Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0640/17
Data do Acordão:07/05/2017
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P22083
Nº do Documento:SA2201707050640
Data de Entrada:05/29/2017
Recorrente:CEMG - CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, com os demais sinais dos autos, interpõe recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150º do CPTA, do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul que, em sede de recurso jurisdicional também por si interposto, concedeu provimento ao recurso quanto à excepção dilatória da inimpugnabilidade do acto sindicado, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a acção administrativa especial instaurada para anulação do acto de indeferimento de recurso hierárquico relativo a benefício fiscal de isenção de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI).

1.1. Terminou as alegações do recurso com o seguinte quadro conclusivo:

1. O presente recurso versa sobre uma questão que reveste importância fundamental, quer pela sua relevância jurídica, quer pela sua relevância social, pois que,

2. Tendo em conta o número de PCUP existentes em Portugal, a questão controvertida, sendo aplicável a toda e qualquer PCUP, tem a virtualidade de se repetir em inúmeras ações.

3. Sendo ainda a admissão do Recurso — e consequente intervenção deste Venerando Supremo Tribunal — claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, visto que

4. Urge decidir quanto à (in) aplicabilidade da al. d) do n.º 1 da Lei 151/99 ao pedido de isenção de IMI no qual se fundam os presentes autos, tendo em conta, nomeadamente, o disposto no n.º 1 do artigo 28.º e nos n.ºs 1 e 6 do artigo 31.º, ambos do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12/11,

5. Firmando-se jurisprudência quanto à aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 de 14 de setembro e/ou da alínea e) do n.º 1 do artigo 44.º do EBF;

6. Acresce que, o douto Acórdão, salvo o devido respeito, que é muito, procede a uma errada aplicação do Direito,

7. Não se conformando a Recorrente com a tese segundo a qual a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99 apenas tinha aplicação no âmbito da então Contribuição Autárquica, sendo que, no caso dos autos, o tributo em causa é o IMI, ao qual será aplicável exclusivamente a norma constante do EBF.

Na verdade,

8. Aquando da aprovação do denominado Código do IMI, aprovação esta feita através do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, foi o EBF expressamente alterado, tendo sido opção expressa e inequívoca do legislador, constante do artigo 10.º deste diploma, apenas alterar os artigos 41.º, 42.º e 45.º, tendo ainda aditado o artigo 40.º-A, deixando inalterado o então artigo 40.º, hoje correspondente ao artigo 44.º, todos do EBF.

9. Segundo o disposto no n.º 1 do artigo 28.º do Decreto-Lei n.º 287/2003, nos textos legais onde seja referida a contribuição autárquica, deverão os mesmos ser tidos como referentes ao imposto municipal sobre imóveis,

10. Acrescentando ainda o artigo 31.º, n.º 6 daquele diploma legal que se mantêm em vigor os benefícios fiscais relativos à contribuição autárquica, agora reportados ao IMI”.

11. Sublinha-se ainda o facto de, a norma que, nesta data, consta na alínea e) do artigo 44.º do EBF, se ter mantido inalterada desde o seu surgimento, em 1989, no então artigo 50.º, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, sendo certo que a Lei por cuja aplicabilidade pugna a Recorrente data de 1999.

12. Ora, se a disposição legal do EBF arredasse a aplicabilidade da norma constante na Lei n.º 151/99, por que motivo teria esta última surgido, quando aquela -— do EBF — lhe é anterior?

13. Do exposto, forçoso será concluir, contrariamente ao decidido pelo douto Tribunal “a quo” que, não foi a alínea e) do artigo 44.º do EBF que veio arredar aplicação da alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, mas sim exatamente o contrário.

14. Ou seja, e de acordo com o disposto nos artigos 28.º, n.º 1 e 31.º, n.ºs 1 e 6 do Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de novembro, a isenção prevista na alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro, encontra-se em vigor, aplicando-se expressamente ao IMI.

15. Aferida que fica a disposição legal aplicável, cumprirá esclarecer o que deverá ser entendido por “prédios urbanos destinados à realização dos seus fins estatutários”.

16. Sendo assente, conforme supra se demonstrou, que qualquer interpretação efetuada deverá ter sempre em linha de conta a expressa vontade do legislador em não exigir uma afetação direta àqueles fins.

17. Ora, analisando a evolução histórica dos tributos que, ao longo do tempo, oneraram e oneram a propriedade e titularidade de bens imóveis, verificamos que, já no âmbito da Contribuição Predial se considerava que os rendimentos produzidos por bens imóveis, ao financiarem os fins da respetiva PCUP, integravam a previsão de “destinados à realização dos seus fins estatutários”.

18. Sendo ainda assente que, em termos de IMT, a Autoridade Tributária, considerada que um imóvel se destina aos fins diretos e imediatos de uma PCUP quando o mesmo se destine a gerar rendimentos para financiar essa mesma PCUP.

19. Em tal sentido vai, igualmente, o próprio Acórdão Recorrido, quando refere que “Já quando são os rendimentos do prédio que estão afetos a utilidade pública da pessoa coletiva, a relação entre o prédio e os fins de utilidade pública não é direta, mas indireta”.

20. Ou seja, o próprio Tribunal ad quem advoga que, a afetação dos rendimentos gerados por um imóvel aos seus fins de utilidade pública, consubstanciará já uma afetação aos fins da pessoa coletiva, não em termos diretos, como exigido pelo artigo 44.º do EBF, mas em termos indiretos, conforme se basta a alínea d) do artigo 1.º da Lei nº. 151/99.

21. Assim, forçoso será concluir que, não exigindo o legislador a afetação direta dos prédios, a isenção cujo reconhecimento foi requerido abrange não só os prédios que servem de instalações próprias, mas também aqueles que geram rendimentos às PCUP, tudo com vista a uma interpretação harmoniosa das normas fiscais, nomeadamente as isentivas,

22. Não devendo ser dadas interpretações diferentes a conceitos iguais, consoante o tributo ou imposto que esteja em causa, sob pena de violação do princípio da igualdade, na sua vertente de proibição de tratamento diferente de situações iguais, sob pena de essa mesma interpretação ser inconstitucional, o que desde já se alega e argui para todos os legais efeitos.

23. Encontra-se assente que a ora Recorrente, Caixa Económica anexa ao Montepio Geral — Associação Mutualista, IPSS, foi declarada PCUP por despacho do Primeiro-Ministro, datado de 08/10/1991;

24. Nos termos do disposto no Decreto-Lei n.º 136/79, de 18 de maio, que vigorava à data dos factos, as Caixas Económicas estão/estavam legalmente impedidas de adquirir ou possuir imóveis que não fossem “necessários às suas instalações próprias, salvo quando lhes advenham por efeito de cessão de bens, dação em cumprimento, arrematação ou qualquer outro meio legal de cumprimento de obrigações ou destinado a assegurar esse cumprimento, devendo, em tais casos, proceder à respectiva liquidação no prazo de três anos.” (artigo 18.º, n.º 1).

25. No caso dos autos, os imóveis sobre os quais recaiu a decisão de indeferimento do pedido de isenção de IMI, foram adquiridos por dação em cumprimentos, ou seja, foi adquirido em reembolso de crédito próprio.

26. O que, por si só, manifestamente comprova que a detenção de tal prédio visa a realização dos fins estatutários da Recorrente.

Assim,

27. Provada que está a afetação do imóvel identificado nos autos aos seus fins estatutários,

28. Provada que está também a qualidade de Pessoa Coletiva de Utilidade Pública da recorrente, por declaração publicada em Diário da República,

29. E encontrando-se vigente e a produzir efeitos a alínea d) do artigo 1.º da Lei n.º 151/99, de 14 de setembro,

30. Estão reunidos os pressupostos de aplicabilidade daquela isenção relativa ao IMI, devendo tal benefício ser concedido, sem mais, à ora Recorrente.

Pois que,

31. Da análise às sucessivas alterações, quer à Lei n.º 151/99, quer ao EBF, quer ainda à Contribuição Autárquica, cujo nome foi alterado para IMI, pois que a sua ratio se mantém inalterada, resulta, a vontade expressa e inequívoca do legislador, em conceder e manter aquele referido benefício para as pessoas coletivas de utilidade pública, não sendo exigida a afetação direta aos fins estatutários.

Face ao exposto,

32. Deverá a decisão recorrida ser substituída por decisão que condene a Recorrida na prática do ato devido, isto é, a proferir decisão de deferimento do pedido de isenção de IMI apresentado pela Recorrente em relação às frações identificadas nos autos.


1.2. A Recorrida apresentou contra-alegações para sustentar que o recurso não devia ser admitido, por falta de verificação dos respectivos requisitos legais e, para o caso de assim não se entender, defendeu que ele não devia obter provimento, na medida em que o acórdão recorrido fez uma correcta interpretação e aplicação da lei ao caso vertente.


1.3. O Exm.º Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de que o recurso devia ser admitido, por se tratar de questão que manifestamente transcende os limites da concreta situação e que pode suscitar, como aliás vem suscitando, soluções divergentes ou não inteiramente coincidentes, que se podem repetir em casos futuros.


1.4. Dispensados os vistos legais, cumpre proceder à apreciação liminar sumária a que se refere o n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.


2. Segundo o disposto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, “das decisões proferidas em 2.ª instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”, competindo a decisão sobre o preenchimento de tais pressupostos, em termos de apreciação liminar sumária, à formação prevista no n.º 5 do referido preceito legal

Tal preceito prevê, assim, a possibilidade de recurso de revista excepcional para o STA quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

Vejamos se tais requisitos se verificam no caso vertente, tendo em conta que a questão nuclear deste recurso reside, essencialmente, na interpretação do artigo 44º, nº 1, alínea e), do Estatuto dos Benefícios Fiscais, e do artigo 1º, alínea d), da Lei nº 151/99, de 14 de Setembro, e aplicação dessas normas, a partir do início da vigência do CIMI, à isenção de IMI no que toca pessoas colectivas de utilidade pública.

Tal questão foi já por inúmeras vezes colocada a este tribunal noutros recursos de revista excepcional, admitidos por acórdãos desta formação, no entendimento de que se verificavam os requisitos para o efeito, atenta a relevância jurídica e socialda questão colocada e a clara utilidade de intervenção do STA para uma melhor aplicação do direito.

Por outro lado, no passado dia 22 de Fevereiro foi proferido, em julgamento ampliado, Acórdão do STA relativo a um desses recursos de revista (proc. nº 1678/15), que concluiu pelo erro de julgamento do acórdão recorrido naqueles autos no que tange à inaplicabilidade da Lei n.º 151/99.
E daí que a admissão desta revista seja necessária para assegurar a igualdade de tratamento perante todos os casos merecedores de tratamento semelhante.
Em conclusão, mostram-se preenchidos os requisitos de que o nº 1 do artigo 150º faz depender a admissão do recurso de revista.


3. Termos em que acordam, em conferência, os juízes que integram a formação referida no nº 5 do artigo 150º do CPTA, em admitir a revista.
Sem custas.

Lisboa, 5 de Julho de 2017. – Dulce Neto (relatora) – Casimiro Gonçalves – Isabel Marques da Silva.