Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:062/18.4BCLSB
Data do Acordão:10/14/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:TRIBUNAL ARBITRAL
IMPUGNAÇÃO
CORRECÇÃO
VALOR DAS ACÇÕES
COMPETÊNCIA
Sumário:I – O valor da causa nas acções arbitrais deve corresponder ao valor das correcções contestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT.
II – Por força do disposto no artigo 4.° do RJAT a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.
III - Foi o artigo 3.°, n.°1, da Portaria n.°112-A/12011, de 22 de Março, que veio limitar a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios que não ultrapassem o valor de €10.000.000,00, cominando a incompetência relativa de tais tribunais para as causas de valor superior.
IV - E, ao basear-se no valor indicado pelo requerente e ora impugnado, inferior ao valor contestado da fixação da matéria tributável, de €10.026.847,19, o tribunal arbitral exacerbou a sua própria competência em razão do valor, emitindo pronúncia indevida, nos termos conjugados do artigo 28.°, n.°1, al. c), do RJAT e do artigo 3.°, n.°1, da Portaria n.°112-A/2011 de 22 de Março, sobre questão reservada à esfera de competência dos tribunais tributários.
V - É constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.
Nº Convencional:JSTA000P26460
Nº do Documento:SA220201014062/18
Data de Entrada:01/16/2020
Recorrente:BANCO A………..., SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
1. – Relatório

O presente recurso de revista foi interposto pelo Banco …………., S.A., com os sinais dos autos, vem, nos termos do disposto nos artigos 144.°, 147.° e 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 17 de Janeiro de 2019 que concedeu provimento à impugnação da decisão arbitral colectiva proferida no processo arbitral n°371/2017-T CAAD e, em consequência, declarou a nulidade desta, ao abrigo do artigo 150º do CPTA, com o fundamento de que se verifica a necessidade de intervenção do STA, em razão de uma melhor aplicação do direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental.
Considerava o Recorrente que se verifica a violação de lei processual na interpretação conferida ao artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA.
Para o Recorrente, coloca-se «a questão de saber se, quando é impugnado um ato tributário de liquidação ou se peticiona a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, que não apuram imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correções contestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, como entendeu o Tribunal recorrido, ou se, como entende o Recorrente, deve fazer-se apelo ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, e considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixará previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes».
Por acórdão de 21/12/2019 deste tribunal foi admitido o recurso nos seguintes termos:
«Entende igualmente este STA que se justifica no caso dos autos a admissão da revista, pois que a questão decidenda que o recorrente enuncia como sendo a questão de saber se, quando é impugnado um ato tributário de liquidação de tributos, que não apura imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correcões contestadas, nos termos da alínea b) do n.° 1 do artigo 97.° -A do CPPT, como entendeu o Tribunal recorrido, ou se, como entende o Recorrente, deve fazer-se apelo ao disposto na alínea a) do nº1 do artigo 97.°-A do CPPT conjugado com o disposto nos artigos 296º e 297º do CPC e nos artigos 31º e 32º do CPTA e considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixara previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes, se reveste de relevância jurídica e social fundamental atendendo sobretudo aos seus possíveis efeitos no que concerne a limitação, em razão do valor, da competência material dos tribunais arbitrais em matéria tributária.».

Nas suas alegações, formulou o recorrente as seguintes conclusões:

1.ª Entende o Recorrente que estão verificados os requisitos de que depende a admissão do presente recurso de revista;
2.ª Em face do decidido em segundo grau de jurisdição, considera o Recorrente verificar-se a violação de lei processual na interpretação conferida ao artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, colocando-se a questão de saber se, quando é impugnado um ato tributário de liquidação ou se peticiona a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, que não apuram imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correções contestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, como entendeu o Tribunal recorrido, ou se, como entende o Recorrente, deve fazer-se apelo ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, e considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixará previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes;
3.ª Entende o Recorrente que resulta evidente a necessidade de intervenção do Supremo Tribunal Administrativo no caso sub judice, impondo-se a revista para uma melhor aplicação do Direito e por se tratar de uma questão de importância jurídica e social fundamental;
4.ª No caso sub judice, a necessidade da revista para uma melhor aplicação do Direito assenta, desde logo, no facto de estarem em causa duas decisões – uma proferida junto do CAAD e outra em sede de impugnação junto do TCAS - em que os tribunais atuaram de forma díspar perante a mesma questão, qual seja, a de saber qual o valor da causa e se haveria incompetência do Tribunal Arbitral em razão do valor;
5.ª Com efeito, a decisão proferida em 1.ª instância pelo Tribunal Arbitral decidiu no sentido de que o valor da causa correspondia ao valor indicado pelo ora Recorrente, relativo ao imposto que hipoteticamente deixará de pagar em exercícios futuros, julgando-se competente para dirimir o litígio, fazendo aplicação da alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, enquanto o TCAS, perante a mesma situação, considerou que o valor da causa era de € 10.026.847,19, por aplicação da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, correspondente ao valor das correções contestadas, julgando o Tribunal arbitral incompetente em razão do valor da causa;
6.ª O juízo do TCAS é, no entendimento do Recorrente, insustentável por encerrar uma violação do disposto no artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA;
7.ª Para além de a posição sufragada neste acórdão encerrar a desconsideração da circunstância de ter sido submetida à arbitragem tributária a legalidade de um ato de liquidação de imposto – o Tribunal “requalifica” esta submissão como se de um ato de fixação da matéria coletável se tratasse, sem qualquer tipo de ponderação dos prazos e requisitos que uma e outra pretensão exigiriam –, a mesma vai para além do que a própria lei prevê, quer porque em lado algum o legislador previu que o apuramento de imposto a pagar fosse critério de aplicação de uma ou outra alínea do artigo 97.º-A do CPPT, quer ainda porque, estando em causa correções ao prejuízo fiscal apurado no exercício, do que se trata é, quanto muito, de um ato de fixação de matéria tributável e não de matéria coletável (que é, aliás, nula);
8.ª Não está em causa um simples erro de julgamento, mas um erro manifestamente ostensivo e grosseiro, aqui consubstanciado no facto de o Tribunal desvirtuar os conceitos previstos nas normas sob análise ainda que, como o próprio inclusivamente reconhece no acórdão recorrido, a posição sufragada culmine por não se traduzir, a final, na fixação de um valor da causa com correspondência com a utilidade económica do pedido para o Recorrente (cf. página 36 do acórdão recorrido);
9.ª No fundo, em nome de uma aparente impossibilidade de definição daquela que é a verdadeira utilidade económica imediata da ação para o Recorrente, o Tribunal segue um caminho através do qual adota como valor da causa um valor que não é, manifestamente, o que se traduz na referida utilidade económica;
10.ª Deste modo, é claramente necessária a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo para evitar que esta má interpretação do artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA se consolide na ordem jurídica e que seja aplicável em todas as situações em que não se apure imposto a pagar num determinado ato tributário em resultado das correções contestadas, criando uma disparidade de tratamento entre contribuintes;
11.ª No que se refere à relevância jurídica fundamental, que se manifesta, por um lado, na complexidade das operações jurídicas indispensáveis à resolução do caso e, por outro lado, na capacidade de expansão da controvérsia, impõe-se ao Tribunal a interpretação de um conjunto de preceitos, recorrendo aos vários elementos interpretativos das normas;
12.ª Acresce que, estando em causa um conjunto de conceitos estruturantes como matéria tributável, matéria coletável e ato de liquidação, a interpretação das referidas disposições normativas encerra também um trabalho de subsunção a que o TCAS, com o devido respeito, não deu resposta;
13.ª Não se trata, por conseguinte, de uma mera operação de interpretação de uma determinada norma jurídica, mas de um complexo de operações de subsunção jurídicas que, até à data e com o devido respeito, os tribunais superiores não efetuaram de forma completa e consistente;
14.ª De facto, atendendo aos conceitos em presença e às disposições normativas aplicáveis, é inequívoco para o Recorrente a existência de uma complexidade jurídica superior à comum que justifica a admissão do presente recurso de revista;
15.ª Para além disso, não vigora até esta data uma corrente uniforme de jurisprudência proferida pelos tribunais superiores quanto a esta questão e exemplo disso são inclusive as decisões do Tribunal Arbitral e do TCAS, que culminaram no presente recurso e que seguiram teses opostas quanto ao valor da presente causa – vide, a propósito das divergências nas instâncias quanto ao entendimento a seguir sobre determinada questão jurídica, os acórdãos deste STA de 25.09.2009 (processo n.º 710/08), de 05.06.2008 (processo n.º 447/08), de 03.04.2014 (processo n.º 338/14), de 15.01.2015 (processo n.º1498/14) e de 25.11.2015 (processo n.º 1498/15), entre outros);
16.ª Atendendo a que a questão em apreço tem passado e é suscetível de passar pela jurisprudência dos tribunais superiores, entende o Recorrente que é evidente a suscetibilidade de repetição da questão em casos futuros, em termos de expansão da controvérsia;
17.ª A decisão sobre a questão não é meramente teórica e tem inerentes efeitos práticos, com claro reflexo para o contribuinte;
18.ª De facto, o contribuinte que pretenda contestar um determinado número de correções que não se traduzem num montante adicional de imposto a pagar no referido exercício poderá ver-se obrigado a um maior encargo económico em matéria de custas judiciais ou arbitrais que, para além de poder não corresponder ao benefício que se pretende obter, pode condicionar ou mesmo desincentivar o recurso aos Tribunais para ver reconhecida a sua pretensão;
19.ª Atendendo a que esta é uma questão que, no entendimento do Recorrente, não se encontra resolvida na jurisprudência, considera o Recorrente que o risco de persistirem e ocorrerem diversas situações deste tipo é bastante elevado;
20.ª É por forma a evitar esta situação com relevante impacto ao nível da situação tributária dos contribuintes que se impõe a revista;
21.ª A questão interpretativa coloca-se, assim, numa abundância de situações e ao longo dos tempos, com referência a diversos contribuintes, pelo que se afigura inequívoca também a relevância social de importância fundamental (cf. o Acórdão do STA de 21.11.2014, proferido no processo n.º 141/14-30);
22.ª Assim, considera o Recorrente que a interpretação proferida em segundo grau de jurisdição, em clara violação da lei, por perfilhar aceção contrária ao próprio espírito do legislador tributário, é suscetível de se aplicar em numerosos novos litígios administrativos e judiciais, e inclusivamente originá-los, gerando uma avultada incerteza e instabilidade e fazendo antever como objetivamente útil a intervenção do Supremo Tribunal Administrativo;
23.ª Pelo que, quanto a esta questão, estão pois preenchidos os requisitos necessários à admissibilidade do recurso previsto no artigo 150.º do CPTA;
24.ª Salvo o devido respeito, entende o Recorrente que o douto acórdão recorrido decidiu em violação do disposto no artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA;
25.ª No caso sub judice, não tendo sido apurada matéria coletável no exercício, e não apurando a liquidação de IRC ora sindicada imposto a pagar em resultado das correções à matéria tributável do exercício que se controvertem, não existe uma quantia certa em dinheiro que se pretende obter, devendo procurar-se, assim, a quantia equivalente ao benefício que se pretende obter;
26.ª Ora, o valor de € 10.026.847,19, respeitante às correções à matéria tributável controvertidas, não corresponde de modo algum à quantia em dinheiro equivalente ao benefício que se pretende;
27.ª É, pois, por referência ao valor da liquidação de imposto a que se pretende obstar, num exercício futuro, que deve ser calculado o valor da ação;
28.ª Com efeito, não se trata já de uma quantia certa em dinheiro que se pretende reaver de forma imediata através de uma determinada ação, mas de uma quantia que o legislador, expressamente, admite como equivalente;
29.ª Assim, e em face do exposto, não podem restar dúvidas de que o valor da utilidade económica do pedido indicado pelo Recorrente no pedido de pronúncia arbitral corresponde ao valor da presente ação;
30.ª Com efeito, não existem razões para tratar de forma distinta o contribuinte que contesta uma liquidação de imposto que apura imposto a pagar em resultado de determinadas correções, tomando como referência o valor do imposto apurado na mesma, e o contribuinte que, não tendo apurado imposto a pagar no mesmo exercício, pretende contestar as mesmas correções, tomando então como referência o valor das correcções contestadas;
31.ª Deste modo, em face do exposto, não pode deixar de vingar a posição sufragada pelo Recorrente e que mereceu acolhimento pelo Tribunal arbitral no sentido de o valor da causa corresponder a € 2.306.174,85, resultante da aplicação da taxa de IRC de 23% ao valor das correções contestadas;
32.ª Note-se que a tendencial indeterminabilidade ao nível do valor em que se vai traduzir a utilidade económica da presente ação – isto é, se o imposto que se vai deixar de pagar em exercícios subsequentes será ou não aquele, se os prejuízos fiscais em discussão serão ou não dedutíveis – não é argumento para fazer valer o valor das correções contestadas como valor da ação;
33.ª É que, se é certo que o valor do imposto que se vai deixar de pagar em exercícios subsequentes ainda é uma incógnita, o que é igualmente certo é que o valor das correcções contestadas não é, seguramente, o valor que reflete a utilidade económica;
34.ª Acresce, ainda, que a posição sufragada de que o valor da causa corresponde ao valor das correções contestadas de € 10.026.847,19 não tem qualquer cobertura à luz das disposições legais citadas;
35.ª Com efeito, à luz das disposições legais acima indicadas e admitindo-se, por mero dever de patrocínio, que estaria em causa a contestação de um ato de fixação da matéria coletável, o valor da causa nunca seria o valor das correções contestadas;
36.ª Os conceitos de matéria tributável e matéria coletável não se confundem, como aliás o evidencia o próprio RJAT (cf. artigo 2.º), correspondendo a matéria tributável ao lucro tributável ou ao prejuízo fiscal que tiver sido apurado (cf. artigo 17.º do Código do IRC) e sendo a matéria coletável apurada depois da dedução de prejuízos fiscais apurados em exercícios anteriores e de benefícios fiscais (cf. artigo 15.º do Código do IRC);
37.ª No caso em apreço, estaríamos quanto muito perante atos de fixação de matéria tributável que poderiam ser arbitráveis, quando não deem origem à liquidação de qualquer tributo, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT;
38.ª Sem conceder quanto ao facto de estarem ou não em causa estes atos, o que é facto é que o valor da causa não seria, de modo algum, o valor das correções contestadas, mas o valor da liquidação a que se pretende obstar nos termos do Regulamento das Custas nos Processos Arbitrais (cf. Carla Castelo Trindade, in “Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Anotado”, 2016, Almedina, p. 308 e Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, in “Contencioso Tributário”, Volume II, 2017, Almedina, p. 454);
39.ª Acresce que, mesmo que estivéssemos perante atos de fixação da matéria coletável, ainda assim o valor da causa deveria obedecer aos critérios seguidos pelo Recorrente, considerando-se o valor do imposto a que se pretende obstar (cf. Jorge Lopes de Sousa em anotação ao artigo 97.º-A do CPPT, in “Código de Procedimento e Processo Tributário”, Volume II, Áreas Editora, p. 73);
40.ª Em suma, a entender-se, que in casu se contesta o ato de fixação da matéria coletável ou o ato de fixação da matéria tributável, e não a liquidação, ainda assim o valor da causa nunca corresponderia ao valor das correções contestadas;
41.ª Acresce que, ao contrário do que invocava a Impugnante nas suas alegações, a presente situação não é igual à retratada no processo arbitral n.º 151/2013, desde logo porque no presente caso, como já se referiu, encontrava-se a ser peticionada a anulação de um ato tributário de liquidação, sendo que naquele outro caso, com o qual a Impugnante pretende estabelecer um paralelismo inexistente, estava em causa a declaração de ilegalidade dos atos de correção da matéria tributável;
42.ª Deste modo, entende o Recorrente que, ou bem que se considera que está em causa um ato de liquidação, sendo aplicável a alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, considerando-se como “importância cuja anulação se pretende” o imposto que se estima vir a deixar de pagar em exercícios subsequentes, como entendeu o Recorrente, ou, entendendo-se que está em causa um ato de fixação de matéria tributável, o valor da acção deve ser calculado nos termos do artigo 3.º, n.º 3, do Regulamento das Custas dos Processos Tributários, sendo também o valor da causa a quantia de imposto a que se pretende obstar;
43.ª O que nunca poderá entender-se é estar em causa um ato de fixação de matéria coletável,
sendo certo que, mesmo que assim se entendesse, o “valor contestado” nunca corresponderia ao valor das correções contestadas;
44.ª Por último, e sem prejuízo de todo o acima exposto, sempre importa notar ainda que, pretendendo-se assentar a fixação do valor da ação no critério da utilidade económica imediata, esta não se reconduz unicamente à anulação das correções sindicadas, tendo reflexos imediatos a nível contabilístico que evidenciam, em qualquer caso, que aquele valor de € 10.026.847,19 nunca poderia ser erigido a valor da causa;
45.ª Com efeito, o Recorrente regista contabilisticamente impostos diferidos ativos por via da existência de prejuízos (cf. Relatório e Contas referente ao exercício de 2014 disponível em https://............banco.........pt/index.asp?riIdArea=AreaDFinanceiros&riId=DContas), valor esse que sofre alteração caso se consolidem as correções à matéria tributável aqui controvertidas;
46.ª Isto é, há uma utilidade económica imediata que se traduz na correção ao valor dos ativos por impostos diferidos registados pelo Recorrente – que se estima ascender a cerca de €2.300.000,00 – com os devidos impactos a nível contabilístico e fiscal;
47.ª Em face do exposto, não pode acompanhar-se o entendimento do acórdão recorrido, impondo-se a sua revogação e a sua substituição por outro que julgue improcedente a impugnação da decisão arbitral.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Venerando Tribunal suprirá, deve o presente recurso de revista ser admitido, devendo ser julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, nesta parte, assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!
Sendo o valor do recurso superior a € 275.000,00, requer-se que, verificando-se os pressupostos, seja o Recorrente dispensado do pagamento da taxa de justiça remanescente ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 6.º do Regulamento das Custas Processuais.”


Contra-alegou a recorrida AT, concluindo do seguinte modo:

“A) O recorrente não preenche os pressupostos do nº 1 do art. 150º do CPTA, que permitem lançar mão deste tipo de recurso.
B) Efectivamente, o presente recurso tem subjacente uma decisão arbitral proferida ao abrigo do RJAT que obedece a um regime processual de recursos diferente do regime estabelecido no CPTA.
C) No RJAT, que nem sequer admite um recurso ordinário em matéria de facto, em segundo grau de jurisdição, das decisões de um Tribunal Arbitral, não está prevista a possibilidade de as partes poderem interpor recurso de revista, mas apenas, de impugnar a decisão arbitral para o Tribunal Central Administrativo, com os fundamentos previstos no art. 28º, a saber:
i) não especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão;
ii) oposição dos fundamentos com a decisão; iii) pronúncia indevida, ou omissão de pronúncia, iv) ou violação dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, de recorrer da decisão arbitral, nos termos e com os fundamentos previstos no art. 25º: i) recurso para o Tribunal Constitucional na parte em que a decisão arbitral recuse a aplicação de uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada no processo; ii) recurso para o Supremo Tribunal Administrativo, quando a decisão arbitral esteja em oposição com jurisprudência proferida pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo próprio STA.
D) Deste modo, tendo o legislador, por opção, restringido as possibilidades de recurso de uma decisão arbitral, não é legítimo contornar tal regime e recorrer ao que se encontra estabelecido, em matéria de recursos, no CPTA.
E) Assim, pese embora o presente recurso venha interposto de um Acórdão do TCA Sul, o mesmo foi chamado a pronunciar-se sobre questões que têm a ver com a própria nulidade da decisão arbitral e não sobre um verdadeiro recurso em segundo grau de jurisdição. No presente caso, aliás, discutiu-se a própria competência do Tribunal Arbitral para decidir a questão que lhe foi submetida, pelo que, o que está em causa não é uma verdadeira questão de direito, mas sim, a questão de saber se o Tribunal Arbitral tinha, ou não, competência para se pronunciar e decidir o pedido de pronúncia arbitral que lhe foi submetido.
F) Logo, contrariamente ao que o recorrente invoca a decisão proferida sobre a competência do Tribunal Arbitral tem subjacente um caso muito concreto, não sendo de impor a revista para uma melhor aplicação do direito.
G) Aliás, a 2ª Sec. do CT do STA no seu Acórdão, de 07/11/18 proferido no Proc.83/15.9BALSB já deliberou que não é aplicável no âmbito do RJAT o recurso de revista.
H) Pelo que, deve-se concluir pela inverificação “in casu” dos pressupostos do art. 150º do CPTA e, consequentemente, não ser admitido o recurso.
I) Ainda que assim não se entenda, há que convir que o tribunal “ a quo” deliberou, bem, quando considerou que o Tribunal Arbitral incorreu no vício de pronúncia indevida arrogando-se competência em razão da matéria, quando entende ser competente para conhecer de um pedido de pronúncia arbitral em que é contestado um valor superior a dez milhões de euros de prejuízo fiscal que ultrapassa o limite previsto no art. 3º nº 1 da Portaria nº 112-A/2011 de 22 de Março.
J) Na verdade, a competência dos tribunais arbitrais também depende dos termos da vinculação da AT à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos nos termos do RJAT, cfr. art. 4º do RJAT.
K) Ora, nos termos do artigo 2º nº 1 da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março, “Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto -Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes (…)
E, segundo o art. 3.º nº 1 desta mesma Portaria, sob a epígrafe “Termos da vinculação”:
“A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.”
L) Por outro lado, nos termos do art. 3º do Regulamento das Custas em Matéria Tributária:
“ 1 – (…)
2- O valor da causa é determinado nos termos do artigo 97.º-A do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
3. O valor da causa nos casos previstos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 2.º do Regime Jurídico da Arbitragem é o da liquidação a que o sujeito passivo, no todo ou em parte, pretenda obstar. “
M) E, nos termos do art. 97º-A do CPPT: “1 - Os valores atendíveis, para efeitos de custas ou outros previstos na lei, para as acções que decorram nos tribunais tributários, são os seguintes:
e) Quando seja impugnada a liquidação, o da importância cuja anulação se pretende;
f) Quando se impugne o acto de fixação da matéria colectável, o valor contestado;
g) Quando se impugne o acto de fixação dos valores patrimoniais, o valor contestado;
h) No recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, o do valor da isenção ou benefício.
N) No caso que esteve subjacente ao pedido de pronúncia arbitral contrariamente ao que a recorrente pretende, o que esteve em causa e o que foi impugnado no processo arbitral foram as correcções feitas à matéria colectável que não tiveram reflexo em qualquer imposto a pagar, mas que só tiveram reflexo a nível de prejuízos fiscais, diminuindo o valor dos mesmos a reportar.
O) Deste modo, contrariamente ao que a recorrente também invoca, a utilidade económica do pedido a que faz apelo, não pode ser o valor que a mesma achou pela aplicação de uma taxa ao montante das correcções impugnadas.
Seguramente tal montante não corresponde a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efectuada no futuro, uma vez que as correcções que lhe foram efectuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios.
P) E os prejuízos apurados poderão mesmo nunca vir a ser relevantes para a prática de qualquer acto de liquidação, pois essa relevância dependerá de em algum ou alguns dos períodos de tributação em que for legalmente admissível fazer o reporte dos prejuízos vir a ser apurado lucro tributável sem recurso a métodos indirectos e não existirem prejuízos referentes a outros períodos de tributação anteriores que excedam esse lucro tributável (artigo 52.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC).
Q) Assim, em casos em que o impugnante vem impugnar as correcções que lhe foram efectuadas e que não deram origem a qualquer liquidação de imposto deve ser aplicada a al. b) do nº 1 do art. 97º -A do CPPT, dado que é o valor das correcções impugnadas que vem contestado. Donde, não podiam o Tribunal Arbitral e a ora recorrente construir um valor da causa que é fictício porquanto corresponde ao valor de uma hipotética liquidação encontrada pela aplicação da taxa de IRC ao valor das correcções.
R) Nestes termos, porquanto o RJAT não contém qualquer critério de determinação do valor dos litígios aplicável aos casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável, por ser inviável determinar a utilidade económica desses pedidos, é de pressupor que aquela referência ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 teve em mente o valor dos litígios tal como resulta do CPPT.
S) O que determina a aplicação da al. b) do art. 97º-A do CPPT e a atribuição ao valor da causa, do montante correspondente às correcções contestadas.
T) Por outro lado, uma vez que a vinculação da AT à tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectivá-la, o Tribunal Arbitral não pode aplicar um critério como o de uma liquidação fictícia ou da utilidade económica do pedido em detrimento dum critério fixado por lei que, no caso, a ser aplicado implica a exclusão da AT à jurisdição do Tribunal Arbitral.
U) Pelo que, é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.
V) Porquanto, tal interpretação implicará a dilatação das situações em que a AT obrigatoriamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigos 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral].
W) Pelo que, a acolher-se uma interpretação da norma segundo a qual resulta uma incerteza e insegurança quanto ao valor do litígio, porque ele é achado segundo critérios que não se reflectem num montante concreto que seja o correspondente ao valor das correcções contestadas, a mesma sempre se afigurará inconstitucional, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.
X) Donde, o Acórdão ora recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei ao caso em concreto.
Termos pelos quais e, com o douto suprimento de V. Exas., não deve ser admitido o presente recurso, por falta de verificação dos pressupostos do art. 150º do CPTA, ou, caso assim não se entenda, deve ser negado provimento ao presente recurso de revista e, em consequência, ser mantido o Acórdão ora recorrido, com todas as legais consequências.”

O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu douto parecer no sentido de que o acórdão recorrido não padece do vício que lhe é imputado pelos Recorrentes, impondo-se a sua confirmação, e julgando-se o recurso improcedente, pelas razões às quais adiante se fará alusão e que, no essencial, apontam para que no acórdão do TCA recorrido se desmonta de forma clarividente toda a argumentação do Recorrente a esse respeito, evidenciando que a bondade da tese do Recorrente apenas releva em sede de discussão do direito a constituir e não do direito constituído. A sufragar-se o entendimento do Recorrente, a alínea b) do artigo 97º-A do CPPT simplesmente ficaria esvaziada na sua aplicação, uma vez que não se vislumbra que outras situações poderia o legislador ter em mente que não sejam as similares à dos autos, ou seja, aqueles casos em que do ato de liquidação não resulta imposto a pagar. Ora, não é por um determinado preceito legal merecer críticas que o juiz pode decidir-se pela sua não aplicação. Daí que, prevendo o artigo 97º-A do CPPT uma norma específica que indica o critério de determinação do valor da ação nos casos em que é contestado o acto de fixação da matéria colectável, não pode o julgador recorrer-se de outros critérios previstos noutros normativos em que está em causa a impugnação de outros actos, sob pena de violação flagrante das normas e princípios relativos à interpretação das normas consagrados no artigo 9º do Código Civil.

Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 663º, nº6 do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante da sentença recorrida.


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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou procedente a reclamação, padece de erro de julgamento por ter feito uma errónea interpretação e aplicação da lei.
Assim e em primeiro lugar, no tocante à violação de lei processual na interpretação conferida ao artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, para o Recorrente, põe-se «a questão de saber se, quando é impugnado um ato tributário de liquidação ou se peticiona a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, que não apuram imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correções contestadas nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, como entendeu o Tribunal recorrido, ou se, como entende o Recorrente, deve fazer-se apelo ao disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º-A do CPPT, conjugado com o disposto nos artigos 296.º e 297.º do CPC e nos artigos 31.º e 32.º do CPTA, e considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixará previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes».
Cumpre neste passo atentar que o objecto deste recurso de revista foi admitido e delimitado pelo acórdão de 21/12/2019 deste tribunal nos seguintes termos:
«Entende igualmente este STA que se justifica no caso dos autos a admissão da revista, pois que a questão decidenda que o recorrente enuncia como sendo a questão de saber se, quando é impugnado um ato tributário de liquidação de tributos, que não apura imposto a pagar na decorrência das correções à matéria tributável que são controvertidas, o valor da causa deve corresponder ao valor das correcões contestadas, nos termos da alinea b) do n.° 1 do artigo 97.°-A do CPPT, como entendeu o Tribunal recorrido, ou se, como entende o Recorrente, deve fazer-se apelo ao disposto na alínea a) do nº1 do artigo 97.°-A do CPPT conjugado com o disposto nos artigos 296º e 297º do CPC e nos artigos 31º e 32º do CPTA e considerar-se como “importância cuja anulação se pretende” o montante do imposto que se deixara previsivelmente de pagar nos exercícios seguintes, se reveste de relevância jurídica e social fundamental atendendo sobretudo aos seus possíveis efeitos no que concerne a limitação, em razão do valor, da competência material dos tribunais arbitrais em matéria tributária.»
Daí, pois, como bem denota o EPGA no seu douto Parecer e também por referência às conclusões recursórias, que a questão decidenda se atenha aos termos de fixação do valor da ação, para efeitos de aferir da competência do CAAD, em razão dos termos de vinculação definidos na Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março, que restringe essa competência aos litígios de valor não superior a dez milhões de euros.
A decisão arbitral do CAAD judiciou que na fixação do valor da ação devia considerar-se o disposto na alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, adoptando o seguinte discurso fundamentador:
«No caso sub judice, a importância cuja anulação se pretende é a liquidação que resulta das correções efetuadas pela Requerida, na decorrência do procedimento inspetivo efetuado ao exercício de 2014 do Requerente, que só não se traduziu em imposto a pagar, pelo facto de naquele exercício ter existido prejuízo fiscal. É essa a importância cuja anulação se pretende anular, porque as referidas correções irão necessariamente ter reflexos no futuro tributário do Requerente, aumentando-lhe o imposto a pagar nos exercícios em que o mesmo venha a apresentar lucro tributável. Ora, sendo esta a fórmula de cálculo do valor do litígio, a mesma é abrangida pelo estatuído na alínea a) do art.º 97º-A do CPPT».
Adversamente, no acórdão recorrido, o TCA advoga o ponto de vista de que para a fixação do valor da ação deve atender-se ao disposto na alínea b) do artigo 97º-A do CPPT, pelas razões aqui relevantes e que foram condensadas nos seguintes pontos do respectivo sumário:
«8. Quando é unicamente impugnado o valor das correcções à matéria colectável, a utilidade económica do pedido, e por consequência, o valor da causa, não equivale ao montante de imposto que o impugnado poderá hipoteticamente deixar de pagar com a procedência da impugnação, porque tal montante apenas representa uma utilidade económica futura e hipotética, dado que a posterior utilização, para efeitos fiscais, dos montantes corrigidos está dependente da produção de factos e circunstâncias contingentes, imprevisíveis e incertas por natureza.
9. A utilidade económica imediata, neste caso, corresponde ao valor das correcções impugnadas, o qual passa a integrar imediatamente a esfera de direitos do contribuinte se este obtiver ganho de causa, sendo este o valor da causa.
10. Nesta situação o valor da causa não corresponde ao montante que o requerente deixará de pagar no futuro a título de IRC, por aplicação de uma taxa de 23%.
11. A alínea b) do n.º 1 do artigo 97.º-A, do CPPT, não viola os artigos 20.°, 18.° e 13.° da CRP.
12. Incorre no vício de pronúncia indevida o acórdão do CAAD que, arrogando-se competência em razão da matéria, entende ser competente para conhecer do pedido de pronúncia arbitral em que é contestado um valor superior a dez milhões de euros de prejuízo fiscal, que ultrapassa o limite previsto no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.”
Aquilatando.
Por força do disposto no nº1 do artigo 296º do CPC (com o qual está em consonância o nº1 do artigo 31º do CPTA) “a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido”.
A fixação do valor de uma acção visa assegurar finalidades de ordem pública, e que, por conseguinte, tal questão é do conhecimento oficioso do tribunal, que deve sindicar a correcção de um eventual acordo, expresso ou tácito, das partes, e o legislador de 2008, cremos, fez uma clara distinção entre o poder das partes e o poder do juiz: aquelas têm o poder, e o dever, de indicar o valor da causa; este tem o poder-dever de o fixar, nunca ficando dispensado de examinar se a indicação feita pelas partes, por acordo expresso ou tácito, está conforme à realidade, segundo os critérios legais.
Daí que, de acordo com a actual versão do artigo 306º, nº1 do CPC, o juiz passa a ter sempre de fixar o valor da causa, sindicando o valor indicado pelas partes.
Na especialidade, pontifica o artigo 97º-A do CPPT, acrescentado pelo Dec.-Lei nº 34/2008, de 26 de Fevereiro, e que estabeleceu dois critérios para efeitos de fixação do valor à ação em processo tributário, a saber:
(i) o recurso a elementos objectivos, especificados nas diversas alíneas do seu nº1, em que sobressaem o “montante da prestação pecuniária” que se pretende anular, se se tratar da impugnação de uma liquidação [al. a)- ], e o “valor contestado”, quando se trate de uma impugnação de ato de fixação da matéria colectável.
e
(ii) o recurso a elementos de natureza mista, com base na consideração de diversos factores por parte do juiz, normativo que veio a ser revogado pela Lei nº 118/2019, de 17 de Setembro.
Prismando a situação sub judice à luz dos critérios acabados de elencar, coloca-se a questão de saber quais as situações em que terá de atender-se à estatuição da citada alínea b), sabido que, em regra, a anulação de uma prestação pecuniária referente a tributo tem subjacente uma ilegalidade na determinação da matéria colectável.
Ora, concatenando as disposições do artigo 97º-A e do artigo 97º, ambos do CPPT, atinente aos meios processuais tributários, verifica-se que o legislador autonomizou como meio processual na alínea b) do nº1 deste último preceito a “impugnação da fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo”.
Na senda de Jorge Lopes de Sousa, in CPPT Anotado, vol II, em anotação ao artigo 97º-A, secundado pelo EPGA, entendemos que só quando da fixação da matéria tributável não resulte o apuramento de imposto a pagar é que se será de adoptar o critério do “valor contestado” para determinar o valor da ação, e, nos demais casos, o valor a atender condirá com o valor da prestação pecuniária que se pretende ver anulada, o que vale por dizer, que apenas nos casos em que está em causa o acto de fixação da matéria tributável [al. b)] ou o ato de fixação dos valores patrimoniais [al. c)] é que o critério a atender é o “valor contestado”.
Por assim ser, quanto às situações abrangidas pela alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, é pacífico que as mesmas se atêm à expressão monetária da “utilidade económica imediata do pedido”.
O mesmo já não sucede quanto às situações abarcadas pelas alíneas b) e c) em que o benefício obtido se relaciona, em ambas, com o valor do imposto que for apurado em posteriores colectas pelo que nesses casos deve prevalecer o critério geral consagrado no já referido nº1 do artigo 296º do CPC, segundo o qual é de atender à “utilidade económica imediata do pedido” que equivalerá ao “valor contestado” que se pretende ver anulado ou alterado, sendo certo, como enfatiza o EPGA, que uma vez que o legislador podia ter definido outro critério de concretização do valor pecuniário do benefício nestes casos e não o fez, não há fundamento, para adoptar ajustamentos na concretização desse valor, com base nos princípios da adequação e proporcionalidade.
Por esse diapasão, propendemos para considerar que o acórdão recorrido foi assertivo ao perfilhar o entendimento de que, conquanto na ação proposta no CAAD em 12/06/2017 tenha sido formulado o pedido de anulação do ato tributário, “com o consequente reembolso do imposto pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios”, da demonstração da liquidação notificada ao sujeito passivo não resultava qualquer liquidação de IRC, por falta de lucro tributável, por terem sido reconhecidos prejuízos fiscais e, por isso, ainda que o objecto da impugnação seja o ato de liquidação em termos genéricos (cujo valor de € 13.333,84 euros exigido ao sujeito passivo se prende com tributações autónomas, que não foram objecto de impugnação), a impugnação incide propriamente sobre o ato de fixação da matéria tributável, cujo resultado terá repercussão no montante dos prejuízos fiscais apurados (com reflexos no eventual reporte nos exercícios seguintes).Todavia, não se segue que o cômputo dos eventuais benefícios do reporte de prejuízos nos exercícios seguintes deva ser considerado para efeitos de fixação do valor à causa na medida em que se trata de um facto futuro e incerto.
In casu, porque da fixação da matéria tributável não resultou o apuramento de imposto a pagar, como resulta claramente da previsão da alínea b) do nº1 do artigo 97º-A, o critério relevante só pode ser o do “valor contestado”.
É que, como é incontroverso, o critério contemplado na alínea a) do nº1 do artigo 97º-A do CPPT, pressupõe que da fixação da matéria tributável resulte imposto a pagar, de jeito a poder determinar-se a importância que se pretende ver anulada, o que não é cotejável com a situação dos autos.
É que, o que se questionavam no processo arbitral eram as correcções feitas à matéria colectável que não se reflectiram em qualquer imposto a pagar, pois apenas relevaram no plano dos prejuízos fiscais, diminuindo o valor dos mesmos a reportar.
Por assim ser, tal como se considera no aresto recorrido e sustenta também a recorrida e o EPGA, a utilidade económica do pedido a não é aferível pelo valor que a recorrente encontrou mediante a aplicação de uma taxa ao montante das correcções impugnadas o qual sempre seria meramente hipotético porquanto não corresponde efectivamente a uma qualquer liquidação que lhe venha a ser efectuada no futuro, uma vez que as correcções que lhe foram efectuadas apenas tiveram reflexo na diminuição dos prejuízos fiscais declarados e eventualmente a reportar que podem, ou não, ser utilizados nos próximos anos/exercícios.
De resto, é por demais evidente que os prejuízos apurados até poderão nunca vir a ser relevantes para a prática de qualquer acto de liquidação, ficando a sua eventual relevância dependente de em algum ou alguns dos períodos de tributação em que for legalmente admissível fazer o reporte dos prejuízos vir a ser apurado lucro tributável sem recurso a métodos indirectos e não existirem prejuízos referentes a outros períodos de tributação anteriores que excedam esse lucro tributável (cfr. artigo 52.º, n.ºs 1, 2 e 3, do CIRC).
Não subsistem, pois, quaisquer dúvidas de que na situação em que o contribuinte vem impugnar as correcções que lhe foram efectivadas e que não deram origem a qualquer liquidação de imposto deve ser aplicada a al. b) do nº 1 do art. 97º-A do CPPT, dado que é o valor das correcções impugnadas que vem contestado.
Significa o antedito que estava vedado ao Tribunal Arbitral fixar um valor da causa que é simplesmente imaginário por corresponder ao valor de uma hipotética liquidação encontrada pela aplicação da taxa de IRC ao valor das correcções.
Isso traz implicado que o RJAT não congloba um critério de determinação do valor dos litígios visando os casos de pedidos de declaração de ilegalidade de actos de fixação da matéria tributável, por não ser possível confinar a utilidade económica desses pedidos, sendo forçoso concluir que a menção ao valor dos litígios que é feita no artigo 3.º, n.º 1, da Portaria n.º 112-A/2011 visou conformar o valor dos litígios segundo as regras constantes do CPPT, mormente a ínsita na al. b) do art. 97º-A do CPPT da qual resulta que a atribuição ao valor da causa corresponde ao das correcções impugnadas.
Doutra banda e tal como regurgita do acórdão recorrido e é enfatizado pelo EPGA e pela recorrida, visto que a vinculação da AT à tutela arbitral pressupõe uma limitação das situações em que esta pode plenamente decidir se deve ou não interpor recurso de uma decisão judicial desfavorável, ou seja, do poder de optar entre abdicar definitivamente da cobrança do crédito tributário ou adoptar o comportamento potencialmente adequado a procurar efectivá-la, o Tribunal Arbitral não pode aplicar um critério como o de uma liquidação fictícia ou da utilidade económica do pedido em detrimento dum critério fixado por lei que, no caso, a ser aplicado implica a exclusão da AT à jurisdição do Tribunal Arbitral. Dito de outro modo: é constitucionalmente vedada, por força dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT, uma interpretação que amplie a vinculação da AT à tutela arbitral fixada legalmente.
Na verdade e como a recorrida destaca nas suas contra-alegações em defesa do julgado sob censura, tal interpretação iria implicar a expansão das situações em que a AT imperiosamente se submete a tal regime, renunciando nessa mesma medida ao recurso jurisdicional pleno [cf. artigo 124.º, n.º 4, alínea h) da Lei n.º 3-B/2010 e artigos 25.º e 27.º do RJAT, que impõe uma restrição dos recursos da decisão arbitral], implicando a hermenêutica da norma defendida pela recorrente, porque da mesma resulta uma incerteza e insegurança quanto ao valor do litígio por, afinal, ser encontrado com base dm critérios que não se reflectem num montante concreto que seja o correspondente ao valor das correcções contestadas, a inconstitucionalidade da mesma, por violação dos princípios constitucionais do Estado de direito e da separação dos poderes (cf. artigos 2.º e 111.º, ambos da CRP), bem como do direito de acesso à justiça (artigo 20.º da CRP) e da legalidade [cf. artigos 3.º, n.º 2, 202.º e 203.º da CRP e ainda o artigo e 266.º, n.º 2, da CRP], no seu corolário do princípio da indisponibilidade dos créditos tributários ínsito no artigo 30.º, n.º 2 da LGT.
Por assim ser, o Acórdão ora recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei ao caso em concreto até porque e como também denota o EPGA, no acórdão do TCA Norte de 14/06/2012, proferido no processo nº 02032/11.4BEBRG, e citado pelos Recorrentes em abono da sua tese, estava em causa a impugnação (recurso) de decisão de avaliação da matéria tributável por método indirecto, ao abrigo do disposto no artigo 89º-A da LGT, tendo-se considerado que o valor da ação devia ser fixado em função do valor do imposto que resultaria da matéria tributável apurada. Embora nos suscite algumas reservas a forma como foi apreciada a questão, certo é que o tribunal deu como certo o valor do imposto já apurado pela AT (ainda que a fase da liquidação tenha sido anulada pela AT) e que a pretensão dos contribuintes era a sua anulação.
Igualmente se acolhe o ponto de vista sufragado pelo acórdão recorrido e também patrocinado pelo Ministério Público, no sentido de que a bondade da tese do Recorrente apenas releva em sede de discussão do direito a constituir e não do direito constituído pois, a aprovar-se o entendimento do Recorrente, a alínea b) do artigo 97º-A do CPPT simplesmente ficaria esvaziada na sua aplicação, uma vez que não se vislumbra que outras situações poderia o legislador ter em mente que não sejam as similares à dos autos, ou seja, aqueles casos em que do acto de liquidação não resulta imposto a pagar.
Donde que da letra do preceito em análise não resulta qualquer suporte para a tese do recorrente, e, chamando à colação os princípios gerais de interpretação jurídica ínsitos no artigo 9.° a 13° do CC, que nos dispensamos de transcrever, somos impelidos a concordar com a interpretação que o tribunal recorrido faz da norma, por quer da letra, quer do seu espírito, se dever retirar tal conclusão.
Tendo presente que não pode ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (art.° 9.°, n°2 do CC), e, portanto, presumindo que o legislador consagrou a solução mais adequada (art.º 9.º, n.º 2, do Código Civil), parece que não poderá ser outra a interpretação a extrair do preceito em causa, senão a que foi vazada no acórdão sob censura.
Destarte, estabelecendo o artigo 97º-A do CPPT uma norma específica que indica o critério de determinação do valor da ação nos casos em que é contestado o ato de fixação da matéria colectável, não pode o julgador recorrer-se de outros critérios previstos noutros normativos em que está em causa a impugnação de outros atos, sob pena de violação flagrante das normas e princípios relativos à interpretação das normas consagrados no artigo 9º do Código Civil.
Assim, assume plena validade a conclusão extraída no acórdão recorrido de que o valor da causa determina a incompetência relativa do tribunal, por força do disposto no artigo 102.° do CPC, havendo que atentar, porque se trata dos tribunais arbitrais em matéria tributária na norma atribuidora da sua competência em razão do valor ínsita no artigo 4.° do RJAT, que institui que "a vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, que estabelece, designadamente, o tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos".
Foi o artigo 3.°, n.°1, da Portaria n.°112-A/2011, de 22 de Março, que veio limitar a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD a litígios que não ultrapassem o valor de €10.000.000,00, cominando assim a incompetência relativa de tais tribunais para as causas de valor superior.
Assim sendo, ao basear-se no valor indicado pelo requerente e ora impugnado, inferior ao valor contestado da fixação da matéria tributável, de €10.026.847,19, o tribunal arbitral exacerbou a sua própria competência em razão do valor, emitindo pronúncia indevida, nos termos conjugados do artigo 28.°, n.°1, al. c), do RJAT e do artigo 3.°, n.°1, da Portaria n.°112-A/2011 de 22 de Março, sobre questão reservada à esfera de competência dos tribunais tributários.
Do que ficou dito é imperioso concluir que o acórdão recorrido não enferma do vício que lhe foi assacado pelos Recorrentes devendo ser confirmado na ordem jurídica, improcedendo in totum as conclusões recursivas.


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O valor da presente acção excede o montante de 275.000 Euros.
E, atenta a decisão, não temos por verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP.
Não obstante, porque se nos afigura que o montante da taxa de justiça devida é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe, decide-se dispensar em 50% o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, acorda-se nesta secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao presente recurso e confirmar o acórdão recorrido.

Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento de 50% do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Gustavo André Simões Lopes Courinha.