Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0359/14.2BELSB 0678/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:MADEIRA DOS SANTOS
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CLASSIFICAÇÃO DE IMÓVEL
ZONA DE PROTECÇÃO
DEVER DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:Não é de admitir a revista em que fundamentalmente se questiona a fundamentação do acto que reabriu o procedimento de classificação de certo imóvel se – tal como as instâncias unanimemente disseram – nada indicia que tal acto haja ofendido o dever de fundamentar.
Nº Convencional:JSTA000P23615
Nº do Documento:SA1201809210359/14
Data de Entrada:07/06/2018
Recorrente:CTT CORREIOS DE PORTUGAL, SA
Recorrido 1:PRESIDÊNCIA DO CM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em apreciação preliminar, no Supremo Tribunal Administrativo:
CTT - Correios de Portugal, SA, interpôs esta revista do acórdão do TCA Norte confirmativo da sentença do TAF do Porto que julgou improcedente a acção instaurada pela ora recorrente contra a Presidência do Conselho de Ministros e onde a autora solicitara a anulação do acto que reabriu um procedimento administrativo para se classificar o complexo da Fábrica das Devesas como dotado de interesse cultural e beneficiário de uma zona de protecção.

A recorrente pugna pela admissão da revista por ela tratar de uma questão relevante – ligada à relação entre os procedimentos do género e os direitos dos proprietários limítrofes – e, alegadamente, mal decidida pelo tribunal «a quo».

A entidade demandada contra-alegou, defendendo a inadmissibilidade da revista.

Cumpre decidir.

Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos TCA's não são susceptíveis de recurso para o STA. Mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental; ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito («vide» o art. 150°, n.º 1, do CPTA).

Através da acção dos autos, a autora e aqui recorrente impugnou o acto que, após a caducidade do procedimento de classificação de um certo imóvel – o complexo da fábrica de cerâmica das Devesas – como um bem de interesse cultural, decidiu abrir um novo procedimento para o mesmo efeito. E foram dois os motivos por que a autora solicitou a anulação do acto: porque tal reabertura careceria de fundamentação – já que os motivos adrede invocados não excediam os constantes do procedimento que caducara; e porque o acto não explicou por que razão o novo procedimento incluiu uma zona geral de protecção – em vez de delimitar uma zona especial, que melhor assegurasse os interesses dos «domini» vizinhos.

A acção improcedeu nas instâncias, as quais disseram duas essenciais coisas: que o acto estava fundamentado, nada impedindo que essa fundamentação coincidisse com a que presidira à abertura do procedimento caducado; e que a adopção de uma zona geral de protecção, enquanto efeito automático da abertura do procedimento (art. 36°, n.º 1, do DL n.º 309/2009, de 23/10), não requeria uma qualquer fundamentação autónoma.

Nesta revista, a recorrente insiste naqueles vícios de falta de fundamentação; acrescentando ainda que o acórdão «sub specie» é nulo, por omissão de pronúncia, relativamente a questões de facto relacionadas com os limites da zona de protecção. Note-se, aliás, que a revista não poderia tratar de outros assuntos; pois, tendo em conta a «causa petendi» – delimitativa do «thema decidendum» – só os referidos pontos são susceptíveis de análise por parte do Supremo.

Ora, a recorrente está longe de ser persuasiva. No que toca à fundamentação da abertura de um novo procedimento classificativo – que renove um outro, entretanto caducado – a recorrente acerta ao exigi-la, já que isso corresponde ao que se prevê no art. 34°, n.º 4, do DL n.º 309/2009. No entanto, e como as instâncias afirmaram, nada parece impedir que as razões da reabertura de um procedimento coincidam com as anteriormente invocadas para iniciar o procedimento pretérito; e até seria estranho que não coincidissem, visto que a identidade dos fins – visados no primeiro procedimento e no segundo – sugere logo que ambos promanem das mesmas causas.

Portanto, tudo indica que o acto não pecou por falta de fundamentação em virtude de somente repetir razões, já antes exprimidas, concernentes à classificação do imóvel.

No fundo, a fundamentação expressa – que deve especialmente acompanhar «a abertura de novo procedimento» (art. 34°, n.º 4) – destina-se a vencer o hiato causado pela caducidade pretérita; mas esse hiato é superável mediante uma enunciação actual de que subsistem, «sine variatione», as razões justificativas do anterior processo de classificação. E, como foi isso que o acto disse, a solução das instâncias, negatória do vício formal invocado, merece inteira credibilidade.

No que respeita ao silêncio do acto quanto à delimitação de uma zona especial de protecção, o acerto das instâncias ainda é mais claro. Iniciado um procedimento de classificação do género, surge «automaticamente», em relação ao imóvel abrangido, uma zona geral de protecção (art. 36° do DL n.º 309/2008). Os efeitos automáticos de qualquer coisa são os que acontecem sem a moção de uma causa eficiente externa – cujo exercício exigiria, caso ela existisse, uma motivação ou explicação. Todo o efeito automático flui logo, e de forma espontânea, sem necessidade de uma qualquer pronúncia «ad hoc» - donde a impossibilidade de enunciar uma fundamentação dessa inexistente pronúncia. É, pois, vã a ideia de que o acto deveria ter fundamentado um efeito que resultava automaticamente «ex lege».

E a decisão das instâncias também está a coberto da crítica de que o acto não explicou porque se absteve de delimitar uma zona especial de protecção; pois a Administração não tem de explicar o que não decida – designadamente, o motivo por que não enveredou por certas possibilidades.

Assim, a linha decisória do aresto «sub specie» afigura-se-nos exacta. E essa exactidão afasta de imediato a denúncia da nulidade do aresto. Com efeito, a recorrente diz que houve uma omissão de pronúncia sobre a eventual necessidade de que se fixasse uma zona especial de protecção. Mas, como o TCA recusou – e, aparentemente, bem – uma tal necessidade, fica logo excluída a invalidade arguida.

Portanto, não se justifica receber a revista para se melhorar a aplicação do direito. E, como as «quaestiones juris» suscitadas no recurso – ligadas ao problema da fundamentação – são tecnicamente simples, nenhuma razão há para que, torneando a excepcionalidade das revistas, agora as submetamos a reanálise.

Nestes termos, acordam em não admitir a revista.

Custas pela recorrente.

Porto, 21 de Setembro de 2018. – Madeira dos Santos (relator) – Costa Reis – São Pedro.