Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0498/15.2BEMDL
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IVA
ERRO DE DIREITO
Sumário:O prazo aplicável para reclamar do IVA entregue em excesso numa situação enquadrável no denominado erro de direito é de quatro anos, nos termos previstos no artigo 98.º, n.º 2 do Código do IVA.
Nº Convencional:JSTA000P26002
Nº do Documento:SA2202006030498/15
Data de Entrada:05/10/2019
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MUNICÍPIO DE ALFÂNDEGA DA FÉ
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


– Relatório –

1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorre para este Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo Município de Alfândega da Fé, com os sinais dos autos, contra o pedido de revisão oficiosa, à data requerido por EDEAF – Entidade Empresarial Municipal de Desenvolvimento de Alfândega da Fé, relativamente a IVA que foi alegadamente autoliquidado em excesso no ano de 2011, no montante de EUR 9.161,60.

Para tanto, apresentou as seguintes conclusões:

A) A impugnante Município de Alfândega da Fé, veio impugnar o acto que indeferiu o Pedido de Revisão Oficiosa, à data requerido por EDEAF – Entidade Empresarial Municipal de Desenvolvimento de Alfândega da Fé, relativamente ao IVA entregue em excesso no ano de 2011, nos termos do artº. 78 da LGT e 98 do CIVA. Cf. Folhas 4 a 15 do PA.

B) A final e no Pedido de Revisão Oficiosa, aquela entidade (EDEAF) requer lhe seja autorizado a regularizar o IVA em causa liquidado em excesso, ao abrigo dos nº.s 1 e 2 do artº. 98 do CIVA e do artº. 78 da LGT.

C) O referido pedido foi indeferido pela Direção dos Serviços do IVA, no essencial, por caducidade do direito à respectiva regularização.

D) O Tribunal a quo deu como provados os factos referidos em 4 com base na fundamentação referida em 5 das presentes alegações.

E) Com base na fundamentação acima referida, a sentença “a quo” julgou procedente a presente impugnação, pelo que, o Tribunal “a quo” incorreu em erro de julgamento, porquanto, a situação dos autos não se enquadra na previsão do artº. 98 nº. 1 do CIVA.

F) O Tribunal “a quo” também incorreu em erro de interpretação, ao dizer que a AT, parece defender o contrário do que os Serviços do IVA veicularam nos ofícios nº.s 30.126 de 15/4/2011 e 30.159 de 18/6/2014 “quanto à não sujeição a IVA das transferências efectuadas entre um município e uma empresa municipal no âmbito de um contrato programa.

G) A posição da AT veiculado nos ofícios circulados citados, em nada colide com a posição tomada nos presentes autos. Aqui, o que está em causa, é saber se, a situação em concreto se enquadra na previsão do artº. 98 nº. 1 do CIVA (Revisão Oficiosa), ou se pelo contrário, e como pensamos, se enquadra em alguma das previsões do artº. 78 do CIVA (Regularizações).

H) Assim como se contesta veemente, com o maior respeito, a douta sentença na parte que refere que “a AT violou o princípio da boa-fé subjacente nas relações entre a actividade administrativa e os administrados, porquanto, no caso dos autos, apenas se extremam posições interpretativas diferentes, entre a AT e a impugnante, no que à “regularização” do IVA respeita.

I) A douta sentença enquadrou mal a situação concreta dos autos no regime de revisão oficiosa dos atos tributários previsto no artº. 98 do CIVA e 78 da LGT.

J) Este mecanismo de revisão oficiosa aplicável ao IVA como decorre do citado artº. 98 e da configuração deste mecanismo impugnatório com a LGT, não prejudica as especificidades próprias do funcionamento do IVA.

Dito de outra forma, a revisão oficiosa da autoliquidação do IVA não pode prejudicar os pressupostos do direito de regularização deste imposto, sob pena, das normas reguladoras deste direito ficarem desprovidas de qualquer efectividade.

K) O Douto Tribunal considerou os erros constatados na autoliquidação que seriam considerados imputáveis aos serviços, nos termos do nº. 2 do artº. 78 da LGT. No caso em concreto, é difícil admitir a existência de um mero erro na autoliquidação, porquanto, os erros são prévios e decorrem da própria documentação contabilística das operações pelo sujeito passivo, aqui impugnante. A autoliquidação praticada limita-se a reflectir os registos contabilísticos existentes, não dando origem a um erro novo.

L) Ora, conforme decorre das normas transcritas nos pontos 11, 12 e 13 destas alegações, pedido de revisão oficiosa do imposto não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para o exercício do direito de regularização, sob pena destas normas ficarem desprovidas de qualquer imperatividade e daquele direito, poder, na prática, ser exercido pelo mecanismos da revisão oficiosa no prazo de quatro anos fixado no nº. 1 do artº. 78 da LGT.

M) O nº. 2 do artº. 98 do CIVA fixa um limite máximo de carácter geral a partir do qual o direito de regularização do imposto entregue em excesso já não poderá ser exercido. Porém, e como prevê a própria norma, este prazo de quatro anos, é aplicável “sem prejuízo de disposições especiais”. Este prazo não opera quando exista norma especial que estabeleça um limite temporal diferente (aliás é este o entendimento do Ac. STA, processo nº. 966/2010, de 18.05.2011).Tendo o mesmo Acórdão concluído que, o prazo da revisão oficiosa não se sobrepõe aos prazos de regularização previstos no CIVA.

N) No caso dos autos, a regularização do imposto pretendida, enquadra-se no nº. 3 do artº. 78 do CIVA, que prevê, no caso de faturas inexactas que tiverem dado lugar ao registo a que se refere o artº. 45, como é o presente caso, em que a questão foi suscitada muito após esse registo, a rectificação é obrigatória quando tiver sido liquidado imposto a menos e é facultativa, quando tiver havido imposto liquidado em excesso, mas apenas pode ser efectuada no prazo de dois anos.

O) E apesar da liquidação de imposto ter ocorrido através de documentos internos de suporte aos registos contabilísticos efectuados, não prejudica a aplicação desta norma, porque o que é relevante é que a rectificação do imposto não se deveu a redução do valor tributável da operação,

P) Assim, a regularização do imposto requerida pela impugnante relativa à correcção do IVA liquidado em excesso só pode ser exercida através do mecanismo previsto no nº. 3 do artº. 78 do CIVA, no prazo de dois anos.

Q) A douta sentença violou, no que respeita à imperatividade das normas específicas quanto às regularizações deste imposto, nomeadamente, o disposto no nº. 3 do citado artº. 78 do CIVA.

R) O prazo de quatro anos previsto no nº. 2 do artº. 98 do CIVA só seria aplicável, por decorrência da inaplicabilidade do nº. 3 do artº. 78, o que não se concede.

S) Como decorre dos autos, o pedido de regularização apresentado pela impugnante teve lugar muito depois do prazo dos dois anos imposto pelo nº. 3 do artº. 78 do CIVA, pelo que, ficou expirado o direito de regularização reivindicado. Assim, sendo, não pode esse mesmo direito ser exercido pela via da revisão oficiosa prevista no artº. 78 da LGT.

T) Tribunal a quo, mal andou, quando enquadrou a situação dos autos, num mecanismo (revisão oficiosa) desajustado à dedução de um imposto, em vez de o enquadrar no mecanismo correto previsto para as “regularizações” deste imposto como o prevê o artº. 78, nº. 3 do CIVA.

U) Em matéria de correcção de erros materiais praticados nos registos e nas declarações o artº. 78 do CIVA prevê uma série de situações denominadas “regularizações do IVA”.

V) De entre esses erros materiais praticados nos registos e nas declarações aquele normativo, elenca aqueles a que se referem os artºs. 45 do CIVA, como é o caso daqui dos autos. Ora também foram violados os normativos legais desta norma e os que nela constam enumerados.

W) A douta decisão recorrida andou mal, ao concluir que não se tratou de um erro de contabilidade da impugnante, por lapso dos seus serviços, situação que se subsume à norma do nº. 3 do artº 78 do CIVA e aos respectivos condicionalismos temporais, e considerou que a situação se subsumia ao artº. 98 nº. 1 do mesmo diploma legal (pressupondo até, responsabilidade dos serviços pela liquidação em excesso).

X) A douta sentença violou ainda as normas do artº. 22 nº. 1 CIVA, porquanto, esta norma estabelece “ o momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, inferindo-se de tal norma, que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo.

Y) Aliás, no alinhamento dos factos assentes como provados, à posição que a AT veio tomar nos ofícios circulados mencionados, quer pela impugnante, quer na fundamentação da decisão ora recorrida, a própria EDEAF poderia e deveria ter utilizado o mecanismo consagrado no nº. 3 do artº. 78 do CIVA, uma vez que o IVA a que se referem ao autos respeita aos meses de Abril e Maio de 2011, e aquela entidade só foi dissolvida em 9 de Abril de 2013. E só em 14 de Janeiro de 2014 é que o Município de Alfândega da Fé (único credor da EDEAF) veio requerer o pedido da revisão oficiosa.

Z) Vale aqui aquela máxima, de que a impugnante “escolheu quando e como pedir o IVA liquidado em excesso” ao arrepio das normas que regulamentam o direito à dedução, e a douta sentença foi nesse sentido, violando as normas consagradas no CIVA já citadas, no que a esta matéria diz respeito.

Nestes termos e nos melhores de Direito, que serão por Vª. Exªs Doutamente supridos, deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência revogada a douta sentença, aqui sob recurso, decidindo-se conforme entendimento defendido pela Administração Tributária, isto é, estar precludido o direito de regularização do IVA, pelo decurso do prazo de caducidade desse direito”.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu o parecer de fls. 269 e 270 onde, “face ao conteúdo dos autos e os factos assentes no probatório, não postos em causa, e tendo em conta o disposto no artigo 22º do CIVA”, se pronunciou pelo provimento do recurso, ao qual considera ser aplicável a jurisprudência resultante do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo a 18 de Maio de 2011, no âmbito do Processo n.º 0966/10.

4 - Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


– Fundamentação –

5 – Questão a decidir

É a de saber se a sentença do Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao desconsiderar a caducidade do direito à regularização do IVA em causa nos presentes autos, por considerar aplicável o regime de revisão oficiosa dos actos tributários previsto nos artigos 98.º do Código do IVA e no artigo 78.º da LGT.

6 – Matéria de Facto

É a seguinte a matéria de facto fixada na sentença recorrida:

1. Em 12/11/2014 foi constituída a Empresa Municipal de Desenvolvimento de Alfandega da Fé E.M (EDEAF) – Cfr. doc 1 da PI (Certidão Permanente da EDEAF), fls. 19 e 49 e ss do PA;

A data 12/11/2014 é provavelmente um erro de escrita do Tribunal a quo, porque antes de 2014 já a Empresa tinha sido dissolvida. No entanto, a data de constituição não tem qualquer impacto na decisão da causa

2. Durante os anos de 2009, 2010 e 2011, a EDEAF, inscrita no regime de IVA trimestral, liquidou IVA ao Município de Alfandega da Fé, à taxa normal, nas transferências recebidas e enviadas pelo Município, que tinham na sua origem a comparticipação financeira estabelecida ao abrigo de contratos programa entre ambos (Município e EDEAF) – art.º 9 da PI e doc. n.º 2 deste articulado, que aqui se reproduz;

3. Em 9/10/2013 foi declarada a dissolução da EDEAF em procedimento administrativo voluntário de dissolução n.º 47/2013 – Cfr. doc 1 da PI (Certidão Permanente da EDEAF), fls. 19 e 49 e ss do PA;

4. Em 14/1/2014 a Impugnante apresentou um pedido de revisão oficiosa, solicitando à Autoridade Tributária a regularização a seu favor do imposto pago em excesso referente aos anos de 2011 (nos meses de Abril e Maio), no valor total de 9.162,60€ - doc 4 da PI;

5. A Impugnante foi notificada, através do Ofício n.º 1093, datado de 9/06/2015, do indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado – doc 5 da PI”.

7 – Apreciando

7.1. Dos vícios imputados à sentença recorrida

A sentença recorrida, a fls. 218 a 221 dos autos, julgou totalmente procedente a impugnação judicial deduzida pelo Município de Alfândega da Fé, por considerar que “as operações efectuadas pelos municípios que criaram as empresas municipais, e as tutelam, não constituem operações no âmbito de poderes de autoridade para efeitos do imposto sobre o valor acrescentado”. Defender-se agora o contrário, “como parece ser a posição da AT, é violar o princípio da boa-fé”, uma vez que aquele entendimento estava vertido no “ofício circulado n.º 30.126, de 15/4/2011, da Direcção dos Serviços do IVA e pelo ofício circulado dos mesmos serviços n.º 30.159, de 18/6/2014”, que esclareceram “o entendimento da AT quanto à não sujeição a IVA das transferências efectuadas entre um município e uma empresa municipal, no âmbito de um contrato programa”.

Para o Tribunal a quo, consideram-se “imputáveis à administração tributária os erros de autoliquidação”, apoiando o seu entendimento no disposto nos n.º 1 e 2 do art.º 78.º da LGT (na redacção dada pela Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro) e nos Acórdãos do STA proferidos nos processos 0366/11, de 14/12/2012 e 0532/07, de 28/11/2007. Neste contexto, “inexiste a situação que o art.º 78.º, n.º 3 do CIVA prevê, porque a inexactidão das facturas que o preceito refere” relaciona-se “com um erro, ou inexactidão, sobre a transmissão de bens ou prestação de serviços sobre os quais o IVA é liquidado, e não sobre se os bens ou serviços prestados incide IVA. Tal como a Impugnante refere, este preceito deve ser conjugado com o art.º 98.º, n.º 1 do CIVA”.

Discorda do decidido a recorrente, por considerar que em matéria de correcção de erros materiais praticados nos registos e nas declarações” é aplicável o disposto no artigo 78.º do Código do IVA, que prevê a possibilidade de efectuar “regularizações do IVA” em diversas situações, designadamente no caso de facturas inexactas que tiverem dado lugar ao registo a que se refere o artigo 45.º do Código do IVA, como aconteceu no caso dos autos (sendo que, para a Recorrente, o enquadramento da situação sub judice no artigo 78.º do Código do IVA não é prejudicado pela circunstância de a “liquidação de imposto ter ocorrido através de documentos internos de suporte aos registos contabilísticos efectuados”, porque “o que é relevante é que a rectificação do imposto não se deveu a redução do valor tributável da operação”).

Neste contexto, a recorrente entende que o n.º 2 do art.º 98.º do Código do IVA “não opera quando exista norma especial que estabeleça um limite temporal diferente”, uma vez que o mecanismo de revisão oficiosa “não pode prejudicar a imperatividade das normas que estabelecem prazos especiais para o exercício do direito de regularização, sob pena destas normas ficarem desprovidas de qualquer imperatividade e daquele direito, poder, na prática, ser exercido pelo mecanismos da revisão oficiosa no prazo de quatro anos fixado no nº. 1 do artº. 78 da LGT”. Nesta medida, o prazo de quatro anos previsto no nº. 2 do artº. 98 do CIVA só seria aplicável, por decorrência da inaplicabilidade do nº. 3 do artº. 78, o que não se concede”. Ao entender de forma diferente, a sentença do Tribunal a quo violou também o disposto no “artº. 22 nº. 1 CIVA, porquanto, esta norma estabelece “ o momento e modalidades do exercício do direito à dedução”, inferindo-se de tal norma, que a dedução do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento, à escolha do sujeito passivo”.

Por fim, defende ainda a recorrente que a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira veiculada nos ofícios circulados citados pelo Tribunal a quo “em nada colide com a posição tomada nos presentes autos. Aqui, o que está em causa, é saber se, a situação em concreto se enquadra na previsão do artº. 98 nº. 1 do CIVA (Revisão Oficiosa), ou se pelo contrário, e como pensamos, se enquadra em alguma das previsões do artº. 78 do CIVA (Regularizações)”, não tendo assim sido violado o princípio da boa-fé subjacente nas relações entre a actividade administrativa e os administrados, uma vez que no caso dos autos “apenas se extremam posições interpretativas diferentes, entre a AT e a impugnante, no que à “regularização” do IVA respeita”.

Vejamos.

A questão controvertida nos presentes autos exige que se determine se a regularização de IVA pretendida pelo Recorrido se destina a rectificar um erro material ou de cálculo (como sustenta a recorrente) ou se, diversamente, se destina a rectificar um erro de direito (como sustenta o Município Recorrido). Só depois de definida a natureza do erro que suscitou a apresentação do pedido de regularização do IVA suportado em 2011 é que se revela possível determinar qual o prazo que lhe é aplicável, pois que a diferente qualificação do erro (v.g., qualificação como erro material ou de cálculo ou, alternativamente, como erro nos pressupostos de direito) é susceptível de determinar prazos distintos de regularização do IVA liquidado.

Do n.º 5 do Probatório fixado na sentença recorrida consta que a “14/1/2014 a Impugnante apresentou um pedido de revisão oficiosa, solicitando à Autoridade Tributária a regularização a seu favor do imposto pago em excesso referente aos anos de 2011 (nos meses de Abril e Maio), no valor total de 9.162,60€ - doc 4 da PI”. Compulsado este documento reproduzido no probatório, verificamos que a motivação do recorrido para solicitar a regularização do IVA se deveu “aos desenvolvimentos da doutrina administrativa ao nível do tratamento em sede de IVA das transferências no sector empresarial local”, que o levaram a proceder “à revisão dos seus procedimentos no que respeita ao enquadramento em sede de IVA das transferências concedidas pelo Município à EDEAF, de forma a conferir um tratamento mais correcto nesta área, evitando custos desnecessários”. No contexto desta revisão de procedimentos, o recorrido concluiu ter sido aplicado “um enquadramento erróneo em sede de IVA” às transferências realizadas ao abrigo do contrato programa que celebrou com a EDEAF, tendo assim procurado regularizar a situação através do pedido de revisão oficiosa apresentado junto da Autoridade Tributária e Aduaneira.

Do exposto decorre, à saciedade, que a situação em apreciação não se enquadra no conceito de erro material ou de cálculo sustentado pela Recorrente mas, diversamente, no conceito de erro de direito, tal como sustentado pelo recorrido.

Com efeito, o erro que está em causa nos autos não deriva de uma alteração superveniente da operação celebrada entre o recorrido e a EDEAF, não decorre da inexactidão dos documentos de suporte à operação nem de um erro de cálculo ou de escrita nesses mesmos documentos (vide, neste sentido, o artigo 95.º-A n.º 2 do CPPT). Pelo contrário, o erro em que o recorrido acredita ter incorrido consiste num lapso relativo ao enquadramento jurídico, em sede de IVA, das transferências efectuadas ao abrigo do contrato programa celebrado com a EDEAF pois que, confrontado com a emissão do Ofício Circulado n.º 30.126, de 15/4/2011 e do Ofício Circulado n.º 30.159, de 18/6/2014, o recorrido concluiu ter efectuado uma errónea aplicação do direito ao nível do enquadramento fiscal daquela operação, solicitando assim a respectiva revisão.

Estando em causa um erro de direito, já se deixou consignado no Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo a 28 de Junho de 2017 no âmbito do Processo n.º 01427/14 que “o prazo aplicável para reclamar da dedução do imposto entregue em excesso é o previsto no artigo 98.º, n.º 2 do CIVA, ou seja, quatro anos e não o prazo de dois anos, previsto no artigo 78.º, n.º 6 do mesmo diploma, dado que este se circunscreve à correção de erros materiais ou de cálculo”.

Com efeito, se a existência de um erro material ou de cálculo é susceptível de determinar a regularização do IVA liquidado em excesso ao abrigo do disposto no artigo 78.º do Código do IVA (vide o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 18 de Maio de 2011 no Processo n.º 0966/10), a existência de um erro de direito “não se enquadra nos “erros” tipificados no art.º 78º do CIVA” (neste sentido, vide o Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 20 de Dezembro de 2017 no Processo n.º 0366/17). E face à inaplicabilidade das normas ínsitas no artigo 78.º do Código do IVA, no caso de erro de direito deverá ser aplicado o prazo geral e supletivo de quatro anos previsto no artigo 98.º do Código do IVA e no artigo 78.º n.º 2 da Lei Geral Tributária (na redacção em vigor à data dos factos), sem que isso constitua uma violação da regra prevista no artigo 22.º n.º 1 do Código do IVA (pois que o direito à dedução do imposto não passa a poder ser exercido a todo e qualquer momento, mas dentro do referido prazo de quatro anos).

Ora, o objectivo que se teve em vista com o n.º 2 do artigo 78.º da LGT (entretanto revogado) “foi alargar as situações em que é admissível a revisão em casos de autoliquidação, permitindo-a sempre (e não apenas nos caso em que tivesse havido correcção dos elementos evidenciados pela declaração, como sucedia no regime do artº 94º, nº 2, do CPT), inclusivamente quando o erro é imputável ao contribuinte, que passou a ficcionar-se como imputável à administração tributária”, solução que estava “em sintonia com a directriz primordial da autorização legislativa em que se baseou o Governo para aprovar a LGT, que era a de reforço das garantias dos contribuintes” (vide o Acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo proferido a 28 de Novembro de 2007 no Processo n.º 0532/07).

Ficcionando a legislação à data dos factos que os erros da autoliquidação eram imputáveis à Administração Tributária, esta não podia “demitir-se de tomar a iniciativa de revisão quando demandada para o efeito pelo interessado, estando mesmo obrigada a proceder à convolação nesse meio procedimental quando conclui que a reclamação apresentada é intempestiva” (vide o Acórdão proferido por este Supremo Tribunal Administrativo a 14 de Dezembro de 2011 no Processo n.º 0366/11).

Motivo pelo qual a sentença recorrida não merece censura, ao desconsiderar a caducidade imputada pela Administração Tributária ao pedido de revisão oficiosa formulado pelo Recorrido ao abrigo daquele n.º 2 do artigo 78.º da LGT.

Confirmando-se a sentença recorrida nestes termos, não há que empreender qualquer análise de mérito relativa à boa-fé da Autoridade Tributária e Aduaneira perante a informação veiculada nos Ofícios Circulados n.º 30.126, de 15/4/2011 e n.º 30.159, de 18/6/2014. Com efeito, o acto tributário impugnado indeferiu o pedido de revisão oficiosa apresentado pelo recorrido apenas com base num fundamento formal/procedimental (v.g., com base na respectiva caducidade) e não com base em qualquer apreciação de mérito, motivo pelo qual não cabe proceder à respectiva análise em sede judicial.


– Decisão –


8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso do Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 3 de Junho de 2020. - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.