Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 043/21.0BEFUN |
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Data do Acordão: | 10/07/2021 |
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Tribunal: | 1 SECÇÃO |
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Relator: | MARIA DO CÉU NEVES |
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Descritores: | PERDA DE MANDATO CULPA ELEITOS LOCAIS INSCRIÇÃO PARTIDO POLÍTICO |
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Sumário: | ![]() |
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Nº Convencional: | JSTA00071259 |
Nº do Documento: | SA120211007043/21 |
Data de Entrada: | 09/28/2021 |
Recorrente: | A............... |
Recorrido 1: | MINISTÉRIO PÚBLICO |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Objecto: | AC TCA SUL |
Decisão: | NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO |
Legislação Nacional: | art. 08.º, n.º 1, al. c), art. 10.º, n.º 1, da Lei n.º 27/96, de 01/08 |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO: 1. RELATÓRIO A……………………., inconformada com a decisão proferida em 17 de Junho de 2021 pelo TCA Sul [que negou provimento ao recurso que intentou da decisão proferida pelo TAF de Funchal, no âmbito da presente acção de perda de mandato, e que declarou a perda de mandato da ora recorrente], interpôs o presente recurso. * Apresentou, para o efeito, as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem:«1. Nos presentes autos é convocada uma questão jurídica delicada e complexa que se prende com interpretação do artigo 8º, nº 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa, de acordo com a qual a aplicação desta norma sancionatória se basta com elementos objetivos, dado que, por via destes, é possível formular, sem mais, o juízo de censura do agente necessário à declaração da perda de mandato. 2. Trata-se de uma questão jurídica de importância fundamental, suscetível de se repetir com frequência noutros casos, que, além disso, não foi ainda objeto de análise e decisão por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo. 3. É um entendimento que dispensa que sejam dados como provada a culpa, bem como sejam alegados factos concretos em conformidade com o artigo 5º do Código de Processo Civil e artigo 342º do Código Civil, donde resultasse a culpa e gravidade do comportamento da Recorrente. 4. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de maio de 2020, proferido no processo nº 069/19.4 BEMDL, disponível em www.dgsi.pt, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal, e o Acórdão recorrido contradiz esse entendimento, aludindo a que a aplicação do artigo 8º, nº 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa se basta com os elementos objetivos, de modo a aferir a culpa da Recorrente necessária à declaração da perda de mandato. 5. Esse entendimento não esclarece, por outro lado, como e se é possível, desse modo, aferir a culpa grave e já não a mera culpa/negligência da conduta do agente. 6. A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de Revista, é imprescindível, de modo a emitir as orientações necessárias a uma interpretação segura e coerente das normas legais. 7. Trata-se de uma questão jurídica que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental, devendo ter-se por preenchido o pressuposto previsto no nº 1 do artigo 150º do CPTA, admitindo-se o presente recurso de revista. 8. O entendimento de que a aplicação da norma sancionatória prevista no artigo 8º, nº 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa se basta com elementos objectivos (inscrição em novo partido político), dado que, por via deles, é possível efetuar o juízo de censura necessário à declaração da perda de mandato, no caso do artigo 8º, nº 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa, conforme acima aludimos, é inconstitucional por violação do direito de defesa em processo sancionatório, do direito à tutela jurisdicional efetiva e do princípio da presunção da inocência, constantes dos artigos 2º, 32º, nº 2 e 10, 2º, nº 1 e 4, e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa. 9. Esse entendimento viola, também, o Princípio da Proporcionalidade da medida sancionatória e, como tal, os artigos 18º, nº 2, e 3, e 266º, nº 2, da Constituição da República Portuguesa. 10. Não existe nos autos, qualquer elemento que permita realizar, tendo por referência a concreta situação dos autos, um forte juízo de censura à conduta da Recorrente, em termos de culpa grave ou negligência grosseira. 11. O acórdão recorrido declarou a perda de mandato da Recorrente, com o que incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 8º, nº 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa, e 2º 32º, nº 2 e 10, 20º, nº 1 e 4, e 268º, nº 4 da Constituição da República Portuguesa. 12. O Acórdão recorrido deve ser revogado». * O recorrido contra-alegou, concluindo:«I - O acórdão recorrido confirmou a sentença de 1ª instância, por resultar “…em face de todo o exposto, mediante a verificação de todos os pressupostos que determinam a aplicação da perda de mandato e na ausência da alegação e prova de quaisquer circunstâncias que abalassem os requisitos da ilicitude ou da culpa, não é possível formular um qualquer juízo de desproporcionalidade ou desadequação da respetiva sanção aplicada, por a mesma ser legalmente cominada como efeito jurídico da conduta praticada pela Demandada.” II - A recorrente insiste neste recurso de revista com a questão jurídica da interpretação do artigo 8º, nº 1, alínea c), da Lei nº 27/96, de 01/08 (Lei de Tutela Administrativa), de acordo com a qual a aplicação desta norma sancionatória se basta com elementos objetivos, dado que, por via destes, é possível formular, sem mais, o juízo de censura do agente necessário à declaração da perda de mandato, tese que a recorrente afasta (conclusões 1 a 4 do recurso). III – No entanto, a perda de mandato foi declarada por se entender ter a recorrente atuado com culpa grave, e não com recurso a uma qualquer interpretação objetiva da norma da al. c) do nº 1, da Lei da Tutela Administrativa, o que implica não ter cabimento a matéria alegada nas conclusões 1 a 4. IV – No contexto da anterior conclusão, não faz qualquer sentido submeter a questão ao crivo do STA, através do recurso de revista de natureza excecional, atentos os pressupostos legais constantes do artº 150º, nº 1 do CPTA: contrariamente ao defendido pela Recorrente, a questão em análise não possui virtualidade que justifique a revista, porquanto não se vislumbra qualquer controvérsia jurídica substancial que necessite de qualquer esclarecimento, não assumindo o presente recurso qualquer interesse prático e juridicamente relevante. V - Relativamente à questão da inconstitucionalidade da norma jurídica inserta na al. c) do nº 1 do artigo 8º da Lei da Tutela Administrativa (alegada na conclusão nº 8 do recurso), trata-se de uma questão nova, só agora colocada em sede revista. VI - E como refere a doutrina, "(..) A natureza do recurso, como meio de impugnação de uma anterior decisão judicial, determina outra importante limitação ao seu objeto decorrente do facto de, em termos gerais, apenas poder incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas, não podendo confrontar-se o tribunal ad quem com questões novas... salvo quando, nos termos já referidos, estas sejam de conhecimento oficioso e, além disso, o processo contenha os elementos imprescindíveis (...)". (cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no novo Código de processo civil, Almedina/2013, pág.87.) VII - Conclui-se assim que, por ser matéria jurídica nova, a questão da eventual inconstitucionalidade da norma do artigo 8º, nº 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa não poderá ser objeto de conhecimento na revista, porque não foi objeto de escrutínio pelo acórdão recorrido. VIII - Acresce que a apreciação de inconstitucionalidade de normas jurídicas não cabe dentro das competências do STA em sede de recurso de revista. XIX – Ademais, ambas as instâncias decidiram a «quaestio juris» no mesmo sentido, não sendo assacadas às mesmas qualquer violação ostensiva da lei ou desvio do entendimento jurisprudencial e doutrinal sobre a interpretação do artigo 8º, nº 1, al. c) da Lei da Tutela Administrativa. X - Nestes termos, deve ser mantido integralmente o douto Acórdão recorrido e negado total provimento ao presente recurso, porquanto foi feita uma criteriosa interpretação e aplicação da lei aos factos dados como provados, não merecendo a censura que lhe vem feita pela recorrente.” * O “recurso de revista” foi admitido por acórdão deste STA [formação a que alude o nº 6 do artº 150º do CPTA], proferido em 09 de Setembro de 2021.* Sem vistos, por não serem devidos.2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. MATÉRIA DE FACTO As instâncias deram como provados os seguintes factos: «1) A demandada foi apresentada como candidata à Assembleia Municipal do Funchal para as eleições autárquicas do ano de 2017 como integrando a lista da Coligação dos partidos Bloco de Esquerda, Partido Socialista, Partido Democrático Republicano, Nós Cidadãos e Juntos pelo Povo, designada de Confiança, na qualidade de militante do partido político Juntos pelo Povo (facto não controvertido e documento nº 1 junto com a petição inicial constante a fls. 7 a fls. 15 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido); 2) Tendo sido convocada e estado presente, em regime de substituição, nas seguintes sessões da Assembleia Municipal do Funchal: a. Sessão Ordinária de 29.12.2017; b. Sessão Ordinária de 28.06.2019; c. Sessão Ordinária de 28.02.2020; d. Sessão Extraordinária de 30.12.2020 (cfr. documento nº 2 junto com a petição inicial constante a fls. 16 do suporte digital cujo teor se considera integralmente reproduzido). 3) Em 22 de novembro de 2019, a demandada filiou-se no Partido Socialista (facto não controvertido)». * 2.2. O DIREITO.A presente acção de perda de mandato foi intentada pelo Ministério Público contra A…........, porquanto, após as eleições autárquicas de 2017, a recorrente se ter inscrito em partido diverso daquele pelo qual foi apresentada a sufrágio eleitoral. O TAF do Funchal julgou a acção procedente e em consequência, declarou a sua perda de mandato. Esta decisão veio a ser confirmada por acórdão do TCA Sul. Nesta sede de recurso de revista, a recorrente não coloca em causa a factualidade provada, designadamente os factos nº 1 e 3, ou seja: (i) que foi apresentada como candidata à Assembleia Municipal do Funchal para as eleições autárquicas do ano de 2017 como integrando a lista da coligação dos partidos Bloco de Esquerda, Partido Socialista, Partido Democrático Republicano, Nós Cidadãos e Juntos pelo Povo, designada de “Coligação Confiança”, na qualidade de militante do partido político Juntos pelo Povo; (ii) que enquanto deputada municipal foi convocada e esteve presente em regime de substituição; (iii) e que em 22 de Novembro de 2019 se filiou no Partido Socialista. E, assim sendo, não restam dúvidas que se verifica o pressuposto (objectivo), previsto no artº 8º, nº 1, al. c) da Lei nº 27/96 de 01.08, que estipula que «[incorrem] em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades que: (…) c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram a sufrágio eleitoral(…)». Mas já põe em causa a interpretação feita no acórdão recorrido no que respeita às causas de não aplicação da sanção, previstas no artº 10º da citada lei, que prevê expressamente no seu nº 1 que «Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes». Alega, deste modo, que não se verifica em concreto o elemento subjectivo [conduta passível de integrar a culpa grave, uma vez que não basta a verificação da simples negligência ou mera culpa]. E imputa, por isso ao acórdão recorrido o erro de julgamento no que a este aspecto concerne, dado que o Ministério Público não alegou factos concretos em conformidade com o disposto nos artºs 5º do CPC e 342º do CC, de onde resultasse a culpa e a gravidade do comportamento da recorrente, tudo em violação do disposto nos artºs 32º, nºs 2 e 10, 20º e 268º, nº 4 da CRP [por não terem sido assegurados os direitos de defesa e de audiência]. Vejamos se assiste razão à recorrente, sendo que, apesar da mesma, nesta sede de revista, invocar ilegalidades e inconstitucionalidades que em sede de apelação não foram invocadas na mesma perspectiva, delas se conhecerá, uma vez que, verdadeiramente, o que se mostra sindicado é a verificação ou não do elemento “subjectivo” constante do artº 10º, nº 1 da Lei nº 27/96. * De acordo com o disposto no artº 242º, nº 3 da CRP “A dissolução de órgãos autárquicos só pode ter por causa ações ou omissões ilegais graves”.No Ac. deste Supremo Tribunal Administrativo proferido em 22.04.2004, in proc. nº 0248/04, decidiu-se: “(…) a perda de mandato tem carácter sancionatório, o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do direito disciplinar e penal”, constituindo jurisprudência assente, no que respeita ao conceito de culpa, que “A culpa exprime um juízo de reprovabilidade pessoal da conduta do agente, por este, face às circunstâncias específicas do caso, dever e poder ter agido de outro modo, juízo assente no nexo de imputação psicológica existente entre o facto e a vontade do autor” – cfr. entre outros, o Ac. deste STA de 07.011997, in proc. nº 41.478. Em termos doutrinais, dizem-nos JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada Vol. II edição 2010, Anotação art. 160º CRP – pp 283-284: «IV - Sendo os deputados eleitos necessariamente através da lista apresentada por um partido político, mas não tendo de estar nele inscritos (art. 151º), compreende-se que a Constituição não exija a existência ou persistência de uma vinculação formal entre o deputado e o partido que o apresentou como candidato. Com efeito, de acordo com o nº 1, c), o deputado que abandona ou é expulso do partido por que foi eleito não perde o mandato, se e enquanto não se inscrever noutro partido. A A lógica constitucional é simples: o deputado pode desligar-se do partido por que foi eleito (ou manter-se independente, no caso de não estar inscrito nele), mas não pode transferir-se para outro, ou seja, não pode inscrever-se em partido diverso daquele pelo qual forem apresentados a sufrágio. (al. c). A Constituição, portanto, não exige fidelidade partidária, mas não consente que um deputado que entre em conflito ou em ruptura com o partido por que foi eleito vá reforçar qualquer outra formação partidária, tendo de permanecer como deputado independente. Por identidade de razão, também não poderá integrar-se em nenhum grupo parlamentar o deputado que, sem deixar o partido, abandonar o do partido por que foi eleito. Também não perdem o mandato os deputados em caso de dissolução do partido cujas listas se candidataram. Mas também nesse caso ficam necessariamente na situação de deputados independentes, não podendo igualmente inscrever-se em partido diferente (cfr. LO nº 2/2003, de 22-08, arts. 17º e 18º)». Porém, à factualidade provada, no caso concreto, inexistem quaisquer circunstâncias que afastem a previsão normativa constante do artº 8º, nº 1, al. c) da LTA. Aliás não restam dúvidas que se impõe um juízo de censura relativamente à conduta da recorrente, uma vez que, não podia desconhecer que a sua conduta era proibida por lei, sendo-lhe exigível que tivesse agido de modo diferente, designadamente, tendo em atenção as funções públicas em que estava investida. Com efeito, tem de se considerar verificada a culpa quando, a recorrente, sabendo que se tinha candidatado para as eleições autárquicas em 2017, como integrando uma Coligação de Partidos, na qualidade de militante de um desses partidos da Coligação [Juntos pelo Povo], e tendo sido eleita e participado em sessões da Assembleia Municipal, se vem a filiar em 2019, num outro partido [sendo indiferente para o caso, que este outro partido (PS), também fizesse parte da Coligação Confiança, uma vez que o sufrágio popular se realizou em função da Coligação e não de qualquer partido considerado de forma independente]. Por outro lado, quando participou na sessão ordinária de 28.02.2020 e na extraordinária de 30.12.2020, a recorrente já não pertencia à coligação pela qual fora eleita, mas sim ao Partido Socialista, ou seja, agiu representando uma coligação, quando já não o podia fazer, por já se encontrar filiada noutra força política. Ao alterar esta filiação partidária, após o sufrágio eleitoral, que a elegeu, é manifesto que se terá de considerar que agiu com culpa, nos termos exigidos no nº 1 do artº 10º da Lei 27/96, pois não se vislumbra nos autos qualquer situação fáctica que permita concluir pela incapacidade da recorrente de tomar decisões e fazer opções, nem que tenha sido coagida nesta mudança, ou tenha mudado de filiação por qualquer outro motivo, que não tenha sido a sua expressa vontade, manifestada de forma livre e consciente, bem sabendo ao participar nas sessões em causa que não tinha sido eleita pelo Partido Socialista. E nem o facto alegado em sede de contestação, no sentido de que o Partido Juntos pelo Povo, abandonou o grupo municipal e a coligação Confiança em Outubro de 2018, tendo permitido aos seus eleitores continuarem a ocupar os seus lugares na Assembleia Municipal, lhe retira a carga subjectiva e intencional do elemento culpa, que não se traduz numa mera negligência ou mera culpa, uma vez que a mesma bem sabia que não fora eleita pelo partido em que mais tarde se veio a filiar. Com efeito, como se fez constar da decisão recorrida, que é para manter: «Apesar da Demandada integrar a lista da coligação confiança, foi eleita para a Assembleia Municipal do Funchal enquanto membro do partido político Juntos pelo Povo, tendo sido nesta qualidade que se apresentou a sufrágio eleitoral. É certo que a sua conduta não seria censurável se, após o abandono por parte do partido em que se encontrava inscrita do grupo municipal e da coligação, a Demandada se tivesse desfiliado do mesmo e continuado com o estatuto de independente, contudo não foi o que sucedeu in casu. (…) In casu, importa considerar que a Demandada não é uma cidadã comum, mas uma deputada municipal sobre quem impende um ónus legal, atendendo às funções públicas que exerce, de se informar acerca da legislação que regula, limita e baliza a sua atividade autárquica, concretamente a proibição de filiação em partido diverso daquele em que se apresentou a sufrágio eleitoral. Efetivamente, quem assume um cargo de representação política deve inteirar-se sobre toda a legislação que regula essa atividade, sob pena de se sujeitar às consequências daí advenientes. Conclui-se, portanto, que age com culpa grave quem, devendo saber estar impedido de praticar determinado ato, o faz. A Demandada atuou voluntariamente e não podendo ignorar que tal conduta lhe era proibida, não se descortinando do alegado qualquer causa que justifique o facto ou exclua a culpa da mesma. Mesmo que a Demandada tivesse invocado o desconhecimento da norma, o que não ocorreu, o mesmo não relevaria como fator de desculpabilização, atendendo ao disposto no artigo 6.º do Código Civil, ou seja, que a ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas. No que respeita à alegação relativa à integração (ou não) num grupo municipal (definido no artigo 46.º-B da Lei n.º 169/99, de 18 de dezembro), não se vislumbra em que medida tal facto é suscetível de justificar a filiação em partido diverso do que se apresentou a sufrágio eleitoral ou de excluir a culpa da mesma, motivo pelo qual o fundamento improcede.”. Acresce assim que o juízo de reprovabilidade pessoal da conduta da recorrente não é afastado pela ignorância ou má interpretação da lei, pelo que também carece de fundamento a alegação de que cabia ao Ministério Público alegar factos concretos em conformidade com o artº 5º do CPC e artº 342º, nº 1 do Código Civil donde resultasse a culpa e gravidade do comportamento da recorrente e correlativamente ser aberta a fase de instrução e de prova (artº 90º, nº 3 do CPTA). Ao invés, cabia à recorrente nos termos do artº 10º da Lei da Tutela Administrativa a alegação e prova das causas justificativas e exclupativas como excludentes da aplicação da sanção, o que in casu não sucedeu. Por outro lado, a norma contida na al. c), do nº 1, do artº 8º da LTA destina-se a assegurar a transparência do processo eleitoral que deve ser mantida ao longo dos respectivos mandatos, tanto mais, que no caso em apreço a militância partidária tem efeitos ao nível das vagas ocorridas nos órgãos autárquicos, conforme resulta do nº 1 do artº 79º da Lei nº 169/99 de 18.09 [define o regime jurídico do funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, assim como as respectivas competências], “As vagas ocorridas nos órgãos autárquicos são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir no partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga”. Assim, o facto de a recorrente passar a ser militante de um partido que integra a mesma Coligação através da qual foi eleita, não permite afastar a sanção prevista na al. c) do nº 1 do artº 8º da LTA. Inexiste, assim, o apontado erro de julgamento ao acórdão recorrido, bem como a violação de qualquer princípio constitucional, máxime, a violação de direitos de defesa em processo jurisdicional alegados pela recorrente nesta sede recursiva [artº 2º, 18º, 32º, 266º e 268º, nº 4 da CRP]. * DECISÃOAtento o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal em negar provimento ao recurso Custas a cargo da recorrente. Lisboa, 07 de Outubro de 2021. – Maria do Céu Dias Rosa das Neves (relatora) – Cláudio Ramos Monteiro – José Francisco Fonseca da Paz. |