Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:086/20.1BALSB
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:COIMA
DECISÃO
PEDIDO DE REVISÃO
FACTO NOVO
Sumário:I - A decisão administrativa de aplicação de coima por infracção tributária que já não seja recorrível ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT é passível de recurso extraordinário de revisão previsto no art. 449.º do CPP, aplicável ao processo contra-ordenacional tributário por força do disposto no art. 80.º do RGCO e no art. 3.º, alínea b), do RGIT.
II - A autorização do pedido de revisão (juízo rescindente) compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo nos termos das disposições conjugadas dos art. 3.º, alínea b), do RGIT, art. 80.º, n.º 1, do RGCO, art. 449.º e segs. do CPP e art. 26.º, alínea h), do ETAF, enquanto a competência para a revisão (juízo rescisório) é da competência do tribunal tributário de 1.ª instância que seria o competente para o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima (art. 85.º, n.º 1, do RGIT).
III - É de autorizar a revisão e remeter os autos ao tribunal tributário competente para esse efeito se, fundando-se o pedido de revisão na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, o arguido, agora requerente, traz aos autos o documento comprovativo da ulterior liquidação de IRC, de que resulta que não houve lucro tributável no exercício relativamente ao qual foi condenado em sede contra-ordenacional por falta de pagamento por conta [nos termos do art. 104.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, e dos arts 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4, do RGIT], facto novo, porque ainda não verificado à data daquela condenação, e que suscita graves dúvidas sobre a justiça dessa condenação.
Nº Convencional:JSTA00071278
Nº do Documento:SA220211027086/20
Data de Entrada:07/30/2020
Recorrente:A…………….., LDA.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Decisão:Autoriza revisão da decisão de aplicação da coima
Legislação Nacional:art. 85.º do RGIT
art. 80.º, art. 81.º do RGCO
art. 449.º, n.º 1, al. d), do CPP
Aditamento:
Texto Integral: Processo nº: 86/20.1BALSB
Recurso de revisão da decisão administrativa de aplicação de coima
Recorrente: “ A……………, Lda.”
Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT)

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade acima identificada, invocando o disposto no art. 85.º do Regime Geral das Infracção Tributárias (RGIT), nos arts. 80.º e 81.º do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO) e no art. 449.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Penal (CPP), fez dar entrada no Serviço de Finanças de Lisboa - 10 uma petição, endereçada ao «Supremo Tribunal Administrativo» e ao «Tribunal Tributário de Lisboa» e em cujo intróito se dirige aos «Juízes Conselheiros», de recurso de revisão da decisão administrativa por que o Chefe desse Serviço de Finanças, em 28 de Novembro de 2019, lhe aplicou uma coima no âmbito do processo de contra-ordenação com o n.º 32552019060000128114.

1.2 Nessa petição apresentou as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«A) A 3 de Dezembro de 2019 a Recorrente foi notificada da decisão de aplicação de coima no montante de EUR 45.000,00, proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10 no processo de contra-ordenação tributária n.º 32552019060000128114, com fundamento na falta de entrega da 2.ª prestação do pagamento por conta alegadamente devido até ao dia 30 de Setembro de 2019, no montante de EUR 149.029,99, ao abrigo dos artigos 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4, do RGIT.

B) A Recorrente não efectuou o pagamento da coima aplicada no processo de contra-ordenação tributária n.º 32552019060000128114 nem tão-pouco interpôs recurso ao abrigo do artigo 80.º, n.º 1, do RGIT, tornando-se em consequência definitiva a referida decisão de aplicação de coima;

C) A 5 de Junho de 2020, ao preparar e entregar junto da Administração Tributária a Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC referente ao exercício de 2019, a Recorrente constatou que nesse exercício não registou lucro tributável em sede de IRC;

D) A ausência de lucro tributável da Recorrente no exercício de 2019, revelada através da Declaração de Rendimentos Modelo 22 do IRC apresentada a 5 de Junho de 2020, consubstancia um facto novo que de per se evidencia dúvidas graves sobre a justiça da condenação do arguido, designadamente na medida em que permite concluir pela inexistência dos pressupostos da infracção subjacente à decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 32552019060000128114;

E) A revisão da decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 32552019060000128114 deve ser autorizada por esse Douto Supremo Tribunal Administrativo, com a consequente remessa dos presentes autos para subsequente novo julgamento no Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos dos artigos 85.º, n.º 1, e 3.º, alínea b), do RGIT, 80.º, n.º 1, do RGCO, 449.º, n.º 1, alínea d), 454.º e 455.º do CPP, uma vez que está verificado o pressuposto previsto nos artigos 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP, e 80.º, n.º 2, do RGCO, para a autorização da revisão da decisão de aplicação da coima proferida nesse processo, o valor da coima aplicada é superior a EUR 37,41 e ainda não terem decorrido cinco anos após o carácter definitivo da decisão a rever;

F) A jurisprudência dos tribunais superiores afirma, concretamente quanto ao tipo objectivo consagrado no artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, que a respectiva verificação depende da efectiva existência de uma prestação tributária em falta – cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Março de 2007 (Processo n.º 0877/06), de 9 de Outubro de 2019 (Processo n.º 0329/18.1BELLE) e de 16 de Janeiro de 2020 (Processo n.º 0461/18.1BEL.LE) e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 18 de Abril de 2018 (Processo n.º 818/ 12.1BELRS);

G) Estando demonstrada a ausência de lucro tributável na esfera da Recorrente no exercício de 2019, não poderá ser-lhe imputado o ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, com fundamento na falta de entrega do 2.º pagamento por conta do exercício de 2019, uma vez que o correspondente tipo objectivo não se encontra preenchido;

H) Não preenchendo a conduta imputada à Recorrente o elemento objectivo do ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, a coima aplicada à Recorrente é ilegal e consequentemente anulável por esse Douto Tribunal Tributário de Lisboa, em sede de revisão de decisão de aplicação de coima, nos termos dos artigos 85.º, n.º 1, do RGIT, e 163.º do CPA.

Nestes termos, requer-se, ao abrigo dos artigos 81.º, n.º 3, do RGCO, 451.º, n.º 1, do CPP e 26.º, alínea h), do ETAF, a instrução do presente recurso de revisão da decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação tributária 32552019060000128114, a subsequente remessa do mesmo para o Supremo Tribunal Administrativo e, com as demais consequências legais:

i) Com fundamento na existência de novo facto que de per se gera graves dúvidas sobre a justiça da condenação da Recorrente e, nos demais termos que esse Douto Supremo Tribunal Administrativo suprirá, ser autorizada a revisão da decisão de aplicação de coima proferida no processo de contra-ordenação n.º 32552019060000128114, ao abrigo dos artigos 3.º, alínea b), do RGIT, 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP e 80.º, n.º 1, do RGCO, 454.º e 455.º do CPP, tudo com as demais consequências legais;

ii) Com fundamento na falta de preenchimento do tipo objectivo do ilícito contra-ordenacional previsto no artigo 114.º, n.º 5, alínea f), do RGIT, e nos demais termos que esse Douto Tribunal Tributário de Lisboa suprirá, ser anulada a coima aplicada à Recorrente no processo de contra-ordenação tributária n.º 32552019060000128114, nos termos dos artigos 85.º, n.º 1, do RGIT, e 161.º do CPA;

e

iii) Na medida da procedência dos presentes autos, condene a Administração Tributária no pagamento de custas de parte, tudo com as demais consequências legais».

Com a petição juntou 4 documentos, a saber, respectivamente: cópias da notificação da decisão que lhe aplicou a coima, da declaração Modelo 22 de IRC que apresentou relativamente ao ano de 2019, da notificação que lhe foi efectuada ao abrigo do disposto no art. 70.º, n.º 1, do RGIT e da citação pessoal que lhe foi efectuada no âmbito da execução fiscal instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa - 10 para cobrança coerciva do montante da coima e acrescido.
Ulteriormente, juntou também cópia da demonstração de liquidação de IRC do ano de 2019.

1.3 O Serviço de Finanças de Lisboa -10 instruiu o processo com cópias do processo contra-ordenacional e do processo de execução fiscal onde está a ser cobrada a coima, prestou informação e, de seguida, remeteu o processo a este Supremo Tribunal.

1.4 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer no sentido de que deve ser autorizada a revisão. Isto, em síntese, porque considerou: i) que a competência para a revisão das decisões administrativas de aplicação da coima é do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos das disposições conjugadas do art. 3.º, alínea b), do RIGT, do art. 80.º, n.º 1, do RGCO, dos arts. 449.º e segs. do CPP e do art. 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF); ii) que a Requerente tem legitimidade para o pedido; iii) que se verificam os pressupostos da admissibilidade da revisão, sendo a situação sub judice subsumível à previsão da alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, sendo que há «novos factos apresentados, por meios de prova legais, os quais não se encontravam ao alcance da Recorrente, quando foi proferida decisão da aplicação de coima».

1.5 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, há que ter presente as seguintes circunstâncias processuais:

a) em 21 de Novembro de 2019, foi proferida pela Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 10, no âmbito do processo de contra-ordenação n.º 32552019060000128114, decisão de condenação da ora Requerente na coima de € 45.000 por falta do 2.º pagamento por conta do exercício de 2019, devido até ao dia 30 de Setembro de 2019, como prescrito pelo art. 104.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, no montante de € 149.029,99, omissão prevista e punida como contra-ordenação nos termos dos arts 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4, do RGIT (cf. documento junto pela Requerente sob o n.º 1);

b) notificada dessa decisão em 3 de Dezembro de 2019, a ora Requerente dela não interpôs recurso judicial (idem);

c) em 5 de Junho de 2020, a Requerente apresentou junto da Administração Tributária a sua Declaração de Rendimentos Modelo 22 de IRC, relativa ao exercício de 2019, na qual apurou um prejuízo fiscal de € 69.658,77 (cf. documento junto pela Requerente sob o n.º 2);

d) em 2 de Julho de 2020, a ora Requerente apresentou no Serviço de Finanças de Lisboa - 10 a petição inicial que deu origem ao presente processo, pedindo ao Supremo Tribunal Administrativo que autorize a revisão da decisão dita em a), a efectuar pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em face do resultado fiscal apurado na declaração referida em c);

e) o Serviço de Finanças de Lisboa - 10 organizou o processo, que instruiu com diversa documentação (designadamente, cópias do processo contra-ordenacional e do processo de execução fiscal para cobrança coerciva da coima) e, após prestar informação, nos termos do art. 454.º do CPP, remeteu-o a este Supremo Tribunal (cf. fls. 100 e ss. e 128 e ss. do processo electrónico, respectivamente);

f) em 8 de Setembro de 2020, a Recorrente apresentou cópia da demonstração de liquidação de IRC do ano de 2019 (com o n.º 2020 2910198832), emitida em 11 de Agosto de 2020, da qual consta um valor apurado de 0 €.

2.2 DE FACTO E DE DIREITO

2.2.1 DA AUTORIZAÇÃO DA REVISÃO

Tendo sido condenada no pagamento de uma coima pela infracção decorrente de não ter efectuado o 2.º pagamento por conta do exercício de 2019, por decisão administrativa de 8 de Novembro de 2019, veio a Arguida, em 2 de Julho de 2020, pedir a revisão dessa decisão, ao abrigo do disposto no art. 85.º do RGIT («1- A revisão da decisão da autoridade administrativa cabe ao tribunal competente para o conhecimento do respectivo recurso judicial, dela cabendo recurso para a instância imediatamente superior.
2- Quando a coima tiver sido aplicada pelo tribunal, a revisão cabe à instância judicial imediatamente superior, excepto se a decisão tiver sido tomada pelo Supremo Tribunal Administrativo.».), nos arts. 80.º e 81.º do RGCO e (« Artigo 80.º

Admissibilidade da revisão
1- A revisão de decisões definitivas ou transitadas em julgado em matéria contra-ordenacional obedece ao disposto nos artigos 449.º e seguintes do Código de Processo Penal, sempre que o contrário não resulte do presente diploma.
2- A revisão do processo a favor do arguido, com base em novos factos ou em novos meios de prova, não será admissível quando:
a) O arguido apenas foi condenado em coima inferior a (euro) 37,41;
b) Já decorreram cinco anos após o trânsito em julgado ou carácter definitivo da decisão a rever.
3- A revisão contra o arguido só será admissível quando vise a sua condenação pela prática de um crime.
Artigo 81.º
1- A revisão de decisão da autoridade administrativa cabe ao tribunal competente para a impugnação judicial.
2- Tem legitimidade para requerer a revisão o arguido, a autoridade administrativa e o Ministério Público.
3- A autoridade administrativa deve remeter os autos ao representante do Ministério Público junto do tribunal competente.
4- A revisão de decisão judicial será da competência do tribunal da relação, aplicando-se o disposto no artigo 451.º do Código de Processo Penal».) no art. 449.º, n.º 1, alínea d), do CPP («1- A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando:
[…]
d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação.
[…]».), e apresentando como “novos factos” que suscitam “graves dúvidas sobre a justiça da condenação”, primeiro, a declaração de rendimentos para efeitos de IRC desse ano, na qual apurou um prejuízo fiscal e, ulteriormente, a própria demonstração de liquidação de IRC do ano de 2019, da qual resulta não haver imposto a pagar.
Como resulta das normas legais invocadas, é possível a revisão da decisão administrativa de aplicação da coima, tendo o arguido legitimidade para a pedir com algum dos fundamentos constantes do art. 449.º do CPP, como resulta do art. 80.º do RGCO, aplicável subsidiariamente [art. 3.º, alínea b), do RGIT] em tudo quanto não esteja especialmente previsto no art. 85.º do RGIT.
A competência para autorizar ou recusar a revisão compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos das disposições conjugadas do art. 3.º, alínea b), do RGIT, do art. 80.º, n.º 1, do RGCO, dos arts. 449.º e segs. do CPP e do art. 26.º, alínea h), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMA SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias Anotado, Áreas Editora, 2.ª edição, 2003, anotação 16 ao art. 85.º, págs. 538/541. ).
O fundamento invocado pela Recorrente é o previsto na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPPT, que ela faz decorrer do facto de com referência ao exercício de 2019 não existir lucro tributável para efeitos de IRC, como resulta inequivocamente da nota de liquidação do imposto desse ano, que juntou; tal facto, a seu ver e de acordo com a jurisprudência dos tribunais superiores da jurisdição tributária, que citou (A Recorrente refere os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo
- de 7 de Março de 2007, proferido no processo com o n.º 877/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b7186ae40d91b88e8025729e0041951d;
- de 9 de Outubro de 2019, proferido no processo com o n.º 329/18.1BELLE, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/a9e34e5b51a983398025849600471031;
- de 16 de Janeiro de 2020, proferido no processo com o n.º 461/18.1BELLE, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/36366ea0c9bbeaaf802584f9004fc4f1.
da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul
- de 18 de Abril de 2018, proferido no processo com o n.º 818/12.1BELRS, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/e31eac66952443de802582780049222b.), preenche a previsão da referida alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, que admite a revisão quando «[s]e descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação».
Na verdade, é entendimento unânime da jurisprudência, de que é exemplo a citada pela Requerente, que para que a falta de pagamento por conta constitua infracção tributária punível de forma equiparável a falta de entrega da prestação tributária, torna-se absolutamente necessária a existência de lucro tributável ao final do período do respectivo pagamento por conta. Demonstrada a inexistência de lucro tributável, não se comprova a ilicitude do comportamento que foi sancionado.
Por outro lado, a inexistência de lucro tributável só pôde verificar-se após a apresentação da declaração de rendimentos e confirmado após a liquidação do IRC, de que resultou não haver lucro tributável nem imposto a pagar. Ou seja, é um facto que não se encontrava ao alcance da Requerente, quando foi proferida decisão da aplicação de coima.
Por isso, afigura-se-nos que a nota de liquidação de IRC do ano de 2019 constitui, para os efeitos pretendidos, novo facto que suscita grave dúvida sobre a justiça da condenação, a autorizar o juízo rescindente por parte deste Supremo Tribunal. Na verdade, tal facto põe em causa, de forma séria, a condenação da ora Requerente, sendo quase certo que esta não teria sido proferida se houvesse conhecimento da ausência de lucro tributável no exercício em causa.
A revisão será, pois, autorizada.
No caso, porque a decisão a rever é administrativa, o juízo rescisório é da competência do tribunal tributário de 1.ª instância que seria o competente para o conhecimento do recurso judicial dessa decisão, como prescreve o n.º 1 do art. 85.º do RGIT, ou seja, o Tribunal Tributário de Lisboa, ao qual, após o trânsito da presente decisão a autorizar a revisão, serão remetidos os autos, a fim de aí ser conhecido o pedido de revisão e, a final, ser mantida ou revogada a decisão condenatória.

2.2.2 CONCLUSÕES

Preparando a decisão formulamos as seguintes conclusões:

I - A decisão administrativa de aplicação de coima por infracção tributária que já não seja recorrível ao abrigo do disposto no art. 80.º do RGIT é passível de recurso extraordinário de revisão previsto no art. 449.º do CPP, aplicável ao processo contra-ordenacional tributário por força do disposto no art. 80.º do RGCO e no art. 3.º, alínea b), do RGIT.

II - A autorização do pedido de revisão (juízo rescindente) compete à Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo nos termos das disposições conjugadas dos art. 3.º, alínea b), do RGIT, art. 80.º, n.º 1, do RGCO, art. 449.º e segs. do CPP e art. 26.º, alínea h), do ETAF, enquanto a competência para a revisão (juízo rescisório) é da competência do tribunal tributário de 1.ª instância que seria o competente para o recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima (art. 85.º, n.º 1, do RGIT).

III - É de autorizar a revisão e remeter os autos ao tribunal tributário competente para esse efeito se, fundando-se o pedido de revisão na alínea d) do n.º 1 do art. 449.º do CPP, o arguido, agora requerente, traz aos autos o documento comprovativo da ulterior liquidação de IRC, de que resulta que não houve lucro tributável no exercício relativamente ao qual foi condenado em sede contra-ordenacional por falta de pagamento por conta [nos termos do art. 104.º, n.º 1, alínea c), do CIRC, e dos arts 114.º, n.ºs 2 e 5, alínea f), e 26.º, n.º 4, do RGIT], facto novo, porque ainda não verificado à data daquela condenação, e que suscita graves dúvidas sobre a justiça dessa condenação.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os Conselheiros da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo decidem, em conferência, autorizar a revisão da decisão de aplicação da coima, devendo os autos para o efeito ser remetidos ao Tribunal Tributário de Lisboa.

Sem custas (art. 456.º do CPP, a contrario).


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Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Gustavo André Simões Lopes Courinha