Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01228/17
Data do Acordão:11/30/2017
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:SÃO PEDRO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
CONCESSÃO
TRANSMISSÃO
GARANTIA
Sumário:Deve admitir-se recurso de revista relativamente à questão de saber se a Base XLIV do Dec. Lei 393/A/98, de 4/12 (determinando a transmissão para o concessionário das garantias e seguros-caução celebradas com o concedente) é válida ou se deve ser declarada nula por configurar uma cessão da posição contratual, sem intervenção de todos os intervenientes nos respectivos contratos onde foram prestadas.
Nº Convencional:JSTA000P22638
Nº do Documento:SA12017113001228
Data de Entrada:11/07/2017
Recorrente:A... SA
Recorrido 1:B... SA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar – art. 150º, 1, do CPTA.

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo (art. 150º, 1 do CPTA)

1. Relatório

1.1. A…………. SA recorreu, nos termos do art. 150º, 1, do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do TCA Sul, proferido em 1-6-2017, que confirmou a sentença proferida pelo TAF de Loures (Lisboa 2) que por seu turno julgou procedente a ACÇÃO ADMINISTRATIVA ESPECIAL instaurada contra si por B………… SA e C…………., SA pedindo a declaração de nulidade da sua deliberação que procedeu ao accionamento das garantias prestadas no âmbito da empreitada de construção do Itinerário Complementar 1 – Variante à Estrada Nacional 8 - entre Torres Vedras e Bombarral.

1.2. Fundamenta a admissão da revista na relevância jurídica das questões em causa as quais extravasam os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio, dado estar em causa a declaração de nulidade da Base XLIV, n.º 2, do Dec. Lei 393-A/98, de 4 de Dezembro.

1.3. As recorridas pugnam pela inadmissibilidade da revista.

2. Matéria de facto

Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. Matéria de Direito

3.1. O artigo 150.º, n.º 1, do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste STA, tem repetidamente sublinhado trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

3.2. O acórdão recorrido destacou três questões delimitativas do objecto do recurso: (i) nulidade da cláusula ínsita no n.º 2 da BASE XLIV, do Dec. Lei 393/A/98, de 4/12; (ii) cessão da posição contratual (iii) transferência de garantias.

O acórdão recorrido manteve a decisão da 1ª instância que declarou a nulidade da cláusula contida na referida BASE XLIV, n.º 2, com o seguinte teor:

2 - Na data referida no número anterior deverão igualmente ser transferidas para a Concessionária todas as garantias que se encontrem em vigor relativamente a obras realizadas naqueles Lanços.”

Para justificar tal conclusão entendeu o TCA Sul que a mesma cláusula traduzia uma cessão da posição contratual do concedente ao concessionário e, portanto, para ser válida exigia a intervenção de todos os obrigados (art. 424º do C. Civil). As instâncias afastaram ainda a eventual transmissão da dívida ao abrigo do art. 595º do C. Civil. Daí que o TCA tenha concluído: “Postos estes considerandos à guisa de enquadramento e em reforço do exímio discurso fundamentador da sentença, porque as autoras e as seguradoras não tiveram intervenção na cessão da posição contratual, tal contrato é inválido e nulo, nos termos do art. 286º, 292º, 294º, 424º do CC e 185º, n.º 1, al. b) do CPA.” Argumentou ainda o acórdão recorrido que a circunstância das bases da concessão estarem aprovadas pelo Decreto - Lei 393/A/98, de 4/12 não afasta a obrigação do Estado de respeitar as normas do C. Civil, “não se apresentando a BASE XLIV, n.º 2, como uma estatuição geral e abstracta, mas antes como um comando individual e concreto já que ali se determina que as garantias prestadas pelas AA no âmbito de um dado contrato de empreitada deverão ser transmitidas para a R, o que vale por dizer que aquela norma configura um contrato administrativo com objecto passível de um contrato de cessão da posição contratual, contrato privado”.

Concluindo:

Do que ficou dito, resulta não estamos em presença de um contrato administrativo, pelo qual a JAE tenha transmitido a sua posição à Ré ou sequer um acto administrativo mas, tão simplesmente, perante uma mera declaração negocial, sendo indevida, pois, a invocação, porque inexiste acto administrativo, da violação do art. 133º, 2, al. c) do CPA.(…)”

O Tribunal afastou assim a tese da ora recorrente, segundo a qual a referida Base era válida e que as garantias e seguros-caução tinham sido validamente transmitidos para si, além do mais porque nos termos do art. 577º do CC a cessão de créditos, regulada no art. 577º do CC não carece de consentimento do devedor.

Neste recurso, a recorrente pugna pela validade da aludida BASE XLIV, n.º 2, do Dec. Lei 393/A/98, de 4/12, porque a transferência das garantias consubstancia juridicamente uma cessão de créditos, regulada no art. 577º do CC e, portanto, sem necessidade do consentimento do devedor, e que as Bases da Concessão aprovadas por Decreto Lei têm força de Lei (acto legislativo) pelo que relativamente a ele se aplicarão as regras gerais relativas à especialidade da Lei. Em suma, argumenta a recorrente: se não for aplicado o regime do art. 577º do C.Civil, então a BASE XLIV, n.º 2 afasta a aplicação do art. 424º do C. Civil.

3.3. Como decorre do exposto, a questão essencial deste recurso é a de saber se uma clausula que integra um Dec. Lei que aprovou as Bases de uma concessão, pode ser declarada nula se contrariar o regime do C. Civil, aplicável à cessão da posição contratual.

Como é bom de ver a questão é de interesse geral e extravasa os limites do presente litígio.

Sobre a mesma não se conhece jurisprudência deste STA.

A justificação do TCA quanto a esta específica, questão (relevância jurídica da circunstância da Base declarada nula estar contida num acto legislativo) não é clara: considera que não estamos perante uma estatuição geral e abstracta (fls. 683), mas que também não estamos perante um acto administrativo (fls. 684), nem um contrato administrativo, mas antes uma “declaração negocial” ou um “contrato privado” ou ainda “um contrato administrativo com objecto passível de um contrato de cessão da posição contratual”.

Por outro lado, os valores globais em causa ascendem a centenas de milhares de euros (cfr. alíneas f) e g) da matéria de facto), o que confere à questão uma fundamental relevância social.

Do exposto resulta que estão verificados os pressupostos de admissibilidade da revista.

4. Decisão

Face ao exposto, admite-se a revista.

Lisboa, 30 de Novembro de 2017. – São Pedro (relator) – Costa Reis – Madeira dos Santos.