Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0668/11
Data do Acordão:01/24/2012
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:PIRES ESTEVES
Descritores:DIREITO À INFORMAÇÃO
DOCUMENTOS NOMINATIVOS
INTIMIDADE DA VIDA PRIVADA
RESOLUÇÃO DO CONSELHO DE MINISTROS
DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
SUBSÍDIO DE RESIDÊNCIA
Sumário:I - O direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas
II- A lei não faz depender o exercício do direito de acesso aos arquivos ou documentos administrativos da invocação de qualquer interesse, bastando apenas a solicitação por escrito, através de requerimento do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (artº13º da LADA) Ac. do TCAS de 22/1/2009-Proc. nº 4527/08.
III- O direito de acesso aos documentos nominativos só se efectivará se houver autorização da pessoa a quem digam respeito ou então quem queira exercer tal direito demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
IV - A intimidade da vida privada abrange os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas.
V - Os dados pessoais relativos ao percebimento de despesas de representação e de subsídio de residência auferidos no desempenho de um cargo público, sendo públicos, por exigência legal, não respeitarão à vida privada dos seus titulares e, por isso, os documentos que os atestam não poderão, nessa parte, ser considerados nominativos.
VI - Quer as Resoluções do Conselho de Ministros quer os seus despachos normativos em matéria de despesas dos membros do Governo são manifestações do exercício do seu poder administrativo, enquanto órgão da Administração, constituindo expressão do seu poder regulamentar, característico da função administrativa.
VII- Os serviços que detêm os documentos administrativos é que estão obrigados a permitir a consulta, ou a fornecer a reprodução ou certidão dos documentos administrativos aos pretendentes.
Nº Convencional:JSTA000P13684
Nº do Documento:SA1201201240668
Data de Entrada:10/03/2011
Recorrente:MINISTÉRIO DOS NEGÓCIOS ESTRANGEIROS E OUTROS
Recorrido 1:ASSOCIAÇÃO SINDICAL DE JUÍZES PORTUGUESES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
Os Ministérios dos Negócios Estrangeiros, da Justiça, do Trabalho e da Solidariedade Social, do Ambiente e do Ordenamento do Território, da Educação, da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, da Cultura, da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, da Economia, da Inovação e do Desenvolvimento, das Obras Públicas, Transportes e Comunicações e da Administração Interna não se conformando com o douto acórdão de Tribunal Central Administrativo Sul de 12/5/2011 (fls. 1254 a 1261) dele interpuseram o presente recurso jurisdicional, ao abrigo do disposto no artigo 150º nº1 do CPTA.
Nas suas alegações os recorridos formularam as seguintes conclusões:
1ª - O presente recurso de revista excepcional deve ser admitido já que se encontram preenchidos os requisitos fixados no n°1 do artigo 150º do Código do Processo nos Tribunais Administrativos.
2ª - Em primeiro lugar, estamos, sem dúvida, perante questões de direito, a saber, se existe ou não obrigação de informação (i) quando a informação pretendida esteja já disponível, nomeadamente por constar de normas legais em vigor e (ii) quando se pretenda tal informação para proceder “à verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis” (Vide’ pedido da Requerente).
3ª - Em segundo lugar, afigura-se que se trata de questões de importância fundamental dada a sua relevância jurídica e social.
4ª - Com efeito, torna-se essencial esclarecer quando é que a Administração está obrigada a prestar informação relativa a aspectos que são do domínio público, evitando-se assim, de futuro, pedidos inúteis e desnecessários.
5ª - É também fundamental saber e o direito à informação existe para que os cidadãos exerçam funções de fiscalização relativamente, à actuação da Administração Pública, quando existem instituições especialmente encarregues de proceder a tal focalização, como seja o Tribunal de Contas.
6ª - Também se crê que o presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito uma vez que o acórdão recorrido, ao confirmar parcialmente a decisão de primeira instância e ao dar provimento ao recurso da ASJP, fez uma errada aplicação do direito, obrigando o Requerido a entregar à requerente documentos com
informação de que a mesma já dispõe.
7ª - Tem sido assumido pelo STA que as questões relativas ao direito de informar e ao acesso à informação se revestem de elevado interesse social pelo que, estando, em causa a definição dos contornos e limites de tal direito, se afigura que, também no caso sub judice, deverá existir também uma segunda instância de recurso.
8ª - Deverá ser dado provimento ao recurso uma vez que a sentença impugnada é nula, por violação da lei em vigor, maxime da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.
9ª - Com efeito, o estatuto remuneratório dos titulares de cargos políticos, aprovado pela Lei nº4/85, de 9 de Abril, contém a referência ao montante auferido a título de despesas de representação pelos membros do Governo do Ministério ora Recorrente.
10ª - Tratando-se de informação pública, conhecida do cidadão em geral e das instituições, não, se descortinam motivos e fundamentos para a obrigatoriedade de a fornecer ao abrigo da Lei nº46/2007, de 24 de Agosto.
11ª - A atribuição do subsídio de alojamento aos chefes de Gabinete de membros do actual governo decorre igualmente da lei e encontra-se titulada por despachos do Ministro de Estado e das Finanças, publicados no DR, 2ª série, que identificam os beneficiários de tal subsídio, bem como o respectivo valor.
12ª - O pedido formulado pela Requerente quanto aos documentos de pagamento das despesas de representação e de subsídios de residência traduz-se no pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, razão pela qual devem os mesmos revestir a natureza de documentos nominativos, nos termos definidos no artigo 3º nº1, b) da LADA.
13ª – Considerando-se o regime de acesso a documentos nominativos, que decorre do artigo 6º nº5 da LADA, não se vislumbra qualquer motivo, de ordem pública ou outra, que demonstre o interesse directo, pessoal e legítimo da Requerente nessa informação, e que legitime, por necessário e adequado, segundo o princípio da proporcionalidade, o acesso da mesma a tais cópias.
14ª - As resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes não constituem documentos administrativos pelo que inexiste dever da Administração de proceder à respectiva reprodução por fotocópia.
15ª - O pedido formulado pela Requerente não encontra fundamento no exercício do direito de acesso à informação administrativa, mas antes na utilização dessa informação no âmbito de um processo de negociação colectiva, que já se encontra findo, pelo que é inútil.
16ª - A pretendida «verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis» não é da competência da Requerente, pelo que os fins que presidem ao requerimento são abusivos.
17ª - É doutrina da CADA que, «como qualquer direito subjectivo, o direito de acesso aos documentos administrativos deve ser exercido de forma não abusiva».
18ª – O pedido ultrapassa, assim, os limites impostos pela boa fé e pelo fim social ou económico de um direito que lhe assiste, mas que, com este fim, não lhe cabe exercer.
19ª - A Requerente parece querer assumir o papel de “órgão de fiscalização” que, claramente, não lhe compete desempenhar.
20ª - É ao Tribunal de Contas, e não à Requerente, que cabe a efectiva verificação da legalidade e regularidade das despesas dos membros do Governo e seus Gabinetes.
21ª - A Administração não está obrigada a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos (artigo 14º n°3 da Lei nº46/2007 de 24 de Agosto).
Termina a entidade recorrida as suas contra-alegações com as seguintes conclusões:
a) - A recorrida não tem objecção a que o recurso seja admitido. Pensa, porém, que o não poderá ser com os fundamentos que os recorrentes invocam.
b) - Na verdade, ao contrário do que escrevem os recorrentes, os documentos requeridos não se encontram publicados (ou, ao menos, os recorrentes não indicaram onde).
c) - Além, de que, de forma incongruente, os ora recorrentes recusaram facultar os documentos solicitados invocando, além do mais, que tais documentos são documentos nominativos cuja revelação nos termos pretendidos violaria direitos e configuraria um precedente grave.
d) - Nas conclusões das suas alegações, os recorrentes restringem-se apenas aos documentos solicitados sobre despesas de representação e subsídio de residência ou alojamento – alíneas b) e c) dos documentos solicitados.
e) - Mas mesmo quanto a tais matérias, as normas que indicam são as que prevêem tais pagamentos mas não documentam os pagamentos efectivamente efectuados, que é a informação que se pretende obter.
f) - A ora recorrida tem direito a obter tal informação e o pedido não ultrapassa os limites da boa fé ou pelo fim a que se destina, nem se tornou inútil.
Por acórdão do STA de 8/9/2011 foram admitidos os recursos interpostos pelos vários Ministérios por se mostrarem preenchidos os pressupostos de tal admissão (fls. 1833 a 1839).
Emitiu douto parecer o Exmo. Magistrado do Ministério Público, com o seguinte teor:
“Vêm os presentes recursos de revista interpostos do douto acórdão do TCA Sul que, revogando parcialmente a sentença do TAC de Lisboa, na parte em que julgara improcedentes dois dos pedidos de intimação deduzidos pela ora recorrida, e confirmando-a na parte restante, intimou os recorrentes a, em prazo e sob cominação, entregar à requerente fotocópia de todos os documentos descriminados nas alíneas A), B), C) e D) dos requerimentos que lhes havia dirigido — cf. matéria de facto provada sob as alíneas A), D), F), H), J), L), N), P), R), T) e V).
Os recorrentes imputam ao acórdão recorrido erro de julgamento com violação da Lei n 46/2007, de 24 de Agosto.
Em síntese, alegam (i) não haver obrigatoriedade legal de fornecer a informação pretendida relativa ao processamento e pagamento de despesas de representação auferidas pelos membros do Governo, bem como a relativa ao subsídio de alojamento dos respectivos chefes de gabinete — conclusões 9/13 das alegações; (ii) inexistir dever da Administração de proceder à reprodução por fotocópia das Resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes — conclusão 14; (iii) ser inútil e abusivo o pedido de entrega de fotocópia de documentos dirigido pela recorrida a cada um dos recorrentes — conclusões 15/21.
Começam os recorrentes por alegar que a informação respeitante a despesas de representação dos membros do Governo e a subsídio de alojamento dos respectivos chefes de gabinete constitui informação pública, conhecida do cidadão em geral e das instituições, por ser objecto de actos e de diplomas publicados em Diário da República, bastando consultá-lo para obter a informação pretendida, pelo que é legalmente infundado, nesta parte, o pedido que a requerida lhes dirigiu — conclusões 9/11.
Embora sobre esta concreta questão o tribunal recorrido não tenha emitido qualquer pronúncia, sempre se dirá que a pretensão da recorrida não se traduz na prestação de uma informação sobre os regimes legais de atribuição aos membros do Governo e seus chefes de gabinete de despesas de representação e de subsídio de alojamento mas, diversamente, na obtenção dos documentos de processamento e pagamento daqueles benefícios, em favor deles, a qual, obviamente, não resulta satisfeita com a publicação em Diário da República das leis e despachos que os prevejam e atribuam.
Ainda que assim não fosse, acresce que a publicação oficial dos documentos administrativos pretendidos não constitui recusa legítima do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, nos termos do artº268º, nº 2 da CRP e do artº6º da Lei nº 46/2007, de 24 de Agosto.
Conforme recentemente se decidiu no douto acórdão deste STA, de 31/8/2001, rec. 0758/11, “a circunstância de documentos estarem publicados não é reconhecida, à face da Lei nº46/2007 como fundamento para recusa do acesso a documentos pelas vias previstas no seu artº11º. À face da Lei nº46/2007, é o interessado no acesso à informação que decide se pretende ou não exercer o seu direito nos termos que a lei lho faculta, não sendo obstáculo a esse exercício a eventualidade de acesso à informação também ser viável por outras vias”.
E bem se compreende que assim seja, atenta a natureza de direito fundamental do direito de acesso aos arquivos e registos administrativos cujo sacrifício só se justifica perante direitos e valores constitucionais de igual ou superior valia, como os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade da vida privada — cfr., designadamente, acórdão deste STA, de 17/1/2008, rec. 0896/07.
Sustentam, porém, os recorrentes que tais documentos constituem documentos nominativos e que a requerida não possui interesse directo, pessoal e legítimo no seu acesso, segundo o princípio da proporcionalidade, de acordo com o disposto nos arts. 3º nº 1, b) e 6º nº 5 da LADA - conclusões 12/13.
Neste ponto, o acórdão recorrido considerou, a nosso ver bem, que os documentos de processamento e pagamento das despesas de representação e de subsídios de residência às referidas entidades não integram o conceito de documento nominativo, sendo, portanto, de acesso livre, nos termos do disposto no artº5º da LADA, invocando, em abono, doutrina sustentada pela CADA nos Pareceres nº212/2005, de 31/8; nº67/2007, de 21/3; 357/2007, de 19/12; nº224/2009, de 9/9 e 347/2009, de 2/12.
Ao contrário do que os recorrentes propugnam, os documentos pretendidos não contêm manifestamente qualquer apreciação ou juízo de valor acerca dos visados. Por outro lado, a informação deles constante não poderá também considerar-se abrangida pela reserva da intimidade da vida privada, uma vez que ela se reporta ao exercício dos cargos públicos de membro do Governo e de chefe de gabinete.
Os recorrentes não contestam, antes afirmam e documentam, que os dados pretendidos são públicos, por efeito da exigência de publicação oficial dos diplomas legais que os estabeleceram e dos actos de nomeação dos titulares de tais cargos.
Ora, os dados pessoais relativos ao percebimento de despesas de representação e de subsídio de residência auferidos no desempenho de um cargo público, sendo públicos, por exigência legal, não respeitarão à vida privada dos seus titulares e, por isso, os documentos que os atestam não poderão, nessa parte, ser considerados nominativos.
Aliás, assim dispõe o artº62º nº2 do CPA, ao excluir da categoria de documentos nominativos os documentos que contenham dados pessoais que sejam públicos — neste sentido, “Direito à Informação Administrativa”, Fernando Condesso, Universidade Moderna, 1995, p.3l7.
Improcederão, pois, aqui os recursos.
Invocam ainda os recorrentes que as Resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes não constituem documentos administrativos, pelo que inexiste dever da Administração de proceder à respectiva reprodução por fotocópia — cf. conclusão 14.
Sobre este ponto, entendeu o acórdão recorrido que, ainda que estejam publicados em Diário da República, atenta a dificuldade em identificar os actos em causa — “Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento de Estado” e “Despachos e/ou outros ‘actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações” — a Administração está obrigada a prestar a informação sobre a sua existência e conteúdo, sob pena de denegar o acesso aos documentos administrativos, violando o princípio da colaboração, contemplado no artº7º do CPA.
Ao contrário do que parecem defender os recorrentes, a pretensão da recorrida não se traduz na obtenção de meras cópias da publicação em Diário da República dos referidos actos mas, como bem entendeu o acórdão recorrido, na sua prévia identificação e na informação do respectivo conteúdo.
Porém, o facto de tais actos estarem sujeitos a publicação oficial não lhes retira, diversamente da posição defendida pelos recorrentes, a natureza de documentos administrativos, para efeito da submissão do respectivo direito de acesso à LADA.
Como este STA tem vindo a entender, «Da leitura articulada das disposições dos artigos 3º e 4º da Lei nº46/2007, de 24 de Agosto, (LADA) resulta que o diploma qualifica como documento administrativo “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material” - com excepção de “notas pessoais, esboços, apontamentos e outros registos de natureza semelhante [art. 3º/1/a) e 2/a)] --, que esteja na posse ou seja detido em nome de um dos entes enunciados no arº4º e “cuja elaboração releve da actividade administrativa”» - cfr. acórdãos de 8/7/2009, rec. 0451/09 e de 30/9/2009, rec. 0453/09.
No caso, é inequívoco que os recorrentes são órgãos do Estado que integram a Administração Pública, incluindo-se, portanto, no âmbito de aplicação do artº4º nº1, a) daquela Lei, que os documentos cujas fotocópias a requerida solicitou se encontram na sua posse e que a elaboração desses documentos decorre da actividade administrativa.
Quer as Resoluções, quer os despachos normativos em causa são inequivocamente manifestações do exercício do poder administrativo dos recorrentes, enquanto órgãos da Administração, constituindo expressão do seu poder regulamentar, característico da função administrativa — cfr. “Curso de Direito Administrativo”, Diogo Freitas do Amaral, Almedina, 2003, Vol.2º, pp.151 e segs.
Improcederão, também aqui, os recursos.
Invocam ainda os recorrentes que o pedido de acesso aos documentos indicados pela recorrida é inútil, por se encontrar já findo o processo de negociação colectiva em que a informação pretendida se destinaria a ser utilizada — cfr. conclusão 15.
Conquanto também sobre este ponto concreto o acórdão recorrido não contenha pronúncia, não deixará de se sublinhar que, nos termos do artº5º da LADA, o requerente do direito de acesso aos documentos administrativos não tem necessidade de enunciar qualquer interesse, pelo que não cabe aos recorrentes apreciar da sua existência ou avaliar da sua utilidade, as quais não condicionam o exercício daquele direito fundamental.
Sustentam também os recorrentes que o pedido apresentado é abusivo, quer em função do seu invocado fim, quer em função do seu carácter repetitivo e sistemático ou do número de documentos requeridos — cfr. conclusões 16/21.
Também aqui, entendemos que o acórdão recorrido fez correcta interpretação e aplicação de lei, não merecendo a censura que os recorrentes lhe dirigem.
Embora, como os recorrentes alegam, não caiba à recorrida assumir o papel de “órgão de fiscalização” da legalidade e regularidade das despesas dos membros do Governo e seus gabinetes, a sua invocada motivação de verificação da conformidade dos actos autorizados e dos pagamentos realizados com as disposições legais aplicáveis, expressa na pretensão dirigida aos mesmos recorrentes, insere-se no exercício do direito à informação, nos termos do artº268º nº 2 da CRP, 65º do CPA e do artº5º da LADA.
Na verdade, o direito fundamental à informação e ao arquivo aberto define-se, por relação ao exercício da função administrativa, como factor de tutela do interesse público por ela prosseguido e das posições jurídicas dos particulares e também como instrumento de publicidade e de controle da actividade da Administração Pública — cfr “O Direito à Informação Administrativa Procedimental”, Raquel Carvalho, Publicações Universidade Católica, Porto 1999, pp. 148 e segs, e “Lei de Acesso e Reutilização dos Documentos Administrativos”, Anotada, Sérgio Pratas, DisLivro, p. 311.
Por outro lado, os recorrentes não lograram alegar e provar que, em razão da quantidade dos documentos solicitados e da amplitude da carga administrativa exigida para dar satisfação ao pedido da recorrida, este se apresente como manifestamente abusivo.
O exercício do direito à informação e ao arquivo aberto, pelos fundamentos invocados no acórdão recorrido, que os recorrentes também não lograram abalar, situa-se e conforma-se dentro dos respectivos limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pela finalidade social e económica do próprio direito.
Improcedendo assim todas as conclusões das alegações dos recorrentes, deverá, em nosso parecer, ser negado provimento aos recursos de revista e confirmado o douto aresto recorrido”.
Vêm os autos à conferência depois de colhidos os vistos dos Exmos. Adjuntos.
As conclusões 1ª a 7ª das alegações dos recorrentes, inclusive, referem-se às razões pelas quais o recurso interpostos pelos recorrentes deve ser admitido e as quais foram devidamente apreciadas na admissão do presente recurso.
Assim, não analisaremos as mesmas.
Na conclusão 8ª das suas alegações defendem os recorrentes Ministérios que a sentença é nula, por violação da lei em vigor, maxime da Lei nº46/2007, de 24/8.
As causas de nulidade da sentença estão previstas no artº668º do Código de Processo Civil e nenhuma destas causas foi alegada no recurso para o TCAS pelo que não é agora o momento para ser arguida.
Aliás, invocando os recorrentes como causa de nulidade da sentença a sua desconformidade com a lei (violação da Lei nº46/2007), então tal violação, a existir, não seria causa de nulidade da sentença, mas consubstanciaria um erro de julgamento sobre o direito, o que conduziria à revogação da mesma e não à sua nulidade.
Mas tal como decorre das restantes conclusões das alegações, os recorrentes nesta conclusão 8ª resumem a razão porque deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional.
Passamos, por isso, a conhecer das restantes conclusões.
Previamente impõe-se, porém, um reparo ao afirmado pela recorrida na conclusão d) das suas contra-alegações.
Segundo esta, os recorrentes restringem o recurso apenas aos documentos solicitados sobre despesas de representação e subsídio de residência ou alojamento (alíneas b) e c) dos documentos solicitados).
Mas tal não corresponde à verdade.
Vejamos.
A recorrida pede no seu requerimento inicial a condenação dos ora recorrentes à passagem de:
A - Cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por Membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento do Estado;
B - Cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações;
C - Cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos Membros do actual Governo;
D - Cópias dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n°72/80, de 15 de Abril ou noutros diplomas legais.
Pelo douto acórdão recorrido foram os recorrentes condenados a passar as cópias referidas em todas as alíneas.
Os recorrentes defendem que no presente recurso não estão abrangidas as alíneas A) e D), por o mesmo ser circunscrito às alíneas B) e C). Ou seja, segundo os recorrentes não se poderia, agora, conhecer da intimação para a passagem de cópias da Resolução ou Resoluções do Conselho de Ministros, ou de outros actos equivalentes, que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones, móveis ou fixos, por Membros do actual Governo, cujas despesas tenham sido ou hajam de ser suportadas pelo Orçamento do Estado (al.A) e de cópias dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n°72/80, de 15 de Abril ou noutros diplomas legais (D).
Ora, nas conclusões 14ª e 15ª das suas alegações os recorrentes referem-se a esta matéria não aceitando o decidido no acórdão do TCAS, dizendo que “as Resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes não constituem documentos administrativos pelo que inexiste dever da Administração de proceder à respectiva reprodução por fotocópia” (14ª) e “o pedido formulado pela requerente não encontra fundamento no exercício do direito de acesso à informação administrativa, mas antes na utilização dessa informação no âmbito de um processo de negociação colectiva, que já se encontra findo, pelo que é inútil”.
E quanto às cópias dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n°72/80, de 15 de Abril ou noutros diplomas legais (al.D) alegam os recorrentes na conclusão 12ª das suas alegações que “o pedido formulado pela Requerente quanto aos documentos de pagamento das despesas de representação e de subsídios de residência traduz-se no pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, razão pela qual devem os mesmos revestir a natureza de documentos nominativos, nos termos definidos no artigo 3º nº1, b) da LADA”.
É, pois, manifesta a não aceitação por parte dos recorrentes, também, da matéria constante da al. D) referida e de que estes foram condenados a passar cópias.
Não tem, perante o que fica dito, razão a recorrida quando afirma que os recorrentes restringem o recurso apenas aos documentos solicitados sobre despesas de representação e subsídio de residência ou alojamento (alíneas b) e c) dos documentos solicitados).
Tendo o acórdão recorrido intimado os recorrentes a passar cópias relativamente a todos os pedidos, e tendo estes recorrido sem qualquer exclusão de nenhum deles, como se apurou, passa-se a conhecer das restantes conclusões.
Das conclusões 9ª a 13, alegam, em síntese, os recorrentes que “o pedido formulado pela requerente quanto aos documentos de pagamento das despesas de representação e de subsídios de residência se traduz no pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, razão pela qual devem os mesmos revestir a natureza de documentos nominativos, nos termos definidos no artº3º nº1 al.b) da LADA, e dado o regime de acesso a estes documentos (artº6º nº5 da LADA) não se vislumbra qualquer motivo de ordem pública ou outra, que demonstre o interesse directo, pessoal e legítimo por parte da requerente em tal informação, interesse que seria desnecessário e desadequado”.
Está em causa a matéria contida nas alíneas C e D supra mencionadas e transcritas.
Nos termos do artigo 65.º do CPA (Princípio da administração aberta) “todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos, mesmo que não se encontre em curso qualquer procedimento que lhes dirá directamente respeito, sem prejuízo do disposto na lei em matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas” (nº1) e “o acesso aos arquivos e registos administrativos é regulado em diploma próprio” (nº2).
Nos termos do artigo 5.º (Direito de acesso) da Lei nº46/2007, de 24/8 (doravante, LADA) “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.
Da conjugação destes dois preceitos acabados de transcrever, facilmente se conclui que a lei não faz depender o exercício do direito de acesso aos arquivos ou documentos administrativos da invocação de qualquer interesse, bastando apenas a solicitação por escrito, através de requerimento do qual constem os elementos essenciais à identificação dos elementos pretendidos, bem como o nome, morada e assinatura do requerente (artº13º da LADA) Ac. do TCAS de 22/1/2009-Proc. nº 4527/08.
Sendo universal a titularidade desse direito de acesso aos documentos administrativos, o seu exercício está naturalmente sujeito às restrições legalmente previstas em "matérias relativas à segurança interna e externa, à investigação criminal e à intimidade das pessoas" (arts. 268º, nº 2 da CRP e 65º, nº 1 do CPA), bem como as relativas a "matérias em segredo de justiça", a "segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa" ou à "violação dos direitos de autor ou dos direitos de propriedade industrial" (arts. 6º e 8º da LADA) (Ac. do STA de 20/5/2009-Proc. nº288/2009 e de Ac. do STA de 2/12/2010-Proc. nº812/2010).
Porém, o direito de acesso aos arquivos e registos administrativos vem sendo considerado como um direito fundamental cujo sacrifício só se justifica quando confrontado com direitos e valores constitucionais de igual ou de maior valia, como são os relativos à segurança interna e externa, à investigação criminal e à reserva da intimidade das pessoas (Ac. do STA de 20/1/2010-Proc. nº1110/2009).
As restrições ao direito de acesso aos documentos está regulado no artº6º da LADA, onde, designadamente, se refere que “um terceiro só tem direito de acesso a documentos nominativos se estiver munido de autorização escrita da pessoa a quem os dados digam respeito ou demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade” (nº5).
Resulta daqui que o direito de acesso aos documentos nominativos só se efectivará se houver autorização da pessoa a quem digam respeito ou então quem queira exercer tal direito demonstrar interesse directo, pessoal e legítimo suficientemente relevante segundo o princípio da proporcionalidade.
Mas se os documentos não revestirem a natureza nominativa, então podem livremente ser acedidos.
Temos, por conseguinte, que saber qual o conceito de documento nominativo.
De tal assunto se encarrega o artº3º nº1 al.b) da LADA ao definir como documento nominativo “o documento administrativo que contenha, acerca de pessoa singular, identificada ou identificável, apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada”.
Por sua vez a al.a) deste mesmo nº1 diz-nos que «documento administrativo» é qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome».
Segundo os recorrentes, o pedido de acesso a documentos concretos de pagamentos das despesas de representação e de subsídios de residência às pessoas que desempenham cargos de membros de Governo, revestem a natureza de documentos nominativos.
Mas não se concorda com esta posição.
Em primeiro, os documentos cujas cópias são pretendidas não contêm qualquer apreciação ou juízo de valor, ou seja, não contêm quaisquer informações depreciativas ou negativas sobre as pessoas a que dizem respeito.
Em segundo lugar, também os documentos cujas cópias se pretendem não versam sobre a intimidade da vida privada dos cidadãos a que respeitam.
A intimidade da vida privada abrange “os aspectos relativos aos sentimentos e convicções da pessoa, aos seus comportamentos íntimos e sexuais, a características físicas e psicológicas, em geral a tudo o que ocorre dentro de casa e que a pessoa em causa pretende manter secreto ou reservado apenas a uma única pessoa ou a um número muito restrito de pessoas” (cfr. José Renato Gonçalves, in Acesso à Informação das Entidades Públicas, págs. 66 e ss.; Paulo Mota Pinto, in Boletim da Faculdade de Direito de Coimbra, págs. 479 e ss.; Rita Amaral Cabral, in Estudos em Memória do Professor Paulo Cunha, págs. 373 e ss.).
Afirma Capelo de Sousa, sobre esta matéria, que “a reserva juscivilisticamente tutelada abrange não só o respeito da intimidade privada, em particular a intimidade da vida pessoal, familiar, doméstica, sentimental e sexual …” (O Direito Geral de Personalidade, 318 e segs.)
Também o Tribunal Constitucional, no seu acórdão nº148/92 – Proc. nº260/90) decidiu que o direito à reserva da intimidade da vida privada e familiar é o direito de cada um a ver protegido o espaço interior ou familiar da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias (Acórdão de 1/4/1992, in DR-II série, de 24/7/1992).
Ora, as matérias versadas nos documentos relativas a despesas de representação e de subsídios de residência não tangem com aqueles valores que compõem o bloco da intimidade da vida privada das pessoas.
Por outro lado, os documentos relativos ao pagamento de despesas de representação e de subsídio de residência também não contêm apreciação ou juízo de valor, ou informação abrangida pela reserva da intimidade da vida privada.
Tais documentos limitam-se a ser um suporte daquelas despesas, sem qual qualquer juízo de valor ou apreciação sobre a pessoa aos quais digam respeito, ou seja, são uma descrição objectiva de tais despesas.
Aliás a CADA, por um lado, tem entendido ser de classificar como documentos
nominativos os que revelam dados do foro íntimo de um indivíduo, como por exemplo
os seus dados genéticos, de saúde, ou os que se prendem com a sua vida sexual, os
relativos às suas convicções ou filiações filosóficas, políticas, religiosas, partidárias, ou sindicais, os que contêm opiniões sobre a pessoa, e outros documentos cujo
conhecimento por terceiros possa, em razão do seu teor, traduzir-se numa invasão da
reserva da intimidade da vida privada (cfr. Pareceres nº 212/2005, de 31/8, nº 67/2007, de 21/3, 357/2007, de 19/12, nº 224/2009, de 9/9 e 347/2009, de 2/12); por outro, tem considerado “que os vencimentos auferidos no exercício de funções públicas e, portanto, pagos em obediência a critérios legais, não têm carácter reservado. Os documentos que os refiram não conterão, por princípio, informação nominativa, tratando-se de documentos administrativos de acesso livre e generalizado, aos quais todos podem aceder sem necessidade de justificar ou fundamentar o pedido. Os documentos respeitantes à retribuição dos funcionários apenas constituem documentos administrativos nominativos se deles constarem, por exemplo, descontos no vencimento feitos não por força da lei, mas voluntários ou efectuados na sequência de decisão judicial. Na eventualidade da informação requerida estar vertida em documentos contendo informação nominativa sempre haveria lugar à comunicação parcial da mesma, com expurgo da matéria reservada existente (nº7 do artigo 6.º)” (Parecer nº 224/2009, já referido).
Como muito bem se refere no acórdão recorrido, a propósito da divulgação de dados nominativos relativos à remuneração, diz o Tribunal de Justiça da União Europeia, nos Processos apensos C-465/00, C-138/01 e C-139/01, de 20 de Maio de 2003, que numa sociedade democrática, os contribuintes e a opinião pública em geral têm o direito de serem informados sobre o uso das receitas públicas, em especial no que respeita às despesas de pessoal, entendendo que em determinados casos não existe violação do artigo 8º, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Improcedem, face ao exposto as conclusões em análise.
Na conclusão 14ª entendem os recorrentes que “as Resoluções do Conselho de Ministros e outros actos equivalentes não constituem actos administrativos pelo que inexiste o dever da Administração de proceder à reprodução por fotocópia”.
Nos termos do artº184º nº1 da CRP “o Conselho de Ministros é constituído pelo Primeiro-Ministro, pelos Vice-Primeiros-Ministros, se os houver, e pelos Ministros” (artº184º nº1).
O Conselho de Ministros é o órgão colegial do Governo e, entre outras competências, tem a de aprovar os actos do Governo que envolvam aumento ou diminuição das receitas ou despesas públicas (artº200º nº1 al.f) da CRP).
Mas tenham as Resoluções do Conselho de Ministros natureza de regulamentos de execução, actos administrativos ou até de actos políticos (cfr. DJAP, Vol. III, pág. 260), uma coisa é certa, é que a autoria dos mesmos pertence ao órgão Conselho de Ministros que não foi demandado.
A forma do acesso aos documentos administrativos vem regulada na Lei nº 46/2007 de 24 de Agosto (LADA) que no nº1 do seu artº11º estatui que “o acesso aos documentos administrativos exerce-se através dos seguintes meios, conforme opção do requerente: a) Consulta gratuita, efectuada nos serviços que os detêm; b) Reprodução por fotocópia ou por qualquer meio técnico, designadamente visual, sonoro ou electrónico; c) Certidão”.
Daqui se infere que os serviços que detêm os documentos administrativos é que estão obrigados a permitir a consulta, ou a fornecer a reprodução ou certidão dos documentos administrativos aos pretendentes.
No caso dos autos o autor das Resoluções do Conselho de Ministros é o órgão Conselho de Ministros. Os serviços deste órgão é que têm os originais das pretendidas Resoluções. Aos vários Ministérios ora recorrentes ou lhes foi enviada reprodução das mesmas ou, então, foi-lhes dado conhecimento do seu conteúdo, mas nunca os originais que esses devem permanecer no órgão autoral.
Daqui se conclui que os Ministérios recorrentes não estavam obrigados a fornecer qualquer cópia daquelas Resoluções cujos originais estão nos serviços do Conselho de Ministros.
Por outro lado, na mencionada al. A do pedido da recorrida, esta peticiona cópia de actos equivalentes que enquadrem e regulamentem a atribuição e utilização de cartões de crédito e uso pessoal de telefones por membros do Governo cujas despesas sejam suportadas pelo orçamento do Estado.
A recorrida ao dizer actos equivalentes está-se a referir equivalentes às Resoluções do Conselho de Ministros, ou seja, actos equivalentes da autoria deste órgão de Governo. Aliás, seria este órgão lógica e legalmente o competente para regulamentar a atribuição e utilização de cartões de crédito e de telefones aos membros do Governo, designadamente, Ministros.
E sendo assim, então também aqui se aplica o que ficou dito sobre as Resoluções do Conselho de Ministros, pelo que não estavam os Ministérios recorrentes obrigados a satisfazer tal pedido.
Na conclusão 15ª alegam os recorrentes que “o pedido formulado pela requerente não encontra fundamento no exercício do direito de acesso à informação administrativa, mas antes na utilização dessa informação no âmbito de um processo de negociação colectiva, que já se encontra findo, pelo que é inútil”.
Ora, nos termos do artigo 5º da LADA “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”.
As restrições a este direito vêm enumeradas no artigo seguinte.
Porém, começamos por verificar que o artº3º da LADA, apenas prevê dois tipos de documentos, como já se viu supra: o documento administrativo e o documento nominativo.
Não se refere este preceito a acto administrativo, mas sim a documento administrativo, e definindo-o como “qualquer suporte de informação sob forma escrita, visual, sonora, electrónica ou outra forma material, na posse dos órgãos e entidades referidos no artigo seguinte, ou detidos em seu nome” (nº1 al.a)).
Está em causa, o acesso aos despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações
Refira-se que estes despachos e/ou outros actos com natureza normativa não têm a natureza de documento nominativo para os efeitos da LADA, são antes documentos administrativos.
Já no âmbito da anterior lei (Lei nº65/93, de 26/8) escrevia Raquel Carvalho que “o critério que preside à definição de documentos administrativos para efeitos de aplicação da presente lei assenta na origem dos mesmos ou na sua detenção pelas entidades” (Lei de Acesso aos Documentos da Administração, pág. 23).
Nesta esteira, a CADA no seu Parecer nº24/98, de 18/2, entendeu que o Regulamento para a atribuição de garagens dos Serviços Sociais das Forças armadas e os actos praticados naquele âmbito constituem documentos administrativos, a todos acessíveis (in Relatório, 1998, pág. 82).
Nas palavras de Gomes Canotilho e Vital Moreira “a fórmula «arquivos e registos administrativos» deve entender-se em sentido amplo, considerando-se como tais os dossiers, relatórios, directivas, instruções, circulares, notas, estudos, estatísticas” (CRP Anotada, 3ª edição revista, pág. 934).
Ora, não contendo os documentos pretendidos quaisquer informações que ponham em risco ou causem dano à segurança interna e externa do Estado (artº6º nº1), não versando os mesmos sobre a matérias em segredo de justiça (artº6º nº2) e não contendo segredos comerciais, industriais ou sobre a vida interna de uma empresa (artº6º nº6) então o seu acesso não sofre restrições.
Apesar do alegado pelos recorrentes de “todas as regras serem públicas, transparentes e se encontrarem disponíveis para consulta a todos os cidadãos e entidades.” (cfr., por exemplo, alínea B) dos FP e Diários da Repúblicas, pode acontecer de tais informações não estarem acessíveis.
Pode suceder, o que não seria a 1ª vez, que nos diplomas citados não venha qualquer referência a atribuição e utilização de crédito e pagamento e uso de telefones por membros do Governo, pelo que as informações pretendidas pela recorrida podem não estar publicadas. Tal afirmação poder ser confirmada consultando-se o Relatório de Auditoria do Tribunal de Contas nº 13/2007, de Março de 2007, Proc. nº2/05 AUDIT).
Mas, e como bem se refere no acórdão recorrido, “ainda que estejam publicados em Diário da República, atenta a dificuldade em identificar os actos em causa, a Administração está obrigada a prestar a informação sobre a sua existência e conteúdo, sob pena de denegar o acesso aos documentos administrativos, violando o princípio da colaboração, contemplado no artº7º do CPA” (cfr. Ac. do STA de 17.01.2008, Proc. nº 096/07).
Assim, não pode acolher-se o argumento dos Recorrentes de que se encontram dispensados de prestar a informação solicitada, por se encontrar publicada em Diário da República.
São os princípios da transparência (corolário da administração aberta), da boa fé e confiança que impõem este dever aos recorrentes. Por outro lado, aos administrados incumbe-lhes saber como e onde são gastos os dinheiros públicos e assim contribuir para a moralização da Administração.
Incumbe aos recorrentes, face ao exposto, a obrigação de fornecer as cópias pretendidas referidas na al. B que, no caso de actos ou instrumentos publicados em Diário da República, podem ser substituídas pela sua identificação exacta e com indicação exacta do local da publicação no Diário da República.
Improcede, face ao exposto, a conclusão em análise.
Quanto à alegada inutilidade do pedido alegada pelos recorrentes, por o mesmo ter sido feito durante o processo da negociação colectiva que já findou, também não ocorre.
Na verdade, no artigo 5.º da LADA estatui-se que “todos, sem necessidade de enunciar qualquer interesse, têm direito de acesso aos documentos administrativos, o qual compreende os direitos de consulta, de reprodução e de informação sobre a sua existência e conteúdo”. Em idêntico sentido se estatuía no artº7º nºs 1 e 2 da anterior LADA (Lei nº65/93 de 26/8) e já então se entendia “que o acesso a documentos não nominativos há de ser livre e sem necessidade de invocação de qualquer interesse específico como prescrevem as orientações comunitárias e europeias” (As Comunicações da Comissão ao Parlamento, ao Conselho e ao Comité Económico e Social nºs 93/C/ 166/4 [J.O.C.E. 17/6], 93/C 156/05 [J.O.C.E. 8/6], 93/COM/191, de 15/5; a Resolução do Conselho da Europa nº81/89; Raquel Carvalho, ob. cit. pág. 36).
Este STA tem-se pronunciado neste mesmo sentido. Assim, escreveu-se no acórdão do TP de 7/7/2011 “que na informação não procedimental, ao contrário da procedimental, o direito de acesso é de todos os cidadãos, independentemente de serem
ou estarem interessados num procedimento administrativo ou numa decisão administrativa, de estarem ou virem a estar em relação jurídica com a Administração” (Proc. nº812/2010; do STA de 20/5/2009-Proc. nº288/09; e de 25/2/2009-Proc. nº998/08).
Não há assim que atender aos interesses que possam subjazer ao pedido de acesso aos documentos administrativos que, no caso sub judice, nem sequer foram mencionados pela requerente. Assim, independentemente das razões que motivaram a recorrida (requerente) a pedir as cópias dos documentos administrativos em causa, não pode a Administração (recorrentes) justificar a recusa das mesmas com a argumentação de que já não se verifica o fim a que as mesmas se destinavam.
O exercício deste direito é independente do interesse que os requerentes possam ter ou dos fins a que tais certidões se destinem.
No caso dos autos, o pedido não perdeu qualquer utilidade, pelo que improcede esta conclusão.
Nas restantes conclusões entendem os recorrentes que o pedido é abusivo (conclusões 16ª e 17ª), ultrapassando a boa fé (18ª), não tem competência a requerente (19ª e 20ª) e não é obrigatório face ao número de documentos requeridos (conclusão 21ª).
Também não têm razão.
Escreveu-se no acórdão recorrido sobre tal assunto que «nos termos do artigo 334º do Código Civil (CC) “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa-fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”. No entanto, para a verificação do abuso de direito é necessário, "que o seu titular, embora observando a estrutura formal do poder que a lei lhe confere, exceda manifestamente os limites que deve observar atendendo aos interesses que legitimam a concessão desse poder, que exerça o direito em termos clamorosamente ofensivos da justiça” (cfr. Ac. do STA de 23.06.2005, Rec.01267/04, citando Acórdão do STJ de 07.10.88, BTE, 2a Série, nºs 7-8-9/90, pág. 703). O abuso do direito pressupõe a utilização de um poder para a prossecução de interesses de modo que são ultrapassados os fins próprios do direito em causa ou do sistema jurídico, convocando o exercício equilibrado e racional dos direitos (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil Anotado, I, anotação ao art. 334º). Ou seja, a doutrina e a jurisprudência apontam como uma das situações que integram comportamentos inadmissíveis no exercício dos direitos, a desproporção inadmissível entre a vantagem própria e o sacrifício imposto a outrem, que, em nosso entender, o pedido da Requerente não integra».
Concorda-se com esta argumentação.
Apesar de o direito à informação não procedimental ser um direito constitucional (artº268º nº2) pode conflituar com outros direitos, devendo nesta hipótese deitar-se mão aos princípios jurídico-constitucionais materialmente informadores de toda a actividade administrativa: necessidade, adequação, proporcionalidade (Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP Anotada, 3ª edição revista, págs. 934/935).
No caso concreto, não foram ultrapassados quaisquer limites impostos por outros direitos ou princípios de direito.
Vejamos.
Segundo os recorrentes, conflituaria o direito da requerente com a falta de competência da mesma para verificar se os actos autorizados e os pagamentos realizados estão de acordo com as disposições aplicáveis, ultrapassando os limites impostos pela boa fé, fim social e económico do direito que lhe assiste. Ou seja, a recorrida (requerente) estaria a querer exercer funções de “fiscalização” que não lhe competem (conclusões 19ª e 20ª), mas sim ao Tribunal de Contas, não procede.
Ora, a pretensão da requerente visa apenas assegurar o seu direito constitucional à informação previsto no art. 268º, nº 2 da CRP, 65º do CPA e na 46/2007 e não exercer qualquer censura legal sobre discordância das despesas apresentadas e a lei que as prevê.
O julgamento da legalidade das despesas cabe ao Tribunal de Contas; a requerente, como qualquer cidadão, tem apenas o direito de saber, de ser informado sobre o teor de tais despesas públicas, no exercício de um direito fundamental.
Por outro lado, indicando a requerente relativamente a cada um dos Ministérios, o número de documentos a que pretende aceder, e este número, em relação a cada uma daquelas Entidades não se afigura particularmente assinalável, sendo certo que o encargo imposto à Administração se repercute, em regra, no requerente do acesso aos documentos sobre o qual impende o encargo de os pagar (cfr art. 12º da LADA).
Não podem, pois, os recorrentes concluir, como o fazem, que o exercício do direito de acesso aos documentos por parte da recorrida, viole os limites impostos pela boa fé, e pelo fins económico e social.
Assinale-se que os recorrentes apenas se referem «ao número de documentos requeridos» sem especificar qual a quantidade e a repercussão da sua passagem no normal funcionamento dos vários departamentos dos serviços públicos.
Aliás, as cópias do pagamento das despesas de representação e dos subsídios de residência podem cingir-se, perfeitamente e na hipótese de se manterem inalteradas, à cópia do pagamento do primeiro mês e depois identificarem os meses que sucessivamente foram pagos, relativamente a cada um dos beneficiários.
Improcedem, por isso, também estas conclusões das alegações dos recorrentes.
Realce-se, novamente, que as cópias a fornecer devem ser expurgadas de matéria que revista natureza nominativa (artº3º da LADA) ou que esteja abrangida pelas restrições ao direito de acesso (artº6.º da LADA).
Em concordância com tudo o exposto, concede-se parcial provimento ao presente recurso jurisdicional, revogando-se parcialmente o acórdão recorrido e decidindo-se:
1º - Condenar os recorrentes à passagem de certidões referidas nas alíneas B, C e D do pedido da recorrida, e com as possibilidades de substituição ou de redução supra indicadas: (B) - Cópias dos Despachos e/ou outros actos com natureza normativa, pelos quais tenha sido autorizada a atribuição e utilização de cartões de crédito e pagamento e uso de telefones por Membros do actual Governo, de todos os Ministérios, que permitam identificar os beneficiários dessas autorizações; (C) - Cópias dos documentos de processamento e pagamento das despesas de representação aos Membros do actual Governo; e (D) - Cópias dos documentos de processamento e pagamento a todos os Membros do Governo e seus Chefes de Gabinetes, de subsídios de residência previstos no Decreto-Lei n°72/80, de 15 de Abril ou noutros diplomas legais.
O prazo para a passagem das referidas certidões é de 10 dias úteis, sob pena de, não o fazendo, poderem incorrer em responsabilidade civil disciplinar ou criminal e ser-lhes aplicada a sanção pecuniária compulsória, prevista no art. 169º do CPTA.
2º - Absolver os recorrentes do restante pedido formulado pela ora recorrida (al. A).
3º - Condenar as partes nas custas, na proporção de vencimento, ou seja de ¼ para a recorrida e ¾ para os recorrentes, neste STA e em ambas as instâncias.
Lisboa, 24 de Janeiro de 2012. – Américo Joaquim Pires Esteves (relator) – Alberto Augusto Andrade de Oliveira – Fernanda Martins Xavier e Nunes.