Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0745/15
Data do Acordão:01/24/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:IRC
CIRCULAR
Sumário:Mostra-se afectado por vício de violação de lei o acto de autoliquidação de IRC efectuado em obediência às instruções constantes no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da Direção de Serviços do IRC, na medida em que nela se estabelece um método ilegal de afectação de encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais.
Nº Convencional:JSTA00070503
Nº do Documento:SA2201801240745
Data de Entrada:06/15/2015
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A......, SGPS, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:IMPUGN JUDICIAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR FISC - IRC
Legislação Nacional:CC ART8 N3.
CPPTRIB99 ART55 ART61
LGT ART68-A ART74 N3 ART87 - ART90 ART81 N1 ART85.
CONST ART104 N2 ART112 N5 ART103 N1.
Jurisprudência Nacional: AC STA PROC0227/16 DE 2017/03/08.;  AC STA PROC01229/15 DE 2017/05/31.;  AC STA PROC01292/16 DE 2017/11/29.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, a fls. 318 e segs. dos autos, que julgou procedente a impugnação judicial que a sociedade A…………, SGPS, S.A. deduziu contra o indeferimento do recurso hierárquico que apresentou contra o acto de autoliquidação do IRC relativo ao exercício de 2008, no montante de € 396.764,89, anulando-o parcialmente e reconhecendo à impugnante o direito a juros indemnizatórios sobre o montante pago e a reembolsar.
1.1. As alegações dos recursos mostram-se rematadas com as seguintes conclusões:

I. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos em epígrafe, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………, SGPS, S.A. do indeferimento do recurso hierárquico apresentado contra a autoliquidação de IRC, referente ao exercício de 2008, pretendendo a recorrente Fazenda Pública a sua revogação e substituição por decisão que considere tal impugnação improcedente.

II. O objecto do presente recurso prende-se com a análise à invocada inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004, de 30 de Março, a cujo conteúdo a impugnante recorreu para o apuramento dos encargos financeiros inscritos na aludida autoliquidação.

Da inconstitucionalidade formal da Circular 7/2004, de 30 de Março

III. O douto Tribunal, estribando-se numa decisão do CAAD (não transitada em julgado) concluiu pela imputação à Circular em causa de “vício de inconstitucionalidade formal, por violar os princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103.º nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da CRP”.

IV. Assim, e atendendo a que foi esta a fundamentação exarada na peça decisória, é neste âmbito que nos moveremos, procurando demonstrar que: (a) a Circular 7/2004 não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade e, (b) ainda que assim não fosse, incumbiria ao douto Tribunal a quo apurar se a autoliquidação está ou não conforme o previsto no artigo 31º do EBF para, assim, efectuar um juízo de legalidade ou ilegalidade de tal acto.

V. Ora, o douto Tribunal a quo parte da seguinte premissa “o artigo 32º [do EBF] não dispõe quanto à forma como se devem concretizar os encargos financeiros associados a aquisições de participações sociais”, pelo que “a Circular 7/2004, de 30 de Março, veio estabelecer, no seu ponto 7, um método que permite a afectação dos passivos aos diferentes activos das SCPS’s” o que colide com os “princípios da legalidade e reserva formal da Assembleia da República, consagrados nos artigos 103º, nº 2 e 165º nº 1 alínea i) da CRP”, os quais “estabelecem a regra de reserva de lei para a criação e determinação dos elementos essenciais dos impostos, não podendo os mesmos deixar de constar de diploma legislativo”.

VI. Conclui o douto Tribunal que a Circular 7/2004, na medida em que introduz “uma métrica para quantificar os encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais, afecta a medida da tributação do contribuinte” e, consequentemente, acaba por desenvolver “o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC” sendo, assim, “formalmente inconstitucional por não constar de diploma emanado da Assembleia da República, em matéria que se insere na reserva de lei formal da Assembleia da República”.

VII. Com o devido respeito que tal decisão nos merece, não podemos perfilhar o entendimento agora sintetizado.

VIII. Entre os princípios consagrados na denominada “Constituição Fiscal” avulta o princípio da legalidade (nº 2 do artigo 103º da CRP).

IX. O douto Tribunal recorrido considerou que a Administração desenvolveu o conteúdo da norma de incidência objectiva de IRC e, como tal, realiza uma “ilegítima regulação da incidência do imposto”.

X. Impõe-se, portanto, saber se a Administração extravasou as suas competências ou se, face à indeterminação legal do artigo 31º nº 2 do EBF, se limitou a concretizar aquela norma, de molde a diminuir o grau de incerteza no que se refere à aplicação daquele regime.

XI. É certo que o legislador, ao elaborar o texto do artigo 31º do EBF, não definiu qualquer método de afectação dos encargos financeiros — no entanto, tal indeterminação legal não preclude a possibilidade de a Administração emanar orientações genéricas como a que se pôs em crise nos presentes autos.

XII. É que “a administração fiscal tem uma tarefa de conformação das situações da vida em concreto, através de uma margem de livre apreciação, nomeadamente quanto à determinação e quantificação da matéria tributável”.

XIII. Não obsta a este entendimento a invocação de que o princípio da legalidade conduz a que a incidência do imposto em causa (IRC) tenha de ser determinada pelo poder legislativo, pois o invocado artigo 165º nº 1 alínea i) da CRP não significa que exista uma reserva absoluta de lei formal que exclua uma margem de livre apreciação na aplicação da lei por circular ou por acto administrativo.

XIV. Na verdade, a interpretação que a Administração realize ou venha a realizar “não tem força de lei, não adquire o carácter de vinculatividade próprio das normas legais, não é interpretação autêntica e, por isso, a sua legalidade pode ser sempre questionada”.

XV. Isto é, a actuação da Administração (a emanação daquela orientação genérica) não tem, nem pretende ter, força de lei.

XVI. Por conseguinte, a AT, ao interpretar e aplicar aquela norma, tendo observado os critérios de interpretação das normas fiscais, bem como todo o bloco de legalidade, realizou unia “interpretação defensável”, pelo que deve ser reconhecida àquela uma margem de livre apreciação, que nada tem quer ver com o exercício de qualquer poder legislativo.

XVII. Refira-se ainda que, sendo as circulares uma das modalidades de tipificação administrativa, são inegáveis as suas vantagens no ordenamento fiscal, quer para a administração, quer para os administrados.

XVIII. Como subsídio argumentativo, diga-se que “se a lei fiscal é indeterminada, se os seus pressupostos e conteúdo não são formulados de modo suficientemente claro, de tal forma que o sujeito passivo não reconhece, imediatamente, a partir dela, a sua situação jurídica, não podendo assim orientar a sua conduta por ela, então há lugar importante para os regulamentos ou circulares tipificantes”.

Ademais,

XIX. Não sendo a Circular 7/2004 inconstitucional (ou ainda que o fosse), cremos que incumbiria ao douto Tribunal a quo, para que pudesse considerar a impugnação procedente, aferir da adequação da interpretação tipificada em tal Circular com o regime do artigo 31º do EBF.

XX. A via mais acertada a ser seguida pelo douto Tribunal a quo consistiria em pôr em confronto a previsão e a estatuição do artigo 31º do EBF (mormente o seu nº 2) com a interpretação vertida na Circular 7/2004 e, se esta interpretação se revelasse contrária àquela norma, então a liquidação realizada com base em tal interpretação seria de anular.

XXI. No entanto, como vimos, a AT, em estrita observância dos critérios de interpretação das normas fiscais, apresentou — de entre as várias soluções possíveis — uma “interpretação defensável”, pelo que

XXII. Caberia ao contribuinte decidir, de forma livre, se seguiria ou não tal solução e, não seguindo, caber-lhe-ia solicitar a intervenção dos tribunais, competindo a estes, em última instância, apreciaras posições conflituantes e decidir de acordo com a lei, controlando os limites internos e externos à margem de livre apreciação que é concedida à Administração.

XXIII. Por fim, no que respeita à alegada imposição, com eficácia externa, desta Circular aos contribuintes, diga-se que até agora a doutrina e a jurisprudência constitucional vinham propugnando o entendimento de que as instruções emanadas pela Administração não vinculavam os contribuintes nem mesmo, como é natural e decorre do princípio da separação de poderes, os Tribunais.

XXIV. É certo que as circulares e demais instruções externalizam a interpretação e a aplicação que a AT faz das normas tributárias, mas apenas porque tais instruções são divulgadas junto dos contribuintes.´

XXV. Mas tal não significa que tais circulares produzam efeitos externos inelutáveis na esfera jurídica dos contribuintes, impondo-se como lei às relações jurídico-tributárias, tanto mais que

XXVI. no caso em apreço, a AT se limitou a converter em Circular a sua posição sobre uma determinada matéria de natureza fiscal, tendo o contribuinte seguido (de forma não coactiva) essa posição.

XXVII. Porém, o facto de o contribuinte ter, num primeiro momento, perfilhado o entendimento da AT não consubstancia a atribuição de eficácia externa àquela ou a qualquer outra Circular.

XXVIII. EM SÍNTESE, e em face do que vimos expondo, cremos resultar à saciedade que a Circular 7/2004 não padece de qualquer vício de inconstitucionalidade, além de que a interpretação que nela se sustenta, em confronto com o normativo legal em apreço, se revela como defensável e, como tal, despida de qualquer ilegalidade que se lhe queira assacar.

XXIX. Por conseguinte, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito e violou, por erro de aplicação e de interpretação, o disposto no nº 2 do artigo 103º e a alínea i) do nº 1 do artigo 165º, ambos da CRP, bem como o artigo 31º do EBF, devendo assim, ser revogada, com as legais consequências.

Do valor do processo e da questão da indemnização

XXX. A impugnante atribuiu à causa o valor de € 30.001,00 (alínea do nº 1 do artigo 552ºdo CPC), valor que a FP não impugnou (nº 1 do artigo 305º do CPC).

XXXI. Sem prejuízo do dever de indicação que impende sobre as partes, compete ao Juiz fixar o valor da causa (nº 1 do artigo 306º do CPC) atendendo aos critérios estabelecidos no artigo 97º- A do CPPT.

XXXII. Quando o não faça no momento devido (na sentença, nos termos do nº 2 do artigo 306º do CPC), sempre poderá fixar o valor da causa no despacho que admita o recurso da decisão proferida (nº 3 do artigo 306º do CPC).

XXXIII. Não o tendo feito em qualquer destes momentos — e tendo-se esgotado o seu poder jurisdicional no caso em apreço — deverão baixar os presentes autos para que o valor seja objecto de fixação, prosseguindo-se a normal tramitação subsequente (vide, entre outros, o acórdão do TCA Norte de 16-09-2011, processo nº 00638/11.0BEPRT).

XXXIV. Por conseguinte, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 306º do CPC.

XXXV. Conexa com esta conduta omissiva praticada pelo douto Tribunal a quo surge a questão do conhecimento do pedido de indemnização.

XXXVI. Atendendo unicamente ao vertido na parte final do pedido formulado pela impugnante, o douto Tribunal recorrido entendeu que o mesmo se enquadraria no disposto no artigo 61º do CPPT, condenando a AT no pagamento dos juros respectivos.

XXXVII. Porém, sabendo-se que apenas serão devidos juros indemnizatórios caso o contribuinte tenha procedido ao pagamento do imposto, tal decisão foi tomada sem que o douto Tribunal haja cuidado de averiguar se o imposto em causa nos autos se encontrava pago e desde quando.

XXXVIII. Por conseguinte, também por este motivo deverão os autos baixar à 1ª Instância, de molde a que os mesmos possam ser instruídos em conformidade.

XXXIX. Por conseguinte, a douta sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação do disposto no artigo 61º do CPPT.


1.2. A sociedade recorrida não apresentou contra-alegações.


1.3. O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso, argumentando o seguinte:

Questões decidendas:

- legalidade da dimensão interpretativa do art. 32º nº 1 EBF (renumeração e redacção constantes do DL nº 108/2008, 26 junho) alcançada pela Circular nº 7/2044, de 30 março da DSIRC;

- legalidade dos juros indemnizatórios atribuídos ao sujeito passivo do IRC autoliquidado.

1. O princípio da legalidade tributária exprime-se na seguinte formulação:

«Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes» (art. 103º nº 2 CRP; art. 8º nº 1 LGT).

Constituem declinações deste princípio:

a) a reserva relativa da Assembleia da República em matéria de criação de impostos (art. 165º nº 1 al. i) CRP numeração da RC/97).

b) a exigência de conformação, por actos legislativos, dos elementos modeladores dos impostos, indicados no art.103º nº 2 CRP (art. 112º nºs 1 e 2 CRP).

c) a impossibilidade de integração analógica das lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República (art. 11º nº 4 LGT).

2. «As mais-valias e as menos-valias realizadas pelas SGPS de partes de capital de que sejam titulares, desde que detidas por período não inferior a um ano, e, bem assim, os encargos financeiros suportados com a sua aquisição não concorrem para a formação do lucro tributável destas sociedades» (art.32º nº 1 EBF com a renumeração constante do art.3º nº 1 DL nº 108/2008, 26 junho).

A norma transcrita estabelece um equilíbrio entre o direito das SGPS a usufruírem da não tributação das mais-valias geradas pela venda de participações sociais e a impossibilidade de dedução do valor correspondente aos encargos financeiros em que tenham incorrido para a aquisição dessas participações, configurando uma equação benefício-custo de resultado neutro

As circulares consistem em orientações genéricas de carácter administrativo, vinculativas para a administração tributária, visando a uniformização da interpretação e aplicação de normas tributárias pelos serviços (art.55º CPPT)

Em abstracto é admissível que as circulares, enquanto instrumentos de doutrina administrativa, procedam à densificação de conceitos indeterminados constantes das normas tributárias.

No caso concreto a Circular nº 7/2004, 30 março, da DSIRC estabelece uma fórmula para a imputação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais (com preterição da regra da dedutibilidade dos encargos financeiros e reflexo na determinação do lucro tributável do sujeito passivo) desta forma desenvolvendo o conteúdo da norma de (não) incidência objectiva, com violação do princípio da legalidade tributária [art. 23º nº 1 al. c) CIRC; cf. transcrição do ponto 7. da Circular, na fundamentação da sentença, fls.267/268].

Referências jurisprudenciais:

- acórdão arbitral 21.12.2012 processo nº 24/2012 (parcialmente transcrito na fundamentação da sentença); e, designadamente, acórdãos STA-SCT 21.03.2007 processo nº 1180/06; 11.04.2007 processo nº 35/07; 26.04.2007 processo nº 7/07; 6.06.2007 processo nº 804/06; 18.09.2008 processo nº 202/08 (definição pela Circular nº 19/89 da DSIVA do conceito de oferta de pequeno valor)

Referência doutrinária: João Taborda da Gama in Estudos em memória do Prof. Doutor J.L. Saldanha Sanches Volume III, Coimbra Editora, Setembro 2011

3. Juros indemnizatórios

A sua atribuição e extensão têm fundamento legal indiscutível na anulação parcial da autoliquidação por erro imputável aos serviços (art. 43º nºs 1 e 2 LGT; art. 61º nº 1 al. a), 3, 4 e 5 CPPT).

Não se justifica a ampliação da matéria de facto, face à comprovação do pagamento do imposto autoliquidado pelo sujeito passivo (informação da Autoridade Tributária e Aduaneira a fls. 401).
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.».


1.4. Em face do alegado pela Recorrente e vertido nas conclusões XXX e segs, foi determinado, por decisão da Relatora, que os autos baixassem ao tribunal de 1ª instância para fixação do valor da causa, o que veio a ser cumprido por decisão exarada a fls. 389 dos autos, tendo o Mmº Juiz fixado o valor da causa em 396.764,89 euros. Decisão que, notificada às partes, não foi objecto de recurso. Assim como foi colhida informação sobre o pagamento do imposto que emerge da autoliquidação impugnada, confirmado através de ofício junto aos autos a fls. 401 e segs.

1.5. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir em conferência.


2. A sentença julgou provada a seguinte matéria de facto:

1. A ora impugnante apresentou em 29.05.2009 a declaração de rendimentos modelo 22 de (IRC respeitante ao exercício económico do ano de 2008 – (cfr. fls. 19 a 21 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas).

2. Na declaração modelo 22 identificada em 1), quadro 07, procedeu à autoliquidação no valor de € 396.764,89 respeitante a encargos financeiros – (facto admitido por acordo, e fls. 19 destes autos).

3. O valor do encargos referidos em 2) correspondem ao estipulado nas orientações genéricas publicadas pela Administração Tributária mediante Circular 7/2004 de 30.03.2004 – (facto admitido por acordo e fls. 22 destes autos).

4. Em 30.05.2011, a ora impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação do IRC do ano de 2008 – (cfr. fls. 71 destes autos e que aqui se e dá por reproduzida).

5. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho proferido em 10.08.2012 e com os fundamentos exarados a fls. 73 a 90 dos autos e que se dão por reproduzidas.

6. Em 20.11.2012 apresentou recurso hierárquico – (cf. fls. 93 destes autos e que aqui se dão por reproduzidas).

7. Em 31.05.2013 foi notificada do despacho de indeferimento que recaiu sobre o recurso hierárquico identificado em 6. – (cfr. fls. 61 a 66 dos autos e que aqui se dão por reproduzidas).

3. A presente impugnação judicial foi deduzida contra o indeferimento do recurso hierárquico que a sociedade A………., SGPS, S.A. apresentou após o acto de autoliquidação de IRC referente ao exercício de 2008, no montante de 396.764,89 euros, e onde suscita a ilegalidade do método de cálculo assumido pela Administração Tributária e plasmado na Circular 7/2004 da Direção de Serviços de IRC, método que, na sua óptica, é ilegal e conduziu a um erro no apuramento do imposto que autoliquidou, na medida em que se trata de um método indireto de tributação não previsto na lei e que a Constituição não permite. Neste contexto, advogou que a orientação genérica vertida na Circular 7/2004 viola a lei, quer quanto à sua aplicação no tempo, quer pelo método que impõe, sendo inconstitucional.

Debruçando-se sobre a questão, o Mmº Juiz do Tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação na consideração de que é inconstitucional, por ofender os princípios da legalidade e da reserva de lei da Assembleia da República, consagrados nos arts. 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i) da CRP, a fixação, através da Circular 7/2004, de uma fórmula de alocação dos encargos financeiros suportados com a aquisição de participações sociais que concretizou, nela desenvolvendo o elemento objectivo do tipo tributário. «Com efeito, a determinação da forma de apuramento do montante de encargos financeiros não pode ser efetuada por circular, pois tal implicaria permitir que uma instrução administrativa procedesse à determinação de normas de incidência objetiva de imposto, o que determina, atenta a natureza divisível do ato tributário de autoliquidação de IRC do ano de 2008 em questão, a sua anulação parcial, nos termos do artigo 135º do CPA».

É contra essa decisão que se insurge a Fazenda Pública, ora recorrente, insistindo que a orientação vertida na Circular 7/2004 – que serviu de suporte ao acto impugnado – se encontra em conformidade com o quadro constitucional e legal vigente, não afrontando os aludidos princípios constitucionais.

Tal questão foi já decidida nesta Secção do Supremo Tribunal Administrativo nos acórdãos proferidos em 8/03/207, no proc. nº 0227/16, de 31/05/2017, no proc. nº 01229/15, e de 29/11/2017, no proc. nº 01292/16, nos quais, com fundamentação que merece a nossa adesão, se concluiu no sentido da correcção do julgado, isto é, que estabelecendo um método indirecto e presuntivo, no que diz respeito à afectação de encargos financeiros para efeitos de cálculo do lucro tributável, o nº 7 da Circular nº 7/2004 afronta o princípio da legalidade tributária.

Deste modo, e atendendo também à regra constante nº 3 do art.º 8º do C.Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito – bem com à falta de nova argumentação que nos leve a inflectir ou a divergir do entendimento ali firmado, limitar-nos-emos a remeter para a fundamentação que consta do acórdão proferido no proc. nº 0227/16, que aqui se acolhe e subscreve na íntegra.
«No essencial, a recorrente pede a este Supremo Tribunal que diga se o disposto no ponto 7. da Circular nº 7/2004, de 30.03, da DSIRC - Método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais (7. Quanto ao método a utilizar para efeitos de afectação dos encargos financeiros suportados à aquisição de participações sociais, dada a extrema dificuldade de utilização, nesta matéria, de um método de afectação directa ou específica e à possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria, deverá essa imputação ser efectuada com base numa fórmula que atenda ao seguinte: os passivos remunerados das SGPS e SCR deverão ser imputados, em primeiro lugar, aos empréstimos remunerados por estas concedidos às empresas participadas e aos outros investimentos geradores de juros, afectando-se o remanescente aos restantes activos, nomeadamente participações sociais, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.) - se traduz ou não, num método não conforme à Lei constitucional e ordinária, para efeitos de afectação dos encargos financeiros às participações sociais.
Tanto na sentença recorrida, como nas alegações da recorrente, não há divergência sobre a natureza das regras contidas em tal Circular, trata-se de instruções genéricas que não são mais do que meras orientações administrativas que apenas vinculam a Administração, cfr. artigo 55º do CPPT e 68º-A da LGT.
Ou seja, não têm uma dimensão erga omnes, tal como as leis editadas pelo Parlamento e pelo Governo e, consequentemente, não vinculam os contribuintes e, especialmente, os Tribunais, cfr. nº 3 daquele artigo 55º, estando o seu campo de aplicação obrigatório confinado à actuação da administração tributária que procedeu à sua emissão.
[…]
Da leitura atenta que se faz daquele ponto 7, cuja legalidade vem questionada nos presentes autos, pode-se surpreender com facilidade que o método escolhido pela AT se assume como um método indirecto de afectação dos encargos, em contraposição a um método directo, motivado pela dificuldade de utilização de um método de afectação directa ou específica e pela possibilidade de manipulação que o mesmo permitiria.
Ou seja, a AT, face às dificuldades sentidas de integração do disposto naquele artigo 32º do EBF, desinteressou-se pela obtenção da verdade dos factos, pilar da tributação sobre o rendimento real, cfr. artigo 104º, n,º 2 da CRP, e assumiu como único método aceitável o que parte de uma presunção de que os passivos remunerados das SGPS e SCR devem ser afectos liminarmente e de forma prioritária a empréstimos remunerados a participadas e outros investimentos geradores de juros e, no remanescente, aos demais activos, proporcionalmente ao respectivo custo de aquisição.
Portanto, a recorrente ao seguir as orientações genéricas da AT, a que não estava obrigada, lançou mão de um método indirecto, presuntivo, de afectação de encargos financeiros, mas como bem refere a própria AT na decisão do recurso hierárquico, de nada lhe valeria (à recorrente) fazer de modo diferente porque, caso o fizesse, seria sempre corrigida a sua liquidação nos precisos termos daquelas orientações genéricas existentes, cfr. pág. 39 dos autos, parágrafo 2º.
Aliás, seguindo os contribuintes as orientações da AT, desde que conformes à lei, nas suas autoliquidações, evitam posteriormente dissabores e incómodos no tocante à regularização da sua situação tributária.
Na situação dos autos não vem concretamente explicada a razão pela qual (não) se poderia efectuar a afectação dos encargos financeiros por outro modo (directo), diferente daquele que foi efectivamente utilizado (indirecto), não o explica a recorrente, nem o explica a AT, ambas se limitam a referir que o método utilizado é o determinado pela Circular em questão. E a sentença bastou-se com o facto de a recorrente na autoliquidação ter seguido o método que para si não era obrigatório.
Tratando-se a avaliação indirecta de uma operação sem correspondência com a verdade dos factos, precisamente porque estes não são possíveis de determinar com segurança e certeza, ou porque há indícios muito fortes (a quase certeza) de que os factos evidenciados pelo contribuinte, e que devem servir de fundamento à determinação da matéria tributável, não são verdadeiros, previu o legislador, de forma taxativa, as concretas situações em que é possível o recurso a tais métodos indirectos nos artigos 87º a 90º da LGT.
Portanto, a “norma” emitida pela AT não pode ser considerada de per si, de forma isolada, sem qualquer relação com uma concreta situação de determinado contribuinte, como se tratando de método de afectação ilegal e proibido; se houver razões que justifiquem a sua aplicação, pode tratar-se de método idóneo a efectuar a respectiva afectação, mas se não se verificarem tais razões, trata-se de método inadequado de proceder a essa mesma afectação.
Já vimos que no caso dos autos nada se diz a esse respeito, isto é, nada se diz da possibilidade ou impossibilidade de aplicação de um método de afectação directo, tem-se por bom o método de afectação indirecto, de forma acrítica e sem conexão intima com a situação concreta da contribuinte.
Contudo, não vindo expressamente invocado pela AT que no caso concreto da recorrente se imponha o recurso a um método de avaliação indirecto, o que lhe competia nos termos do disposto no artigo 74º, n.º 3 da LGT, em caso de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, compete à administração tributária o ónus da prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação, cabendo ao sujeito passivo o ónus da prova do excesso na respectiva quantificação-, não se pode valer da dita “norma administrativa” da Circular em análise para manter a autoliquidação efectuada de acordo com a mesma.
É certo que as “normas administrativas” constantes da circular que se analisa foram emitidas, precisamente, face às dificuldades e dúvidas quanto à possibilidade de utilização de um método de afectação directa e à possibilidade de haver manipulação desse mesmo método por parte dos contribuintes, no entanto a aplicação de métodos indirectos, quaisquer que eles sejam, de forma generalizada e sem ser tida em conta a situação individual concreta de que cada contribuinte está proibida por lei, resultando essa proibição do disposto nos artigos 104º, n.º 2 da CRP, 81º, n.º 1 e 85º da LGT, e, como também já vimos, as ditas “normas administrativas” não prevalecem sobre qualquer um daqueles preceitos legais, cfr. artigo 112º, n.º 5 da CRP.
Temos, assim, que concluir pela razão da recorrente no que toca a pretender que não se aplique à sua situação concreta o disposto naquele n.º 7 da dita Circular 7/2004, mostrando-se afectada por vício de violação de lei a autoliquidação efectuada.
De resto, o facto de a própria recorrente ter procedido à autoliquidação do imposto, segundo as regras estabelecidas pela AT, não implica que tal seja admissível ou lhe seja oponível, desde logo porque aos contribuintes não assiste o direito de apresentar as suas declarações de rendimentos lançando mão de métodos indirectos que não tenham uma correspondência directa e imediata com a sua realidade contabilística, o que se impõe por força dos princípios da tributação das empresas pelo rendimento real e da igualdade, segundo os quais, todos, e cada um, contribuirão coactivamente para a receita do Estado segundo as suas possibilidades e na medida do esforço que lhes possa ser exigido, cfr. artigo 103º, n.º 1, da CRP.

E já vimos que, o uso de tais métodos indirectos, apenas é consentido à AT nas situações enumeradas na lei e segundo os parâmetros legalmente estabelecidos, neste caso, para salvaguarda da receita do Estado, assim se conseguindo a distribuição do sacrifício, na medida do possível, por todos os contribuintes.».

Pelo que fica exposto, e sem necessidade de mais longas considerações, não pode obter provimento o recurso, sendo de salientar que, quanto ao reconhecimento do direito da impugnante a juros indemnizatórios sobre o montante retido/pago e a reembolsar, também nada há a censurar na sentença, uma vez que, como nela se deixou exarado, «O art.º 61º do CPPT, prescreve o direito a juros indemnizatórios quando, em reclamação graciosa ou processo judicial, se apure que houve erro na liquidação imputável aos serviços. Assim, e atendendo ao que se acaba de expor quanto à liquidação que se impõe anular, resulta claro que tal pedido deverá proceder. Tais juros serão contados e pagos nos termos previstos no art.º 61º do referido diploma legal.».

4. Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2018. – Dulce Neto (relatora) – Ascensão Lopes – Ana Paula Lobo.