € e o montante declarado no campo 403 do Anexo B para 116.531,60 € – cfr. despacho a fls. 109 e fundamentação de fls. 110 a 114 do processo administrativo apenso;
I) Da informação que fundamenta as correcções destaco o seguinte teor:
Depois de analisadas as declarações emitidas nos termos do art. 119º do CIRS e a actividade desenvolvida pelas diferentes entidades, verificou-se que o montante de 72 886,84 €, pago pela entidade com o NIPC…………, B…………. SA e 14 963,88 € pago pela C………….. SA, NIPC …………. não deveria ter ser declarado em propriedade intelectual, mas no campo 403, outras prestações de serviços e outros rendimentos.
(…)
As participações como comentador, entrevistador ou debatente, consubstancia na expressão de uma opinião, ou uma posição assumida perante determinada realidade, podendo consistir em acontecimentos fácticos, sociais, políticos, jurídicos, económicos ou de qualquer género, sobre determinada posição assumida por terceiros, sobre certos acontecimentos, ou ainda sobre certo trabalho, ou obra literária, não podendo configurar uma «obra» com os contornos exigidos pelo CDADC e, face à referência que é feita no EBF e no CIRS, para direitos de autor e direitos conexos, na determinação do que se deve considerar como «propriedade intelectual», não podendo estes rendimentos auferidos ser considerados como referentes a direitos de autor, para efeitos fiscais (designadamente, no que respeita ao actual art. 56º do EBF).
Efectivamente a emissão, ainda que de forma exteriorizada, de uma opinião, tal como a manifestação de qualquer ideia, não constitui uma actividade de criação, fruto de labor intelectual de alguém, cujo produto final seja algo até então inexistente.
Pelo contrário, limita-se a uma apreciação, de carácter subjectivo, sobre a realidade existente, fáctica ou não.
Assim, se conclui que os rendimentos pagos pela B………………… SA, NIPC …………… e C………….SA, NIPC………….., no âmbito da prestação de serviços, não deverão ser considerados rendimentos de propriedade intelectual, e enquadrados na previsão do art. 56º do EBF, pelo que deverão ser objecto de englobamento, para efeitos de tributação de em IRS, na totalidade e que para o efeito se elaborou um documento único de correcção...” – cfr. fls. 110 a 114 do processo administrativo apenso.

3.1. O recorrente deduziu impugnação judicial contra a liquidação adicional de IRS reportada ao ano de 2001, operada pela AT por ter considerado não haver lugar, quanto a determinados rendimentos declarados, à aplicação do benefício fiscal a que se refere o art. 56º do EBF.
Para o recorrente, a correcção feita pela AT (no sentido de não considerar isentos de tributação 50% dos rendimentos pagos pela B……………–………….. S.A. e pela C……………, S.A.) viola o disposto no dito art. 56º do EBF, dado que tais rendimentos provêm da propriedade intelectual.

3.2. A sentença recorrida, depois de apreciar – positivamente - a questão da tempestividade da impugnação, passou à apreciação do mérito desta e partindo da análise do disposto na al. b) do nº 1 do art. 3º do CIRS, no art. 56º do EBF e nos arts. 1º, 2º e 7º do Código de Direitos de Autor e de Direitos Conexos (CDADC) concluiu que, considerando que “só a «obra» definida como criação intelectual, original com carácter literário, artístico ou científico é que é abrangida pelo âmbito do citado artigo 56º do EBF”, no caso dos autos, “As opiniões emitidas pelo impugnante consubstanciam uma apreciação de carácter subjectivo, sobre os vários acontecimentos que ocorrem na sociedade nacional ou internacional, de cariz económico, político, social ou outros, mas não se configuram numa «obra». E, também não são uma «obra», e no âmbito do artigo 56° do EBF, a redução a escrito dos comentários televisivos. As opiniões, os comentários expressos de forma oral ou reduzidos a escrito e publicados, não constituem «obra» protegida pelos direitos de autor, nem caem na previsão do artigo 56° do EBF.”

3.3. Discordando, o recorrente sustenta que a sentença enferma de erro de julgamento por errada interpretação das disposições legais aplicáveis, pois que os arts. 56º do EBF, 1º e 2º do CDADC e 42º da CRP são claros a considerar totalmente irrelevante a forma de exteriorização da obra do autor, sendo, precisamente, a sua exteriorização, por qualquer modo, que a transforma de simples ideia em obra protegida e a publicação num jornal de um artigo ou a verbalização num programa de televisão ou de rádio são formas diversas de exteriorizar a mesma obra, sendo que o legislador fiscal em momento algum quis aplicar regimes fiscais diferentes aos diversos modos de exteriorização de uma mesma obra, situação essa, aliás, que a acontecer consubstanciaria uma crassa violação do princípio constitucional da igualdade (artigo 13º da CRP). Ou seja, a criação do recorrente é uma manifestação particular da sua liberdade de expressão do pensamento, que consubstancia uma obra, protegida nos termos legais, independentemente do modo como a mesma é exteriorizada, sendo ela objecto de protecção constitucional, por via da tutela dos direitos de autor e estando, por conseguinte, abrangida pelos mesmos benefícios que são concedidos a todas as demais obras.
A questão a decidir é, portanto, a se saber se os rendimentos aqui em causa (aqueles a que se reporta a correcção operada pela AT) podem ser considerados rendimentos da propriedade intelectual subsumíveis ao disposto no art. 56º (actual art. 58º) do EBF e, que, por via disso, para efeitos de tributação em IRS, sejam englobados apenas em 50% do seu valor.
Vejamos.

3.4. Refira-se, porém, antes desta apreciação de mérito, que tendo a impugnação judicial dado entrada em 3/5/2006, (fls. 3) estava a alçada dos tribunais tributários de 1ª instância fixada, então, em 935,25 Euros [a alçada de Euros 1.250,00 apenas se aplica a processos iniciados a partir de 1/1/2008 – cfr. nº 4 do art. 280º do CPPT, nº 2 do art. 6º do ETAF de 2002, nº 1 do art. 24º da LOFTJ (Lei nº 3/99, de 13/1, na redacção do DL nº 303/2007, de 24/8), a que corresponde o art. 31º, nº 1, na LOFTJ de 2008 (Lei nº 52/2008, de 28/8), mas só se aplica a processos iniciados após a sua entrada em vigor, em 1/1/2008 (arts. 11º e 12º deste DL)], pelo que, assim sendo, atento o valor do processo (Euros 1.164,77) o presente recurso é admissível.


4. Quanto ao mais, releva o quadro legal seguinte:

4.1. No nº 1 do art. 3° do CIRS, dispunha-se (redacção à data dos factos):
«1 - Consideram-se rendimentos do trabalho independente:
a) Os auferidos, por conta própria, no exercício de actividades de carácter científico, artístico ou técnico;
b) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
2 - Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, só se consideram de carácter científico, artístico ou técnico as actividades desenvolvidas no âmbito das profissões constantes de lista anexa ao Código.
3 - Para efeitos deste imposto, consideram-se como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos.
(…)»
Normativo este a que o DL nº 198/2001, de 3/7, introduziu (na sequência da autorização legislativa constante do art. 17º da Lei nº 30-G/2000, de 29/12) nova redacção, passando, então, a dispor-se o seguinte:
«1 - Consideram-se rendimentos empresariais e profissionais:
a) Os decorrentes do exercício de qualquer actividade comercial, industrial, agrícola, silvícola ou pecuária;
b) Os auferidos no exercício, por conta própria, de qualquer actividade de prestação de serviços, ainda que conexas com qualquer actividade mencionada na alínea anterior;
c) Os provenientes da propriedade intelectual ou industrial ou da prestação de informações respeitantes a uma experiência adquirida no sector industrial, comercial ou científico, quando auferidos pelo seu titular originário.
2 - Consideram-se ainda rendimentos desta categoria:
(…)
5 - Para efeitos deste imposto, consideram-se como provenientes da propriedade intelectual os direitos de autor e direitos conexos.
6 – (…)».

4.2. No então art. 45° do EBF (na redacção da Lei nº 127-B/97, de 20/12) dispunha-se, sob a epígrafe «Propriedade intelectual» que:
«1 - Os rendimentos provenientes da propriedade literária, artística e científica, considerando-se também como tal os rendimentos provenientes da alienação de obras de arte de exemplar único e os rendimentos provenientes de obras de divulgação pedagógica e científica, quando auferidos por autores residentes em território português, desde que sejam o titular originário, serão considerados no englobamento para efeitos de IRS apenas por 50% do seu valor, líquido de outros benefícios.
2 - Excluem-se do disposto no número anterior os rendimentos provenientes de obras escritas sem carácter literário, artístico ou científico, obras de arquitectura e obras publicitárias.»
Este artigo 45º foi posteriormente, na sequência da publicação do citado DL nº 198/2001, de 3/7, renumerado para artigo 56º, mas continuando com a mesma redacção.

4.3. Por sua vez, nos arts. 1º, 2º, 7º, 9° e 14º do Código de Direitos de Autor e de Direitos Conexos (CDADC), dispõe-se:
Artigo 1º - Definição
«1 – Consideram-se obras as criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, por qualquer modo exteriorizadas, que, como tais, são protegidas nos termos deste Código, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.
2 – As ideias, os processos, os sistemas, os métodos operacionais, os conceitos, os princípios ou as descobertas não são, por si só e enquanto tais, protegidos nos termos deste Código.
3 – Para os efeitos do disposto neste Código, a obra é independente da sua divulgação, publicação, utilização ou exploração.»
Artigo 2º - Obras originais
«1 – As criações intelectuais do domínio literário, científico e artístico, quaisquer que sejam o género, a forma de expressão, o mérito, o modo de comunicação e o objectivo, compreendem nomeadamente:
a) Livros, folhetos, revistas, jornais e outros escritos;
b) Obras dramáticas e dramático-musicais e a sua encenação;
c) Conferências, lições, alocuções e sermões;
(…)»
Artigo 7º - Exclusão de protecção
«1 – Não constituem objecto de protecção:
a) As notícias do dia e os relatos de acontecimentos diversos com carácter de simples informações de qualquer modo divulgadas;
b) Os requerimentos, alegações, queixas e outros textos apresentados por escrito ou oralmente perante autoridades ou serviços públicos;
c) Os textos propostos e os discursos proferidos perante assembleias ou outros órgãos colegiais, políticos e administrativos, de âmbito nacional, regional ou local, ou em debates públicos sobre assuntos de interesse comum;
d) Os discursos políticos.
(…)»
Artigo 9º - Do conteúdo do direito de autor
«1 - O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e direitos de natureza pessoal denominados direitos morais.
2 - No exercício dos direitos de carácter patrimonial o autor tem o direito exclusivo de dispor da sua obra e de frui-la e utilizá-la, ou autorizar a sua fruição ou utilização por terceiros total ou parcialmente.
3 - Independentemente dos direitos patrimoniais, e mesmo depois da transmissão ou extinção destes, o autor goza de direitos morais sobre a sua obra, designadamente o direito de reivindicar a respectiva paternidade e assegurar a sua genuinidade e integridade».
Artigo 14º - Determinação da titularidade em casos excepcionais
«1 - Sem prejuízo do disposto no artigo 174º, a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por encomenda ou por conta de outrem, quer em cumprimento de dever funcional quer de contrato de trabalho, determina-se de harmonia com o que tiver sido convencionado.
2 - Na falta de convenção, presume-se que a titularidade do direito de autor relativo a obra feita por conta de outrem pertence ao seu criador intelectual».

5.1. Como decorre do disposto na al. b) do nº 1 do transcrito art. 3º do CIRS englobam-se na categoria B os rendimentos provenientes da propriedade intelectual, sendo que o n° 3 dispunha então, inequivocamente, que, para efeitos de tributação em IRS, são rendimentos deste tipo os auferidos a título de direitos de autor e direitos conexos.
Ora, como salienta André Salgado de Matos (Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) - Anotado, 1ª edição, 1999, anotação 3 ao art. 3º, p. 97.) - reportando-se, embora, à inicial redacção do art. 3º do CIRS - apesar de parecer que o legislador fiscal pretendeu abstrair de qualquer outra concepção de propriedade intelectual, construindo um conceito específico para efeitos tributários, «a sua preocupação foi desnecessária pois já existe um conceito doutrinal amplo de propriedade intelectual que abrange, para além do direito de autor e direitos conexos, os direitos da propriedade industrial.
O direito de autor abrange direitos de carácter patrimonial e os chamados direitos morais de autor. Para o direito fiscal, só interessam, obviamente, os primeiros. Trata-se de direitos de exclusivo sobre a disposição e fruição e disposição da sua obra, abrangendo a possibilidade de a sua fruição ou utilização serem autorizadas ou cedidas a terceiro (art. 10° DL 63/85, 14/3). O titular do direito de autor é, salvo disposição em contrário, o criador intelectual da obra literária ou artística (art. 12° DL 63/85, 14/3) que, contudo, pode aliená-lo, onerá-lo ou cedê-lo (art. 44º DL 63/85, 14/3). São os rendimentos decorrentes desses actos de disposição pelo titular originário que são tributados nesta categoria.
Os chamados direitos conexos com o direito de autor são os direitos dos intérpretes ou executantes, dos produtores de fonogramas e de videogramas e dos organismos de radiodifusão (art. 181º DL 63/85, 14/3), protegidos em termos menos intensos do que o direito de autor, que podem gerar rendimentos em situações similares às do direito de autor.»

5.2. A sentença, considerando, embora, que os rendimentos provenientes da propriedade intelectual são tributados em IRS apenas em 50% do seu valor (art, 56º do EBF), acaba por concluir que:
- Os rendimentos provenientes da propriedade intelectual são os ligados a uma «obra» e só a «obra» definida como criação intelectual, original, com carácter literário, artístico ou científico é que é abrangida pelo âmbito deste art. 56° do EBF;
- No caso, os rendimentos questionados não podem ser enquadrados em tal conceito dado que não são provenientes de «uma obra»: as opiniões emitidas pelo impugnante consubstanciam uma apreciação de carácter subjectivo sobre os vários acontecimentos que ocorrem na sociedade nacional ou internacional, de cariz económico, político, social ou outros, mas não configuram uma «obra».
Nem igualmente se subsume a este conceito a redução a escrito dos comentários televisivos: as opiniões, os comentários expressos de forma oral ou reduzidos a escrito e publicados, não constituem «obra» protegida pelos direitos de autor, nem caem na previsão do dito art. 56° do EBF.
Vejamos.

5.3. No art. 42º da CRP estatui-se que é livre a criação intelectual, artística e científica e esta liberdade compreende o direito à invenção, produção e divulgação da obra científica, literária ou artística, incluindo a protecção legal dos direitos de autor.
Mas como salientam os Profs. Gomes Canotilho e Vital Moreira (Constituição da República Portuguesa Anotada, I Vol., 4ª edição revista., 2007, anotação I ao art. 42º, pp. 620/621.)A Constituição, embora contenha numerosas remissões sobre «cultura», «direitos culturais», «política cultural», abstém-se de definir a «cultura». A cultura é um conceito aberto, irreconduzível a qualquer definição imposta por instâncias ou instituições políticas ou a qualquer caracterização tipológico-formal. Estamos perante uma criação cultural quando um acto, conduta ou o seu resultado possa ser reconhecido ou ser recognoscível como uma forma possível de criação humana. O ponto de partida para qualquer criação cultural - intelectual, artística ou científica - é sempre: (1) a dimensão de criatividade humana assente (2) na iniciativa humana capaz (3) de dar forma a diferentes meios de expressão e de compreensão da realidade humana e material. (…)
Na criação cultural confere-se centralidade à liberdade de pensamento nas suas várias expressões (liberdade de expressão, comunicação e informação, liberdade de consciência, liberdade de profissão). Na liberdade de criação científica são dominantes os critérios de intersubjectividade da comunidade científica que apontam para uma pesquisa séria da investigação da verdade segundo procedimentos e métodos específicos, possibilitadores de aquisições científicas dotadas de valor objectivo, decisivamente excludentes de «imposturas científicas». (…)
O n° 2, conjugado com o n° 1, torna mais clara a densificação semântica do conceito de «criação intelectual, artística e científica». Ela abrange: (a) o processo de criação ou conformação; (b) a obra, concebida como objectivação da criação cultural; (c) a divulgação, o conhecimento e a comunicação do «produto», da criação cultural na qual se inclui, por ex., o «ensino cientifico», o «ensino das artes». Estas dimensões justificam a extensão da garantia constitucional, quer à actividade cultural em si («invenção e produção»), quer à irradiação do produto cultural («divulgação»).
Por sua vez o nº 1 do art. 1303º do CCivil estabelece que «os direitos de autor e a propriedade industrial estão sujeitos a legislação especial», sendo que o anterior Código de Direito de Autor (aprovado pelo DL nº 46.980, de 27/4/1966) foi, posteriormente, revogado pelo DL nº 63/85, de 14/3 que aprovou o actualmente vigente Código do Direito de Autor e dos Direitos Conexos (CDADC) considerando protegidas (cfr. o seu art. 1º) as «criações intelectuais do domínio literário, cientifico e artístico», independentemente do modo de exteriorização, incluindo-se nessa protecção os direitos dos respectivos autores.
Ora, como, citando o Prof. Oliveira Ascensão,(Direitos intelectuais – Propriedade ou exclusivo, Themis, ano IX, nº 15 (2008), pág. 138).) se exara no acórdão do STJ, de 29/11/2012, processo nº 957/03.0TBCBR.C2.S1, «… na ausência de um conteúdo positivo do direito intelectual a doutrina avalizada defende que o direito intelectual, designadamente o que se protege, não é um direito de utilização de bens mas “consiste essencialmente na resultante exclusão de terceiros das actividades relativas a bens intelectuais. É por isso um direito exclusivo e não um direito de propriedade».
Além disso, como supra já se referiu, aceita-se que o direito do autor abrange direitos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público) e de natureza pessoal (os denominados direitos morais, no exercício dos quais o autor tem o direito exclusivo, semelhante ao do proprietário, à reivindicação da paternidade e garantia da genuidade e integridade) – cfr. os supra transcritos nºs. 1 e 2 do art. 9º do CDADC, sendo que, esta dupla abrangência ocorre «quer se sigam as concepções monistas que caracterizam o direito de autor como unitário onde coexistem combinados interesses de diferente natureza mas que se aglutinam num só direito e que tomam como matriz o direito de propriedade (cf., neste sentido, Doutor Cunha Gonçalves – “Tratado de Direito Civil”, IV, 27 ss; H. Hubmann – “Das Recht des Schopperischen Geites, cit. pelo Prof. Oliveira Ascensão, in “Direito Autoral”, 317) quer se considere como um conjunto de direitos autónomos prevalecendo, em alguns casos, os direitos patrimoniais e noutros os pessoais ou, até, pessoalíssimos, independentes, mas complementares (cf. Dr. Luís Francisco Rebelo, in “Visita Guiada ao Mundo do Direito de Autor”, 44). E ainda, na linha do Prof. Oliveira Ascensão (ob. cit. 331) e do Dr. Alberto de Sá e Mello (“O Direito Pessoal de Autor no Ordenamento Jurídico Português”, 38, este embora com algumas reservas) a uma concepção pluralista que encontra “não apenas um direito pessoal ou moral ou um direito patrimonial com características que os conservam autónomos, como defendem os dualistas, mas um feixe de direitos pessoais e patrimoniais que se revelariam independentes e com características de comportamento distintas perante as várias vicissitudes sofridas pela situação jurídica a que respeita o direito de autor”.
No que respeita ao chamado direito moral, este “mais não é do que o reconhecimento do carácter eminentemente pessoal da criação literária e artística, com todas as consequências que daí derivam em relação à obra intelectual como reflexo do criador e resultado do seu labor criativo».(Cfr. o supra mencionado aresto do STJ, que, nesta parte, transcreve o acórdão do mesmo STJ, de 1/7/2008, Revista nº 1920/08.)
O Dr. António Maria Pereira (Propriedade literária e artística – Conceito e tipos legislativos, in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 40, Vol. II, Maio/Agosto, 1980, pp. 485-501.) sublinha que as «criações do espírito humano» se dividem, para efeitos jurídicos, «em duas grandes categorias: as que têm, sobretudo, uma afectação industrial ou comercial — como é o caso das patentes, dos modelos industriais, das marcas, das tecnologias, etc. e as que são de natureza literária ou artística. As primeiras integram o domínio da propriedade industrial, as segundas são objecto do que se chama a propriedade literária ou artística ou, numa expressão mais moderna, o direito de autor.»
E também ele, enunciando as várias condições para que se verifique a protecção da obra literária ou artística (originalidade, forma de expressão, mérito e destino da obra, conteúdo), conclui que este direito de propriedade literária e/ou artística se decompõe num certo número de direitos parcelares ou prerrogativas cujo exercício permite ao autor explorar a sua obra ou autorizar outras pessoas a fazê-lo, sendo costume considerar, a este respeito, os chamados direitos patrimoniais (que se corporizam na faculdade que assiste ao autor de receber uma remuneração como compensação pelo seu trabalho de criação intelectual, aqui se incluindo de tradução, de reprodução, de representação e execução pública, de radiodifusão (que engloba a televisão), de recitação pública e de adaptação) e o chamado direito moral (o direito de reivindicar a paternidade da obra, opondo-se a qualquer deformação, mutilação ou outra modificação da mesma, ou ainda a qualquer atentado contra ela, prejudicial à sua honra ou à sua reputação).
Portanto, o direito de autor coenvolve direitos exclusivos de carácter patrimonial (disposição, fruição, utilização, reprodução e apresentação ao público com percepção de remuneração) e direitos morais (reivindicação da paternidade e garantia da genuinidade e integridade).

5.4. No plano tributário e com referência à questão de saber o que deve entender-se por rendimentos provenientes da propriedade intelectual, para efeitos do disposto no art. 45º do EBF (que correspondia ao actual art. 56º) o Dr. Nuno Sá Gomes, acentuando que, nos termos do nº 3 do art. 3º do CIRS (na redacção original), «a expressão “propriedade intelectual” corresponde a “direitos de autor e direitos conexos”», também ressalva os direitos morais ou pessoais do autor e sustenta que «…parece deverem ser considerados rendimentos sujeitos a tributação, pela categoria b) do Código do IRS, todas as outras receitas dos próprios autores, pessoas singulares, previstas no respectivo código, incluindo as receitas auferidas pela transmissão do direito de propriedade sobre o suporte da obra (…) E serão, igualmente, rendimentos a considerar na tributação, por trabalho independente, as quantias recebidas por efeito da transmissão cessão ou oneração dos direitos de autor … desde que auferidos pelos seus originários, titulares, que sejam pessoas singulares». (Benefícios fiscais aos rendimentos provenientes da propriedade artística e literária, Parecer de 31/10/1989, in CTF nº 358, Abril-Junho de 1990, pp. 365/391.)
E enunciando o problema de saber quais são os requisitos que devem revestir as obras literárias de arte plásticas ou visuais ou as obras literárias para sobre elas se constituírem direitos de autor, acaba por referir essencialmente a propriedade artística e as dificuldades quanto à classificação da obra de arte, sem se debruçar especificamente sobre o conceito da obra literária.
Por sua vez, o Prof. Rui Duarte Morais salienta (Sobre o IRS, 2ª edição, Almedina, pp. 82/83.) que serão subsumíveis à previsão da al. c) do nº 1 do art. 3º do CIRS «os rendimentos resultantes da cedência de direitos de autor e direitos conexos, quando o cedente seja o titular originário (o autor). A estes direitos se pretende referir o legislador fiscal com a referência, porventura menos feliz, a "propriedade intelectual". Internacionalmente, é corrente o uso da expressão copyright para os designar.
Classicamente, obras protegidas seriam criações do espírito humano nos domínios literário, artístico e científico. Hoje, avultam, em termos de importância económica, outras criações - cuja protecção se procura lograr dentro dos quadros do direito de autor -, em especial no domínio da informática (software) e, também, os chamados direitos conexos (direitos dos artistas intérpretes ou executantes, dos produtores fonográficos e videográficos e dos organismos de radiodifusão sonora ou visual)
Não devendo, ainda, esquecer-se que também a inicial redacção do art. 56º do EBF arrancava da distinção entre obras literárias e não literárias, nestas últimas se incluindo as de arte e científicas, sendo certo, contudo, que, de acordo com o que se dispunha à data dos factos, também às obras não literárias seria aplicável o benefício em questão se os rendimentos auferidos fossem provenientes da “propriedade” dos mesmos.

5.5. Ora, retornando ao caso dos autos, tendo em conta as citadas disposições legais constantes do CIRS, do EBF e do CDADC afigura-se-nos legalmente correcta a interpretação feita na sentença recorrida, em cuja fundamentação se apela, aliás, também à jurisprudência deste STA, afirmada no acórdão de 28/11/2012, no processo nº 0649/12, no sentido de que «Em face das consabidas dificuldades de distinção entre obra de carácter literário e sem esse carácter, deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem com tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética), privilegiando-se, pois, o valor facial da obra» e de que, «Em regra, porque não são criadas nem apreciadas como arte, não podem ter-se como obras literárias as crónicas publicadas num jornal, pelo que os rendimentos auferidos pela sua autoria não podem beneficiar da não sujeição parcial» referida no art. 56º do EBF.
Ou seja, como refere a sentença, no caso aqui em questão não estamos perante uma actividade de criação, cujo produto final seja algo até ali inexistente: trata-se de “opiniões que consubstanciam uma apreciação de carácter subjectivo, sobre os vários acontecimentos que ocorrem na sociedade nacional ou internacional, de cariz económico, político, social ou outros, mas não se configuram numa «obra»”.
E nesta medida falecem, portanto, as Conclusões do recurso: é que, embora se admita que a criação intelectual pode revestir qualquer modalidade ou género literário, não pode, todavia, olvidar-se que a lei (fiscal) impõe, para aplicação do benefício previsto no dito art. 56º do EBF, que se trate de rendimentos provenientes da propriedade literária: segundo se refere no preâmbulo do DL n° 215/89, de 1/7 (que aprova o EBF), pretendeu-se com este benefício fiscal incentivar a criação artística e literária, por forma, conforme se acentua no citado aresto do STA, a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país [e no mesmo sentido aponta, também, o acórdão do Tribunal Constitucional, nº 1057/96, de 16/10/1996, proferido no processo nº 347/91 (In DR, 2ª série, nº 272, de 23/11/1996, pp. 16.408 a 16.413.)], finalidade esta de relevo e de interesse público e que apenas pode ser realizada pelas obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias.
E como neste último aresto se refere, a Constituição, garantindo a liberdade de criação intelectual, artística e científica e o direito à invenção, produção e divulgação das obras derivadas de tais domínios, aí se incluindo também a protecção dos direitos de autor, embora não imponha que tal protecção seja feita através de benefícios fiscais, também não exclui que passe por esta via a realização desse objectivo. Sendo que, «…relativamente ao âmbito de protecção dos direitos de autor, é manifesto que a diferença de tratamento que resulta do nº 2 do artigo 45º do EBF não só não é arbitrária nem discriminatória como é materialmente justificada.
De facto, a finalidade do benefício fiscal legalmente reconhecido é a de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país, finalidade esta de relevo e de interesse reconhecidamente público. Este objectivo, apenas as obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias, o podem realizar, pelo que se justifica que só os rendimentos resultantes destas obras possam beneficiar da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS.
As obras não literárias — desde logo, todas as que estão excluídas da protecção legal do Código do Direito de Autor, como também as obras que não tenham prima facie a categoria de literárias —, não podem realizar a finalidade pretendida com o benefício fiscal em causa pelo que o diferente tratamento fiscal tem uma justificação racional bastante.
Tem, assim, de se concluir que não sendo o diferente tratamento legislativo dado às obras em causa nem arbitrário, nem puramente discriminatório, mas antes assente num fundamento racional bastante e derivado da natureza estruturalmente diferente das obras em questão, não existe qualquer violação do princípio da igualdade
E se, como acima já se anteviu, a distinção entre obra com carácter literário e obra sem carácter literário não é tarefa simples [nas palavras de António José Saraiva e Óscar Lopes «Uma obra pode considerar-se literária na medida em que, além do pensamento lógico, discursivo, abstractamente conceptual, adequado a problemas científicos, filosóficos e, em geral, doutrinários, estimular também os impulsos mais afectivos e menos conscientes, os hábitos ou valores enraizados através do aprendizado, decisivamente formativo, da língua materna e de uma dada vida social» (História da Literatura Portuguesa, p. 7.)], então, «Em face das consabidas dificuldades de distinção entre obra de carácter literário e obra sem esse carácter, em ordem a aferir da aplicabilidade ou não do benefício previsto no art. 56º (hoje, 58º) do EBF deve privilegiar-se um critério objectivo: serão consideradas como obras literárias as que, prima facie, se apresentem como tal (criadas e apreciadas como arte, como actividade e produção estética, ou seja, que não sirvam outra finalidade, pelo menos de modo dominante, como será o caso do romance, poesia, peça de teatro, etc., tudo como salientou a Fazenda Pública), privilegiando-se, pois, o valor facial da obra.» (cfr. acórdão citado).
No caso, não se questionando que as participações do recorrente como comentador, entrevistador ou debatente, nos indicados programas das estações em causa (B……..……–……….., S.A. e C………….., S.A.) se traduzam em manifestações da criatividade do seu autor, que nessas participações verte a sua mundividência dos acontecimentos do quotidiano, a sua forma pessoal de compreender os acontecimentos que o cercam, transmitindo ao leitor a sua visão de um determinado assunto ou facto do dia-a-dia, não se nos afigura que elas sejam criadas ou apreciadas como arte prosseguindo outras finalidades neste âmbito, para além de comentarem os acontecimentos do quotidiano, proporcionando aos expectadores uma visão crítica dos assuntos comentados ou debatidos.
E mesmo admitindo como possível que, em concreto, pudesse fazer-se a demonstração do carácter literário das intervenções em causa, o recorrido não logrou fazê-la, tarefa que, aliás, sempre lhe exigiria a alegação de factualidade que não foi invocada.
Assim, o critério proposto pela AT e também ora sufragado, não só se mostra conforme à letra e ao espírito da sindicada norma do EBF, como, porque assente em pressupostos objectivos, é o que permite maior segurança na aplicação da lei.
Daí que, neste contexto, porque não ficou demonstrado que as participações do recorrente como comentador, entrevistador ou debatente, nos indicados programas das estações em causa se traduzam em manifestações da criatividade do seu autor, possam qualificar-se como obras literárias para os efeitos previstos no art. 56º (hoje 58º) do EBF, se conclua que os rendimentos delas auferidos pelo seu autor não podem beneficiar da não incidência parcial prevista naquele artigo.
E se, como se acentua no supra mencionado acórdão do Tribunal Constitucional, apenas «as obras reconhecidas como integrando a qualificação de obras literárias» podem realizar o referido objectivo ligado à finalidade do benefício fiscal (o objectivo de incentivar a criação artística ou literária, por forma a melhorar o nível de desenvolvimento cultural do país) «pelo que se justifica que só os rendimentos resultantes destas obras possam beneficiar da redução de 50% para efeito de englobamento e incidência do IRS», então, as obras não literárias — «desde logo, todas as que estão excluídas da protecção legal do Código do Direito de Autor, como também as obras que não tenham prima facie a categoria de literárias —, não podem realizar a finalidade pretendida com o benefício fiscal em causa pelo que o diferente tratamento fiscal tem uma justificação racional bastante» havendo de se concluir, assim, que «não sendo o diferente tratamento legislativo dado às obras em causa nem arbitrário, nem puramente discriminatório, mas antes assente num fundamento racional bastante e derivado da natureza estruturalmente diferente das obras em questão, não existe qualquer violação do princípio da igualdade
Em suma, considerando que não podem ser excluídos do englobamento, para efeitos de IRS, 50% dos ditos rendimentos auferidos pelo recorrido, a liquidação impugnada não enferma da ilegalidade que lhe vem imputada.
Devendo, consequentemente, confirmar-se a sentença recorrida que assim também decidiu e improcedendo, portanto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos acorda-se em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.
Lisboa, 8 de Outubro de 2014.– Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco RothesDulce Neto.