Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01745/10.2BELRS
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:SUZANA TAVARES DA SILVA
Descritores:IVA
LEASING
MÉTODO PRO RATA
Sumário:I - Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos.
Nº Convencional:JSTA000P25861
Nº do Documento:SA22020050601745/10
Data de Entrada:07/09/2019
Recorrente:BANCO A........................PORTUGAL, SA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

I – Relatório

1 – O Banco A………… Portugal, S.A., com os sinais dos autos, inconformado com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, que, em 6 de Março de 2019, julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo aos anos de 2006 e 2007, no montante de € 1.389.473,23 e respectivos juros compensatórios no montante de € 121.928,21, apresentou recurso, formulando, para tanto, alegações que concluiu do seguinte modo:
1) Em causa nos presentes autos estão as liquidações adicionais de IVA e respetivos juros referentes aos anos de 2006 e 2007, cujas correções são respeitantes ao direito à dedução do IVA de bens e serviços de utilização mista por parte da Recorrente que enquanto instituição financeira desenvolve, simultaneamente, atividades sujeitas (locação financeira) e isentas (concessão de crédito) desse imposto.
2) Os fundamentos das liquidações impugnadas constam do RIT (o qual se louvou, igualmente, no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro), considerando a AT que no cálculo da percentagem de dedução do pro rata não pode ser incluída: (i) a amortização financeira que integra o valor total das rendas nos contratos de Leasing e de ALD celebrados pela Recorrente, nem (ii) as rendas securitizadas, nem (iii) as indemnizações/abates decorrentes da perda total dos bens dados em locação financeira, uma vez que, na opinião da AT, tais parcelas não constituem proveitos na esfera da Recorrente.
3) Com o devido respeito, parece-nos que mal andou o Tribunal a quo ao aderir à posição da AT e, consequentemente, julgar a impugnação judicial totalmente improcedente.
SENÃO VEJAMOS:
A) QUANTO À AMORTIZAÇÃO FINANCEIRA:
4) Baseando-se no entendimento sufragado pelo TJUE no “Caso Banco Mais” (Processo C-183/13), bem como no acórdão do STA que julgou procedente o recurso interposto pela AT da sentença proferida nos presentes autos a 19.09.2012 – revogando a sentença então recorrida e determinando a baixa dos autos novamente à 1ª Instância a fim de ser substituída por outra que decidisse, após ampliação da base factual necessária para a aplicação do direito nos termos apontados –, veio o Tribunal a quo a julgar, agora, improcedente a presente impugnação judicial.
5) Com o devido respeito, considera a aqui Recorrente que a sentença recorrida padece de manifestos vícios consubstanciados numa errada aplicação do direito, maxime do regime legal do direito à dedução do IVA dos sujeitos passivos mistos, estatuído no artigo 23.º do CIVA, assim como uma intolerável admissão de fundamentação sucessiva ou a posteriori e na incorrecta aplicação do regime legal do ónus de prova no âmbito do procedimento e processo tributário.
6) Antes do mais, e ao invés do que resulta da sentença recorrida e conforme decorre do Acórdão do TJUE proferido no “Caso Banco Mais”, cumpre enfatizar que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA não constitui a transposição, para o ordenamento jurídico interno, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, da Sexta Diretiva.
7) Para além disso, no caso dos autos seria essencial considerar que, nos termos do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, é toda a renda recebida (ou seja, capital e juros) que constitui o valor tributável da locação financeira, pelo que não seria admissível “distinguir onde a lei não distingue” aquando da dedução de IVA relativamente a bens e serviços que são comprovadamente de utilização mista.
8) Ao contrário do que veio o Tribunal a quo a considerar, do Acórdão do TJUE não resulta que a AT, em circunstâncias como o caso dos autos e em conformidade com o RIT e o Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro – e independentemente de os valores em causa serem ou não considerados proveitos próprio -, se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à ora Recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método do pro rata, de acordo com o previsto no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

9) No Acórdão do TJUE é somente referido que o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Diretiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado, embora é forçoso reconhecer-se que não foi corretamente apurado que esta norma não tem idêntica ou similar correspondência no Código do IVA.

10) De facto, como escreveu já JOSÉ MARIA MONTENEGRO em comentário ao Acórdão do “Banco Mais” «(…) não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva.» Cfr. JOSÉ MARIA MONTENEGRO, ob.cit., pág. 321, cuja cópia se junta às presentes alegações..

11) Defendendo ainda esse autor – na linha, aliás do PARECER já junto aos autos da autoria de J. G. XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS - que «Em momento nenhum, em lugar algum, se descortina neste art.º 23.º a menção ou a consagração do poder de a Autoridade Tributária, perante um sujeito passivo que opta pelo método do pro rata, lhe impor condições à percentagem de dedução. Isto é, para lá das instruções precisas fornecidas pelo n.º 4 do art.º 23.º - e que são objetivas na determinação daquela percentagem – o legislador não habilitou a Autoridade Tributária a contrariar a percentagem de dedução tal como resulta do n.º 4».

12) Pelo que, não estando nesta sede em causa que a Sexta Diretiva preveja a possibilidade de os Estados-membros poderem impor a um sujeito passivo misto a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços (ou seja, que as Autoridades Tributárias possam inclusivamente moldar o cálculo do pro-rata) a VERDADE É QUE NÃO FOI ESSA A OPÇÃO SEGUIDA PELO LEGISLADOR NACIONAL NO CÓDIGO DO IVA.

13) Efetivamente, e como muito bem refere o citado autor «É verdade que a Sexta Diretiva no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c)), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo» Cfr. ob. cit., pág. 321. .

14) E nem se diga que o que acima se concluiu vai contra o entendimento sufragado no mencionado Acórdão do “Caso Banco Mais”, sendo aqui de aderir in totum à posição defendida pelo Digno Ministério Público no âmbito do Processo 2533/11.4BELRS (respeitante à mesma questão de direito, com os mesmos intervenientes, mas relativo ao ano de 2009), no qual se pugnou pela procedência da impugnação judicial ao se entender que a AT extravasou os poderes que lhe são conferidos pelo artigo 23.º do CIVA e se concluiu que tal entendimento não afrontava «o entendimento ora propugnado a decisão do ac. do TJUE de 10.07.2014 – P. C – 183/13, antes com ele se compatibilizando» Cfr. parecer proferido nos autos do Processo de Impugnação n.º 2533/11.4BELRS, datado de 09.11.2016, o qual adere integralmente ao também mui douto parecer proferido pelo Ministério Público junto do STA, cuja cópia segue em anexo às presente alegações.

15) Considera a Recorrente que ao assumir que nos termos do artigo 23.º do CIVA é conferida à AT a possibilidade de modificar a composição do pro-rata o Tribunal a quo subverte todos os pressupostos do raciocínio lógico contido na sentença recorrida, fazendo, consequentemente, uma errada interpretação e aplicação do citado preceito.

16) Pelo que a sentença recorrida enferma desse vício original que – entende a Recorrente – pode (e deve) ser facilmente verificado através da mera verificação e confronto do que consta literalmente dos artigos em causa na Sexta Diretiva do IVA e no CIVA, constatando-se que a opção do legislador nacional não foi a de conceder à AT Portuguesa – como eventualmente poderia tê-lo feito – a possibilidade de alterar as componentes de cálculo do pro-rata no caso concreto.

17) Posição essa que que tem vingado no Centro de Arbitragem Tributária – CAAD – onde a Recorrente (por referência a cada um do trimestre de 2015) obteve já 4 decisões totalmente favoráveis, a saber:

a) Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 309/2017 (proferida a 20 de Novembro de 2017, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Lopes de Sousa), na qual se pode ler que:

“(…) embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA (…).”

“Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade (…).”

b) Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 311/2017 (proferida a 09 de Janeiro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro José Poças Falcão), na qual se pode ler:

“Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23.º-4 do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado n.º 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado”.

“A solução proposta pela Administração Fiscal de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais”.

c) Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 312/2017 (proferida a 16 de Janeiro de 2018, a qual teve como Árbitro Presidente a Juíza Conselheira Fernanda Maçãs):

“(…) entende o Tribunal que a requerente tem razão, porquanto o artigo 23.º do Código do IVA não confere poder à AT de impor a um sujeito passivo que opte pelo método do pro rata, condições acrescidas à verificação da percentagem de dedução, para além do comando normativo imposto pelo n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA (…)”

“(…) tem razão a Requerente quando refere que, in casu, ocorre erro de interpretação do direito interno português que afecta a decisão do TJUE, verificando-se, como diz «uma premissa factual manifestamente errada»”.

d) Decisão do CAAD, proferida no Processo Arbitral n.º 339/2018 (proferida a 25 de Março de 2019, a qual teve como Árbitro Presidente o Juiz Conselheiro Carlos Fernando Cadilha):

“Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º

(…)

Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”

18) Termos em que, à luz da legislação vigente em Portugal, não há como afastar do pro rata a parte da amortização financeira (e muito menos com base quer numa noção de volume de negócios relativa ao controlo das concentrações de empresas ou em meras instruções administrativas, como o Ofício-circulado n.º 30108, de 30.01.2009).

19) Nessa medida e em face ao exposto, considera então a Recorrente que a sentença proferida padece, desde logo, de ERRO DE JULGAMENTO POR ERRADA INTERPRETAÇÃO E APLICAÇÃO DO ARTIGO 23.º DO CIVA.


ACRESCE QUE,

20) Salvo o devido respeito, a sentença proferida padece ainda de outros dois vícios que, na perspetiva da Recorrente, deverão igualmente conduzir à sua revogação.

21) O primeiro vício tem que ver com a (impossibilidade legal de) fundamentação sucessiva ou a posteriori: com efeito, e salvo melhor opinião, estando em causa liquidações adicionais fundamentadas num RIT e emitidas com base no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro, parece-nos inadmissível convocar já em fase de recurso a ampliação de matéria de facto com vista a acolher fundamentos factuais e jurídicos que nunca e em momento algum foram especificadamente convocados pela AT no procedimento conducente à emissão das liquidações e no âmbito do presente processo.

22) Sendo certo, insista-se, que os fundamentos constantes do RIT e do Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro que procuraram sustentar as liquidações aqui em apreço – são frontalmente distintos daqueles que foram invocam [sic] no Acórdão do TJUE referente ao “Caso Banco Mais”.

23) Com efeito, a condição mencionada no Acórdão do TJUE e reproduzida no Acórdão do STA «de que a utilização dos serviços comuns é determinada também pela disponibilização dos veículos» nunca e em momento algum foram invocadas ou alegadas no presente processo e não se encontra contida em qualquer norma legal ou regulamentar, pelo que a sua invocação redunda numa fundamentação sucessiva ou posterior, a qual, como é consabido, está totalmente vedada à AT e aos tribunais.

24) Pelo que o Tribunal a quo ao incluir este facto como não provado na sentença recorrida acaba por colaborar e até substituir a AT na fundamentação das liquidações, incorrendo assim numa fundamentação sucessiva ou a posteriori.

25) Ao Tribunal a quo apenas compete exercer o controlo da legalidade dos atos impugnados, não podendo, obviamente, como acabou por acontecer lamentavelmente na sentença recorrida aqui em crise, por colaborar e até substituir a própria AT na respetiva fundamentação das liquidações ora em crise.

26) Assim, e salvo melhor opinião, a jurisprudência do TJUE nunca poderia legitimar que a sentença recorrida postergasse todas as regras enformadoras do processo e particularmente as que afrontassem as disposições que regulam a proibição da retroatividade e o ónus da prova, pelo que a decisão judicial é inconstitucional por violação do n.º 4 do artigo 20.º e do n.º 3 do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa.

27) Por sua vez, o segundo vício que se aponta à sentença recorrida tem que ver com a violação das regras que regem o ónus da prova (designadamente os artigos 74.º, 75.º e 76.º da LGT): com efeito, sem prejuízo do que antecede, considera ainda a Recorrente que a sentença recorrida deveria, em todo o caso, ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa, consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, deveria necessariamente recair sobre a AT.

28) Não restam dúvidas de que a ausência de prova na sentença recorrida deveria ter sido resolvida em sentido favorável à Recorrente, pois, dos elementos dados por provados, o aludido pressuposto da proporcionalidade direta fixado na jurisprudência do TJUE não foi alegado e tão-pouco demonstrado no RIT ou no Ofício-Circulado n.º 30108/2009, de 30 de Janeiro.

29) Nada obsta assim que o Venerando Supremo Tribunal Administrativo verifique se foi feita correta aplicação das regras do ónus da prova, pois não estão em causa na sentença recorrida juízos de facto, mas de direito, sendo que a questão deverá ser apreciada por recurso à interpretação das regras legais.

30) Face a tudo quanto o exposto, considera a Recorrente que a sentença recorrida padece dos vícios acima invocados – e, designadamente, da violação do disposto no artigo 23.º do CIVA, das disposições que regem a repartição do ónus da prova no procedimento e no processo tributário inscritas na LGT, tais como os mencionados artigos 74.º a 76.º da LGT, e nessa justa medida deverá ser revogada.

31) Para além de que a sentença recorrida, ao considerar que a AT se encontraria habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Recorrente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, para além de postergar os princípios que caracterizam o IVA (o princípio da neutralidade fiscal, o princípio da igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, o princípio da segurança jurídica e o princípio da proteção da confiança legítima dos sujeitos passivos), é ainda inconstitucional por violação do princípio da separação de poderes (artigos 2.º e 111.º), do princípio da legalidade (artigo 112., n.º 5), do princípio de reserva de lei (artigos 103.º e 165.º, n.º 1, alínea i)) e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efetiva (artigos 20.º e 268.º, n.º 4), todos da Constituição da República Portuguesa.

B) QUANTO ÀS RENDAS SECURITIZADAS:

32) Ao contrário do que veio igualmente a considerar o Tribunal a quo, as rendas securitizadas não só são proveitos da Recorrente como estão, nos termos legais, sujeitas a IVA, devendo por isso fazer parte dos «membros da fração para a determinação do pro rata».

33) Com efeito, sendo verdade que a titularização de crédito (securitização das rendas) é, como refere o Tribunal a quo, uma «operação financeira», também é verdade que a mesma não se materializa numa qualquer cedência da posição contratual mas, apenas e só, numa cedência de créditos decorrentes dos contratos de locação financeira celebrados entre os cedente (no caso, a aqui Recorrente) e os seus clientes.

34) Trata-se, assim, de uma mera «operação financeira» destinada a antecipar receitas provenientes dos contratos de locação financeira celebrados pela Recorrente e não, como entendeu o Tribunal a quo, a cessão da posição contratual assumida pela Recorrente no âmbito dos contratos de locação financeira, a qual manteve, assim, todos os direitos e obrigações perante os seus clientes (locatários).

35) Conforme resulta do próprio contrato de securitização – vide cláusula 12.1.14 junto aos autos como DOC 20 a Recorrente mantém as suas obrigações fiscais decorrentes dos contratos de locação financeira, maxime a sua obrigação de liquidar o IVA, continuando, desse modo, como é evidente, a receber, mensalmente, as referidas rendas, cobrando / liquidando o respetivo IVA para o entregar ao Estado, entregando, apenas e só, a importância liquida da renda (o crédito cedido) ao cessionário.

36) Aliás, é caso para perguntar que comportamento teria a AT se a Recorrente deixasse de liquidar IVA respeitantes a créditos de rendas de contratos de locação securitizados. Deixaria de liquidar / exigir o IVA ao locador?

37) Acresce que a referência feita pelo Tribunal a quo à isenção de IVA constante do artigo 5.º do Regime Fiscal (Decreto-Lei n.º 219/2001) não tem qualquer cabimento, já que tal preceito refere-se à isenção de IVA na prestação de serviços de administração e gestão dos fundos e não, obviamente, nas próprias operações de onde surgem os créditos securitizados, ou seja, da locação financeira dos veículos celebrados entre a Recorrente e os seus cliente, padecendo assim de manifesta e errada aplicação do direito o entendimento seguido pelo Tribunal a quo de que estas operações estão isentas de IVA (conforme expressamente referido na sentença ora em apreço -vide pág. 24).

38) Concluindo, por força dos contratos de securitização, apenas se pretende que, nas datas acordadas (indexadas ao vencimento das rendas) e nos montantes determinados (indexados aos montantes líquidos das rendas), a Recorrente entregue a quantia correspondente ao seu crédito, não correspondendo à verdade que o valor destas rendas (seja na parte da amortização do capital seja na parte dos juros) não constitui proveito da Recorrente e que, em consequência, não pode ser considerado para efeitos de determinação do pro rata.

39) Termos em que (tal como já havia sido decidido na sentença proferida a 19 de Setembro de 2012) deve ser dada razão à Impugnante, ora Recorrente, reconhecendo-se assim o desacerto da sentença proferida pelo Tribunal a quo ora em apreço, por manifesta e frontal errada aplicação do direito: quer do regime legal de titularização dos créditos (normalmente conhecida por securitização) – instituído pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 05 de Novembro – quer do aludido regime fiscal ao mesmo aplicável, quer, consequentemente, do Código do IVA, maxime do artigo 23.º aqui em apreciação.

C) QUANTO ÀS ALIENAÇÕES / INDEMNIZAÇÕES PELOS ABATES

40) Tal como nas situações anteriores, também aqui a sentença proferida padece de manifesto erro na correta aplicação do direito, devendo, consequentemente, ser revogada.

41) Com efeito, a decisão proferida pelo Tribunal a quo assenta no pressuposto – na ótica da Recorrente, incorreto – de que em causa está uma indemnização ressarcitória, destinada a sancionar a lesão de um interesse sem carater remuneratório, não sendo, por isso, sujeita a IVA.

42) E não está correto na medida em que esta indemnização não constitui, ao contrário do que entendeu o Tribunal a quo, uma mera indemnização de um dano, ou seja, a tal indemnização meramente ressarcitória.

43) Efetivamente, se atendermos ao clausulado nos contatos celebrados pela aqui Recorrente – E QUE NÃO FORAM POSTOS EM CAUSA– verificamos que, seja em contratos de Leasing seja em contratos de ALD, em caso de sinistro com perda total, o Locatário fica obrigado a pagar ao Locatário «o montante das rendas vincendas e do valor residual, actualizado com a taxa de juro referida na Cláusula Outava, adicionado ao montante das rendas vencidas e não pagas» (cfr. n.º 4 da Cláusula Décima dos Contratos de Leasing, juntos aos autos como DOC. 6 e 7 e n.º 4 da Cláusula Sétima dos Contratos de ALD juntos aos autos como DOC. 8 e 9) estabelecendo-se, ainda, que «o LOCADOR pagará ao LOCATÁRIO, após a caducidade do contrato, qualquer indemnização que receba da seguradora deduzindo todas as importâncias que lhe sejam devidas, nomeadamente a título de rendas não pagas, da indemnização referida nos termos do número 4 desta cláusula, de juros ou de despesas efectuadas por conta do LOCATÁRIO» (cfr. n.º 6 da Cláusula Décima dos Contratos de Leasing, juntos aos autos como DOC. 6 e 7 e n.º 6 da Cláusula Sétima dos Contratos de ALD juntos aos autos como DOC. 8 e 9).

44) Sendo assim de concluir – inversamente ao que veio o Tribunal a quo a fazer – que as indemnizações aqui em causa têm, efetivamente, subjacente, não o pagamento de uma indemnização pelo dano da perda do veículo mas o pagamento das prestações do contrato de locação financeira (rendas vincendas e juros devidos bem como rendas vencidas), configurando, desse modo, uma prestação de serviços sujeita a IVA, seja pelas rendas vencidas seja pelas rendas vincendas, quer na parte da amortização financeira quer dos juros.

45) Acresce que o entendimento de que tais indemnizações constituem uma operação sujeita a IVA, constituiu o entendimento da mesmíssima Equipe Inspetiva da AT aquando da inspeção ao exercício de 2005, pelo que também aqui, com o devido respeito, nos parece que o Tribunal a quo esteve mal ao não atender à invocada violação do princípio da segurança e da certeza jurídica.

46) Por fim, e quanto à invocada jurisprudência em que a sentença a quo se baseou – o acórdão proferido no processo 03311/14, de 27.01.2016 – importa relembrar qual foi o veredito desse mesmo aresto: considerando o STA que «não basta concluir-se que o imposto incidiu sobre as quantias pagas pela companhia de seguros à locadora, ora recorrida, uma vez que o valor da indemnização é pago directamente à locadora que, em encontro de contas com os locatários, pode reter antecipadamente (deduzindo tais quantias ao valor de indemnização) os valores que estes teriam de lhe pagar em cumprimentos dos respectivos contratos, quantias essas que, como se viu, nada têm que ver com o pagamento da indemnização» (realce nosso), entendeu que seria então necessário determinar a «origem do montante sobre que incidiram as correcções efectuadas pela Administração Fiscal», optando, desse modo, por mandar baixar os autos para ampliação da matéria de facto.

47) Ora, nos presentes autos e atento o supra exposto, parece-nos evidente que os valores a pagar resultam do «cumprimento dos respectivos contratos», já que, conforme resulta dos aludidos contratos, tal indemnização não visa ressarcir a perda do bem mas sim o pagamento das rendas vincendas, acrescidas dos respetivos juros devidos, como se de uma mera antecipação do pagamento se tratasse. E, nessa medida, sujeita a IVA.

48) Mas ainda que assim não fosse, não pode o tribunal a quo extrair do simples facto de tal indemnização ser paga diretamente ao Locador e de que contabilisticamente o somatório do capital vincendo e valor residual são anulados, por contrapartida de uma conta de regularização, que tais importâncias constituem uma indemnização de um dado. De facto, nada no processo permitia tal conclusão. Pelo contrário.

49) Assim, também aqui a sentença proferida padece de erro de julgamento, constituindo uma errada aplicação do direito (uma vez mais do direito à dedução, consubstanciado, essencialmente na aplicação do artigo 23.º do CIVA), devendo ser revogada e substituída por outra que considere que a alienação / indemnização de bens abatidos constituem, tal como as restantes correções, proveitos da Recorrente, devendo, consequentemente, integrar o volume de negócios e bem assim ser considerados no cálculo do pro rata.

50) Por último, quanto ao juros compensatórios, julga a Recorrente que a sentença também errou ao não julgar – no limite – não serem devidos juros compensatórios, dado que é inegável a inexistência de dolo e a negligência (a existir) é desculpável atenta a divergência de entendimento quanto a esta matéria (não nos podemos olvidar quer esta matéria está longe de ser pacífica, tendo inclusive neste mesmo processo sido proferida uma primeira decisão na qual o Tribunal aderiu, por inteiro, à interpretação dada pela Recorrente. Já para não falar das decisões arbitrais que voltaram a dar razão ao Contribuinte nesta matéria).

Nestes termos, e nos mais de direito que este venerando tribunal doutamente suprirá, deve ser concedido provimento ao presente recurso, com as devidas e legais consequências.
Acresce que – por se tratar de causa de valor superior a € 275.000,00 e, atenta a ausência de complexidade da causa –, desde já, se requer a v. Exas. Que, ao abrigo do n.º 7 do artigo 6.º do regulamento das custas processuais, se dignem a determinar a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
Só assim se fazendo JUSTIÇA!».


2 – A Recorrida não apresentou contra-alegações.

3 – O Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser confirmada a sentença quanto à decisão de manutenção das liquidações adicionais de imposto resultantes da indevida dedução de IVA e revogada, e substituída por acórdão, que confirme a liquidação e ordene a anulação dos juros compensatórios nos termos enunciados na fundamentação.

4 - Colhidos os vistos legais, cabe decidir.


II – Fundamentação

1. De facto
Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1) Em 2006 e 2007, a Impugnante realizou operações financeiras isentas de IVA, designadamente a concessão de financiamentos de crédito para a aquisição de imóveis, automóveis e ao consumo (contratos de crédito) (facto não contestado e cf. relatório da inspeção tributária (RIT) a fls. 172 a 269 dos autos);
2) Em 2006 e 2007, a Impugnante realizou operações sujeitas a IVA, designadamente operações de locação financeira mobiliária, consubstanciadas em celebração de contratos de locação financeira (leasing) e contratos de aluguer de veículo automóvel sem condutor (ALD financeiro), onde se prevê a possibilidade de compra do veículo pelo locatário (facto não contestado e cf. contratos a fls. 270 a 301 dos autos);

3) No âmbito das operações de locação financeira mobiliária mencionadas em 2), a Impugnante adquiriu determinados veículos, em alguns casos a solicitação e por indicação dos locatários, pagando integralmente o respetivo preço e entregando-os ao locatário para seu uso e fruição (facto não contestado e cf. contratos a fls. 270 a 301 dos autos);
4) No âmbito dos contratos de locação financeira mobiliária mencionados em 3), eram pagas à Impugnante, pelos locatários, rendas sujeitas a IVA, as quais englobam uma parte relativa a amortização financeira e outra parte relativa a juros e outros encargos (facto não contestado e cf. contratos a fls. 270 a 301 dos autos);

5) A parte da renda mencionada em 4) relativa a amortização financeira era registada na contabilidade da Impugnante a crédito da conta 22 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

6) A parte da renda mencionada em 4) relativa a juros era registada na contabilidade da Impugnante como proveito (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

7) No âmbito dos contratos de locação financeira mobiliária mencionados em 3), resolvidos por motivo de perda total do bem, os locatários pagaram à Impugnante o valor correspondente ao capital em dívida, sendo emitida por esta a correspondente fatura com IVA (facto não contestado e cf. faturas a fls. 302 a 307 dos autos);

8) No âmbito dos contratos de locação financeira mobiliária mencionados em 3), resolvidos por incumprimento ou nos quais não houve transmissão da propriedade, a Impugnante vendeu os veículos a diversas entidades e emitiu a correspondente fatura com IVA (facto não contestado e cf. faturas a fls. 302 a 307 dos autos);

9) Na concessão de crédito para estudo, viagens, mobiliário e outras não sujeitas a IVA, a Impugnante liquidou Imposto do Selo na parte relativa aos juros (facto não contestado e cf. faturas a fls. 308 e 309 dos autos);

10) No ano de 2006 estavam em vigor dois contratos de securitização celebrados entre a Impugnante e duas sociedades (facto não contestado e cf. Doc. 18 junto à PI, a fls. 310 a 402 dos autos, e RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

11) Nos termos dos contratos referidos em 10), a Impugnante cedeu àquelas sociedades determinados créditos provenientes dos contratos de locação financeira mobiliária, mencionados em 3) (facto não contestado e cf. Doc. 18 junto à PI, a fls. 310 a 402 dos autos, e RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

12) No exercício de 2006, a Impugnante apurou operações com direito a dedução no valor total de € 211.649.761,06 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

13) No valor referido em 12), a Impugnante incluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira mobiliária, mencionados em 3), no montante de € 136.970.948,90 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

14) No valor referido em 12), a Impugnante incluiu as rendas relativas a contratos de locação financeira mobiliária securitizados, mencionados em 11), no montante de € 8.429.283,83 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

15) No valor referido em 12), a Impugnante incluiu os valores de alienação/indemnização por destruição de bens locados, mencionados em 5) e 8), no montante de € 31.420.063,07 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

16) No exercício de 2006, a Impugnante apurou um volume de faturação relativo a contratos de crédito, mencionados em 1), no valor de € 40.149.727,35 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

17) No exercício de 2006, a Impugnante suportou custos no valor total de € 1.217.715,12, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 1) e 2), respeitavam (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

18) No exercício de 2007, a Impugnante apurou operações com direito a dedução no valor total de € 225.618.261,60 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

19) No valor referido em 18), a Impugnante incluiu as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, mencionados em 3), no montante de € 139.551.481,66 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

20) No valor referido em 18), a Impugnante incluiu os valores de alienação/indemnização por destruição de bens locados, mencionados em 5) e 8), no montante de € 32.797.893,66 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

21) No exercício de 2007, a Impugnante apurou um volume de faturação relativo a contratos de crédito, mencionados em 1), no valor de € 79.080.517,08 (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

22) No exercício de 2007, a Impugnante suportou custos no valor total de € 2.585.261,30, em relação aos quais não conseguiu determinar especificamente a que operações, das mencionadas em 1) e 2), respeitavam (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

23) Nos anos de 2006 e 2007, a Impugnante aplicava o método da afetação real quanto aos custos em que incorreu com as operações mencionadas em 1) e 2) (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

24) Nos anos de 2006 e 2007, a Impugnante aplicava o método do pro rata quanto aos custos comuns, referidos em 17) e 22) (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

25) Na fórmula de cálculo do método referido em 24), a Impugnante considerava no numerador da fração o montante correspondente à base tributável das operações referidas em 2), incluindo os valores referidos em 4), 7), 8), 15) e 20), e no denominador o montante somado das operações mencionadas em 1) e 2) (facto não contestado e cf. RIT a fls. 172 a 269 dos autos);

26) Em 11-12-2009, os serviços de Inspeção Tributária elaboraram um Relatório de Inspeção Tributária em nome da Impugnante, no qual consta, por extrato, o seguinte:

«[...] II.2. Motivo, âmbito e incidência temporal

A instituição foi seleccionada, de acordo com os critérios de selecção utilizados para as empresas do Cadastro Especial de Contribuintes (CEC), de modo a que fossem efectuadas acções inspectivas externas, uma de âmbito parcial em sede de IVA e outra de âmbito geral, com incidência nos exercícios de 2006 e 2007, respectivamente.

II.3. Outras situações

II.3.1. Caracterização da empresa

O Banco A………… Portugal, S.A., anteriormente denominado de B…………, S.A., (adiante designado por "A…………" ou "Banco"), com o Número de Identificação de Pessoa Colectiva (NIPC) ………, tem sede social na Rua ………, n.º ……, 1269-……, Lisboa.

O B………… foi constituído por escritura pública em Dezembro de 1996 e resultou da fusão das seguintes sociedades: C…………, S.A.; D…………, S.A.; E…………, S.A.; F…………, S.A. e G…………, S.A.

Em 1 de Janeiro de 2007 o B………… integrou as sucursais em Portugal do A………… Finance, S.A. e do A………… Establecimiento Financiero de Crédito, S.A. passando a designar-se de Banco A………… Portugal, S.A.

II.3.2. Actividade desenvolvida

O Banco tem por objecto social a realização de operações bancárias e financeiras e a prestação de serviços permitidos por lei às instituições de crédito, tendo-se especializado essencialmente em operações de crédito ao consumo, operações de locação financeira mobiliária e factoring.

II.3.3. Enquadramento fiscal [...]

Nos termos da lei fiscal, encontra-se registado em sede de IRC, pelo exercício da actividade de "Outra intermediação monetária", com o Código da Actividade Económica (CAE) 64190 [...]

Relativamente ao Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) o Banco está enquadrado no regime normal, com periodicidade mensal e desenvolve operações isentas, nos termos do disposto no n.º 28 do art.º 9.º do Código do IVA (CIVA).

Utiliza, para efeitos de dedução de IVA suportado nos inputs, de acordo com o art. 23.º. do CIVA, o método de afectação real nas operações de locação financeira (leasing e ALD) e o método de percentagem de dedução (pro rata) nas denominadas despesas comuns, tendo, nos exercícios de 2006 e 2007, apurado um pro rata definitivo de 84% e de 75%, respectivamente. [...]

III.1. EXERCÍCIO DE 2006

III.1.1. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA)

III.1.1.1. Apuramento do pro rata definitivo (art.º 23º do CIVA)

- € 510.484,39 –

A actividade exercida pelo B………… compreende simultaneamente operações isentas de IVA, nos termos do n.º 28 do art.º 9.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), e operações sujeitas.

Para efeitos de dedução do IVA suportado nas aquisições de bens e serviços utiliza os seguintes métodos de dedução:

• O método da afectação real relativamente ao IVA dos inputs directamente relacionados com a actividade que confere direito à dedução. Assim, o sujeito passivo recupera integralmente o imposto suportado a montante nas operações efectuadas no âmbito da actividade de locação financeira mobiliária;

• O método do pro rata de dedução no que respeita ao IVA suportado na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com e sem direito a dedução

Para a aplicação deste método, o sujeito passivo considerou no numerador da fracção o montante de € 211.649.761,06, correspondente ao total das operações sujeitas, e no denominador a importância de € 251.799.488,41, respeitante à soma do valor do numerador com o das operações isentas sem direito a dedução, tendo apurado uma percentagem de dedução definitiva de 84% (Anexo 1).

No decurso do exercício, e para dedução do IVA incidente sobre os custos comuns, o Banco utilizou provisoriamente a percentagem de dedução definitiva apurada no ano anterior (83%) a qual corrigiu, no final do exercício, em cumprimento do disposto no n.º 6 do art.º 23.º do CIVA, originando uma regularização do imposto.

Da análise efectuada ao detalhe dos membros da fracção foi possível constatar que o banco considerou como operações tributadas, entre outras, as seguintes:

i) A amortização financeira incluída nas rendas referentes aos contratos de locação financeira, reflectida a crédito das contas 226011 - "Contratos de Locação Financeira" e 22602 - "Contratos celebrados";

ii) As rendas relativas a contratos de locação financeira mobiliária que foram objecto de securitização, registadas nas contas 5899485 - …………" e 5899486 - "…………";

iii) O valor da alienação/abate por destruição de bens locados, relevado a crédito da conta de regularização 589926 - "OP. P/ALIENAÇAO/ABATEN”; [...]

Amortização financeira [...]

Como tal, e de acordo com o entendimento vertido na Informação n.º 1763 da Direcção de Serviços do IVA, datada de 2008-09-08, no cálculo da percentagem de dedução “(...) em relação à actividade bancária e, tendo em conta que também neste sector existem operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, o método de dedução utilizado deve obedecer a critérios objectivos adequados à natureza das operações de cada sujeito passivo no contexto da actividade global, tendo em atenção que apenas os juros devem ser considerados, uma vez que estes consubstanciam o resultado financeiro imputável à actividade bancária (…)”.

Com efeito, apenas o valor correspondente aos juros recebidos ou a receber estão em conexão com os custos comuns utilizados indistintamente nas operações sujeitas com e sem direito a dedução, na medida em que constituindo a remuneração do serviço prestado têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante, cujo nível de dedução do IVA o pro rata pretende apurar. [...]

Pelo que antecede, e no tocante à actividade de leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos, pois como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca proveitos, não listando outras rubricas, sendo, por conseguinte, subtraído aos membros da fracção o montante de € 136.970.948,90 correspondente à amortização de capital incluída nas rendas (Anexo 2).

Rendas de contratos securitizados [...]

Nas operações de securitização denominadas "…………" e "…………", o Banco, no âmbito do seu mandato de gestão dos créditos cedidos, factura as rendas ao locatário e liquida o IVA que entrega nos cofres do Estado. Neste processo, o cedente é unicamente substituto da entidade a quem foram cedidos os créditos, não se constituindo qualquer valor dessas rendas proveito para efeitos de apuramento do seu resultado contabilístico.

Pelo apresentado, estes valores não poderão ser considerados para o cálculo da percentagem de dedução pois como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca proveitos, não listando outras rubricas, sendo, por conseguinte, subtraído aos membros da fracção o montante de € 8.429.283,83 correspondente às rendas de créditos cedidos (Anexo 3).

Alienação/indemnização de bens abatidos por destruição [...]

Em termos escriturais, quando ocorre o abate do bem locado por destruição o seu valor contabilístico, reflectido na conta do activo 226 - "Operações de locação financeira mobiliária", e que corresponde ao somatório do capital vincendo e valor residual é anulado por contrapartida de uma conta de regularização na qual, em simultâneo, é reflectido o valor da indemnização devido pela seguradora.

Do exposto decorre que, o valor da indemnização não constitui proveito do locador. A existir, corresponderá tão somente à diferença, se positiva, entre o valor da indemnização e o valor devido pelo locatário.

Pelo apresentado, estes valores não poderão ser considerados para o cálculo da percentagem de dedução pois como ficou demonstrado os mesmos não integram o volume de negócios do locador. Assim, é de subtrair aos membros da fracção do pro rata o montante de € 31.420.063,07 correspondente ao valor de alienação/abate (Anexo 4).

Por último, haverá ainda a observar que comparado o valor das operações tributadas que constituem o numerador da fracção representativa da percentagem de dedução definitiva apurada pelo sujeito passivo, com as bases tributáveis constantes do campo 3 das declarações periódicas de IVA, previstas no artº 28° do Código, corrigidas das regularizações a favor do Estado e do sujeito passivo, se detectaram divergências no valor de € 1.370.885,30 (Anexo 5). [...]

Assim sendo, e por aplicação do disposto no art.º 23.º do CIVA, será corrigida a percentagem de dedução do IVA que incidiu sobre os custos comuns de 84% para 42% (Anexo 6), apurando-se imposto em falta no montante de € 510.484,39 (Anexo 7).

III.2. EXERCÍCIO DE 2007 [...]

III.2.2. IMPOSTO SOBRE O VALOR ACRESCENTADO (IVA)

III.2.2.1. Apuramento do pro rata definitivo (art.º 23º do CIVA)

- € 878.988,84 - [...]

Para a aplicação deste método, o sujeito passivo considerou no numerador da fracção o montante de € 225.618.261,60, correspondente ao total das operações sujeitas, e no denominador a importância de € 304.698. 778,68, respeitante à soma do valor do numerador com o das operações isentas sem direito a dedução, tendo apurado uma percentagem de dedução definitiva de 75% (Anexo 13).

No decurso do exercício, e para dedução do IVA incidente sobre os custos comuns, o Banco utilizou provisoriamente a percentagem de dedução definitiva apurada no ano anterior (84%), a qual corrigiu, no final do exercício, em cumprimento do disposto no n.º 6 do art.º 23.º do CIVA, originando uma regularização do imposto.

Da análise efectuada ao detalhe dos membros da fracção foi possível constatar que o banco considerou como operações tributadas, entre outras, as seguintes:

i) A amortização financeira incluída nas rendas referentes aos contratos de locação financeira, reflectida a crédito das contas 226011 - "Contratos de Locação Financeira" e 22602 - "Contratos celebrados";

ii) O valor da alienação/abate por destruição de bens locados, relevado a crédito da conta de regularização 589926 - "OP. P/ALIENAÇAO/ABATEN"; [...]

Amortização financeira [...]

Pelo que antecede, e no tocante à actividade de leasing, apenas poderá ser considerado para o cálculo da percentagem de dedução o montante correspondente aos juros e outros proveitos, pois como ficou demonstrado, o conceito de volume de negócios apenas abarca proveitos, não listando outras rubricas, sendo, por conseguinte, subtraído aos membros da fracção o montante de € 139.551.481,66 correspondente à amortização de capital incluída nas rendas (Anexo 14).

Alienação/indemnização de bens abatidos por destruição [...]

Em termos escriturais, quando ocorre o abate do bem locado por destruição o seu valor contabilístico, reflectido na conta do activo 226 - "Operações de locação financeira mobiliária", e que corresponde ao somatório do capital vincendo e valor residual é anulado por contrapartida de uma conta de regularização na qual, em simultâneo, é reflectido o valor da indemnização devido pela seguradora.

Do exposto decorre que, o valor da indemnização não constitui proveito do locador. A existir, corresponderá tão somente à diferença, se positiva, entre o valor da indemnização e o valor devido pelo locatário.

Pelo apresentado, estes valores não poderão ser considerados para o cálculo da percentagem de dedução pois como ficou demonstrado os mesmos não integram o volume de negócios do locador. Assim, é de subtrair aos membros da fracção do pro rata o montante de € 32.797.893,66 correspondente ao valor de alienação/abate (Anexo 15).

Assim sendo, e por aplicação do disposto no art.º 23.º do CIVA, será corrigida a percentagem de dedução do IVA que incidiu sobre os custos comuns de 75% para 41% (Anexo 16), apurando-se imposto em falta no montante de € 878.988,84 (Anexo 17).

[...]

ANEXO 4

[ver imagem no texto original da sentença, fls. 1569 do SITAF]

[...]

ANEXO 15

[ver imagem no texto original da sentença, fls. 1569 do SITAF]

» (cf. relatório de inspeção a fls. 172 a 269 dos autos, cujo teor e o dos respetivos anexos se dá por integralmente reproduzido);

27) Em 09-02-2010, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional n.º 10011916, relativa ao período 0612, no valor de € 510.484,39 (cf. Doc. 1 junto à PI, a fls. 167 dos autos);

28) Na mesma data, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de juros compensatórios n.º 10011917, relativa ao período 0612, no valor de € 57.677,74 (cf. Doc. 2 junto à PI, a fls. 168 dos autos);

29) Também na mesma data, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação adicional n.º 10011918, relativa ao período 0712, no valor de € 878.988,84 (cf. Doc. 3 junto à PI, a fls. 169 dos autos);

30) Ainda na mesma data, foi emitida em nome da Impugnante a liquidação de juros compensatórios n.º 10011919 relativa ao período 0712, no valor de € 64.250,47 (cf. Doc. 4 junto à PI, a fls. 170 dos autos);

31) Em 29-04-2010, foi aposta uma vinheta de pagamento nos documentos referidos em 27), 28), 29) e 30) (cf. Docs. 22 a 25 junto à PI, a fls. 419 a 422 dos autos);

32) Em 09-07-2010, deram entrada os presentes autos (cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos).

Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA n.º 81/2013, de 04-03-2015, consideram-se não provados os seguintes factos:

a) Os custos mencionados em 17) e 22) respeitam, em parte, à disponibilização, por parte da Impugnante, dos veículos objeto dos contratos de locação referidos em 2).


2. Questões a decidir
Saber se a sentença do Tribunal a quo enferma de erro de julgamento quanto às seguintes questões: i) o método de cálculo da percentagem de dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista; ii) fundamentação resultante da ampliação da matéria de facto; iii) ónus da prova; iv) o cálculo do IVA aplicado às rendas securitizadas; v) o cálculo do IVA relativo aos abates dos veículos; e vi) legalidade da liquidação dos juros compensatórios.

3 – Do direito

As questões que são formuladas no presente recurso não são novas na jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo e todas foram já tratadas anteriormente, em jurisprudência consolidada – referimo-nos, por todos, aos Acórdãos proferidos por esta Secção do STA a 4 de Março de 2015 no Processo n.º 081/13, a 3 de Junho de 2015 no Processo n.º 0970/13, a 17 de Junho de 2015 no Processo n.º 01874/13, a 27 de Janeiro de 2016 no Processo n.º 0331/14 e a 15 de Novembro de 2017 no Processo n.º 0485/17 –, tendo o seu sentido sido recentemente reiterado, em acórdãos de uniformização de jurisprudência, exarados em 4 de Março de 2020, nos processos 52/19.0BALSB e 7/19.4BALSB. Todos disponíveis em www.dgsi.pt, razão pela qual nos dispensamos de promover a junção aqui de cópia das mencionadas decisões.

Assim, por concordarmos com a referida jurisprudência, limitamo-nos a remeter, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 656.º do CPC (aplicável ex vi do artigo 281.º do CPPT), para o que nesses processos se decidiu sobre cada um dos pontos questionados no presente recurso, tal como passamos, sumariamente, a enunciar:

- sobre o método de cálculo da percentagem de dedução do IVA suportado na aquisição de bens e serviços de utilização mista fixou-se o seguinte entendimento no recente acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, de 4 de Março de 2020, no proc. 52/19.0BALSB:

«(…) Por Acórdão de 10.07.2014 proferido no processo C-183/13, o TJUE considerou que os Estados-Membros podem obrigar um banco que exerce actividades de locação financeira a incluir no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação e não pela disponibilização dos veículos (…)»

- sobre a alegada ilegalidade da ampliação da matéria de facto ordenada pelo acórdão do STA de 4 de Março de 2015 (processo físico fls.915/937) – no sentido de apurar se, no caso concreto, a aquisição de bens e serviços de utilização mista (utilizados na realização de operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem direito a dedução), foi sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira (actividade bancária isenta que não confere direito a dedução do IVA) ou pela disponibilização dos veículos locados aos locatários (actividade de locação financeira mobiliária que confere direito a dedução) – afirmou-se o seguinte, em resposta a questão idêntica, no acórdão de 15 de Novembro de 2017, exarado no processo 485/17:

«(…) Como a própria sentença consigna (ao especificar quer os factos julgados provados, quer a factualidade julgada não provada) esse julgamento é feito relativamente aos factos «Com interesse para a decisão e em cumprimento do ordenado no douto Acórdão do STA (…)». E, consequentemente, em sede de fundamentação, a sentença limita-se a apreciar e valorar a prova produzida e não produzida no âmbito dessa ampliação da matéria de facto determinada pelo STA, na observância do dever de acatamento das decisões proferidas em via de recurso pelos tribunais superiores (n.º 2 do art. 4.° da LOFTJ).

Por isso, como igualmente salienta o MP, esta alegação de erro de julgamento, substanciada em crítica dirigida ao antecedente acórdão do STA que determinou a ampliação da matéria de facto, independentemente da sua consistência, não pode proceder, sendo que tal crítica sempre seria intempestiva, em virtude do trânsito em julgado do aresto (…)»

- sobre erro de julgamento por a sentença não ter decidido que o ónus da prova relativo à demonstração da condição negativa, consubstanciada no facto de a utilização de bens e serviços de utilização mista ter sido determinada pela disponibilização dos veículos, teria necessariamente de recair sobre a AT, afirmou-se também, em resposta a questão idêntica, no já mencionado acórdão de 15 de Novembro de 2017, exarado no processo 485/17, o seguinte:

«(…) É sabido que, de acordo com o princípio geral, no âmbito do procedimento e do processo tributário o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da AT e dos contribuintes recai sobre quem os invoque (nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT).

Assim, dado, ainda o princípio da legalidade administrativa, impende sobre a AT o ónus de provar a factualidade que a leve a proceder a correcções à matéria colectável declarada pelos sujeitos passivos. Ou seja, cabe à AT «o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, como factos constitutivos de tal direito, em termos daquele princípio da legalidade, segundo a sua actual compreensão, entendido não como mero limite à actividade da administração mas como fundamento de toda a sua actividade», cabendo, por sua vez, «ao contribuinte apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando se mostrem verificados estes pressupostos». Similarmente com o que sucede no âmbito de outras isenções de IVA, também no caso presente se pode considerar que «quando o acto de liquidação adicional do IVA se fundamente no não reconhecimento das deduções declaradas pelo contribuinte cabe à administração apenas a prova da verificação dos pressupostos legais que legitimam a sua actuação (...) e ao contribuinte o ónus de prova da existência dos factos tributários que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto (...)».

Com efeito, no concreto caso dos autos, a aplicação deste regime legal determina que o ónus da prova dos factos constitutivos do direito à dedução do imposto recaia sobre o sujeito passivo, que beneficiará da existência desse facto, favorável à sua pretensão: aumento da percentagem do imposto dedutível, por via da alteração da forma do pro rata, em consequência da demonstração do aumento do montante anual das operações que dêem lugar a dedução (no caso concreto a celebração dos contratos de locação mobiliária que permitam a disponibilização dos veículos aos clientes) - art. 23° n.ºs 1 al. b) e 4 do CIVA (…)».

- sobre as rendas securitizadas, reafirma-se o que resultou já da decisão exarada no acórdão de 4 de Março de 2015, neste processo (processo físico fls.915/937), segundo a qual a posição sufragada pelo acórdão do TJUE que serve de base à posição jurisprudencial deste Supremo Tribunal Administrativo no que respeita à interpretação do artigo 23.º do CIVA é aplicável, sem reservas, atenta a identidade substancial do negócio, aos contratos de locação financeira mobiliária securitizados, uma vez que a titularização de créditos não altera a natureza jurídica do negócio subjacente;

- sobre as indemnizações pelos abates, importa igualmente compulsar o decidido no acórdão de 31 de Outubro de 2012, no qual se afirma que: “No âmbito de um contrato de locação financeira, as indemnizações pagas pelas seguradoras e destinadas a compensar os danos causados pela perda dos veículos automóveis, em caso de acidente, porque não assumem a natureza de contraprestação pela transmissão de um bem ou prestação de um serviço (arts. 1º, n.º 1, 4º, n.º 1 e 16º, n.º 6, alínea a), do CIVA), nem visam suportar lucros cessantes das recorridas, devem considerar-se excluídas da incidência de IVA”. Assim, os valores destas indemnizações não devem ser inscritos no numerador da fracção que determina a percentagem da dedução, na medida em que os negócios jurídicos subjacentes não constituem operações tributáveis que confiram direito a dedução (artigo 23.º n.º 4, 1.ª parte do CIVA).

Em suma, e como também se concluiu no acórdão de 15 de Novembro de 2017, exarado no processo 485/17, “não ocorrendo, pois, violação do disposto neste apontado art. 23.º do CIVA, nem dos invocados arts. 74.° a 76.º da LGT, nem ilegalidade decorrente de violação dos invocados princípios (neutralidade fiscal do IVA, igualdade de tratamento entre sujeitos passivos, segurança jurídica, protecção da confiança legítima dos sujeitos passivos), nem se vislumbrando inconstitucionalidade por violação do princípio da separação de poderes (arts. 2.° e 111.º), do princípio da legalidade (art. 112.º, n.° 5), do princípio de reserva de lei [arts. 103.° e 165.º, n.º 1, al. i)] e do princípio do acesso aos tribunais e da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.° e 268.º, n.º 4), todos da CRP”, improcedem, nesta parte, as conclusões do recurso

Por último, importa ainda cuidar da questão dos juros compensatórios. Neste particular, tendo em conta o carácter não pacífico da questão, consideramos que assiste razão à Recorrente quanto à recondução da factualidade a um caso de negligência desculpável (erro desculpável), que afasta o pressuposto legal da liquidação de juros compensatórios.

Com efeito, como se deixou expresso no acórdão do Pleno desta Secção do Contencioso Tributário em 22 de Janeiro de 2014 (proc. 1490/13): “Nos termos do disposto no art. 35° da LGT e no actual art. 96º (correspondente ao anterior art. 89º) do CIVA, são requisitos essenciais para a liquidação de juros compensatórios a existência de uma dívida de IVA, de um atraso na efectivação de uma liquidação desse imposto e da imputabilidade do atraso à actuação culposa do contribuinte.

A responsabilidade por juros compensatórios depende, portanto, de nexo causal adequado entre o atraso na liquidação e a actuação do contribuinte, bem como da possibilidade de formular um juízo de censura à sua actuação (a título de dolo ou negligência)”.

Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Recorrente no pagamento de juros compensatórios.


Custas pelo Recorrente em 90% e pela Fazenda Pública em 10% [nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi a alínea e), do artigo 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário].


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Lisboa, 6 de Maio de 2020. - Suzana Tavares da Silva (relatora) – Paulo Antunes – Francisco Rothes.