Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0494/13.4BEAVR
Data do Acordão:03/09/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IRC
LIQUIDAÇÃO OFICIOSA
EXPLORAÇÃO DE JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
IMPOSTO ESPECIAL DE JOGOS
DISPENSA
DECLARAÇÃO
Sumário:I - Encontrando-se a recorrente sujeita a um regime especial de tributação, por ser concessionária de exploração de jogos de fortuna ou azar, exclusivamente sujeita a imposto sobre o jogo quanto a todas as actividades (principais e secundárias) que exerce e que se encontram incluídas no âmbito do respectivo contrato de concessão, não se encontra, em princípio, sujeita a tributação em IRC, em conformidade com o disposto no Dec. Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, e com a norma de exclusão de tributação em IRC contida no artigo 7º do CIRC.
II - Tratando-se de entidade não sujeita a tributação em IRC (e não de entidade isenta desse imposto), não pode a Administração Tributária sujeitá-la a tal tributação ou sujeitá-la às obrigações declarativas que o artigo 117º do CIRS impõe aos sujeitos passivos de IRC, a menos que se evidenciasse, que no exercício em causa a autora ficara sujeita a essa tributação por força da ocorrência de factos tributários autónomos geradores desse tipo de tributação.
III - Concludentemente, a liquidação oficiosa deste imposto só poderia suceder caso a AT afirmasse alguma dessas circunstâncias, maxime, a ocorrência de despesas susceptíveis de tributação autónoma, pois as tributações autónomas nada têm que ver com a tributação do rendimento nem com o exercício de uma actividade por incidirem sobre certas despesas, que constituem factos tributários autónomos, às quais se aplicam taxas diferentes das do IRC, que o legislador quis tributar de forma autónoma para evitar que pudesse haver rendimentos que escapassem a tributação.
IV - Com efeito, as tributações autónomas, ainda que formalmente inseridas no CIRC (foi o Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, que introduziu alterações ao CIRC, entre elas a tributação autónoma em despesas confidenciais (artigo 4º).) (art. 81º), não visam tributar o rendimento no fim do período tributário, mas sim determinados tipos de despesa, consubstanciando cada despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável no fim do período.
V - Apurando-se que a autora no exercício fiscal de 2012 realizou despesas sujeitas a tributação autónoma em sede de IRC, nomeadamente despesas de representação, é correcta a conclusão extraída no julgado que, tendo a recorrente contabilizado gastos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, no exercício fiscal do ano de 2012, não pode ser dispensada da apresentação da declaração de rendimentos.
Nº Convencional:JSTA000P29080
Nº do Documento:SA2202203090494/13
Data de Entrada:10/19/2021
Recorrente:A.........., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por A…….. SA., com os demais sinais dos autos, visando a revogação da sentença de 29-04-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que julgou parcialmente improcedente a acção administrativa especial que apresentou contra o Ministério das Finanças e da Administração Pública e a Direção de Finanças de Lisboa, do acto de indeferimento relativo ao requerimento de não sujeição à obrigação de entrega da declaração de rendimentos (modelo 22) para os anos de 2011 e 2012.

Inconformada, nas suas alegações, formulou a recorrente A………… SA., as seguintes conclusões:

1) O presente recurso vem interposto da douta sentença de fls. …, proferida nos autos referidos em epígrafe, que julgou a acção administrativa especial deduzida pela ora Recorrente parcialmente improcedente.
2) A posição vertida pelo Tribunal a quo, relativamente ao ano de 2012, comporta um erro de julgamento (error in judicando) de direito, visto que o decidido pelo Tribunal a quo foi motivado por uma interpretação desacertada e equivocada da constelação normativa mobilizável ao caso concreto, que choca com o artigo 9.º, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, da LGT.
3) Partindo do artigo 7.º, do CIRC, e do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, o Tribunal a quo deveria ter interpretado a questão da eventual obrigatoriedade de entrega da Modelo 22, por parte da Recorrente, à luz do elemento teleológico, sistemático, e histórico da norma.
4) A Recorrente é um sujeito passivo de IRC (al. a), do n.º 1 do artigo 2.º do CIRC), e os seus rendimentos poderiam encontrar-se sujeitos a tributação em sede de IRC.
5) A Recorrente, porém, não aufere, nem nunca auferiu, quaisquer rendimentos sujeitos a IRC, só se podendo concluir, por isso, que não lhe compete qualquer obrigação declarativa em sede de IRC.
6) Como a Recorrida bem sabe, a Recorrente é uma sociedade anónima que tem como actividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar e, por força da actividade que exerce, a lei, nos termos do artigo 7.º, do CIRC, confere-lhe uma não sujeição dos rendimentos decorrentes dessa actividade, em sede de IRC.
7) De facto, a inclusão da A………. como sujeito passivo de IRC acaba por ser meramente abstracta: ocorre apenas por força da sua forma jurídica, de sociedade comercial, e porque tem a sua sede e direcção efectiva em Portugal.
8) Neste caso, apesar de se verificar a dimensão pessoal, a incidência subjectiva, não se verifica a dimensão real, a incidência objectiva, porquanto os rendimentos auferidos pelo sujeito passivo não se encontram efectivamente sujeitos a este importo.
9) Assim, a Recorrente, sob nenhuma forma, cai no âmbito de incidência efectiva do IRC, entendimento que emerge do artigo 7.º, do CIRC, e do artigo 84.º, do DecretoLei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e que é, inclusivamente, adoptado pelo Tribunal a quo.
10) Não auferindo a Recorrente quaisquer rendimentos sujeitos a IRC (como nunca auferiu), não apresentou, consequentemente, a declaração de rendimentos.
11) De facto, a obrigação declarativa, prevista na al. b), do n.º 1, do artigo 117.º, do CIRC, deve ser excluída no que toca à Recorrente, porquanto a Recorrente não aufere rendimentos sujeitos a IRC e, embora se considere um sujeito passivo de IRC, na verdade, na prática, todos os seus rendimentos estão “isentos” nesta sede.
12) Fundamentos estes que não foram alterados com a entrada em vigor da Lei n.º 12/2012, de 14 de Maio, contrariamente ao propugnado pelo Tribunal a quo, visto que, apesar das alterações introduzidas à letra da lei pelo legislador (revogação do n.º 7 do artigo 117.º do CIRC), a racionalidade subjacente ao artigo 117.º, do CIRC, em leitura conjunta com o artigo 7.º, do CIRC, e o artigo 84.º do Decreto- n.º 422/89, mantém-se.
13) O próprio Tribunal a quo afirma que “Regressando aos autos, quando aos rendimentos de 2011 julgamos que deverá prevalecer o elemento finalístico do n.º 7 do artigo 117.º do CIRC, em detrimento de uma interpretação literal, conceptual ou meramente gramatical”
14) Contrariamente ao postulado, esta interpretação finalística, adequada ao espírito da norma e ao conjunto das normas mobilizáveis ao caso, envolve toda a norma, bem como a sua articulação com o artigo 7.º, do CIRC, e o artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, e não apenas o n.º 7, do artigo 117.º, do CIRC, hoje revogado.
15) É na interpretação conjunta, finalística e adequada ao caso concreto que radicam os argumentos da ora Recorrente, porquanto a ratio das normas extravasa a sua letra, demonstrando o fim que a norma visava realizar.
16) A ratio legis do artigo 117.º, do CIRC, reside, assim, no apuramento dos rendimentos obtidos pelos sujeitos passivos de IRC, tendo em vista a determinação do imposto a aplicar, e, como resulta do exposto, a Recorrente não vai de encontro à intenção do legislador quando criou a norma.
17) A Recorrente não aufere rendimentos sujeitos a IRC, pelo que a sua sujeição à obrigação declarativa consagrada no artigo 117.º, do CIRC, representaria um formalismo desprovido de sentido, desconexo da finalidade última da norma.
18) Nos termos da alínea b), do n.º 6, do artigo 117.º, do CIRC, na redacção vigente até 14 de Maio de 2012, a Recorrente não estava (nem está) adstrita à obrigação de apresentar a declaração periódica de rendimentos em IRC, justamente, por não auferir rendimentos sujeitos àquele imposto.
19) A letra da lei então vigente, mais não fazia do que enunciar o espírito da lei a partir daquela norma escrita – sendo que, para o que aqui releva, o espírito da norma mantém-se absolutamente íntegro, contribuindo para o referido entendimento a alteração normativa operada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.
20) Ora, face à redacção actual e vigente do artigo, facilmente se percebe que não recai sobre a Recorrente qualquer obrigação de declaração de rendimentos, porquanto o legislador retomou, de forma expressa, o entendimento já vertido da al. b), do n.º 6, do artigo 117.º, do CIRC, na redacção vigente até 14 de Maio de 2012, demonstrando, a final, que nunca pretendeu fazer recair a obrigação de entrega de declaração de rendimentos (modelo 22) sobre sujeitos que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC.
21) Demonstra-se, assim, que, historicamente, o legislador tem dispensado as entidades que não auferem rendimentos tributáveis em sede de IRC da obrigação declarativa ora em discussão, visto que, neste casos, a mesma se encontraria vazia de conteúdo, e sem propósito.
22) Ainda que, em teoria, a Recorrente se considere um sujeito passivo de IRC, como explicitado supra, o facto de a Recorrente exercer em exclusividade as actividades concessionadas – e atento o disposto no artigo 7.º do CIRC –, na prática, a Recorrente beneficia de uma “isenção total” em IRC que, como tal, deve ser valorada nos termos e para os efeitos até então (e hoje, novamente) previstos na alínea b), do n.º 6, do artigo 117.º do CIRC.
23) A dispensa de cumprimento daquela obrigação declarativa da Recorrente, decorria, expressamente, e como já foi referido, do disposto no n.º 7 do referido artigo 117.º, porquanto, “embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial”, a Recorrente, na prática, beneficia de “isenção definitiva e total”.
24) E de nada vale, obviamente, a derrogação a esta norma, mormente o disposto na parte final daquele artigo, onde se diz, “excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma”.
25) Reitera-se: a alteração legal introduzida pelo Decreto-Lei n.º 20/2012, de 14 de Maio, ao revogar o n.º 7, do artigo 117.º, do CIRC, só por si, não invalida ou sequer colide com os argumentos invocados pela A……….
26) De facto, a argumentação atrás expendida, à luz da letra da lei então vigente, mais não fazia do que enunciar o espírito da lei a partir daquela norma escrita – sendo que, para o que aqui releva, o espírito da norma mantém-se absolutamente íntegro, contribuindo para o referido entendimento a alteração normativa operada pela Lei n.º 114/2017, de 29 de Dezembro.
27) A admitir-se a posição propugnada pelo Tribunal a quo, nos termos conjugados da al. b), do n.º 1, do artigo 90.º, e do artigo 120.º, ambos do CIRC, a Autoridade Tributária poderia, no limite, e erradamente, emitir um acto de liquidação oficiosa de IRC sobre rendimentos sujeitos a IRC que a Recorrente nunca auferiu.
28) Tributar, por ficção, uma realidade que, na prática, nunca seria de tributar em IRC, seria uma manifesta má aplicação da lei, desfasada dos reais intentos do legislador, ao arrepio do princípio constitucional da incidência da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104º, nº 2, da CRP).
29) Ora, no caso em apreço, se a Entidade Demandada não for obrigada à prática do acto que dispense a Recorrente da obrigação declarativa relativa ao ano de 2012, isto significa, em última linha, que a Recorrente vai ter que cumprir uma obrigação acessória sem que exista, ou se suspeite, sequer, existir, a obrigação principal.
30) Face à argumentação expendida, é possível retirar duas premissas básicas:1) falhando o elemento objectivo do facto tributário, este não existe, e 2) se não existe facto tributário, não nasce a obrigação principal de imposto.
31) Afigura-se duvidoso que exista uma obrigação acessória sem a correspectiva obrigação principal.
32) A interpretação sugerida pelo Tribunal a quo, relativamente ao artigo 117.º, do CIRC, sugere, conforme exposto, uma distorção da unidade do sistema, ignorando as consequências que advêm deste entendimento, tratando de forma incoerente as entidades que se encontrem na mesma posição ou em posição análoga.
33) Face ao exposto, partindo da constelação normativa aplicável, e recorrendo à ratio legis, ao elemento histórico e ao elemento sistemático, enquanto cânones interpretativos, deve a decisão que vem parcialmente recorrida ser considerada improcedente, porquanto assenta numa deficiente interpretação e, bem assim, numa errada aplicação do direito, violando a leitura conjunta do artigo 117.º e do artigo 7.º, ambos do CIRC, e, ainda, do n.º 1, do artigo 84.º, do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, violando, ainda, o artigo 9.º, do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º, da LGT.
NESTES TERMOS, E NOS DEMAIS DE DIREITO, DEVE O PRESENTE RECURSO PROCEDER NOS TERMOS EXPOSTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

Não houve contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, no seguinte parecer:

Objeto do recurso
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, datada de 29.04.2021, que julgou a ação administrativa especial parcialmente procedente.
Em consequência, absolveu a entidade demandada do pedido de condenação à prática de ato administrativo traduzido na dispensa da autora, ora recorrente, da apresentação de declaração de rendimentos, com referência ao ano de 2012 (por sentença datada de 7.11.2019 havia sido julgada a procedência da pretensão da autora no que concerne ao ano de 2011).
De tal sentença foi interposto recurso pela autora, invocando errada aplicação do direito, por violação do disposto no artigo 117.º e do artigo 7.º ambos do CIRC, e, ainda, do n.º 1, do artigo 84.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro e artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º da LGT.
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações de recurso.
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pela recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
Fundamentação
Por sentença do TAF de Aveiro, datada de 7.11.2019, foi julgada parcialmente procedente a ação administrativa especial e, em consequência, foi condenada a entidade demandada a emitir ato administrativo que dispense a apresentação da declaração de rendimentos da autora no ano de 2011, absolvendo-a quanto ao restante pedido.
A autora interpôs contra aquela decisão recurso dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo que, por douto aresto de 14.10.2020, decidiu conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Aveiro para averiguar se no exercício de 2012 a autora tinha realizado despesas sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do CIRC.
Por sentença do TAF de Aveiro, datada de 29.04.2021, procedeu-se ao aditamento da factualidade provada, tendo resultado fixado que a autora contabilizou tais despesas, nomeadamente despesas de representação no exercício fiscal de 2012.
Nestes termos, concluiu-se que, tendo a autora contabilizado gastos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC no ano fiscal de 2012, não pode ser dispensada da apresentação da declaração de rendimentos daquele ano.
De tal decisão veio a autora interpor novo recurso para este STA, defendendo que a alteração legal introduzida pelo Decreto-Lei n.º 20/2012, de 14.05, ao revogar o n.º 7, do artigo 117.º, do CIRC, só por si, não invalida ou sequer colide com os argumentos por si invocados.
Propugna, em suma, que não auferindo rendimentos sujeitos a IRC, não faz sentido a sua sujeição à obrigação declarativa consagrada no artigo 117.º do CIRC.
Na verdade, é incontroverso que a recorrente é uma sociedade anónima que tem como actividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar e, por força da atividade que exerce, a lei, nos termos do artigo 7.º do CIRC, confere-lhe uma não sujeição dos rendimentos decorrentes dessa actividade, em sede de IRC.
A posição defendida pela Fazenda Pública é a de que a alteração ao CIRC, introduzida pela Lei n.º 20/2012, de 14.05, isentou a apresentação da declaração de rendimentos modelo 22 apenas às entidades previstas no artigo 9.° do CIRC e às entidades não residentes que aufiram no território português rendimentos isentos, o que não é o caso da autora. (Decorrendo do artigo 117.º, n.º 6 do CIRC (na redação aplicável) que “a obrigação a que se refere a alínea b) do n.º 1 não abrange as entidades isentas ao abrigo do artigo 9.º, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.”)
O douto acórdão do STA de 14.10.2020 proferido nos presentes autos decidiu:
“ […] Em suma, por a autora não estar abrangida pela incidência do IRC ex vi do artigo 7.º do CIRC e por a obrigação declarativa estipulada no artigo 117.º do CIRC se reportar aos sujeitos passivos desse imposto, há que concluir que a autora não estava obrigada a entregar a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 se naquele período não tivesse realizado despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC.
A Fazenda Pública só pode exigir a apresentação da declaração modelo 22 aos sujeitos passivos que estejam na situação do artigo 7.º do CIRC quando estes tenham efetuado, no exercício em causa, despesas sujeitas a tributação nos termos do artigo 88.º do CIRC.”
Ora, como resulta da sentença recorrida, designadamente da factualidade aditada, “[a] autora no exercício fiscal de 2012 realizou despesas sujeitas a tributação autónoma em sede de IRC, nomeadamente despesas de representação [cfr. do extrato da conta 6266 – “Despesas de representação” constante da peça do SITAF n.º004903581].”
Pelo exposto, não oferece reparo a conclusão de que, tendo a recorrente contabilizado gastos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, no exercício fiscal do ano de 2012, não pode ser dispensada da apresentação da declaração de rendimentos.
Conclusão
Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. A Autora é uma sociedade anónima dedicada à exploração comercial dos jogos de fortuna e azar e a actividades conexas (por acordo).
2. Em 6 de Dezembro de 2006, por ofício 2819, sob o assunto “IRC - Declaração de rendimentos modelo 22 - Exercício de 2005”, a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto com o conteúdo que abaixo se transcreve (doc. 32 do PA):
“Conforme solicitado pela exposição apresentada, informo que caso o sujeito passivo tenha apenas auferido rendimentos não sujeitos a tributação mencionados no art.° 7 do Código de Imposto sobre Pessoas Colectivas (CIRC), não está obrigado à entrega da declaração modelo 22, conforme o disposto no n.º 7 do art.º 109º do CIRC".
3. Em 14 de Abril de 2008, por ofício 7207, sob o assunto “IRC – Declaração periódica de rendimentos modelo 22 - exercício de 2006”, a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto que abaixo se transcreve (doc. 34 do PA):
“(...) 2. Nos termos do n.º 7 do artigo 109.º do Código do IRC, a obrigação de entrega da referida declaração não abrange as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, excepto quando estejam sujeitas a qualquer tributação autónoma. Assim, estando reunidas as condições referidas, está essa entidade dispensada da apresentação da declaração modelo 22.”.
4. Em 31 de Dezembro de 2008, por ofício 24436, sob o assunto “IRC - Declaração periódica de rendimentos modelo 22 - exercício de 2007”, a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto que abaixo se transcreve (doc. 36 PA):
" (...) 2. Nos termos do n° 7 do artigo 109.° do Código do IRC, a obrigação de entrega da referida declaração não abrange as entidades que, embora exercendo, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, beneficiem de isenção definitiva e total, ainda que a mesma não inclua rendimentos que sejam sujeitos a tributação por retenção na fonte com carácter definitivo, excepto quando estejam sujeitas a qualquer tributação autónoma.
3. A análise destas condições é casuística e anual.
4. Encontrando-se reunidos os pressupostos referidos, está essa entidade dispensada da apresentação da declaração modelo 22”
5. Em 18 de Setembro de 2012, através do aviso n.º 003278696, sob o assunto “IRC - Declaração de rendimentos modelo 22", a Entidade Demandada comunicou à Autora o texto cujo conteúdo que abaixo se reproduz (fls. 30 do PA):
Exm° Senhor
No sistema informático da Autoridade Tributária e Aduaneira não se encontra registada a vossa declaração de rendimentos Modelo 22 do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas {IRC}, relativa ao período de 2011, cujo termo do prazo de entrega ocorreu em 2012-05-31 (com exceção dos sujeitos passivos com períodos especiais de tributação).
Sendo obrigatória a apresentação anual da referida declaração, o não cumprimento desta obrigação, para atém de sancionada como contra-ordenação, nos termos do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), implica a emissão de uma liquidação oficiosa, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC (CIRC), a qual tem por base o valor anual da retribuição mensal mínima garantida ou, quando superior, a totalidade da matéria colectável do período maís próximo que se encontre determinada. Esta liquidação oficiosa fica, no entanto, prejudicada se, no prazo de 15 dias, vier a ser apresentada a declaração em falta, a qual deve ser obrigatoriamente enviada via internet, no Portal das Finanças (www.portaldasfinancas.gov.pt).
Relembro que, para efeitos de IRC, a cessação de actividade, por iniciativa do sujeito passivo, ocorre, em regra, na data do registo do encerramento da liquidação ou quando se verificar outra das situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 do artigo 8.º do Código do IRC.
Assim, a apresentação da declaração de rendimentos é obrigatória, ainda que não tenha sido exercida qualquer actividade no respectivo período ou mesmo que tenha sido declarada a cessação de actividade para efeitos de Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA). Em qualquer destes casos, deve ser Inscrito o valor "zero” nos campos de preenchimento obrigatório.
No caso de já ter sido regularizada a falta, queira considerar sem efeito esta comunicação. Com os melhores cumprimentos.
A Diretora de Serviços
6. Em 26 de Setembro de 2012, a Autora apresentou uma exposição à Entidade Demandada, na qual indicou ser "...entendimento da Exponente que está dispensada da obrigação de entrega da declaração em apreço [modelo 22]…”, requerendo à ATA que "... i) Corrobore o entendimento acima descrito; ii) Considere sem efeito a notificação electrónica de 18 de Setembro de 2012 (aqui em causa) e, consequentemente, iii) Proceda ao arquivamento do respectivo processo de contra-ordenação”, e ainda solicitando "...que seja emitida um decisão que permita o esclarecimento, de forma cabal e definitiva, da situação agora exposta, obviando a futuras notificações respeitantes ao incumprimento da entrega da Declaração Modelo 22” - ênfase no original (doc. 25 e 27 do PA).
7. Por ofício de 08 de Março de 2013, n.º 4348, a Entidade Demandada comunicou à Autora decisão sobre a exposição indicada em F), com o conteúdo que abaixo se reproduz (doc. 4 e 5 do PA):
Relativamente à exposição apresentada por V. Exas, respeitante à obrigatoriedade de entrega da declaração periódica de rendimentos, informa-se que por despacho da Senhora Subdiretora-Geral do imposto sobre o rendimento, de 4.03.2013, por subdelegação de competências, a mesma foi decidida nos seguintes termos:
1 - Períodos de tributação de 2012 e seguintes
A exponente é uma entidade concessionária de jogos de fortuna ou azar, consistindo a exploração de tais jogos a sua atividade principal, em paralelo com a exploração de complexos hoteleiros, atividade incluída e estritamente conexa com a sua atividade principal. No âmbito da concessão, os rendimentos por si obtidos estão sujeitos ao imposto especial de jogo, conforme decorre dos dois contratos efetuados com o Estado Português (Cfr. artºs 1° e 2º da sua exposição).
De acordo com o previsto no artigo 84° da lei n° 422/89, de 2,12, as empresas concessionárias do jogo são obrigadas ao pagamento de um imposto especial pelo exercício da atividade do jogo, sendo que o exercício de quaisquer outras atividades fica sujeito ao regime geral tributário.
Ora sendo a A……….. uma sociedade comercial com sede em território português, estamos em presença de um sujeito passivo de IRC, nos termos do artigo 2°/1-a) do CIRC, sendo que os rendimentos resultantes da atividade de que é concessionária não estão sujeitos a IRC por força do artigo 7° do mesmo Código, uma vez que são tributados em imposto especial de jogo.
Por outro lado, nos termos do atual artigo 117° do CIRC, na redação que lhe foi dada pela lei n.º 20/2012 de 14.05, os sujeitos passivos de IRC são obrigados a apresentar a declaração periódica de rendimentos, estando dispensados de tal obrigação apenas as entidades isentas ao abrigo do artigo 9.º, excepto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma, bem como as entidades não residentes que apenas aufiram, em território português, rendimentos isentos.
Face ao exposto, conclui-se que a A……….. está obrigada à apresentação da declaração periódica de rendimentos, nos termos conjugados dos artigos 2°/1-a) e 117° do CIRC, uma vez que as únicas dispensas desta obrigação são as situações constantes dos n.°s 6 e 8 do mesmo artigo, nas quais não se enquadra a exponente.
Acresce que as despesas não documentadas realizadas por entidades concessionárias, no âmbito da atividade do jogo, estão sujeitas à tributação autónoma prevista nos n°s 1 e 2 do artigo 88° do Código do IRC.
Esta tributação não se verifica, apenas, a partir da alteração que foi introduzida ao n° 2 do mesmo artigo (pelo artº 113° da lei n° 64-B/2011, de 30,12), onde é feita a referência, expressa, aos sujeitos passivos que aufiram rendimentos enquadráveis no artigo 7º do CIRC.
Já era entendimento dos serviços que os sujeitos passivos que exercessem a atividade sujeita ao imposto especial de jogo eram tributados autonomamente pelas despesas não documentadas, uma vez que, sendo despesas relativamente às quais se desconhece a identificação do seu beneficiário bem como a sua natureza, não se consegue saber se as mesmas são, de facto, efetuadas no âmbito das atividades concessionadas,
A referida alteração legislativa apenas teve o efeito de sujeitar, nestas situações, as despesas não documentadas à taxa agravada de 70%,
Assim, à exponente nunca poderia, como é sua pretensão, ser-lhe concedida qualquer dispensa, a título definitivo, da entrega da declaração periódica de rendimentos, uma vez que está sujeita à tributação autónoma das despesas não documentadas e está sujeita a IRC relativamente aos lucros obtidos nas atividades não abrangidas pela concessão do jogo.
E interpretação diversa, como é a da A……….., não tem suporte na letra da lei, já que não pode "ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo cfr. correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso (Cfr, art.º 9°/2 do C. Civil),
Pelo que, como a declaração de rendimentos não prevê qualquer campo de “Não sujeição”, no caso de a sociedade A……….. obter apenas rendimentos abrangidos pelo imposto especial de jogo e não houver situações abrangidas peias tributações autónomas, deverá apresentar a declaração pelo regime geral com preenchimento a zeros dos campos relativos aos valores.
Quanto ao entendimento da exponente de que, de acordo com os ofícios que lhe foram enviados pela DSIRC, estaria dispensada da obrigação de entrega da declaração a título definitivo, se analisarmos os ofícios respeitantes aos períodos de tributação de 2005 e 2007, que juntou à sua exposição, verifica-se que dos mesmos nunca poderia retirar essa ilação.
De facto, a referência no primeiro ofício de que "caso o sujeito passivo tenha apenas auferido rendimentos não sujeitos a tributação" e no ofício respeitante ao período de 2007 de que “A análise destas condições é casuística e anual", são elucidativos de que a referida dispensa nunca poderia ser a título definitivo, uma vez que a verificação das condições para decidir da dispensa da entrega da declaração tinha de ser efetuada anualmente e de forma casuística.
De qualquer modo, atualmente, a única exceção à regra da obrigatoriedade de entrega da declaração periódica de rendimentos pelas entidades residentes em território português é a prevista no n° 6 do artigo 117° do CIRC, com a redação que lhe foi dada peia referida lei n° 64- B/2011.
2 - Período de tributação de 2011
Relativamente ao período de tributação de 2011, verifica-se que a A……….. foi notificada no dia 23.11.2012, através da caixa postal eletrónica Via CTT, da liquidação oficiosa nº 2012 8310016160, com o valor a pagar de €950,60, efetuada nos termos da alínea b) do nº 1 do artigo 90° do Código do IRC por não ter enviado a declaração periódica de rendimentos, pelo que, poderá reclamar ou impugnar a referida liquidação nos termos do artigo 137º do CIRC e 70º e 102° do CPPT, conforme lhe foi notificado,
3 - Conclusões
Face ao exposto, conclui-se que nos períodos de tributação iniciados em 2012 a A………. está obrigada à apresentação da declaração periódica de rendimentos, nos termos conjugados dos artigos 2/1-a) e 117º do CIRC, uma vez que as únicas dispensas desta obrigação são as situações constantes dos n°s 6 e 8 do mesmo artigo, nas quais não se enquadra a exponente.
Pelo que, como a declaração de rendimentos não prevê qualquer campo de “Não sujeição", no caso de a A………… obter apenas rendimentos abrangidos pelo imposto especial de jogo e não houver situações abrangidas pelas tributações autónomas, deverá apresentar a declaração pelo regime geral com preenchimento a zeros dos campos relativos aos valores.
No que respeita ao período de tributação de 2011, a A………. poderá reclamar ou impugnar liquidação oficiosa, nos termos do artigo 137° do CIRC e 70° e 102º do CPPT, conforme lhe foi notificado.
8. Em 14 de Junho de 2013, a presente acção deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro (fls. 1 dos autos).

Com relevância para a decisão a proferir, e em aditamento aos já considerados provados na sentença anteriormente proferida, consideram-se também provados os seguintes factos [a numeração mencionada será efetuada por apelo à paginação eletrónica dos autos salvo menção expressa em sentido diverso]:
9. A Autora no exercício fiscal de 2012 realizou despesas sujeitas a tributação autónoma em sede de IRC, nomeadamente despesas de representação
[cfr. do extrato da conta 6266 – “Despesas de representação” constante da peça do SITAF n.º 004903581].
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2.2.- Motivação de Direito


O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou parcialmente improcedente a acção administrativa especial apresentada, padece de erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação da lei, nomeadamente do disposto no artigo 117.º e do artigo 7.º ambos do CIRC, e, ainda, do n.º 1, do artigo 84.º do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro e artigo 9.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 11.º da LGT, no que respeita à decisão de não poder ser dispensada da apresentação da declaração de rendimentos, por ter contabilizado gastos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, no exercício fiscal do ano de 2012, uma vez que não auferindo rendimentos sujeitos a IRC, não faz sentido a sua sujeição à obrigação declarativa consagrada no artigo 117.º do CIRC.
Vejamos.
Na sentença sob escrutínio foi julgada parcialmente procedente a acção administrativa especial e, em consequência, foi condenada a entidade demandada a emitir acto administrativo que dispense a apresentação da declaração de rendimentos da autora no ano de 2011, absolvendo-a quanto ao restante pedido.
Sucede que, nestes autos, a autora interpôs recurso contra aquela decisão dirigido ao Supremo Tribunal Administrativo que, por acórdão de 14.10.2020 (vide p. 369 SITAF), decidiu conceder provimento ao recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida e ordenar a baixa dos autos ao TAF de Aveiro para averiguar se no exercício de 2012 a autora tinha realizado despesas sujeitas a tributação autónoma, nos termos do artigo 88.º do CIRC.
Por sentença do TAF de Aveiro, datada de 29.04.2021, procedeu-se ao aditamento da factualidade provada, tendo resultado fixado que a autora contabilizou tais despesas, nomeadamente despesas de representação no exercício fiscal de 2012.
Aplicando o direito aos factos segundo o regime definido no aresto antes proferido por este STA, na decisão recorrida concluiu-se que, tendo a autora contabilizado gastos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC no ano fiscal de 2012, não pode ser dispensada da apresentação da declaração de rendimentos daquele ano.
Continuando inconformada, veio a autora interpor novo recurso daquela decisão para este STA, defendendo que a alteração legal introduzida pelo Decreto-Lei n.º 20/2012, de 14.05, ao revogar o n.º 7, do artigo 117.º, do CIRC, só por si, não invalida ou sequer colide com os argumentos por si invocados, defendendo que, por não ter auferido rendimentos sujeitos a IRC, é indevida a sua sujeição à obrigação declarativa consagrada no artigo 117.º do CIRC.
Quid juris?
Sendo indubitável que A autora e ora recorrente é uma sociedade anónima que tem como actividade principal a exploração de jogos de fortuna ou azar e, por força da atividade que exerce, a lei, nos termos do artigo 7.º do CIRC, confere-lhe uma não sujeição dos rendimentos decorrentes dessa actividade, em sede de IRC.
Não obstante, a AT sustenta que a alteração ao CIRC, introduzida pela Lei n.º 20/2012, de 14.05, isentou a apresentação da declaração de rendimentos modelo 22 apenas às entidades previstas no artigo 9.° do CIRC e às entidades não residentes que aufiram no território português rendimentos isentos, o que não é o caso da autora.
O certo é que, na redacção aplicável do artigo 117.º, n.º 6 do CIRC resulta que “a obrigação a que se refere a alínea b) do n.º 1 não abrange as entidades isentas ao abrigo do artigo 9.º, exceto quando estejam sujeitas a uma qualquer tributação autónoma.”
E, no acórdão do STA de 14.10.2020 proferido nos presentes autos, com relevância para a decisão da causa e num sentido vinculante para este tribunal, julgou-se que “ […] Em suma, por a autora não estar abrangida pela incidência do IRC ex vi do artigo 7.º do CIRC e por a obrigação declarativa estipulada no artigo 117.º do CIRC se reportar aos sujeitos passivos desse imposto, há que concluir que a autora não estava obrigada a entregar a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 se naquele período não tivesse realizado despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC.
A Fazenda Pública só pode exigir a apresentação da declaração modelo 22 aos sujeitos passivos que estejam na situação do artigo 7.º do CIRC quando estes tenham efetuado, no exercício em causa, despesas sujeitas a tributação nos termos do artigo 88.º do CIRC.”
Ademais, essa solução foi ditada por apelo a jurisprudência firme antecedentemente firmada, como se dá conta de forma lapidar no acórdão deste STA de 06-07-2016, tirado no Processo nº 0412/16, disponível em www.dgsi.pt do qual se excerta o seguinte e impressivo bloco fundamentador:
“(…)
Como se viu, o acto tributário impugnado consiste numa liquidação oficiosa de IRC relativa ao exercício de 2012, que assentou, exclusivamente, na falta de entrega da declaração de rendimentos em sede de IRC. Nessa liquidação foi oficiosamente fixada uma matéria colectável (regime geral) de € 6.790,00, que gerou uma colecta de € 1.697,50, derrama de € 101,85, e juros compensatórios de € 36,08, nada tendo sido considerado ou fixado a nível de tributações autónomas, conforme resulta, de forma ostensiva, do teor da nota de liquidação referenciada no ponto 4 do probatório da sentença.

O que significa que a AT não considerou, para efeitos de liquidação oficiosa de IRC, a existência de quaisquer realidades passíveis de tributação autónoma (e que se encontram, aliás, sujeitas a taxas especialmente agravadas para sujeitos passivos que aufiram rendimentos diretamente resultantes do exercício de atividade sujeita ao imposto especial de jogo).
Ora, como se deixou explicado na sentença recorrida, que acolheu a posição já expressa por esta Secção do Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 12.04.2012, no proc. nº 077/12 (e que veio a ser secundada nos acórdãos de 11.11.2015, no proc. nº 0457/15 e de 2.12.2015, no proc. nº 0454/15), dos contratos de concessão celebrados entre a impugnante e o Estado português consta expressamente — à imagem, aliás, do que a lei prevê — a obrigação de pagamento de um imposto especial pelo exercício da actividade de jogo, não lhe sendo exigível qualquer outra tributação (geral ou local) relativa ao exercício dessas actividades ou de outras a que esteja obrigada nos termos contratualmente estabelecidos.
Sufraga-se, assim, mais uma vez, a posição expressa nesses acórdãos, no sentido de que a impugnante se encontra sujeita a um regime especial de tributação, por ser concessionária de exploração de jogos de fortuna ou azar, exclusivamente sujeita a imposto sobre o jogo quanto a todas as actividades (principais e secundárias) que exerce e que se encontram incluídas no âmbito do respectivo contrato de concessão, não se encontrando, em princípio, sujeita a tributação em IRC, em conformidade com o disposto no Dec. Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, e com a norma de exclusão de tributação em IRC contida no artigo 7º do CIRC.
Tratando-se de entidade não sujeita a tributação em IRC (e não de entidade isenta desse imposto), não pode a Administração Tributária sujeitá-la a tal tributação ou sujeitá-la às obrigações declarativas que o artigo 117º do CIRS impõe aos sujeitos passivos de IRC, a menos que se evidenciasse, designadamente através de acção inspectiva – como acontecera na situação analisada no supra citado acórdão do STA prolatado no proc. nº 077/12 –, que no exercício em causa a impugnante ficara sujeita a essa tributação por força da ocorrência de factos tributários autónomos geradores desse tipo de tributação.
Consequentemente, face à inexistência, em princípio, de rendimentos sujeitos a IRC, a liquidação oficiosa deste imposto só poderia suceder caso a AT afirmasse alguma dessas circunstâncias, maxime, a ocorrência de despesas susceptíveis de tributação autónoma, pois como também se deixou referido no aludido acórdão do STA, as tributações autónomas nada têm que ver com a tributação do rendimento nem com o exercício de uma actividade, já que incidem sobre certas despesas, que constituem factos tributários autónomos, às quais se aplicam taxas diferentes das do IRC, que o legislador quis tributar de forma autónoma para evitar que pudesse haver rendimentos que escapassem a tributação. «Na verdade, as tributações autónomas, embora formalmente inseridas no CIRC (Foi o Decreto-Lei nº 192/90, de 9 de Junho, que introduziu alterações ao CIRC, entre elas a tributação autónoma em despesas confidenciais (artigo 4º).) (art. 81º), não visam tributar o rendimento no fim do período tributário, mas sim determinados tipos de despesa, consubstanciando cada despesa um facto tributário autónomo, a que o contribuinte fica sujeito, venha ou não a ter rendimento tributável no fim do período».
No caso vertente, a AT nunca afirmou a existência de uma dessas circunstâncias, designadamente a constatação de uma realidade susceptível de tributação autónoma, para proceder à liquidação oficiosa de IRC (Tendo em conta o artigo 88º do CIRC, a tributação autónoma incide sobre as seguintes realidades: despesas não documentadas; encargos com viaturas; despesas de representação; ajudas de custo; importâncias pagas a não residentes; lucros distribuídos por entidades sujeitas a IRC a sujeitos passivos que beneficiam de isenção; gastos ou encargos relativos a indemnizações ou quaisquer compensações devidas não relacionadas com a relação contratual; e ainda os gastos ou encargos relativos a bónus e outras remunerações variáveis pagas a gestores, administradores ou gerentes.) (não tendo, aliás, tributado oficiosamente a impugnante a esse nível), afirmando, tão só, a omissão de um dever declarativo relativamente a rendimentos obtidos no exercício da sua actividade. Contudo, não auferindo a impugnante, em princípio e pelas razões que vimos, rendimentos sujeitos a IRC, não pode ser alvo de uma liquidação oficiosa como a que vem sindicada – atentas as especificidades da sua actividade e o facto de não auferir rendimentos sujeitos a IRC – em respeito à ratio legis subjacente à liquidação oficiosa pelo mínimo legal, carecendo de cabimento legal a tributação (por ficção) de uma realidade que não é tributável em absoluto.
Bem sabendo a AT que a impugnante está abrangida pela norma de exclusão de tributação contida no artigo 7º do CIRC, e que, por consequência, não pode existir matéria colectável real para efeitos de IRC, torna-se indefensável que sustente uma tributação oficiosa assente, unicamente, no facto de ela não ter apresentado a declaração modelo 22, pese embora, na sequência das alterações introduzidas no artigo 117º do CIRC pela Lei nº 20/2012, de 14 de Maio (OE Retificativo), tenham passado a estar obrigadas à entrega da declaração de rendimentos todos os sujeitos passivos de IRC, mormente as entidades que beneficiam de isenção definitiva e total de IRC (A Lei nº 20/2012, de 14 de Maio, revogou o nº 7 do artigo 117º do CIRC, que previa a exclusão da obrigação de apresentação de declaração periódica de rendimentos a entidades isentas do pagamento de IRC.)..
Em conclusão, no específico caso da impugnante, e visto que se trata de entidade que, em princípio, não se encontra, sequer, sujeita a tributação em IRC, o incumprimento da obrigação declarativa (mero facto constitutivo de eventual contraordenação sancionada com coima), não pode fundamentar, só por si, uma liquidação oficiosa de IRC, sob pena de violação do princípio constitucional da incidência da tributação das empresas fundamentalmente sobre o seu rendimento real (artigo 104º, nº 2, da CRP). E tal obrigação declarativa encontra-se excluída ainda que se considere, em teoria, que a impugnante constitui um sujeito passivo de IRC (por se tratar de sociedade comercial que se encontra coletada para o exercício de actividade comercial), dado que, na prática, todos os seus rendimentos estão legalmente excluídos de tributação em sede de IRC, como a recorrente bem sabe e não questiona neste recurso.”
Por esse prisma, a autora não estaria abrangida pela incidência do IRC ex vi do artigo 7.º do CIRC e por a obrigação declarativa estipulada no artigo 117.º do CIRC se reportar aos sujeitos passivos desse imposto, não estava obrigada a entregar a declaração modelo 22 relativa ao exercício de 2012 se naquele período não tivesse realizado despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC. E a Fazenda Pública só pode exigir a apresentação da declaração modelo 22 aos sujeitos passivos que estejam na situação do artigo 7.º do CIRC quando estes tenham efectuado, no exercício em causa, despesas sujeitas a tributação nos termos do artigo 88.º do CIRC.
Em conciliação com essa jurisprudência, o acórdão já proferido nestes autos que também a acolheu e, por veneração da mesma, decidiu “ordenar a baixa dos autos ao TAF de Aveiro para averiguar se no exercício de 2012 a Autora tinha realizado despesas sujeitas a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, para, em face disso, condenar a Fazenda Pública a dispensar a Autora da apresentação da declaração modelo 22 relativamente àquele exercício fiscal ou absolver a Entidade Demandada do pedido.”
Ora, a sentença recorrida, nessa sequência, aditou ao aprobatório que “a autora no exercício fiscal de 2012 realizou despesas sujeitas a tributação autónoma em sede de IRC, nomeadamente despesas de representação [cfr. do extrato da conta 6266 – “Despesas de representação” constante da peça do SITAF n.º 004903581].”
Por assim ser, é irrepreensível a conclusão extraída no julgado que, tendo a recorrente contabilizado gastos sujeitos a tributação autónoma nos termos do artigo 88.º do CIRC, no exercício fiscal do ano de 2012, não pode ser dispensada da apresentação da declaração de rendimentos e, com esse fundamento, julgou a presente Ação Administrativa Especial parcialmente improcedente e, em consequência, absolveu a Entidade Demandada do pedido de condenação à prática de acto administrativo que dispense a Autora da apresentação da declaração de rendimentos com referência ao ano de 2012.
Improcede, pois, o recurso, sendo de manter a sentença recorrida na ordem jurídica.
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3- Decisão:

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.
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Lisboa, 9 de Março de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.