Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01595/10.6BELRS
Data do Acordão:07/01/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:IVA
LOCAÇÃO FINANCEIRA
Sumário:I - Com respaldo numa interpretação teleológica e sistemática do artigo (art.) 16.º n.º 6 alínea (al.) a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), conjugada com o disposto nos arts. 1.º n.º 1 al. a) e 4.º n.º 1 da mesma compilação, bem como, a configuração, mais difundida, do conceito de indemnização, estão excluídas do âmbito de incidência do IVA, para além das indemnizações que tenham sido declaradas judicialmente, as que tenham caráter meramente ressarcitório.
II - No caso dos contratos de locação financeira, na presença de cláusulas do género “... em caso de perda total do bem locado, o locatário deverá pagar o somatório das rendas vincendas e do valor residual, actualizado, com a taxa de juro acordada, ficando o locador com a obrigação de entregar ao seu cliente a indemnização que venha a receber da seguradora”, impõe-se distinguir:

- quais as (eventuais) rendas vencidas e encargos/juros de mora, não pagas à data da ocorrência do acontecimento/sinistro provocante da inutilização, desaparecimento ou perda total do bem dado em locação (financeira);
- quais as (eventuais) rendas vincendas e o valor residual, atualizado, com a taxa de juros acordada, foram pagas, mediante a entrega ao locador, pelo locatário, do valor da indemnização recebida/a receber da companhia de seguros que assumiu o risco inerente ao desaparecimento ou perda total do bem locado. [ Diferente disto é uma (possível) indemnização dizer respeito (ter sido contratado o correspondente seguro, de crédito/débito) ao reembolso (porque o locatário não o consegue fazer) de rendas vencidas/vincendas e respetivos encargos, em especial, juros moratórios. ]
Nº Convencional:JSTA000P26153
Nº do Documento:SA22020070101595/10
Data de Entrada:01/07/2019
Recorrente:A………. - INSTITUIÇÃO FINANCEIRA DE CRÉDITO, S.A
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
***

Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

# I.


A…………. - Instituição Financeira de Crédito, S.A., com os demais sinais dos autos, recorre da sentença proferida, no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 21 de junho de 2018, que julgou improcedente impugnação judicial, visando ato de liquidação, adicional, de IVA e juros compensatórios, referente ao mês de outubro de 2006.

A recorrente (rte) formalizou alegação, terminada com o seguinte quadro conclusivo: «

(a) Considerou o Tribunal a quo na sentença recorrida que o valor da indemnização da companhia de seguros pelos danos resultantes de sinistro de bem dado em locação financeira fixada por referência ao capital em dívida no momento da ocorrência do sinistro traduz a contraprestação de uma prestação de serviços sujeita a IVA.

(b) E baseia tal conclusão numa alegada “economia do contrato de locação financeira, em que o locatário, em caso de sinistro ou perda do bem, assume por sua conta o risco da impossibilidade de execução do esquema contratual, nesta medida ocorre a obrigação do pagamento antecipado das rendas vincendas ou o vencimento antecipado da dívida de capital actualizado (incluindo rendas vincendas e juros).”

(c) Mas tal conclusão não pode proceder, porque no âmbito de um contrato de locação financeira a propriedade do bem locado permanece na esfera do locador, pelo que, ocorrendo um sinistro com destruição do bem locado, é a esfera patrimonial do locador que é afectada, gerando o direito ao ressarcimento na medida do dano incorrido.

(d) Mediante a repartição de risco acordada entre o locador e o locatário, este é responsável pelas perdas de valor que o locador sofre em virtude do sinistro que provocou a perda total do bem locado. É do locador o direito à indemnização pelos danos cuja medida se convenciona corresponder aos valores vincendos na data do sinistro.

(e) É assim precisamente por força da (real) “economia do contrato de locação financeira” que os danos decorrentes da perda do bem são suportados pelo seu proprietário, o locador.

(f) Em consequência, não estamos nesta sede concreta, como erradamente afirma o Tribunal a quo, perante uma “remuneração devida”, pois que o sinistro determina, por força da destruição do seu objecto, a cessação do contrato de locação financeira. A que respeitaria então a remuneração ou contraprestação cuja existência é afirmada pelo Tribunal a quo, se nenhuma prestação existe?

(g) E, sendo certo que o conceito de prestação de serviços acolhido pelo número 1 do artigo 4.° do Código do IVA é residual, tendendo a abranger todas as operações que não constituam transmissões de bens, não é menos certo que tal não é o caso das indemnizações que visam reparar danos, isto é, que traduzam a reparação de um prejuízo ou se destinem a penalizar a lesão de qualquer interesse.

(h) No acórdão de 31 de Outubro de 2012, proferido no processo n.° 1158/11, Vossas Excelências enfatizaram aquele princípio fundamental, concluindo que “[n]o âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.° 1, 4°, n.° 1 e 16°, n.° 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes (...) recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA.”

(i) Ora, as indemnizações relevantes no caso que aqui nos ocupa “não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço”.

(j) E, por este motivo, sobre os valores em análise não incide IVA, contrariamente ao decidido pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas Excelências suprirão, deve o presente recurso ser dado como procedente, por provado e, em consequência, ser revogada a decisão recorrida, por ilegal, e substituída por outra que determine a procedência total da presente impugnação, com as legais consequências. »


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Não houve lugar a contra-alegação.

*

O Exmo. magistrado do Ministério Público (MP) emitiu parecer, onde conclui: «

(…).

Afigura-se-nos, assim, que independentemente da posição doutrinal que vier a ser seguida sobre a qualificação das prestações efetuadas pelo locatário na sequência da resolução dos contratos de locação, designadamente se de natureza contratual ou de compensação de lucro cessante, ou de compensação do risco assumido pela perda do bem locado (decorrente de furto ou sinistro), mostra-se necessário ampliar a matéria de facto com vista à caraterização e especificação dos valores das notas de débito que servem de suporte à verba inscrita no campo 9 da declaração periódica de Outubro de 2006 (ponto 4 do probatório) e que foram sujeitas a tributação em sede de IVA por parte da AT e constituem o objeto de impugnação dos autos. Assim como apurar quais os montantes pagos pela seguradora em decorrência dos contratos de seguros que abrangiam tais bens e se os mesmos foram ou não tidos em consideração nos valores debitados ou se foram posteriormente descontados (no caso de ter sido a locadora a receber as indemnizações) em acertos de conta.

Entendemos, assim, que se impõe a revogação da sentença, por insuficiência/deficiência da matéria de facto em ordem à decisão da questão de direito colocada ao tribunal, e a baixa dos autos ao tribunal recorrido a fim de ser ampliada nos termos e com a abrangência que vier a ser definida. »

*

Cumpridas as formalidades legais, compete conhecer e decidir.

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# II.


Na sentença, em sede de julgamento factual, vem elencado o seguinte: «

1. Em cumprimento da Ordem de Serviço n° OI200700432, de 2007/11/16, a A.T. procedeu à análise do reembolso do IVA da declaração periódica de IVA referente a Outubro de 2006 - cfr. fls. 10 do processo de reclamação em apenso aos autos;

2. A impugnante encontra-se enquadrada no regime geral de tributação de IRC e desenvolve, predominantemente, atividades de locação financeira e factoring - cfr. fls. 11 do processo de reclamação em apenso aos autos;

3. Dos contratos de locação financeira celebrados entre a impugnante e os seus clientes, resulta estipulado o seguinte “... em caso de perda total do bem locado, o locatário deverá pagar o somatório das rendas vincendas e do valor residual, actualizado, com a taxa de juro acordada, ficando o locador com a obrigação de entregar ao seu cliente a indemnização que venha a receber da seguradora” - cfr. 11 do processo de reclamação em apenso aos autos;

4. Os serviços de inspeção verificaram que a impugnante não liquidou IVA respeitante à declaração periódica de Outubro de 2006, campo 9, “operações isentas que não conferem direito à dedução”, sendo que o suporte documental consiste em notas de débito respeitantes a resoluções antecipadas de contratos de locação financeira mobiliária, sejam ocasionadas por furto ou perda total em virtude de sinistro - cfr. fls. 11 do processo de reclamação em apenso aos autos;

5. Da ação inspetiva efetuada à impugnante, resultaram as seguintes conclusões “(...) O valor a pagar à locadora pelo locatário referente ao valor das rendas vincendas e ao valor residual actualizado ao momento da perda total do bem configura uma compensação de proveitos que se deixaram de obter, pelo que deverá entender-se o seu pagamento como a contraprestação da operação sujeita a imposto. Assim, a resolução antecipada dos contratos de locação financeira consubstanciada através do pagamento à locadora, por parte do locatário, do valor das rendas vincendas e do valor residual, actualizados ao momento da resolução, configura uma prestação de serviços nos termos do n° 1 do art. 4° do CIVA, tributável em sede de imposto à taxa de 21%, em conformidade com o disposto no art. 1°, art. 16°, n° 2 al. h) e art. 18°, n° 1 al. c), todos do CIVA. Neste contexto, não tendo a IFIC liquidado IVA sobre as rendas vincendas pagas pelos locatários na sequência de perda total dos bens, foi apurado imposto em falta no montante de € 13.698,76 (...) Quanto ao ponto 1, para enquadramento da questão da sujeição ou não a IVA das quantias recebidas, há que ter em conta o principio subjacente do IVA, como imposto sobre o consumo, e que corresponde, basicamente ao disposto na 6° Diretiva, pretendendo tributar a contraprestação de operações tributáveis e não a indeminização de prejuízos que não tenham carácter acessório (...) De facto se as indeminizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem caracter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes de destinam a reparar um dano (caso frequente das indeminizações prestadas por companhias de seguros, em resultado da ocorrência dos factos correspondentes aos riscos cobertos pelo contrato de seguro) não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou prestações de serviços. Já quando as indemnizações configuram uma transmissão de bens ou prestação de serviços, então configuram uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto e, são assim tributáveis em IVA A obrigação de ressarcir o locador, decorre do clausulado do contrato que estabelece ainda a sua quantificação, ocorrendo a cessação do contrato, apenas em momento posterior ao do pagamento das verbas em questão. (...)” - cfr. fls. 11 a 13 do processo de reclamação em apenso aos autos;

6. A impugnante não liquidou IVA sobre as rendas vincendas pagas pelos locatários na sequência de perda total dos bens, nem sobre a contraprestação paga pelo locatário, atribuída pela companhia (d)e seguros, decorrente do capital em divida no momento da ocorrência do sinistro, no período de Outubro/2006, no montante de € 13.698,76 - Acordo;

7. Em consequência das correções evidenciadas no ponto anterior e de outras, foi efetuada à impugnante a liquidação adicional de IVA n° 07359703 do período de 06/10, DUC n° 102107735970308, com valor a pagar de € 222.051,48 - cfr. fls. 22 do processo de reclamação em apenso aos autos;

8. Foi, ainda, efetuada a liquidação de juros compensatórios n° 07359704, DUC n° 102607735970409 no valor de € 8.711,72 - cfr. 24 do processo de reclamação em apenso aos autos;

9. Em 16/01/2008, a ora impugnante reclamou da liquidação a que se reportam os pontos 6 e 7 supra, tendo a reclamação sido indeferida e mantidos os valores respeitantes à resolução antecipada dos contratos de locação financeira nos casos de perda total do bem objeto de locação - cfr. fls. 25 a 29 do processo de reclamação em apenso aos autos;

10. Face ao indeferimento da questão sub judicie, a impugnante deduziu recurso hierárquico que veio a ser indeferido por despacho do sub director geral dos impostos de 25/02/2010 - cfr. fls. 26 a 46 do processo de R.H. em apenso aos autos.

(…). »


***

A sentença submetida ao controle jurisdicional deste Supremo Tribunal, isolou e identificou, como questão colocada ao seu julgamento a da “(i)legalidade da liquidação adicional de IVA incidente sobre a quantia devida pelo locatário/contraprestação devida ao locador pelo capital em dívida no momento da perda do bem locado”. Seguidamente, apontando estar em causa, neste processo, um contrato de locação financeira, após tecer considerações, genéricas, sobre a caracterização desta figura contratual, bem como, à incidência do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), em resumo, concluiu que “…, a alegação de que as quantias recebidas pela impugnante da seguradora são “meras indemnizações” e como tais insusceptíveis de tributação afasta-se da economia do contrato de locação financeira, em que o locatário, em caso de sinistro ou perda do bem, assume por sua conta o risco da impossibilidade de execução do esquema contratual, nesta medida ocorre a obrigação do pagamento antecipado das rendas vincendas ou o vencimento antecipado da dívida de capital actualizado (incluindo rendas vincendas e juros).

Do exposto, resulta que as quantias pagas pela seguradora, na sequência da ocorrência de sinistro que origina a destruição ou a necessidade de reparação do bem locado, não constituem uma indemnização mas antes a remuneração devida à impugnante, nos termos do clausulado contratual, que impõe ao locatário o pagamento antecipado da dívida do capital actualizado e os respetivos juros.”.

O STA, já, algumas vezes, foi chamado a dirimir diferendos em torno da tributação em IVA, relativamente a prestações de serviços e/ou outras realidades, ocorridas no âmbito do cumprimento das diversas obrigações, emergentes do (i)cumprimento do clausulado, típico, dos contratos de locação financeira, na modalidade de leasing e/ou aluguer de longa duração (ALD).

Antes de nos debruçarmos, em exclusivo, sobre esta modalidade de contrato de locação, importa deixar consignado que, na jurisprudência do STA, foi (e será) entendido, pelo menos, maioritariamente, que, com respaldo numa interpretação teleológica e sistemática do artigo (art.) 16.º n.º 6 alínea (al.) a) do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), conjugada com o disposto nos arts. 1.º n.º 1 al. a) e 4.º n.º 1 da mesma compilação, bem como, a configuração, mais difundida, do conceito de indemnização Perante a existência de dano relevante, sendo impossível a reconstituição natural da situação do lesado no momento anterior à ocorrência daquele, a indemnização será fixada em dinheiro, tendo como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado e a que teria nessa data se não existissem danos - indemnização por equivalente., estão excluídas do âmbito de incidência do IVA, para além das indemnizações que tenham sido declaradas judicialmente, as que tenham caráter meramente ressarcitório, isto porque, não existindo qualquer interdependência entre a prestação indemnizatória e outra prestação à qual o lesado se encontre adstrito, na medida em que a obrigação nasce ex novo no momento em que é causado o dano, a entrega de uma indemnização, por não pressupor qualquer nexo sinalagmático com determinada transmissão de bens e/ou prestação de serviços, não tem natureza onerosa. Por outras palavras, só serão tributadas em IVA “as indemnizações que correspondam, directa ou indirectamente, à contrapartida devida pela realização de uma actividade económica, isto é, que visem remunerar a transmissão de bens ou a prestação de serviços Registe-se que, in casu, a administração tributária, também, se manifestou no sentido de que “se as indeminizações sancionam a lesão de qualquer interesse, sem carácter remuneratório porque não remuneram qualquer operação, antes de destinam a reparar um dano (caso frequente das indeminizações prestadas por companhias de seguros, em resultado da ocorrência dos factos correspondentes aos riscos cobertos pelo contrato de seguro) não são tributáveis em IVA;” - cf. ponto 5. dos factos provados..

Dito isto, volvendo atenções para os contratos de locação financeira Por definição doutrinal, aqueles em que o locador financeiro concede ao locatário financeiro o gozo temporário de uma coisa corpórea, adquirida, para o efeito, pelo próprio locador, a um terceiro, por indicação do locatário. (como os que, na situação julganda, foram celebrados entre a impugnante/rte e os seus clientes), por regra, perante a inscrição de cláusulas do género da mencionada no ponto 3. dos factos julgados provados na sentença recorrida, em cédula de IVA, para se lograr uma solução, juridicamente, de direito, acertada, importa que o julgador leve a cabo a tarefa de distinguir, em primeira linha, ao nível factual, duas situações:

- quais as (eventuais) rendas vencidas e encargos/juros de mora, não pagas à data da ocorrência do acontecimento/sinistro provocante da inutilização, desaparecimento ou perda total do bem dado em locação (financeira);

- quais as (eventuais) rendas vincendas e o valor residual, atualizado, com a taxa de juros acordada, foram pagas, mediante a entrega ao locador, pelo locatário, do valor da indemnização recebida/a receber da companhia de seguros que assumiu o risco inerente ao desaparecimento ou perda total do bem locado Aqui, em síntese, a cobertura do seguro não abrange direitos/obrigações decorrentes dos contratos de leasing e/ou ALD celebrados, mas, por exemplo, nas situações em que o bem locado é um veículo automóvel, será este o quid abrangido pelo seguro, logo, a indemnização, nestes casos, visará reparar o prejuízo sofrido, pelo locador, com a perda total, resultante, em particular, de sinistro, porquanto sendo impossível substituir o veículo sinistrado por outro nas (mesmas) condições, existentes à data do acidente (indemnização em espécie), repara essa perda mediante a atribuição do valor equivalente, em termos monetários.. Esclareça-se, desde já, que diferente disto é uma (possível) indemnização dizer respeito (ter sido contratado o correspondente seguro, de crédito/débito) ao reembolso (porque o locatário não o consegue fazer) de rendas vencidas/vincendas e respetivos encargos, em especial, juros moratórios.

Sendo, portanto, estas as coordenadas, gerais e insubstituíveis, para se lograr uma decisão, correta e conscienciosa, do quadro jurídico desta lide, sem prejuízo de se considerar uma tarefa, complexa e delicada, saber, casuisticamente, se estamos (ou não) perante uma indemnização com intuitos de puro e simples ressarcimento de um dano/perda, podemos asseverar que, para alcançar êxito, é necessário, desde logo, esclarecer, bem e de forma separada, por reporte aos valores exigidos pela liquidação (adicional) impugnada, se os mesmos incidiram (ou não) sobre quantias (devidamente, discriminadas) pagas pela seguradora Embora, tudo apontando para que, neste caso, a indeminização terá sido paga ao locador, ficando este com a obrigação de entregar ao locatário o montante percebido, pode suceder (e deve ser despistada) a hipótese contrária., em cumprimento dos contratos de seguro existentes, destinados a cobrir o risco da inutilização/perda total do bem locado.

Ora, como suscita o Exmo. magistrado do MP, os factos julgados provados na sentença visada por este recurso, para o efeito acabado de coligir, apresentam-se insuficientes e, em parte, conflituantes, por contradição.

Quanto à insuficiência, imediatamente, ressalta a ausência de factos respeitantes ao enquadramento da impugnante em sede de IVA, bem como, por efeito da má prática de se darem por reproduzidos documentos, em vez de extratar deles os factos (essenciais - e instrumentais, com relevo) que provam, demonstram, a falta de concretização do conteúdo, específico (discriminação dos movimentos, datas dos mesmos, valores envolvidos…), das (de todas as) notas de débito, que terão servido de “suporte documental” para a impugnante não ter liquidado «IVA respeitante à declaração periódica de Outubro de 2006, campo 9, “operações isentas que não conferem direito à dedução”». Outrossim, em relação ao conteúdo do relatório da inspeção, feita à impugnante, mais do que reproduzir conclusões truncadas - ponto 5., é imperioso, sendo o caso de não serem contraditados, retirar e elencar os factos, a realidade, conducentes a essas manifestações conclusivas Que, aliás, como se mostram reproduzidas só adensam a confusão sobre se as rendas vincendas pagas pelos locatários, na sequência da perda total dos bens, tiveram ou não alguma componente relacionada com o pagamento de seguros dos bens sinistrados..

Finalmente, é incontornável resolver a contradição (com o demais, incluindo o alegado/defendido pela impugnante/rte) que emana do ponto 6. dos factos provados, esclarecendo (se for o caso) quais os montantes das rendas vincendas pagas pelos locatários e da contraprestação paga pelo locatário, atribuída pela companhia de seguros. Esta dilucidação é fundamental para, como acima expressámos, se concluir pelo caráter ressarcitório (ou não) das contraprestações (indemnizações) pagas (a quem), pelas seguradoras, quanto aos bens locados sinistrados e perdidos, elemento decisivo, determinante, na tarefa de solucionar o litígio, em curso, quanto à incidência de IVA. Acrescente-se que se nos afigura de (muito potencial) interesse, não estando disponíveis nos autos, recolher cópia(s) de contrato(s) de seguro celebrado(s), com relação aos bens envolvidos, em ordem a que, considerado o(s) respetivo(s) clausulado(s), seja possível retirar factualidade que ajude na tarefa acabada de enunciar.

Nestas circunstâncias, somos compelidos a operar os ditames dos arts. 682.º n.º 3 e 683.º n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC) - ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).


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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos:

- dar provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida;

- determinar a volta do processo, ao TT de Lisboa, em ordem a que se proceda (se possível, pelo mesmo juiz) ao julgamento da matéria de facto relevante, ampliando e/ou clarificando a fixada na decisão, agora, revogada, bem como, se nada obstar, em conformidade com a nova realidade factual, à apreciação do mérito da causa.


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Custas a cargo da recorrida, sem taxa de justiça, por ausência de contra-alegação.

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[ Elaborado em computador e revisto, com versos em branco ]


Lisboa, 1 de julho de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.