Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:043/16
Data do Acordão:01/27/2016
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:QUESTÃO NOVA
FUNDAMENTAÇÃO A POSTERIORI
CONTENCIOSO DE ANULAÇÃO
Sumário:I - Não são questões novas – que, a menos que sejam do conhecimento oficioso, são insusceptíveis de serem conhecidas em sede de recurso jurisdicional – as que, embora não tenham sido objecto da sentença, foram suscitadas oportunamente no processo.
II - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).
III - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de reclamação previsto no art. 276.º do CPPT (com natureza meramente impugnatória), o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência de meio impugnatório.
Nº Convencional:JSTA00069528
Nº do Documento:SA220160127043
Data de Entrada:01/11/2016
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TTRIB LISBOA
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - EXEC FISCAL.
Legislação Nacional:CPPT ART276 ART237.
CPC ART272 ART5.
CCIV66 ART601 ART610 ART611 ART612 ART616.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC0466/14 DE 2014/10/01.; AC STA PROC01508/12 DE 2014/11/05.; AC STA PROC0328/14 DE 2015/05/27.; AC STA PROC0862/12 DE 2012/09/19.; AC STA PROC01109/12 DE 2012/11/07.; AC STA PROC0258/11 DE 2011/04/06.; AC STA PROC0523/11 DE 2011/06/08.
Referência a Doutrina:JORGE LOPES DE SOUSA - CÓDIGO PROCEDIMENTO E PROCESSO TRIBUTÁRIO ANOTADO E COMENTADO VOLII 6ED PAG363-364 PAG375.
VAZ SERRA - RESPONSABILIDADE PATRIMONIAL BMJ 75 PAG287.
PIRES DE LIMA E ANTUNES VARELA - CÓDIGO CIVIL ANOTADO 3ED VOLI PAG602.
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de reclamação de actos do órgão de execução fiscal com o n.º 2008/15.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A Fazenda Pública (doravante Recorrente) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que, julgando procedente a reclamação deduzida por A…………….. (a seguir Reclamante ou Recorrida) ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), anulou a decisão do órgão da execução fiscal que indeferiu o pedido de restituição do montante das rendas penhoradas, pedido este que foi formulado conjuntamente com o pedido de cancelamento e levantamento da penhora de rendas, que foi deferido em momento anterior.

1.2 Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a reclamação deduzida por A…………….., e que, em consequência, determinou a devolução à Recorrente dos montantes arrecadados pelo serviço de Finanças através da penhora de rendas efectuadas ao executado B……………., valores esses resultantes do arrendamento da fracção autónoma correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ……………, n.º ….. e ….., freguesia da ……., Concelho da Amadora.

B. De acordo com o teor da sentença de que ora se recorre “A questão a decidir nos autos consiste em saber se tendo o órgão de execução fiscal (Serviço de Finanças de Lisboa 3) determinado o cancelamento e levantamento da penhora de rendas efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085200201512820 e apensos, se impõe a restituição à reclamante (enquanto proprietária do imóvel a que essas rendas dizem respeito) do valor das rendas entretanto depositadas à ordem daquele processo em cumprimento daquela penhora”.

C. Analisando as questões suscitadas nos autos, considerou o Tribunal a quo que “face a todo o exposto, impondo-se a restituição à reclamante dos montantes de rendas penhoradas como consequência legal e directa do reconhecimento pelo órgão de execução fiscal da ilegalidade da penhora em causa conclui-se, sem necessidade de mais considerações, pela procedência da presente reclamação”.

D. Resulta do teor da deliberação que o decisor considerou que a Reclamante, em 29.03.2007 e por doação dos seus pais, havia adquirido a propriedade do imóvel arrendado, e uma vez que não era executada nos autos, a retenção dos montantes penhorados se afigurava ilegal razão pela qual a aqui autora tem direito à restituição dos montantes arrecadados.

E. Ora verifica-se que apesar de assim se decidir, o Tribunal a quo deu como provado que “G) Pelo averbamento da inscrição AP. 150 de 30.04.2010, foi registada na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Amadora uma acção de impugnação pauliana deduzida pela sociedade C……………, SA, contra si executado identificado em B), sua esposa e a ora reclamante, com o seguinte pedido:
“1- Serem os Réus condenados a ver judicialmente declarada a procedência pauliana deduzida pela autora e, assim, a ineficiência da escritura de doação exarada em 29.03.2007 (…) relativa a esta Fracção Autónoma e, em consequência reconhecerem que à Autora assiste o direito de executar o referido bem imóvel no património de A……………., quer se entenda que é nulo e simulado.
2- Ou, ser a referida escritura de doação declarada absolutamente nula, por simulação absoluta, devendo, em consequência, ser considerados igualmente nulos os respectivos registos com o inerente cancelamento das inscrições a ele atinentes que tenham sido ou venham a ser realizadas». Sublinhado nosso

F. Ou seja, encontra-se a decorrer acção intentada contra a aqui reclamante, o executado nos autos PEF e sua mulher, de que pode resultar a anulação dos efeitos da doação que alegadamente legitima a propriedade do imóvel sendo que este direito é base fundamental da decisão tomada e de que aqui se recorre.

G. Salvo o devido respeito, é a nossa convicção que a existência de impugnação pauliana em que se questiona a legalidade da doação e que se pede a nulidade absoluta de tal negócio, é causa prejudicial da presente acção pelo que deveria, nos termos do art. 272.º do CPC, ter levado a suspensão da presente instância.

H. Assim o entendemos porquanto consideramos que se deve entender como causa prejudicial aquela onde se discute, e pretende apurar, um facto ou situação que é elemento ou pressuposto da pretensão formulada na causa pendente, de tal forma que a resolução da questão que está a ser apreciada e discutida na causa prejudicial irá interferir e influenciar a causa dependente, destruindo ou modificando os fundamentos em que se baseia.

I. Ou seja, a impugnação pauliana apresentada por outro credor do doador, encontrando-se ainda a aguardar decisão, e não tendo recaído sobre o pedido formulado pelo seu autor qualquer decisão que conduza a consideração de nulidade do negócio de onde emerge o direito de propriedade alegado pela reclamante.

J. Assim verifica-se, de acordo até com o que foi dado como provado pelo tribunal a quo, que em data anterior à apresentação da reclamação que aqui se analisa, havia sido apresentada acção que pode prejudicar o presente julgamento, porquanto a sua decisão poderá resultar na modificação da situação jurídica que esteve na origem da decisão do presente peleio [sic].

K. Ora assim sendo, impunha-se ao tribunal a quo, nos termos previstos no art. 272.º do CPC, a declaração de suspensão da instância.

L. Não o tendo feito incorreu, em nossa opinião, e salvo o devido respeito por qualquer outra, em erro de aplicação de lei, porquanto tendo reconhecido a existência de acção cuja decisão pode influenciar decisivamente os factos e direitos aqui em causa, não determinou, como a nosso ver se impunha, a suspensão da presente instância.

M. Razão pela qual aqui se pugna por acórdão que reconheça tal erro e em consequência declare a suspensão da acção de reclamação dos actos do órgão de execução fiscal até que seja decidida, e transitada em julgado, a acção pauliana, que de acordo com o que a Reclamante informou aos autos, corre os seus termos no Tribunal de Comarca da Grande Lisboa – Noroeste, Sintra – Grande Instância Cível – 1.ª Secção – Juiz 2, com o número de processo 10384/10.72SNT.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a suspensão da instância».

1.3 O recurso foi admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.

1.4 A Reclamante contra alegou, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:

«1.ª Porque aquando do pedido de anulação do despacho de penhora que incidiu sobre as rendas pagas relativamente à fracção autónoma designada pela letra “E”, correspondente ao primeiro andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua …………., n.º ….. e ……, da freguesia da ……, concelho da Amadora e descrito na CRP da Amadora sob o n.º 2354-E e inscrito na matriz predial urbana da referida freguesia sob o artigo 215 e respectiva restituição das rendas entretanto recebidas pela Administração Fiscal.

2.ª Porque a resposta do Chefe do Serviço de Finanças a este pedido foi parcialmente favorável;

3.ª Porque nessa decisão foi reconhecida a ilegalidade da penhora, e determinada a anulação da mesma e o seu cancelamento;

4.ª Teremos de concluir que a penhora das rendas em causa deixou de existir a partir desta decisão de anulação e cancelamento.

5.ª Porque o despacho de 15 de Janeiro de 2013 do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3 apenas se pronunciou sobre a questão da restituição das rendas, não a da penhora já anteriormente decidida;

6.ª Teremos de concluir que o acto sindicado nos autos não era a penhora de rendas como pretende fazer crer a Fazenda Pública, que o próprio órgão de execução fiscal tinha já reconhecido como indevida face à titularidade pela Reclamante do imóvel a que as rendas respeitam, razão pela qual procedeu ao seu cancelamento, mas sim a decisão de não proceder à restituição das rendas penhoradas no seguimento da referida decisão de esclarecimento da penhora.

7.ª Porque o que está em causa nos presentes autos é a questão da restituição das rendas face ao cancelamento da penhora;

8.ª Teremos de concluir que é pura extrapolação feita pela Fazenda Pública à volta da existência de uma impugnação pauliana relativamente à doação do imóvel a favor da ora Recorrida;

9.ª Tal como teremos de concluir que a mesma perde sentido, porque a mesma só seria válida se se mantivesse vigente a penhora das rendas.

10.ª Porque assim decidiu a douta sentença ora recorrida;

11.ª Teremos de concluir que andou muito bem a mesma ao ter considerado que a partir do momento em que o órgão de execução fiscal determinou o cancelamento da penhora, a questão que passa a estar em cima da mesa para decidir consiste em saber se, tendo o órgão de execução fiscal (Serviço de Finanças de Lisboa 3) determinado o cancelamento e levantamento da penhora de rendas efectuada no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3085200201512820 e apensos, se impunha a restituição à então Reclamante (enquanto proprietária do imóvel a que essas rendas dizem respeito) do valor das rendas entretanto depositadas à ordem daquele processo, em cumprimento daquela penhora, já não se pode voltar a apreciar a questão da validade do meio utilizado para questionar a penhora porque, relativamente a essa questão, a mesma estava já sanada pela decisão favorável daquele órgão.

Termos em que, sempre com o douto suprimento de Vs. Ex. deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se válida a douta sentença recorrida com as inerentes consequências legais».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer reiterando o que foi emitido pelo Representante do Ministério Público junto do Tribunal Tributário de Lisboa, o qual é do seguinte teor:
«[…].
Em 29/3/2007, a reclamante adquiriu a propriedade do bem imóvel, melhor identificado a fls. 15.
Em 19/5/2007 (fls. 13), foram penhoradas as rendas relativas ao arrendamento daquele bem imóvel.
Em cumprimento de tal penhora, foram entregues à AT as quantias relativas às rendas penhoradas, cuja restituição constitui o objecto dos presentes autos.
Por despacho de 17/10/2013, fls. 205, do processo apenso, foi determinado “o cancelamento e levantamento da penhora de rendas”.
Por força da eliminação da ordem jurídica do acto que determinou a penhora e entrega à AT das quantias relativas às rendas penhoradas, tal deslocação patrimonial (da esfera patrimonial do arrendatário para a esfera patrimonial da AT), ficou sem título válido, surgindo, assim, o enriquecimento sem causa justificativa a que alude o art. 473.º, do Código Civil.
O enriquecimento sem causa é fonte autónoma de obrigações.
Como fundamento do acto reclamado, vem invocado que a ora reclamante não lançou mão dos pertinentes embargos.
Sem quebra do muito devido respeito por posição contrária, afigura-se-nos que não assiste razão à AT.
A finalidade própria dos embargos foi alcançada por via do cancelamento e levantamento da penhora de rendas.
Por via de tal facto, neste momento, a AT tem em seu poder quantias monetárias sem título válido.
Por outro lado, a impugnação pauliana intentada por “C…………., SA”, ainda não decidida (fls. 91), não eliminou da ordem jurídica a aquisição do direito de propriedade, a favor da reclamante, do bem imóvel melhor identificado a fls. 15.
Nestes termos, emite-se parecer no sentido de a reclamação dever ser julgada procedente».

1.6 Dispensaram-se os vistos dos Juízes adjuntos, atento o carácter urgente do processo.

1.7 A questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento quando anulou a decisão do órgão da execução fiscal que recusou a restituição das rendas penhoradas.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:

«A) Em 09.11.2002, foi instaurado pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3, contra a D…………., Lda., o processo de execução fiscal n.º 3085200201512820, por dívida de IVA do ano de 2000, no valor de € 2.992,80, a que foram posteriormente apensados os processos de execução fiscal n.ºs 3085200001051210, 3085200101047841, 3085200401037749, 3085200501002880, 3085200501093207, 3085200601006282, 3085200601029827 e 3085200601044044, instaurados contra a mesma sociedade (cfr. informação de fls. 29 a 39 dos autos e teor da certidão do processo de execução apensa);

B) Por despacho datado de 21.09.2006, proferido pelo Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de Lisboa 3, foi determinada a reversão do processo de execução fiscal identificado em A) supra contra B…………….., contribuinte fiscal n.º …………. (cfr. documento de fls. 18 da certidão do processo de execução apensa);

C) Em 29.03.2007, foi assinado pelo executado identificado em B) e pela sua esposa, no Cartório Notarial de Lisboa, a escritura pública de “doação pura”, nos termos da qual os outorgantes declararam doar à sua filha, A…………….., ora Reclamante, por conta da quota disponível, a fracção autónoma designada pela letra E, correspondente ao 1.º andar esquerdo do prédio urbano sito na Rua ………….., n.ºs ….. e ………., da freguesia da …………, concelho da Amadora, inscrito na respectiva matriz predial sob o artigo 215 (cfr. documento de fls. 14 a 16 dos autos e fls. 168 a 170 da certidão do processo de execução apensa, que aqui se dá por integralmente reproduzido);

D) Pelo averbamento da inscrição Ap. 14, de 04.04.2007, foi registada na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Amadora a aquisição mencionada na alínea C) supra (cfr. certidão de registo predial junta a fls. 202-203 da certidão do processo de execução apensa);

E) Em 19.05.2007, foi efectuada a penhora de rendas relativas à fracção autónoma identificada em C) que antecede (cfr. documento e informação de fls. 17, 29 a 39 dos autos e documentos de fls. 46 a 48 da certidão do processo de execução apensa);

F) Em cumprimento da penhora mencionada em E), foram depositadas à ordem do processo de execução identificado em A) supra, desde 05.06.2007 até 28.06.2013, rendas no valor de € 25.593,42 (acordo - facto alegado no artigo 23.º da petição inicial e no ponto 9) do artigo 2.º da resposta);

G) Pelo averbamento da inscrição Ap. 150, de 30.04.20 10, foi registada na 1.ª Conservatória de Registo Predial da Amadora uma acção de impugnação pauliana deduzida pela sociedade C……………, S.A., contar o executado identificado em E), sua esposa e a ora Reclamante, com o seguinte pedido:
«1- Serem os Réus condenados a ver judicialmente declarada a procedência pauliana deduzida pela Autora e, assim, a ineficácia da escritura de doação exarada em 29.03.2007 (...), relativa a esta Fracção Autónoma e, em consequência, reconhecerem que à Autora assiste o direito de executar o referido bem imóvel no património da Ré A…………….., quer se entenda que o negócio é juridicamente válido (mas foi realizado para prejudicar os credores), quer se entenda que é nulo porque simulado.
2- Ou, ser a referida escritura de doação declarada absolutamente nula, por simulação absoluta, devendo, em consequência, ser considerados igualmente nulos os respectivos registos com o inerente cancelamento das inscrições a ele atinentes que tenham sido ou venham a ser realizadas» (cfr. certidão de registo predial junta a fls. 202-203 da certidão do processo de execução);

H) Em 12.10.2011, a ora Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa 3 um requerimento no qual solicita a anulação da penhora mencionada em E) supra e a restituição à Reclamante da quantia das rendas arrecadas em cumprimento da citada penhora, alegando ser esta ilegal, por ser a Reclamante a proprietária do imóvel a que se reportam as rendas penhoradas (acordo - facto alegado no artigo 9.º da petição inicial e no ponto 11) do artigo 2.º da resposta; cfr. documento de fls. 18 a 20 dos autos);

I) Sobre o requerimento mencionado em H), foi proferida em 17.10.2013, no âmbito do processo de execução identificado em A), a seguinte informação:

«No âmbito dos pedidos (12935/OUT2011; 2150501/JAN2012; 30852012e014855) de anulação de penhora de rendas e da restituição dos montantes entregues no cofre do Estado, constata-se o seguinte:

1- Por reversão foi B…………… citado pessoalmente em 2006-11-15, com responsável subsidiário e solicitado pedido de penhora de renda em 2007-03-08.

2- Foi concretizada a penhora de rendas via SIPA n.º 308520070000004221 pela notificação entregue à arrendatária (E…………….., NIF ……….), em 2007/05/19, respeitante ao prédio urbano art. 215 da freguesia da ………, Amadora.

3- Em cumprimento da penhora foram depositadas as rendas, desde 2007-06-05 até 28-06-2013, perfazendo um montante de € 25.593,42, a seguir indicados:

MÊS/ANO
2007
2008
2009
2010
2011
2012
2013
JANEIRO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
FEVEREIRO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
MARÇO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
X
ABRIL
330,11
330,11
330,11
330,11
X
374,4
MAIO
330,11
330,11
330,11
330,11
660,22
374,4
JUNHO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
JULHO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
AGOSTO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
SETEMBRO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
OUTUBRO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
NOVEMBRO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
X
DEZEMBRO
330,11
330,11
330,11
330,11
330,11
374,4
2310,77
3961,32
3961,32
3961,32
3961,32
3700,37
1737
VALOR TOTAL
DEPOSITADO
23593,42
4- Aos 12-10-2011, A…………, nif ………, filha do executado, junta aos autos cópia da escritura de Doação Pura, lavrada no Cartório Notarial de Lisboa datada de 29/03/2007 e registada na Conservatória do Registo Predial pela apresentação 14 de 2007/4/04 à descrição 2354/20000901-E»

(cfr. documento de fls. 23 dos autos e fls. 204 da certidão do processo de execução apensa);

J) No seguimento da informação mencionada na alínea anterior, em 17.10.2013, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, em regime de substituição, o seguinte despacho:
«Compulsados os elementos constantes nos autos, e a informação que antecede, verifica-se que o responsável subsidiário B…………., procedeu à doação referida no ponto 4 da informação supra, em data posterior à citação pessoal como revertido (2006-11-15) e após ter sido registado o pedido de penhora de rendas n.º 308520070000004221 (2007-03-28), contudo em data anterior à notificação do arrendatário (2007-05-19), tendo este reconhecido a obrigação de fiel depositário e entregue os valores correspondentes à renda mensal desde 2007-06-05 até 28-06-2013, no montante total de € 25.593,42.
De acordo com o exposto e dado que compete a este Órgão, determino o cancelamento e levantamento da penhora de rendas supra mencionada
Quanto à restituição dos valores depositados, mantém-se a situação em análise, aguardando-se instruções superiores»
(cfr. documento de fls. 22 dos autos e fls. 205 da certidão do processo de execução apensa);

K) Posteriormente, em 15.01.2014, foi proferido pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, em regime de substituição, o seguinte despacho:

«Na sequência do despacho exarado nos autos a fls. 205, nomeadamente ao seu 3.º parágrafo e após instrução transmitida por mail da DGDE que a seguir se transcreve:
“A restituição dos valores penhorados só será possível após decisão judicial, visto que em devido tempo teve conhecimento da penhora, o inquilino manteve a entrega das rendas e aparentemente não terá intentado acção de embargos.”
Pelo que indefiro o pedido de restituição dos valores de rendas depositadas nos presentes autos com os seguintes fundamentos:
- A penhora das rendas 3085200700000004221 data de 2007/05/19;
- A fracção arrendada e base da penhora supra foi doada, pelo executado, a sua filha A……………., nif …………., de acordo com a escritura de Doação Pura lavrada no Cartório Notarial de Lisboa datada de 29/03/2007 e registada na Conservatória do Registo Predial pela apresentação 14 de 2007/04/04 à 2354/20000901-E.
- O prazo para dedução de embargos é de 30 dias, contados do acto ofensivo da posse, ou daquele em que o embargante teve conhecimento, nos termos do art. 237.º n.º 3 do CPPT.
- Nos termos do art. 166.º n.º 1 al. a) e do art. 237.º n.º 2, por remissão do art. 167.º, todos do CPPT, não foram deduzidos embargos de terceiro neste órgão da execução fiscal, meio próprio para a pretensão requerida.
- O primeiro requerimento junto aos autos, a requerer a anulação da penhora e restituição dos valores pagos, constante dos autos, data de 2008-01-12.
Apesar de não se encontrar no PEF apreciação e decisão sobre o mesmo, verifica-se que se encontrava decorrido o prazo para dedução de embargos, não podendo assim a requerente alegar em seu benefício a convolação nesse meio judicial, mesmo que do indeferimento fosse notificada.
- O cancelamento e levantamento da penhora de rendas supra mencionada já se encontra concretizado pela notificação ao arrendatário, ofício n.º 11045 de 2013-10-27»
(cfr. o documento de fls. 13 dos autos e fls. 233 da certidão do processo de execução apensa)».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

Numa execução fiscal instaurada contra uma sociedade e que reverteu em 2006 contra um responsável subsidiário, este, em 29 de Março de 2007, conjuntamente com a mulher, doou à filha de ambos, a ora Recorrida, uma fracção autónoma de um prédio sujeito ao regime da propriedade horizontal, doação que foi levada ao registo predial em 4 de Abril de 2007.
Em 19 de Maio de 2007, foi ordenada a penhora das rendas respeitantes a contrato de arrendamento dessa fracção autónoma e as rendas penhoradas foram sendo depositadas ao longo de 6 anos, entre Junho de 2007 e Junho de 2013.
Em 12 de Outubro de 2011, a filha do executado por reversão, ora Recorrida, mediante requerimento dirigido ao órgão da execução fiscal e no qual invocou (na parte que ora nos importa considerar) ser, desde 29 Março de 2007, a proprietária do imóvel a que respeitam as rendas penhoradas, pediu a anulação da penhora e a restituição das rendas penhoradas.
O requerimento foi apreciado pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 3, que deferiu o primeiro pedido, por despacho de 17 de Outubro de 2013, no qual expressamente determinou «o cancelamento e levantamento da penhora de rendas»; o segundo pedido, de restituição das rendas penhoradas, foi indeferido por despacho de 15 de Janeiro de 2014, com o fundamento de que não foram deduzidos embargos de terceiro, que «seria o meio próprio para a pretensão requerida», não podendo sequer a Requerente beneficiar da convolação, uma vez que «se encontrava decorrido o prazo para dedução de embargos», que «é de 30 dias, contados do acto ofensivo da posse, ou daquele em que o embargante teve conhecimento, nos termos do art. 237.º n.º 3 do CPPT».
Inconformada com a decisão deste pedido, a Requerente dela reclamou, ao abrigo do disposto nos arts. 276.º e segs., do CPPT, para o Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, alegando que, na sequência da anulação do despacho que ordenou a penhora, a AT tinha a obrigação de restituir as rendas penhoradas e que se encontram depositadas.
Julgando procedente a reclamação, o Juiz anulou a decisão reclamada.
A Fazenda Pública discordou da sentença e dela veio recorrer para este Supremo Tribunal Administrativo. Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, o único motivo por que discorda da sentença é por nesta se não ter determinado a suspensão da instância até que estivesse decidida a impugnação pauliana que um terceiro credor deduziu em ordem a obter o reconhecimento judicial do direito de executar o bem imóvel a que se referem as rendas penhoradas no património da Ré. Considera a Recorrente que a referida acção de impugnação pauliana constitui causa prejudicial relativamente à presente reclamação judicial, motivo por que nesta se deveria ter suspendido a instância até que aquela estivesse decidida, como prescreve o n.º 1 do art. 272.º do CPC («O tribunal pode ordenar a suspensão quando a decisão da causa estiver dependente do julgamento de outra já proposta ou quando ocorrer outro motivo justificado».).
Prima facie, diríamos que se trata de questão nova e, por isso, que não pode ser conhecida (Com excepção das que sejam de conhecimento oficioso, não pode em sede de recurso conhecer-se de questões novas, ou seja, de questões que não tenham sido objecto da sentença, pois os recursos jurisdicionais destinam-se a reapreciar as decisões proferidas pelos tribunais inferiores – visando anulá-las ou alterá-las com fundamento em vício de forma (nulidade) ou de fundo (erro de julgamento) – e não a decidir questões que, podendo e devendo ter sido suscitadas antes, o não foram.
Neste sentido, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 1 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 466/14, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3083 a 3086, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c0c8d6de0bfe5fc180257d6600538b57;
- de 5 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 1508/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 15 de Janeiro de 2016 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2014/32240.pdf), págs. 3709 a 3713, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a3886f1588995f5f80257d8e00337760?OpenDocument;
- de 27 de Maio de 2015, proferido no processo n.º 328/14, ainda não publicado no jornal oficial, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/581f423890da820c80257e59003ec1e1.), pois a sentença dela não conheceu. Isto não obstante ter registado entre os factos provados a pendência da referida acção de impugnação pauliana [cfr. alínea G) dos factos provados].
No entanto, poder-se-á considerar que a Fazenda Pública, embora não de modo inequívoco, suscitou a questão, oportunamente, na resposta que apresentou à reclamação. Aí contestou, suscitando a impropriedade do meio processual utilizado e a impossibilidade de convolação para o meio processual adequado, que considera ser os embargos de terceiro, por estar precludido o respectivo prazo na data em que a petição inicial foi apresentada, uma vez que a Reclamante demonstrou no processo conhecimento da penhora em 2009; suscitou ainda, subsidiariamente, a legalidade da penhora. Mas, para além disso e como decorre dos arts. 17.º a 20.º da resposta – e é esta parte que ora nos interessa considerar –, também invocou que, contrariamente ao que afirmara a Reclamante, estava pendente uma acção de impugnação pauliana, se bem que instaurada por um terceiro credor do Executado por reversão, pelo que «importará saber qual o desfecho de tal acção, uma vez que o seu resultado poderá ser causa prejudicial na presente reclamação» (cfr. fls. 56); justificou o tom dubitativo utilizado com a impossibilidade de «no prazo concedido para a resposta, carrear para os presentes autos mais elementos sobre a referida acção» (cfr. fls. 57). A final, na parte em que indicou a prova a produzir, o Representante da Fazenda Pública solicitou que o Tribunal Tributário de Lisboa «determine a notificação da reclamante, enquanto parte demandada na Impugnação Pauliana intentada por C………….., SA, […] para vir aos autos juntar cópia da decisão que recaiu sobre tal acção ou dizer em que estado a mesma se encontra» (cfr. fls. 62).
A nosso ver, tanto basta para considerar que a Fazenda Pública suscitou oportunamente a questão da eventual existência de causa prejudicial. Na verdade, pese embora se possa considerar que a questão não foi inequivocamente suscitada (Note-se que este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar que para que se considere que a parte suscitou uma questão não é suficiente uma qualquer enunciação de argumentos ou razões, exigindo-se também «que haja a formulação do pedido de decisão relativo a matéria de facto ou de direito sobre uma concreta situação de facto ou jurídica sobre que existem divergências, formulado com base em alegadas razões de facto ou de direito» (cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 10 b) ao art. 125.º, págs. 363/364). ), a nosso ver foi-o de modo suficiente para que ora não possa ter-se a mesma como questão nova.
É certo que, no recurso, a Fazenda Pública não invoca a omissão de pronúncia, antes considerando expressamente que a não decisão no sentido da suspensão da instância constitui erro de julgamento. No entanto, como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a dizer noutras ocasiões (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, ob. e vol. cit., anotação 20 ao art. 125.º, pág. 375, com indicação de jurisprudência.
Vide também, entre muitos outros, os seguintes acórdãos desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 19 de Setembro de 2012, proferido no processo n.º 862/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 17 de Outubro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32230.pdf), págs. 2665 a 2669, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/e46947495061fff580257a85005669e9;
- de 7 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 1109/12, publicado no Apêndice ao Diário da República de 8 de Novembro de 2013 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2012/32240.pdf), págs. 3406 a 3412, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/8673ffdcf026532480257abb003306da.), o tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC).
Não será, pois, o eventual erro na qualificação jurídica (qualificando a não apreciação da questão da prejudicialidade da impugnação pauliana relativamente à reclamação como erro de julgamento, quando deveria ser qualificada como nulidade da sentença) que obstará a que este Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de recurso, aprecie, sob a vertente de eventual nulidade da sentença, a única questão suscitada pela Recorrente no recurso, qual seja a da prejudicialidade (com a consequente imposição de que a instância seja suspensa até à decisão a proferir na causa prejudicial).

2.2.2 DA IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO DA QUESTÃO

Se, como vimos de dizer, não é com fundamento na novidade da questão que este Supremo Tribunal Administrativo se poderá eximir de conhecer da questão da eventual prejudicialidade da impugnação pauliana relativamente à presente reclamação – na óptica da Recorrente, impor-se-ia a suspensão da instância neste processo até que aquele estivesse decidido –, também não podemos ignorar que essa prejudicialidade nunca foi invocada pelo órgão da execução fiscal como fundamento para a não restituição das rendas penhoradas. Vejamos:
Bem ou mal, disso o recurso não tem de cuidar, o órgão da execução fiscal decidiu no sentido do «cancelamento e levantamento da penhora de rendas».
Quanto ao pedido de restituição das rendas, efectuado concomitantemente com aqueloutro, foi indeferido por despacho proferido ulteriormente, com a fundamentação que, porque tal se nos afigura relevante para a decisão a proferir, aqui reproduzimos integralmente:

«Na sequência do despacho exarado nos autos a fls. 205, nomeadamente ao seu 3.º parágrafo e após instrução transmitida por mail da DGDE que a seguir se transcreve:
“A restituição dos valores penhorados só será possível após decisão judicial, visto que em devido tempo teve conhecimento da penhora, o inquilino manteve a entrega das rendas e aparentemente não terá intentado acção de embargos.”
Pelo que indefiro o pedido de restituição dos valores de rendas depositadas nos presentes autos com os seguintes fundamentos:
- A penhora das rendas 3085200700000004221 data de 2007/05/19;
- A fracção arrendada e base da penhora supra foi doada, pelo executado, a sua filha A……………., nif …………., de acordo com a escritura de Doação Pura lavrada no Cartório Notarial de Lisboa datada de 29/03/2007 e registada na Conservatória do Registo Predial pela apresentação 14 de 2007/04/04 à 2354/20000901-E.
- O prazo para dedução de embargos é de 30 dias, contados do acto ofensivo da posse, ou daquele em que o embargante teve conhecimento, nos termos do art. 237.º n.º 3 do CPPT.
- Nos termos do art. 166.º n.º 1 al. a) e do art. 237.º n.º 2, por remissão do art. 167.º, todos do CPPT, não foram deduzidos embargos de terceiro neste órgão da execução fiscal, meio próprio para a pretensão requerida.
- O primeiro requerimento junto aos autos, a requerer a anulação da penhora e restituição dos valores pagos, constante dos autos, data de 2008-01-12.
Apesar de não se encontrar no PEF apreciação e decisão sobre o mesmo, verifica-se que se encontrava decorrido o prazo para dedução de embargos, não podendo assim a requerente alegar em seu benefício a convolação nesse meio judicial, mesmo que do indeferimento fosse notificada.
- O cancelamento e levantamento da penhora de rendas supra mencionada já se encontra concretizado pela notificação ao arrendatário, ofício n.º 11045 de 2013-10-27».

Ou seja, se bem interpretamos a decisão reclamada, o fundamento por que se foi recusada a entrega à ora Recorrida das rendas penhoradas (e em depósito à ordem do processo) foi o de não terem sido deduzidos embargos de terceiro, que «seria o meio próprio para a pretensão requerida» e de não ser possível a convolação, uma vez que «se encontrava decorrido o prazo para dedução de embargos», que «é de 30 dias, contados do acto ofensivo da posse, ou daquele em que o embargante teve conhecimento, nos termos do art. 237.º n.º 3 do CPPT».
Salvo o devido respeito, o órgão da execução fiscal, parecendo ignorar que em decisão anterior se bastou (bem ou mal, não é isso que ora está em causa) com o requerimento e que ordenou o «cancelamento e levantamento da penhora» – o que implica necessariamente um juízo de ilegalidade da penhora e de propriedade do meio processual utilizado –, vem agora, quanto ao pedido de restituição das rendas penhoradas, sustentar que este só poderia ser efectuado mediante embargos de terceiro.
Seja como for, é certo que o órgão da execução fiscal não invocou como fundamento para a retenção das rendas penhoradas, ou para o diferimento da decisão sobre o pedido de entrega das mesmas, a pendência de uma qualquer acção prejudicial, muito menos a pendência da impugnação pauliana a que alude a Recorrente. A primeira vez que essa invocação foi feita foi na resposta apresentada pela Fazenda Pública à reclamação da ora Recorrida contra a decisão do órgão da execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de entrega das rendas, ou seja, já em sede da reclamação que a ora Recorrida deduziu contra a decisão do órgão da execução fiscal que lhe indeferiu o pedido de que lhe fossem entregues as rendas penhoradas.
Ora, independentemente do valor intrínseco desse fundamento [e a Fazenda Pública parece ignorar, por um lado, que, na sequência do “cancelamento e levantamento” da penhora, não tem fundamento legal para reter as rendas penhoradas e, por outro lado, que a impugnação pauliana tem carácter pessoal ou obrigacional, aproveitando apenas ao credor que a requereu (Note-se que a impugnação pauliana é um meio de conservação da garantia patrimonial – o património do devedor responde pelas suas obrigações nos termos do disposto no art. 601.º do Código Civil (CC) – que, nos termos do disposto nos arts. 610.º a 612.º do CC, tem como pressupostos: a existência de um crédito; a prática, pelo devedor, de um acto que não seja de natureza pessoal, que provoque, para o credor um prejuízo (a impossibilidade de obter a satisfação integral do seu crédito ou o agravamento dessa impossibilidade); a anterioridade do crédito relativamente ao acto ou, se o crédito for posterior, ter sido o acto dolosamente praticado com o fim de impedir a satisfação do direito do futuro credor; que o acto seja de natureza gratuita ou, sendo oneroso, que o devedor e o terceiro tenham agido de má fé.
A acção de impugnação pauliana, hoje, não tem carácter rescisório ou anulatório do negócio, pois, de acordo com o art. 616.º, n.º 1, do CC: «Julgada procedente a impugnação o credor tem o direito à restituição dos bens na medida do seu interesse, podendo executá-los no património do obrigado à restituição e praticar os actos de conservação da garantia patrimonial autorizados por lei». Ou seja, os actos gratuitos, ou onerosos, praticados em desfavor do credor são intrinsecamente válidos, mas o credor impugnante tem direito à restituição dos que forem necessários à satisfação do seu crédito, podendo directamente agredir o património de quem estiver obrigado à restituição. Como diz VAZ SERRA, Responsabilidade Patrimonial, Boletim do Ministério da Justiça, n.º 75, pág. 287: «A acção pauliana é dada aos credores para obterem, contra um terceiro, que procedeu de má-fé ou se locupletou, a eliminação do prejuízo que sofreram com o acto impugnado. Daqui resulta o seu carácter pessoal ou obrigacional. O autor na acção exerce o crédito de eliminação daquele prejuízo […] O efeito da acção deve ser uma simples consequência da sua razão de ser e, por isso, parece dever limitar-se à eliminação do prejuízo sofrido pelo credor, deixando o acto, quanto ao resto, tal como foi feito».
Assim, nos termos do art. 616.º, n.º 4, do CC, os efeitos da impugnação pauliana – que é uma acção de carácter pessoal – aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido (Cfr. PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, 3.ª edição, volume I, nota 5, pág. 602).)], a verdade é que, não tendo o mesmo sido utilizado na fundamentação da decisão reclamada – que indeferiu o pedido de entrega das rendas penhoradas com exclusivo fundamento na impropriedade do meio processual utilizado –, não pode agora a Fazenda Pública sustentar a manutenção da decisão reclamada ao abrigo de uma fundamentação que não foi a externada como suporte da mesma (nem tem qualquer coincidência, ainda que mínima, com aquela).
Como temos vindo a dizer noutros casos, no contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de reclamação previsto no art. 276.º do CPPT – com natureza meramente impugnatória (Quanto à natureza deste meio processual vide o seguinte acórdão desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 6 de Abril de 2011, proferido no processo n.º 258/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 597 a 599, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/bf0603497f7ac1cc8025786f00557363;
- de 8 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 523/11, publicado no Apêndice ao Diário da República de 6 de Janeiro de 2012 (http://www.dre.pt/pdfgratisac/2011/32220.pdf), págs. 1017 a 1021, também disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc6095ac590ec8a6802578b20030f79d?OpenDocument.) –, o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva validade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados pelo autor a posteriori na pendência de meio impugnatório.
Ou seja, o Tribunal Tributário de Lisboa não podia conhecer da legalidade da decisão reclamada senão apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante da decisão; foi o que fez. Aliás, também a ora Recorrida só podia defender-se dos pressupostos enunciados na fundamentação contextual da decisão reclamada e da qual distraiu os efeito lesivo; foi também o que fez. O tribunal, seja de 1.ª instância, seja de recurso, está impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, isto é, que não foram invocados para a prática da decisão reclamada.
A não ser assim, o interessado ver-se-ia surpreendido em juízo com a invocação de uma realidade diferente daquela que lhe foi dada a conhecer e isso representaria uma inadmissível contracção do seu direito de recurso.
Em conclusão, não tendo o órgão da execução fiscal invocado a pendência da referida impugnação pauliana, deduzida por um terceiro credor, como fundamento para a recusa da entrega das rendas penhoradas – mas, ao invés, tendo-se esta recusa fundamentado exclusivamente no erro na forma do processo e na inviabilidade da convolação – não pode a Fazenda Pública sustentar com sucesso em sede de reclamação a legalidade daquela decisão com fundamento na existência de causa prejudicial.
Por isso, o recurso não pode ser provido.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Não são questões novas – que, a menos que sejam do conhecimento oficioso, são insusceptíveis de se serem conhecidas em sede de recurso jurisdicional – as que, embora não tenham sido objecto da sentença, foram suscitadas oportunamente no processo.
II - O tribunal de recurso jurisdicional não está impedido de apreciar como erro de julgamento aquilo que é apresentado pelo recorrente como nulidade da sentença e vice-versa, já que, na sua função jurisdicional, não fica sujeito à alegação das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito (art. 5.º, n.º 3, do CPC)
III - No contencioso de mera legalidade, como é o caso do processo de reclamação previsto no art. 276.º do CPPT (com natureza meramente impugnatória), o tribunal tem de quedar-se pela formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, apreciando a respectiva legalidade em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, estando impedido de valorar razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, quer estas sejam por ele eleitas, quer sejam invocados a posteriori na pendência de meio impugnatório.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


*

Lisboa, 27 de Janeiro de 2016. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Casimiro Gonçalves.