Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0242/16.7BECBR |
Data do Acordão: | 11/18/2021 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | SUZANA TAVARES DA SILVA |
Descritores: | HORÁRIO FLEXÍVEL HORÁRIO DE TRABALHO ENFERMEIRO |
Sumário: | I – De acordo com a legislação em vigor, o período normal de trabalho diário dos enfermeiros é de 35 horas semanais, organizado em turnos ou jornada contínua, distribuído por cinco dias de uma semana que começa na Segunda-feira e termina no Domingo, devendo em cada período de quatro semanas, pelo menos um dos dias de descanso (semanal e complementar) coincidir com o Sábado ou com o Domingo. II – Assim, é conforme à lei o pedido formulado por um enfermeiro de fixação de horário flexível nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho, pelo qual se solicita que o horário de trabalho seja fixado dentro de determinado intervalo horário diário e apenas de Segunda a Sexta-feira. III – A entidade empregadora, quando considere que a não prestação de serviço em todos os fins de semana do ano afecta o funcionamento do serviço de um modo que não é possível, com os recursos humanos disponíveis, reorganizá-lo, deve explicar fundadamente essas razões imperiosas da recusa, nos termos do artigo 57.°, n.° 2 do Código do Trabalho. |
Nº Convencional: | JSTA00071320 |
Nº do Documento: | SA1202111180242/16 |
Data de Entrada: | 04/20/2021 |
Recorrente: | CITE - COMISSÃO PARA A IGUALDADE NO TRABALHO E NO EMPREGO |
Recorrido 1: | HOSPITAIS DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA, EPE (E OUTROS) |
Votação: | UNANIMIDADE |
Legislação Nacional: | CTRAB09 ART56 ART57 ART198 ART200 DL 437/91 DE 8/11 ART 54 ART56 DL 248/2009 DE 22/9 ART28 CIRCULAR NORMATIVA Nº13/2017/URJ/ACSS |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo I - RELATÓRIO 1. O CENTRO HOSPITALAR E UNIVERSITÁRIO DE COIMBRA, E.P.E. (CHUC), com os sinais dos autos, interpôs no Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra (TAF de Coimbra), em 19 de Abril de 2016, acção administrativa, contra a Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), indicando como contra-interessada A……………., ambas igualmente com os sinais dos autos, na qual pediu a anulação do parecer n.º 30/CITE/2016, de 20 de Janeiro de 2016, e a condenação da Entidade Demandada na prática de acto administrativo de emissão de parecer no sentido de inexistência de recusa de pedido de horário flexível ou, se assim não se entendesse, de parecer favorável à recusa de pedido de horário flexível onde se excluísse a prestação de trabalho aos fins-de-semana. 2. Por sentença do TAF de Coimbra, de 23 de Fevereiro de 2017, foi a Entidade Demandada condenada a emitir parecer prévio no sentido de que o n.º 2 e 3 do artigo 56.º do CT apenas permite ao trabalhador escolher os limites diários do trabalho e não os dias da semana em que trabalha. 3. Inconformados, a CITE e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses recorreram daquela decisão para o TCA Norte, que, por acórdão de 16 de Outubro de 2020, negou provimento aos recursos. 4. No seguimento daquele acórdão, a CITE interpôs recurso para este STA, que, por acórdão de 25 de Março de 2021, admitiu a revista com base, essencialmente, nos seguintes fundamentos: «[…] 8. Presente a quaestio juris em discussão nos autos e que se mostra colocada na presente revista, em torno do regime do horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares, daquilo que é a necessária articulação e concatenação dos poderes, direitos e deveres de trabalhador e entidade empregadora no contexto do direito à conciliação da atividade profissional com a vida familiar e dos poderes do empregador na direção e organização no tempo da força laboral, considerando o quadro normativo em presença, nomeadamente o disposto nos arts. 56.º, 57.º, 127.º, 198.º, 200.º, 212.º e 221.º do Código do Trabalho [CT], 13.º, e 59.º da Constituição da República Portuguesa [CRP], temos que a mesma reveste de relevância jurídica e social pela importância fundamental que assume atentas as implicações que aporta não só na esfera dos sujeitos e entes envolvidos, mas, igualmente, no quadro das relações laborais, da organização, estruturação e funcionamento dos serviços/empresas, revestindo a sua elucidação de alguma complexidade/dificuldade, aliás ainda não foi objeto de apreciação por este Supremo, e que se mostra suscetível de ser repetida e recolocada em casos futuros. […]». 5. A Entidade Demandada e aqui Recorrente apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões: «[…] A) O presente recurso de revista fundamenta-se, nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 150.º do CPTA, e dos n.ºs 1 e 2 do artigo 672.º do CPC, aplicável por força do n.º 3 do artigo 140.º do CPTA. A contra-interessada nos autos (enfermeira) requereu ao A. e aqui Recorrido, em 24 de Novembro de 2015, ao abrigo do artigo 57.º do Código do Trabalho (aplicável ex vi do artigo 4.º, n.º 1, als. e) e h) da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas), que fosse autorizada a trabalhar em regime de horário flexível (artigo 56.º do Código do Trabalho), a fixar pelo Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, E.P.E. (CHUC), nos dias úteis, ou seja, de Segunda a Sexta-feira, das oito às dezasseis horas. Fundamentou o seu pedido no facto de ser o único elemento do seu agregado familiar que cuida do filho de 23 meses, não ter apoio familiar para o efeito e apenas dispor do apoio da creche, que se encontra encerrada aos fins de semana. A Entidade Empregadora e aqui Recorrida, CHUC, recusou o pedido na parte respeitante à não prestação de trabalho aos fins de semana. Para tanto, alegou a necessidade de conciliar o direito da Requerente à conciliação da vida pessoal e profissional com o mesmo direito das restantes trabalhadoras do serviço e com a obrigação de assegurar o funcionamento do referido serviço de UGI, que é um serviço permanente (24h por dia, todos os dias do ano) de prestação de cuidados de saúde aos cidadãos. Uma vez que o referido indeferimento parcial consubstanciava uma “recusa” do que havia sido solicitado pela Requerente, foi a mesma notificada da decisão para responder e, posteriormente, em cumprimento do disposto no n.º 5 do artigo 57.º do Código do Trabalho, foi o processo enviado para parecer pela CITE, aqui Recorrente. No seu parecer, a CITE considerou que a recusa não estava devidamente fundamentada, uma vez que a recusa teria de sustentar-se no disposto no n.º 2 do artigo 57.º do CT, ou seja, “em exigências imperiosas do funcionamento da empresa, ou na impossibilidade de substituir o trabalhador se este for indispensável”. É nesse seguimento que o A. propõe a presente acção no TAF de Coimbra, com o intuito de obter, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 56.º do Código do Trabalho, uma decisão judicial que reconheça a existência de motivo justificativo da recusa. As instâncias deram razão ao A.. O TAF de Coimbra fundamentou a sentença que deferiu a pretensão do A. no facto de “os n.ºs 2 e 3 do artigo 56.º do Código do Trabalho apenas permitir ao trabalhador escolher os limites diários do trabalho e não os dias da semana em que trabalha” e o TCA Norte manteve aquela decisão, com o referido fundamento, a que aditou ainda que, no caso, se mostrava verificada a conciliação da actividade profissional da Requerente e Contra-Interessada nos autos com a sua vida familiar e pessoal, com o interesse público à luz do respectivo estatuto socioprofissional. A Recorrente alega que a fundamentação do acórdão recorrido, essencialmente na parte em que “adere” à fundamentação expendida na sentença do TAF de Coimbra, incorre num erro de interpretação e aplicação do regime jurídico previstos nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho. Assim, as questões a decidir no presente recurso são: i) verificar da existência ou não do alegado erro de julgamento do acórdão recorrido na interpretação e aplicação dos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho (horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares); ii) do erro de julgamento na interpretação e aplicação do Regulamento de Custas Processuais; e ainda iii) a violação ou não do princípio da conciliação da actividade profissional com a vida familiar, consagrado no artigo 59.º, n.º 1, al. b) da CRP.
2.2. Do alegado erro de julgamento na interpretação e aplicação dos artigos 56.º e 57.º do CT 2.2.1. A Recorrente alega que o acórdão recorrido erra ao interpretar o regime jurídico do horário flexível, previsto no artigo 56.º do Código do Trabalho, como um direito a “(…) requerer a alteração dos limites diários de trabalho, permanecendo na esfera da entidade empregadora a fixação dos limites semanais, ou seja, dos dias em que o trabalhador presta trabalho e faz o seu descanso semanal (…)”. E tem razão, pois a distinção entre “limites diários” e “limites semanais” não resulta do texto legal. Vejamos. O n.º 1 do artigo 56.º do Código do Trabalho prevê que o trabalhador com filho menor de 12 anos ou com filho com deficiência ou doença crónica, que com ele viva em comunhão de mesa e habitação, tem direito a trabalhar em regime de horário de trabalho flexível. O n.º 2 do mesmo artigo 56.º explica que o horário flexível é aquele em que o trabalhador pode escolher, dentro de certos limites, as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, cabendo depois à entidade empregadora fixar o horário dentro dos parâmetros daquela escolha. Ora, nada no texto das normas antes referidas indica que o período normal de trabalho diário se limite aos dias de Segunda a Sexta-feira. Pelo contrário, de acordo com o disposto no artigo 198.º do Código do Trabalho, o período normal de trabalho é “o tempo de trabalho que o trabalhador se obriga a prestar, medido em número de horas por dia e por semana”. Assim como, segundo o n.º 2 do artigo 200.º do Código do Trabalho, “o horário de trabalho delimita o período normal de trabalho diário e semanal”. No caso da Requerente e aqui Contra-Interessada, que exerce a actividade profissional de enfermeira no âmbito da relação jurídica de emprego público que mantém com o A. e aqui Recorrido, as regras sobre a organização do trabalho são as que constam dos artigos 54.º e 56.º do Decreto-Lei n.º 437/91, de 8 de Novembro, aplicáveis ex vi do disposto no artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 248/2009, de 22 de Setembro (a Circular Normativa n.º 13/2017/URJ/ACSS, esclarece ainda que por efeito deste quadro legal, a aferição da duração do trabalho normal deve reportar-se a um conjunto de quatro semanas). Da conjugação de todas as disposições legais antes enunciadas pode inferir-se que o período normal de trabalho diário dos enfermeiros é de 35 horas semanais, organizado em turnos ou jornada contínua, distribuído por cinco dias de uma semana que começa na Segunda-feira e termina no Domingo, devendo em cada período de quatro semanas, pelo menos um dos dias de descanso (semanal e complementar) coincidir com o Sábado ou com o Domingo. Assim, quando a Contra-Interessada solicitou ao Autor trabalhar em regime de horário flexível, a fixar nos dias úteis (de Segunda a Sexta-feira), das oito às dezasseis horas, pretendendo excluir o trabalho aos fins de semana, estava a expressar a sua pretensão no âmbito do direito legal a gozar de horário flexível de trabalhador com responsabilidades familiares em conformidade com a lei. As instâncias erraram ao interpretar que os n.ºs 2 e 3 do artigo 56.º do Código do Trabalho apenas permitiriam à Contra-Interessada escolher os limites diários do trabalho e não os dias da semana. Não pode, por essa razão, manter-se a decisão recorrida com a fundamentação que a sustenta.
2.2.2. E o erro na interpretação e aplicação do direito que resulta do acórdão recorrido é também o erro em que incorreu o Autor na interpretação dos pressupostos jurídicos em que se fundava o exercício do direito ao horário flexível, conforme a pretensão a que foi solicitado a dar resposta; erro que acabou por condicionar todo o processo. Na verdade, a decisão de recusa proferida pelo A. funda-se na alegada “desconformidade legal do pedido”, resultante do já referido erro na determinação dos pressupostos legais do exercício do direito ao horário flexível por parte da Requerente. Por essa razão, no procedimento administrativo, apesar de algumas referências esparsas ao longo da tramitação, não se chega a decidir se o pedido é ou não compaginável com as exigências imperiosas do funcionamento do serviço, ou com a possibilidade ou impossibilidade de substituir a trabalhadora, como bem se concluiu no parecer do CITE. Recordamos que o Autor, na sua petição inicial, se limitou a pedir ao Tribunal o seguinte: i) primeiro, que reconhecesse que a decisão de “indeferimento parcial” não consubstanciava uma recusa do pedido formulado pela Requerente (e aqui Contra-Interessada) nos termos e para os efeitos do disposto nos n.ºs 4 a 7 do artigo 56.º do Código do Trabalho; e ii) subsidiariamente, que condenasse a Entidade Demandada (a CITE – Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego) a emitir parecer no sentido de que a recusa era conforme à lei por a trabalhadora estar legalmente impedida de “excluir” os Sábados e Domingos do período normal de trabalho a indicar. O primeiro fundamento foi julgado improcedente pelo TAF de Coimbra, e bem. Como vimos, o requerimento para trabalhar em regime de horário flexível, dentro de um determinado intervalo horário diário (entre os 8h00 e as 16h00), e excluindo o trabalho aos fins de semana, foi, no caso, formulado pela trabalhadora de forma expressa e em conformidade com as normas legais em vigor, pelo que, ao responder “indeferido aos fins de semana”, o A. recusou a pretensão da Requerente. Assim, impunha-se sempre a adopção do procedimento previsto nos n.ºs 3 a 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho. Com efeito, os artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho não estabelecem qualquer distinção entre recusa total (não admissão da aplicação do regime) ou parcial (admissão da aplicação do regime, mas não em conformidade com o solicitado pela Requerente) do pedido. Assim, recusa, para efeitos dos n.ºs 4 e seguintes do artigo 57.º do Código do Trabalho, corresponde a toda a decisão da entidade empregadora que não aceite fixar o horário do trabalhador dentro do intervalo temporal por este indicado, desde que, o intervalo temporal indicado por este respeite (ou permita respeitar) os limites previstos nos n.º 3 e 4 do artigo 56.º do Código do Trabalho (o que sucedia neste caso). Logo, quando o Autor não aceitou que o horário fosse fixado apenas de Segunda a Sexta-feira (em todas as semanas do ano), o Autor recusou o pedido formulado pela Contra-Interessada. De resto, ele reconheceu (pelo menos, de forma concludente) ter recusado o pedido e por isso cumprir os trâmites fixados nos n.ºs 4 a 7 do artigo 57.º do Código do Trabalho. Não poderia, pois, proceder o pedido de reconhecimento de inexistência de recusa dos CHUC relativamente ao peticionado pela Contra-Interessada.
2.2.3. E, pelas mesmas razões, o pedido subsidiário formulado pelo A., que foi julgado procedente pelas Instâncias, não pode proceder, uma vez que o mesmo se fundamenta numa interpretação normativa errada do disposto nos artigos 56.º e 57.º do Código do Trabalho. Com efeito, tudo quanto antes dissemos explica a razão pela qual o Tribunal não pode reconhecer que a recusa é legalmente fundamentada pelo facto de a Requerente não poder indicar como “período para a fixação do horário flexível” um intervalo temporal que excluísse os fins de semana. Um pedido com tal teor é conforme à lei, cabendo depois à entidade empregadora (como bem se explica no ponto 2.13 do parecer do CITE - repetimos), verificar se a pretensão pode ser ou não atendida. E, caso aquela entidade considerasse que a não prestação de serviço pela Requerente, em todos os fins de semana do ano, afectava o funcionamento do serviço de um modo que não seria possível, com os recursos humanos disponíveis, reorganizá-lo, teria de explicar fundadamente essas razões imperiosas da recusa, nos termos do artigo 57°, n° 2 do Código do Trabalho. No mesmo sentido, i. e., de que é conforme à lei o pedido de fixação de horário flexível nos termos do artigo 56.º do Código do Trabalho, formulado no âmbito de um pedido em que se solicita que o horário de trabalho seja fixado dentro de determinado intervalo horário diário e apenas de Segunda a Sexta-feira, veja-se o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça relativo a uma trabalhadora de um Hospital dos SAMS - acórdão de 28 de Outubro de 2020, proc. 3582/19.0T8LSB.L1.S1. Assim, pelas razões antes invocadas, não pode manter-se o decidido pelo acórdão do TCA Norte. Pelas razões antes alegadas e em face da solução alcançada fica prejudicado o conhecimento das alegadas inconstitucionalidades decorrentes do erro na interpretação dos artigos 56.º e 57.º da CRP.
2.3. Do erro quanto ao julgamento em custas processuais O conhecimento do erro de julgamento relativo ao segmento da condenação da Recorrente em custas fica prejudicado com a revogação do acórdão recorrido.
IV. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar o acórdão recorrido e julgar totalmente improcedente a acção. Custas pelo autor no Supremo e nas instâncias. Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva (relatora) - Carlos Luís Medeiros de Carvalho - Ana Paula Soares Leite Martins Portela. |