Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01086/09
Data do Acordão:02/10/2010
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:CADUCIDADE DE LIQUIDAÇÃO
CÓDIGO ADUANEIRO COMUNITÁRIO
IMPOSTO ESPECIAL SOBRE O CONSUMO DE BEBIDAS ALCOÓLICAS
PRAZO
RECEITA TRIBUTÁRIA
Sumário:I - Os impostos especiais de consumo regulados pelo Código dos Impostos Especiais de Consumo, aprovado pelo Decreto-Lei nº 566/99, de 22 de Dezembro, entre os quais se inclui o imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, estão em algumas matérias, nomeadamente quanto à caducidade do direito à liquidação, sujeitos a dois regimes:
a) Tratando-se de impostos resultantes de operações internas aplica-se o artº 45º (e também o nº 1 do artº 46º) da LGT.
b) Tratando-se de impostos liquidados e cobrados por motivo de importação de bens sujeitos a esses impostos, é aplicável o disposto nos artºs 221º, nºs 3 e 4 do Código Aduaneiro Comunitário, por remissão expressa do nº 4 do artº 9º do CIEC.
II - Embora a cobrança e administração destes impostos seja da competência das alfândegas e o seu regime deva muito ao direito aduaneiro (vejam-se por exemplo as figuras da suspensão do imposto, dos entrepostos fiscais e o uso da Nomenclatura Combinada), tais impostos resultantes de operações internas constituem receitas tributárias às quais é aplicável o ordenamento tributário interno (sem prejuízo do disposto no artº 4º do respectivo Código).
III - Não estabelecendo o Código o momento em que se deve considerar exigível o imposto quando existir introdução irregular no consumo de bens a ele sujeitos, por analogia com o que o seu nº 1, 2ª parte do artº 7º estabelece quanto às perdas, deve considerar-se tal momento aquele em que as autoridades aduaneiras tomarem conhecimento dessa introdução no consumo, contando-se a partir desse facto o prazo para a caducidade do direito à liquidação.
IV - Sendo do conhecimento das autoridades aduaneiras que a introdução irregular no consumo ocorreu em 12 de Fevereiro de 2003, o termo do prazo de caducidade previsto no artº 45, nº 1 da LGT teria lugar em 12 de Fevereiro de 2007, havendo, no entanto, que considerar a redacção dada ao artº 45º, nº 5 citado segundo o qual “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
V – Esta última norma aplica-se aos prazos em curso à data da sua entrada em vigor, sendo, por isso, aplicável ao caso dos autos; no entanto, porque não consta dos autos, e é relevante para a decisão, a data em que foi arquivado o inquérito criminal ou trânsito em julgada de sentença, impõe-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido para ampliação da matéria de facto.
Nº Convencional:JSTA00066275
Nº do Documento:SA22010021001086
Data de Entrada:11/02/2009
Recorrente:DIRGER DAS ALFÂNDEGAS
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL.
Objecto:SENT TAF BRAGA PER SALTUM.
Decisão:PROVIDO.
Área Temática 1:DIR PROC FISC GRAC - LIQUIDAÇÃO.
DIR FISC - IRC.
Legislação Nacional:LGT98 ART1 ART45 N5 NA REDACÇÃO DA L 60-A/2005 DE 2005/12/30.
CIEC99 ART6 N1 ART7 N1 N2 N4 ART8 ART9 ART10 ART21 ART48 N1 ART63 N1.
L 87-B/98 DE 1998/12/31 ART35.
PORT 349/08 DE 2008/07/30 ART18 A III.
CCIV66 ART329.
DL 40/93 DE 1993/02/18 ART4 N1.
REFADUAN65 ART99 NA REDACÇÃO DO DL 472/99 DE 1999/11/08.
CÓDIGO DO IMPOSTO SOBRE VEÍCULOS ART25 N5.
CIVA84 ART28 N3 NA REDACÇÃO DO DL 102/08 DE 2008/06/20.
Legislação Comunitária:CADUCOM92 ART9 N4 ART214 ART217 ART221N4 ART242.
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC574/07 DE 2007/10/10.
Referência a Doutrina:SÉRGIO VASQUES IMPOSTOS ESPECIAIS DE CONSUMO PAG318.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. A FAZENDA PUBLICA, veio recorrer da sentença do Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou procedente, a impugnação judicial deduzida por A…, melhor identificado nos autos, contra a liquidação de Imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, no montante de 581.180,74€ acrescido de juros compensatórios no montante de 96.093,86 €, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:
a) Na douta sentença escreveu-se: “...a administração tributária não discriminou, por referência ao momento da respectiva ocorrência, as introduções irregulares no consumo. Optou por se referir, em bloco, a um dado lapso temporal, no caso de 1 de Janeiro de 2000 a 12 de Fevereiro de 2003”.
b) É referido também que “…deve ter-se como único e abrangendo factos tributários relativamente aos quais o direito de liquidação já havia caducado…”
c) Nesta medida julgou a impugnação procedente e anulou a liquidação, todavia não pode a administração conformar-se pois entende que não ocorreu a caducidade do direito à liquidação;
d) Salvo melhor opinião, o período indicado na sentença corresponde ao período utilizado para efeito de reconstituição de existências, uma vez que a impugnante não dispunha de contabilidade organizada em sistema de inventário permanente, com saldo à vista, tal como preceitua a alínea f) do n.º 1 do art. 22° do CIEC, aprovado pelo DL 566/99, de 22 de Dezembro, como é expressamente referenciado a págs. 3 e no pt. 7.1 do relatório de peritagem e de acordo com a metodologia expressa nos pts. 4 e 5 do mesmo relatório.
e) O procedimento permitiu alcançar os saldos contabilísticos expressos no pt. 8 do relatório de peritagem, que confrontados com a quantificação da mercadoria existente em entreposto, aquando da realização do varejo em 12/02/2003 pelo Instituto do Vinho do Porto, possibilitou a detecção das diferenças expressas no mesmo.
f) O período referenciado pela Exma. Sra. Juíza a quo, corresponde assim ao período utilizado para efeito de reconstituição de existências.
g) A constatação de discrepâncias entre a existência contabilística e a existência física, só foi possível de verificar em 12/02/2003, já que só com a realização do varejo é que foi possível efectuar o confronto com os registos contabilísticos.
h) O facto tributário, ou seja a constatação da introdução irregular no consumo ocorreu em 12/02/2003 e daí a utilização da taxa em vigor à data da constatação da falta (taxa do IABA em vigor no ano de 2003).
i) Da conjugação do disposto no n.º 1 e no n.º 4 do artº. 7° do CIEC e uma vez que a contagem física das existências (varejo) apenas ocorreu em 12/02/2003, será esse o momento da constatação da introdução irregular no consumo, por impossibilidade de o reportar a qualquer outro período.
j) Face ao disposto no n.º 5 do art. 45° da LGT (introduzido pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro e que é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da sua entrada em vigor, tal como estatuído no n.º 2 do artº. 57° do referido diploma legal), “em 1 de Janeiro de 2006 ainda estaria em curso o prazo de caducidade de liquidação de imposto relativamente aos factos tributários posteriores a 1 de Janeiro de 2002”.
k) Nos termos do disposto no n.º 4 do artº. 45° da LGT, nos impostos de obrigação única, que configura o caso em apreço, o prazo de caducidade conta-se a partir da data em que o facto tributário ocorreu, pelo que sendo impossível estabelecer com precisão essa data, ter-se-á que obedecer ao estatuído no n.º 4 do art. 7° do CIEC, ou seja, à data da constatação da falta, que ocorreu em 12/02/2003;
l) Apenas em 12/02/2003 é que foi possível determinar a ausência do produto, através da realização do varejo e do confronto efectuado com a reconstituição contabilística.
m) Mesmo que assim não se considerasse, importa ter em atenção a jurisprudência existente sobre a temática, nomeadamente o Acórdão do STA de 10/10/2007, proferido no âmbito do Processo 0574/07, que defende que “A regra sobre a caducidade do direito à liquidação inserta no artigo 45° da LGT, que fixa em 4 anos o respectivo prazo, não tem aplicação ao caso das dívidas aduaneiras, ressalvado como está, no seu nº 1, outro prazo que a lei fixe. Esta afirmação insere-se em orientação firme deste Tribunal, conforme, mais recentemente, se pode ver nos acórdãos proferidos nos processos nºs. 315/06 e 90/07, em 20 de Setembro de 2006 e 9 de Maio de 2007, além dos aí citados.”
n) No mesmo Acórdão está consagrado que, “... a Reforma Aduaneira optou por fixar o prazo de caducidade do direito à liquidação por referência ao de prescrição das dívidas tributárias previsto no diploma adjectivo. Prazo que, no Código de Processo das Contribuições e Impostos, era de 20 anos. Mas este diploma deixou de vigorar em 30 de Junho de 1991, quando iniciou vigência o Código de Processo Tributário (CPT), que se manteve até 31 de Dezembro de 1999 e, portanto, regia ao tempo dos factos tributários aqui em causa”.
o) Transposto para o caso sub judice, se por mera hipótese se considerasse que a liquidação abrange factos tributários ocorridos desde 2000, ter-se-ia sempre que ter em atenção o actual prazo de prescrição estabelecido na LGT, que ascende a 8 anos.
Nestes termos, e nos demais de direito e com o douto suprimento de V. Exas, requer-se a revogação da sentença “a quo” e a sua substituição por outra que mantenha a liquidação do imposto pelo qual é responsável o impugnante.
II. Em contra alegações, o recorrido A..., veio concluir pela forma seguinte:
A douta decisão de fls., decidiu com justiça e pleno acatamento das Leis e do Direito aplicável, não merecendo, na nossa modesta opinião, qualquer censura.
Pelo que deve manter-se a anulação da liquidação, por via da ilegalidade derivada da caducidade, devendo permanecer na íntegra a douta decisão do Tribunal “a quo”, por cuja bondade se pugna.
Termos em que deve ser negado provimento ao recurso interposto pela recorrente, mantendo-se a sentença recorrida, como é de inteira justiça!
III. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 227 e seguintes, defendendo que, o recurso merece parcial provimento porquanto “Não se verifica …a caducidade do direito à liquidação” que no presente caso é de 8 anos.
IV. Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
V. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância os seguintes factos:
a) O Impugnante beneficia do estatuto de depositário autorizado desde 29 de Agosto de 1995.
b) O entreposto fiscal de produção nº PT 19526014701 situa-se na Quinta …, Rua da …, nº …, Sanfins do Douro.
c) Entre 9 de Janeiro de 2006 e 30 de Novembro de 2006, funcionários da Alfândega de Braga procederam a uma acção de peritagem, no âmbito do processo de inquérito 25/04.7 TELSB a correr termos na 6ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, destinada a determinar se o Impugnante procedeu à venda de bebidas alcoólicas à margem da contabilidade oficial e cujo Relatório consta de fls. 4 a 25 do processo administrativo apenso e aqui se dá por reproduzido no seu teor.
d) O objecto de análise foi o período temporal compreendido entre 1 de Janeiro de 2000 e 12 de Fevereiro de 2003.
e) Na sequência dessa peritagem, o Senhor Director de Alfândega de Braga determinou que se procedesse à liquidação da dívida de imposto apurada.
f) Em 2 de Fevereiro de 2002 foi efectuada a liquidação de IABA com o nº 2007/9000738 relativo ao período de 1 de Janeiro de 2000 e 12 de Fevereiro de 2003 no montante de 618.695,64 euros.
g) Em 9 de Fevereiro de 2007, o Impugnante foi notificado da liquidação de IABA referida.
h) Em 11 de Fevereiro de 2008, o Impugnante formulou pedido de revisão dos actos tributários.
i) Por despacho do Senhor Director da Alfândega de Braga de 24 de Março de 2008, foi anulado o acto de liquidação referido na alínea f) por se considerar que o mesmo padecia de vício de preterição da audiência prévia do contribuinte.
j) Em 2 de Abril de 2008 foi o Impugnante notificado para se pronunciar sobre o projecto de liquidação de IABA no montante de 528.089,51 euros relativo ao período de 1 de Janeiro de 2000 e 12 de Fevereiro de 2003.
k) Em 23 de Abril de 2008 foi efectuada nova liquidação de IABA relativa a introdução irregular no consumo de bebidas alcoólicas no período entre 1 de Janeiro de 2000 e 12 de Fevereiro de 2003, nos termos que resultam de fls. 168 a 172 e cujo teor aqui se dá por reproduzido, do que resultou um imposto a pagar no montante de 581.180,74 euros.
l) Serviu de base à referida liquidação a “informação” seguinte: “1. Entre Janeiro e Novembro de 2006, foi desenvolvida uma peritagem desenvolvida no âmbito do processo crime ao qual foi atribuído o NUIPC 25/04.7 TELSB a correr termos no DIAP do Porto, com o objectivo de constatar o cumprimento integral do regime fiscal aplicado às bebidas alcoólicas, nos termos do CIEC, aprovado pelo DL 566/99, de 22 de Dezembro. 2. Através da avaliação do varejo realizado pelo IVP — Instituto do Vinho do Porto, nas instalações do depositário em causa em 12 de Fevereiro de 2003 e da análise contabilística e documental efectuada dada mediante confronto entre fluxos de entrada e de saída, foi possível constatar que no período que medeia entre 1 de Janeiro de 2000 e 12 de Fevereiro de 2003, 903.471, litros de vinho moscatel, 123.080,83 litros de vinho generosos, 7.900 litros de aguardente vínica e 400 litros de aguardente bagaceira não tinham consubstância física, ou seja, foi encontrada uma discrepância entre o valor apurado na contabilidade rectifica e a existência física em armazém (após aplicação de uma franquia de 1,49% - taxa de perdas aplicada às existências iniciais e às entradas em entreposto fiscal ocorridas com referência a um período anual), o que consubstancia uma introdução irregular no consumo, por não cumprimento dos requisitos previstos nos artigos 8° e 9° do CIEC, aprovado pelo DL 566/99, de 22 de Dezembro. 3. O imposto torna-se exigível em território nacional no momento da introdução em consumo ou da constatação de perdas que devam ser tributadas conforme estatui o nº 1 do artº 7º do CIEC, aprovado pelo DL 566/99, de 22 de Dezembro, pelo que há que proceder à sua liquidação oficiosa nos termos do artº 10º do CIEC, sendo a taxa a aplicar, a que estiver em vigor na data da exigibilidade (data da realização do varejo - 12 de Fevereiro de 2003), em conformidade com o disposto no nº 4 do artº 7° do referido diploma legal. 4. O operador foi devidamente notificado para exercer o direito de audição prévia, mas não se pronunciou no prazo concedido para tal. 5. O valor da dívida ascende a €581.180,74, discriminado da seguinte forma (…).”
m)O Impugnante foi notificado dessa liquidação em 8 de Maio de 2008.
VI. A única questão a apreciar no presente recurso é a de saber se, à data da notificação da liquidação à recorrente - 8 de Maio de 2008 (alínea m) do probatório) – havia já decorrido o prazo legal de caducidade do direito à liquidação do imposto sobre o álcool e bebidas alcoólicas em causa nos autos.
Para aplicar o prazo de caducidade estatuído no artº 45º da LGT, limitou-se o Mmº Juiz recorrido a dizer o seguinte:
“De acordo com a melhor doutrina, ao direito de liquidação de impostos especiais de consumo aplica-se o estatuído no referido artº 45º da LGT, contando-se o prazo de caducidade a partir da data em que o facto tributário ocorra, o mesmo é dizer, a partir do momento da introdução no consumo...”
Baseando-se neste entendimento, julgou verificada a caducidade do direito à liquidação relativamente aos anos de 2000 e 2001.
Por outro lado, entendeu que não ocorria a caducidade relativamente aos anos de 2003, porquanto em 1 de Janeiro de 2006 entrou em vigor a Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro que introduziu no artº 45º da LGT um nº 5 do seguinte teor: “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o nº 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescida de um ano”.
No entanto, porque não é possível determinar quantitativamente qual a parte afectada de ilegalidade, e qual a parte que o não é, atenta a forma como o acto foi praticado - uma única liquidação abrangendo os anos de 2000 a 2003 -, decidiu anular integralmente o acto tributário, sem prejuízo de a administração tributária, se assim o entender e se tal se mostrar possível, o renovar na parte não ilegal.
O recorrido, nas suas contra-alegações de fls. 217/220, veio defender a manutenção da decisão recorrida, invocando que, mesmo que o prazo aplicável fosse o consagrado para a prescrição, igualmente não seria possível distinguir qual a parte prescrita e a parte não prescrita.
Diferentemente entende a recorrente Fazenda Pública, invocando os seguintes argumentos:
a) O facto tributário, ou seja a introdução irregular no consumo, ocorreu em 12.02.2003 e daí a utilização da taxa em vigor à data da constituição das faltas.
b) Isto porque da conjugação do disposto no n.º 1 e no n.º 4 do artº. 7° do CIEC e uma vez que a contagem física das existências (varejo) apenas ocorreu em 12/02/2003, será esse o momento da constatação da introdução irregular no consumo, por impossibilidade de o reportar a qualquer outro período.
c) Assim, face ao disposto no n.º 5 do artº. 45° da LGT (introduzido pela Lei n.º 60-A/2005 de 30 de Dezembro e que é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da sua entrada em vigor, tal como estatuído no n.º 2 do artº. 57° do referido diploma legal), contando-se o prazo a partir de 12.02.2003, não teria ainda ocorrido a caducidade do direito à liquidação.
d) De todo o modo, mesmo que assim não se considerasse, importa ter em atenção a jurisprudência existente sobre a temática, nomeadamente o Acórdão do STA de 10/10/2007, proferido no âmbito do Processo 0574/07, que defende que “o artigo 45° da LGT não tem aplicação ao caso das dívidas aduaneiras, ressalvado como está, no seu nº 1, outro prazo que a lei fixe. Esta afirmação insere-se em orientação firme deste Tribunal, conforme, mais recentemente, se pode ver nos acórdãos proferidos nos processos nºs. 315/06 e 90/07, em 20 de Setembro de 2006 e 9 de Maio de 2007, além dos aí citados.”
e) E assim, e por aplicação da Reforma Aduaneira o prazo de caducidade do direito à liquidação é feito por referência ao de prescrição das dívidas tributárias previsto no diploma adjectivo, actualmente o prazo de oito anos consagrado na LGT, pelo que também por este fundamento não teria ocorrido a caducidade.
Vejamos então qual das teses em confronto, em nosso entender, colhe o apoio legal. Isto é, em primeiro lugar, há que apurar se ao caso concreto é aplicável o prazo de caducidade constante do artº 45 da LGT, ou o prazo de oito anos previsto actualmente no artº 48º, nº 1 da LGT.
VI.1. O artº 35º da Lei nº 87-B/98, de 31.12, veio estabelecer o seguinte:
“Fica o Governo autorizado a codificar num único diploma as matérias actualmente previstas nos Decretos-Leis nºs. 117/92, de 22.6, 104/93, de 5.4, 123/94, de 18.5, 124/94, de 18.5 e 325/93, de 25.9, no sentido de harmonizar os diversos regimes entre si e com a Lei Geral Tributária e prosseguir a harmonização com as directivas comunitárias, sem alterar as regras de incidência e das taxas”.
Na sequência desta autorização legislativa foi publicado, para entrar em vigor em 1.2.2000, o Decreto-Lei nº 566/99, de 22.12, que aprovou o Código dos Impostos Especiais de Consumo.
Este Código consta de uma parte geral dedicada a todos os impostos especiais de consumo harmonizados comunitariamente e de uma parte especial referente a cada um daqueles mesmos impostos em que se fixam as respectivas normas de incidência, isenções, a base tributável, as taxas e as normas referentes à produção, armazenagem e consumo.
No caso concreto dos autos - estamos perante um entreposto fiscal de produção de álcool e bebidas alcoólicas -, interessam-nos aspectos gerais do regime e também aspectos específicos do imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, nomeadamente o artº 63º, nº 1 do Código dos Impostos Especiais de Consumo que estabelece o seguinte:
“1. A produção, a transformação e a armazenagem de álcool e bebidas alcoólicas, em suspensão do imposto, apenas podem ser efectuadas em entreposto fiscal”.
Esta norma específica deste imposto tem de ser entendida no âmbito do disposto no artº 21º do mesmo diploma, que estabelece o seguinte:
“1. A produção, transformação e armazenagem de produtos sujeitos a imposto, em regime de suspensão, apenas podem ser efectuadas em entreposto fiscal, mediante autorização e sob controlo da estância aduaneira competente.
2. Os entrepostos fiscais são identificados numericamente.
3. Os entrepostos fiscais ficam sujeitos às medidas de controlo que forem consideradas necessárias, designadamente ao acesso à contabilidade e sistemas informáticos, bem como ao controlo físico das operações”.
Tratando-se então de um entreposto fiscal de produção de álcool e de bebidas alcoólicas, são sujeitos a imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas os produtos referidos no artº 48º, nº 1 do CIEC ali obtidos mediante processo de fabricação ou mediante operações de desnaturação ou de adição de marcadores e corantes que neste se integrem (artº 6, nº 4, alínea d)).
Os referidos produtos, embora sujeitos a imposto a partir da produção (artº 6º, nº 1) manter-se-ão no regime de suspensão até à sua introdução no consumo, tal como resulta dos nºs 1 e 2 do artº 7º do mesmo diploma:
“1. O imposto é exigível em território nacional no momento da introdução em consumo ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código.
2. Considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto:
a) A saída desses produtos de um regime de suspensão;”
Com efeito, a introdução no consumo, que deve ser formalizada através da respectiva declaração de introdução no consumo (DIC), torna o imposto exigível em território nacional.
Porém, se os produtos sujeitos a imposto forem introduzidos no consumo sem cumprimentos das formalidades previstas no artº 8º, impedindo a liquidação e pagamento do imposto nos prazos referidos no artº 9º, proceder-se-á à sua liquidação oficiosa, de acordo com o artº 10º.
A competência para a liquidação e cobrança dos impostos especiais de consumo cabe às alfândegas, tal como resulta do disposto no artº 18º, alínea a) iii) da Portaria nº 349/2007, de 30 de Julho, que estabelece o seguinte:
“Às alfândegas compete:
a)
iii) Proceder à liquidação e cobrança dos direitos aduaneiros, dos impostos especiais sobre o consumo e demais imposições a cobrar pelas alfândegas;”
Será então que, atendendo à qualidade da entidade que liquida e cobra e fiscaliza tais impostos, as normas do Decreto-Lei nº 566/99, de 22 de Dezembro, que estabelece o regime dos impostos especiais de consumo - entre os quais se inclui o imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas - se aplicam as normas aduaneiras, nomeadamente o artº 99º da Reforma Aduaneira?
VI.2. Conforme refere a recorrente, este Tribunal, designadamente no Acórdão de 10.10.2007, proferido no Recurso nº 574/07, assim o entendeu, num caso em que se discutia a liquidação de imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas.
A fundamentação usada foi a seguinte:
“O tributo em causa, imposto sobre o álcool e as bebidas alcoólicas, é uma imposição fiscal interna, cobrada pelas autoridades aduaneiras.
A regra sobre a caducidade do direito à liquidação inserta no artigo 45º da LGT, que fixa em 4 anos o respectivo prazo, não tem aplicação ao caso das dívidas aduaneiras, ressalvado como está, no seu nº 1, outro prazo que a lei fixe. Esta afirmação insere-se em orientação firme deste Tribunal, conforme, mais recentemente, se pode ver nos acórdãos proferidos nos processos nºs. 315/06 e 90/07, em 20 de Setembro de 2006 e 9 de Maio de 2007, além dos aí citados.
E esse outro prazo está estabelecido no artigo 99º da Reforma Aduaneira aprovada pelo Decreto-Lei nº 46311, de 27 de Abril de 1965, com a redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/87, de 16 de Junho.
Ali se dispõe que «sempre que as autoridades aduaneiras verificarem que (…) se encontra em dívida a totalidade das imposições fiscais internas, o prazo para a acção de cobrança é o previsto no artigo 27º do Código de Processo das Contribuições e Impostos (…)».
Ou seja, a Reforma Aduaneira optou por fixar o prazo de caducidade do direito à liquidação por referência ao de prescrição das dívidas tributárias previsto no diploma adjectivo”.
Vejamos se esta doutrina é de seguir.
À data dos factos provados naquele aresto - finais de 1998 -, estava ainda em vigor o Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45.005, de 27 de Abril de 1963, ainda não estava em vigor a LGT, o imposto especial sobre o álcool e as bebidas alcoólicas regulava-se pelo Decreto-Lei nº 52/93, de 26 de Fevereiro de 1993 e, em matéria aduaneira, vigorava o Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) nº 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992 e em aspectos menos relevantes a Reforma Aduaneira e o Regulamento das Alfândegas, além de outra legislação avulsa que foi adaptando o direito nacional ao direito comunitário.
O artº 99º, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 244/87, de 16 de Junho, dizia o seguinte:
“Sempre que as autoridades aduaneiras verificarem que não foi possível determinar o montante das imposições a cobrar em consequência de um acto fraudulento, bem como quando verificarem que se encontra em dívida a totalidade das imposições fiscais internas, o prazo para a acção de cobrança é o previsto no artº 27º do Código de Processo das Contribuições e Impostos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 45.005, de 27 de Abril de 1963”.
Justificando esta alteração, no Preâmbulo o Decreto-Lei nº 244/87, de 16 de Junho, ficou escrito o seguinte:
“Considerando que a entrada em vigor do Regulamento (CEE) nº 1697/79 do Conselho, de 24 de Julho de 1979, do Regulamento (CEE) nº 1430/79 do Conselho de 2 de Julho de 1979, e dos respectivos regulamentos de aplicação veio estabelecer uma distinção entre as normas comunitárias e as normas nacionais aplicadas à cobrança “a posteriori” e ao reembolso de direitos constantes da Reforma Aduaneira;
Considerando que aquela distinção, designadamente no que diz respeito a fundamentos, prazos e formalidades obriga os serviços a tomarem sobre os mesmos factos, consoante a natureza das imposições em causa, sendo, por isso aconselhável adoptar, sempre que possível, as normas comunitárias em vigor;…”
Como o Código Aduaneiro Comunitário não previa o prazo de caducidade do direito à liquidação das dívidas aduaneiras quando estivessem em causa comportamentos fraudulentos, passou tal prazo a ficar fixado no artº 99º citado, regulando-se assim o artº 221º, nº 4 daquele diploma. Com efeito, estabelecia tal norma o seguinte: “Sempre que a dívida aduaneira resulte de um acto que era, no momento em que foi cometido, passível de procedimento judicial repressivo, a comunicação ao devedor pode ser efectuada, nas condições previstas nas disposições em vigor, após o termo do prazo de três anos previsto no nº 3”.
Não se fixando aqui o termo desse prazo, essa matéria era regulada pela lei interna de cada um dos Estados-Membros, pelo que o legislador português fixou, para efeitos desta norma, prazo idêntico ao da prescrição das dívidas tributárias internas – então tal prazo constava do artº 27º do CPCI.
E isto que ficou estabelecido para os direitos aduaneiros, passou a valer também para a cobrança de “imposições internas” que devessem ser cobradas na importação. É que não fazia sentido que existisse um regime para a dívida aduaneira e outro para os restantes impostos cobrados com ela.
Quer isto dizer que, pelo facto de os impostos especiais de consumos serem liquidados e cobrados pelas alfândegas isso não os transformava em dívida (receita) aduaneira, embora possam ser cobrados simultaneamente com dívidas aduaneiras.E que as receitas provenientes dos impostos especiais de consumo não constituem receitas aduaneiras, resulta até do facto de aquelas constituírem receitas correntes inscritas no Orçamento de Estado (relativamente a 2009, v., por exemplo o MAPA I, Capítulo 02, Grupo 01, Artigos 01, 04 e 05 constantes do Orçamento de Estado para 2009, aprovado pela Lei nº 64-A/2008, de 31 de Dezembro).
Por sua vez, Constituem recursos próprios inscritos no orçamento geral da União Europeia as receitas provenientes:
2.1.a) Das imposições, ... direitos da Pauta Aduaneira Comum e outros direitos estabelecidos ou a estabelecer pelas instituições das Comunidades sobre as trocas comerciais com países não membros, direitos aduaneiros sobre os produtos abrangidos pelo Tratado já caducado.... (artº 2º, nº 1, alínea a) da Decisão nº 2007/436/CE, EURATOM, de 07.06.2007, aprovada pela Resolução nº 57/2008).
Situando-nos no âmbito do direito aduaneiro, o conceito de dívida aduaneira é-nos dado pelo nº 9 do artº 4º do Código Aduaneiro Comunitário, que diz o seguinte: “Dívida aduaneira: a obrigação de uma pessoa pagar os direitos de importação (dívida aduaneira na importação) ou os direitos de exportação (dívida aduaneira na exportação) que se aplicam a uma determinada mercadoria ao abrigo das disposições comunitárias em vigor”.
Deste modo, a legislação aduaneira, nomeadamente o artº 99º da Reforma Aduaneira apenas é aplicável a dívidas aduaneiras derivadas de importação ou exportação de bens. A referência a “imposições fiscais internas” constante daquele artigo, na redacção vigente anteriormente à sua alteração pelo Decreto-Lei nº 472/99, de 8 de Novembro, tinha de interpretar-se no sentido de impostos internos cobrados com os direitos aduaneiros (na importação ou exportação) e não de impostos cobrados pelas alfândegas fora desse âmbito, isto é impostos nascidos de operações internas.
Por isso mesmo, tal legislação não é aplicável a impostos de natureza não aduaneira, cobrados pelas Alfândegas - salvo se tal cobrança ocorrer no momento de importação - como sejam os impostos especiais de consumo e o imposto sobre veículos.
VI.1.3. Todavia, ainda que, por hipótese de raciocínio, se pudesse entender que “as imposições internas” eram todas as cobradas pelas alfândegas, quer as cobradas com os direitos aduaneiros, quer as cobradas apenas nas operações internas (casos dos impostos especiais de consumo e do imposto automóvel), a legislação posterior veio, em nosso entender, conduzir a entendimento contrário.
Com efeito, e desde logo, o artº 1º da LGT veio estabelecer o seguinte:
“Artigo 1.º
Âmbito de aplicação
1. A presente lei regula as relações jurídico-tributárias, sem prejuízo do disposto no direito comunitário e noutras normas de direito internacional que vigorem directamente na ordem interna ou em legislação especial.
2. Para efeitos da presente lei, consideram-se relações jurídico-tributárias as estabelecidas entre a administração tributária, agindo como tal, e as pessoas singulares e colectivas e outras entidades legalmente equiparadas a estas.
3. Integram a administração tributária, para efeitos do número anterior, a Direcção-Geral dos Impostos, a Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, a Direcção-Geral de Informática e Apoio aos Serviços Tributários e Aduaneiros, as demais entidades públicas legalmente incumbidas da liquidação e cobrança dos tributos, o Ministro das Finanças ou outro membro do Governo competente, quando exerçam competências administrativas no domínio tributário, e os órgãos igualmente competentes dos Governos Regionais e autarquias locais”.
Ora, se aos impostos especiais de consumo e ao imposto automóvel então vigente (aprovado pelo Decreto-Lei nº 40/93, de 18 de Fevereiro), bem como aos restantes impostos cobrados pelas alfândegas, fosse aplicada a legislação aduaneira, sem mais, então não faria sentido a referência nesta norma à Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo e à legislação comunitária, uma vez que o artº 99º da Reforma Aduaneira já previa a aplicação da legislação comunitária.
Por outro lado, o artº 99º da Reforma Aduaneira foi alterado pelo Decreto-Lei nº 472/99, de 8 de Novembro, passando a estabelecer o seguinte:
“Quando não tiver sido determinado o montante de impostos a cobrar na sequência da prática de acto fraudulento, o direito de liquidar os impostos caduca no prazo de oito anos, contados da data em que ocorreu o facto tributário
Deixou de se referir “imposições internas” e fala-se apenas em impostos.
Mas, se dúvidas ainda existissem, e se pudesse entender que na designação de impostos se abrangeriam tanto os direitos aduaneiros, como os devidos por operações internas, então já não se compreenderia a necessidade de o artº 101º da Reforma Aduaneira, na redacção dada pelo DL nº 472/99, de 8 de Novembro, ter vindo estipular o seguinte: “Quando, em consequência do mesmo facto tributário, as mercadorias sejam sujeitas a direitos de importação e a outros impostos a cobrar pelos serviços aduaneiros observa-se o disposto na regulamentação comunitária aplicável àqueles direitos, sejam ou não devidos, designadamente no que respeita ao prazo de caducidade do direito à liquidação, à cobrança a posteriori, ao reembolso e à dispensa de pagamento, sem prejuízo da aplicação dos prazos de diferimento do pagamento do IVA legalmente previstos.”
Como também não se compreenderia a necessidade de o legislador ter estabelecido no artº 9º, nº 4 do CIEC o seguinte:
“4. Quando, em consequência de uma importação, for devido imposto, observar-se-á o disposto na regulamentação comunitária aplicável aos direitos aduanei­ros, quer estes sejam ou não devidos, no que respeita aos prazos para a sua liquidação e cobrança e aos prazos e fundamentos da cobrança a posteriori, do reembolso e da dispensa de pagamento”.
E, no mesmo sentido, o artº 25º, nº 5 do Código de Imposto sobre Veículos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 22-A/2007, de 29 de Junho, veio estipular que: “5 — Quando, em consequência de uma importação, for devido imposto, observa-se o disposto na regulamentação comunitária aplicável aos direitos aduaneiros, quer estes sejam ou não devidos, no que respeita aos prazos para cobrança a posteriori, reembolso e dispensa de pagamento”.Aliás, já o artº 4º, nº 1 do Decreto-Lei nº 40/93, de 18 de Fevereiro, que regulava o imposto automóvel, também liquidado e cobrado pelas alfândegas, antecessor do imposto sobre veículos, continha norma idêntica que estabelecia o seguinte: “A constituição e a extinção da obrigação tributária relativa à imposição de veículos automóveis devem observar o disposto no Regulamento nº 2913/92, de 12 de Outubro”.
Finalmente e quanto ao IVA (imposto também cobrado pelas alfândegas na importação), o artº 28º, nº 3 do respectivo Código, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 102/2008, de 20 de Junho, veio estabelecer o seguinte:
“O pagamento do imposto devido pelas importações de bens é efectuado junto dos serviços aduaneiros competentes, de acordo com as regras previstas na regulamentação comunitária aplicável aos direitos de importação”.
Ao mandar aplicar a legislação aduaneira quando esteja em causa importação, o legislador limita-se a seguir uma coerência lógica: a de que sendo tais impostos cobrados com a dívida aduaneira devem seguir o mesmo regime desta estabelecido nos artºs 217º a 242º do Código Aduaneiro Comunitário.
Mas todas estas disposições transcritas constituem uma excepção que só deve ter lugar nos casos expressamente previstos de tais impostos serem liquidados e cobrados com os direitos aduaneiros.
Não existindo importação ou exportação de bens, este regime não se aplica.
É certo, porém, que neste entendimento parece que a liquidação dos impostos especiais de consumo gerados nas operações internas, não poderiam beneficiar do prazo alargado previsto para os direitos aduaneiros, em caso de comportamento fraudulento.
Porém, essa é uma questão alheia ao intérprete da lei e que acabou por ser resolvida, a nível geral do ordenamento jurídico tributário interno, com o aditamento à LGT, pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, de um nº 5 com a seguinte redacção:
“5- Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.” “2 - O disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei “ – artº 57º, nº 2 da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
De qualquer forma, mesmo antes da introdução desta norma, em face do artº 7º, nº 1 do CIEC, em tais casos, e como adiante se refere, o prazo para a liquidação só passaria a correr após o conhecimento, pelas autoridades aduaneiras da introdução irregular no consumo.
Concluindo então aqui a nossa argumentação:
a) Aos impostos especiais de consumo liquidados e cobrados internamente pelas alfândegas, sem relação com importação de bens, são aplicáveis as normas fiscais internas, nomeadamente o artº 45º da LGT em matéria de caducidade do direito de liquidação;
b) Tratando-se de uma importação de bens, se for devido imposto, observar-se-á o disposto na regulamentação comunitária aplicável aos direitos aduanei­ros, quer estes sejam ou não devidos, no que respeita aos prazos para a sua liquidação e cobrança e aos prazos e fundamentos da cobrança a posteriori, do reembolso e da dispensa de pagamento (os artºs 217º a 243º do Código Aduaneiro Comunitário). De qualquer forma, não se pode negar que o regime do Código dos Impostos Especiais de Consumo deve boa parte ao direito aduaneiro, com ele mantendo uma ligação muito estreita. Assim, por exemplo, o regime de suspensão inspira-se no regime do trânsito comunitário, o entreposto fiscal no âmbito destes impostos baseia-se nos entrepostos franco em matéria aduaneira, e em matéria de incidência e isenções, por exemplo, são usados Códigos de Nomenclatura Combinada (v. artºs 48º, 70º e 71º).
Aliás, é nesta matéria de Nomenclatura que encontramos a única remissão do Código para outra regulamentação (além da que já ficou referida quanto ao nº 4 do artº 9º).
Assim, o artº 4º, nº 2 do Código estabelece o seguinte:
“2. Sempre que seja relevante para a determinação da incidência objectiva dos impostos especiais de consumo, são de aplicar os critérios estabelecidos para a classificação de mercadorias na Nomenclatura Combinada estabelecida pelo Regulamento (CEE) n.º 2658/87, de 23 de Julho de 1987, e respectivas actualizações e as regras gerais para a interpretação desta Nomenclatura, as notas das secções e capítulos da mesma, as notas explicativas do Sistema Harmonizado de Designação e Codificação de Mercadorias do Conselho de Cooperação Aduaneira, os critérios de classificação adoptados pelo dito Conselho e as notas explicativas da Nomenclatura Combinada da Comunidade Europeia”.
, E, exactamente pela semelhança da regulamentação dos impostos especiais de consumo com institutos do direito aduaneiro, se compreende que a administração deste imposto tenha sido atribuída às alfândegas e não à DGI. Na verdade, a fiscalização, liquidação e cobrança destes impostos exige conhecimentos técnicos aduaneiros – nomeadamente no âmbito da Nomenclatura Combinada, que os funcionários tributários não possuem, nem haveria vantagem em formá-los nestas matérias quando existem outros preparados para esse efeito, evitando-se assim duplicação de meios humanos, nas alfândegas e na DGI.
Uma vez que nos autos ocorre o 1º caso, importa então apurar se, face ao artº 45º da LGT, à data da notificação da liquidação, havia já decorrido o prazo referido naquela norma, irrelevando para o caso o que dispõe o artº 99º da Reforma Aduaneira, bem como o artº 221º, nºs 3 e 4 do Código Aduaneiro Comunitário.
VI.1.4. O artº 45º da LGT, estabelece o seguinte:
“Artigo 45.º
Caducidade do direito à liquidação
1- O direito de liquidar os tributos caduca se a liquidação não for validamente notificada ao contribuinte no prazo de quatro anos, quando a lei não fixar outro.
2- Nos casos de erro evidenciado na declaração do sujeito passivo ou de utilização de métodos indirectos por motivo da aplicação à situação tributária do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade previstos na presente lei, o prazo de caducidade referido no número anterior é de três anos.
3 - Em caso de ter sido efectuado reporte de prejuízos, bem como de qualquer outra dedução ou crédito de imposto, o prazo de caducidade é o do exercício desse direito. Este número e o seguinte têm redacção introduzida pela Lei nº 55-B/2004, de 30 de Dezembro.
4 - O prazo de caducidade conta-se, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, a partir da data em que o facto tributário ocorreu, excepto no imposto sobre o valor acrescentado e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que aquele prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário.
5- Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano., “2 - O disposto no n.º 5 do artigo 45.º da Lei Geral Tributária é aplicável aos prazos de caducidade em curso à data da entrada em vigor da presente lei” – artº 57º, nº 2 da Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro.
6 - Para efeitos de contagem do prazo referido no n.º 1, as notificações sob registo consideram-se validamente efectuadas no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando esse dia não seja útil. (Este número foi aditado pelo artº 89º da Lei nº 53-A/2006, de 29 de Dezembro.)
Ora, sendo certo que não existe no Código dos Impostos Especiais de Consumo norma especial consagrando prazo de caducidade do direito à liquidação diverso do referido no nº 1, (salvo, como se referiu, no caso de esse imposto ser liquidado e cobrado com a dívida aduaneira relativa a direitos aduaneiros de importação, em que se aplicam as normas comunitárias), é este o aplicável. E, tratando-se de imposto de obrigação única, o mesmo prazo conta-se da verificação do facto tributário.
Resta então saber quando ocorre o facto tributário nos impostos especiais de consumo.
Nesta matéria regula o artº 7º do CIEC que diz o seguinte:
“ARTIGO 7º
Exigibilidade
1. O imposto é exigível em território nacional no momento da introdução em consumo ou da constatação de perdas que devam ser tributadas em conformidade com o presente Código.
2. Considera-se introdução no consumo de produtos sujeitos a imposto:
a) A saída desses produtos de um regime de suspensão;
b) O fabrico desses produtos fora de um regime de suspensão;
c) A importação desses produtos quando estes não se encontrem em regime de suspensão.
3. O imposto é também exigível:
a) No momento da cessação ou violação dos pressupostos da isenção;
b) No momento da recepção, quando o destinatário dos produtos seja um operador registado, um operador não registado ou um representante fiscal.
4 - No caso de não ser possível determinar, com exactidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo, o momento a considerar para efeitos de exigibilidade do imposto é o da constatação dessa introdução pela autoridade aduaneira. (Este número tem redacção dada pelo artº 84º da Lei n.º 64-A/2008 , de 31 de Dezembro)
5 - A taxa de imposto a aplicar em território nacional é a que estiver em vigor na data da exigibilidade. (Este número tem redacção dada pelo artº 84º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro - constitui o anterior nº 4).”
Portanto, o facto tributário, em regra, considera-se verificado com a introdução no consumo dos produtos sujeitos a imposto. Isto vale, naturalmente para os casos em que o depositário segue as normas legais de introdução no consumo, cumprindo as formalidades previstas no artº 8º do mesmo Código.
No caso dos autos, porém, tal não sucedeu, conforme resulta da alínea l) do probatório, já que “Através da avaliação do varejo realizado pelo IVP - Instituto do Vinho do Porto, nas instalações do depositário em causa em 12 de Fevereiro de 2003 e da análise contabilística e documental efectuada dada mediante confronto entre fluxos de entrada e de saída, foi possível constatar que no período que medeia entre 1 de Janeiro de 2000 e 12 de Fevereiro de 2003, 903.471, litros de vinho moscatel, 123.080,83 litros de vinho generosos, 7.900 litros de aguardente vínica e 400 litros de aguardente bagaceira não tinham consubstancia física, ou seja, foi encontrada uma discrepância entre o valor apurado na contabilidade rectificada e a existência física em armazém (após aplicação de uma franquia de 1,49% - taxa de perdas aplicada às existências iniciais e às entradas em entreposto fiscal ocorridas com referência a um período anual)”.
Significa isto então que estamos perante uma introdução irregular no consumo de produtos sujeitos a imposto especial de consumo, pelo que, ignorando-se a data dessa introdução, há que estabelecer prazo inicial para contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação.
O nº 4 do artº 7º, acima transcrito, dá-nos resposta a essa questão dizendo que “No caso de não ser possível determinar, com exactidão, o momento em que ocorreu a introdução no consumo, o momento a considerar para efeitos de exigibilidade do imposto é o da constatação dessa introdução pela autoridade aduaneira.
Porém, conforme nota acima aposta nesse número, o mesmo foi aditado pelo artº 84º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, só entrando, portanto, em vigor em 1 de Janeiro de 2009 (V. o artº 174º da citada Lei).
Como encontrar então tal termo inicial?
Ainda antes do aditamento do nº 4 ao artº 7º, escrevia Sérgio Vasques – Impostos Especiais de Consumo -Almedina (2001), pág. 318:
”Nos casos de introdução irregular no consumo o imposto torna-se exigível no momento e local em que comprovada ou presumivelmente ela ocorreu, sendo sujeito passivo aquele que a levou a cabo. Quando seja impossível determinar o momento de introdução no consumo, deve atender-se ao momento em que as autoridades aduaneiras constatam a irregularidade - é justificado o paralelo com o disposto no artº 214º do Código Aduaneiro Comunitário e, de resto, é essa a solução do próprio Código dos IEC no tocante às perdas tributáveis”.Artigo 214º do Código Aduaneiro Comunitário aprovado pelo Regulamento (CEE) nº 2913/92, do Conselho, de 12 de Outubro de 1992, equivalente ao artº 52º do mesmo diploma na versão modernizada, aprovada pelo Regulamento (CE) nº 450/2008 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de Abril de 2008, estabelece o seguinte:
“2. Quando não for possível determinar com exactidão o momento da constituição da dívida aduaneira, o momento a considerar para a determinação dos elementos de tributação específicos da mercadoria considerada é aquele em que as autoridades aduaneiras verificarem que essa mercadoria se encontra numa situação constitutiva de dívida aduaneira.
Todavia, quando os elementos de informação de que as autoridades competentes dispuserem lhes permitirem concluir que a dívida aduaneira se constituiu em momento anterior ao daquela verificação, o montante dos direitos de importação ou dos direitos de exportação referentes à mercadoria em questão é determinado com base nos elementos de tributação que lhes eram específicos no momento mais recuado no tempo em que, a partir das informações disponíveis, seja possível comprovar a existência da dívida aduaneira resultante dessa situação.
Não nos repugna aceitar este entendimento, não por aplicação do Código Aduaneiro Comunitário, que no caso concreto, como temos vindo a referir, não consideramos aplicável, por falta de remissão expressa, mas pelas seguintes razões:
a) A liquidação do imposto tem de ser realizada em determinado prazo e a contar de determinado facto – a introdução no consumo. Ora, estando os produtos em regime de suspensão do imposto, se o depositário não cumprir as formalidades legais informando dessa introdução, a administração aduaneira não pode exercer tal direito de liquidação. Então aplicando aqui o disposto no artº 329º do Código Civil, o prazo de caducidade começa a correr no momento em que o direito puder legalmente ser exercido. Esse momento será, assim, aquele em que a administração aduaneira tiver conhecimento da introdução irregular no consumo.
b) No caso das perdas a que se referem os artºs 37º a 41º do CIEC, tal como resulta da 2ª parte do nº 1 do artº 7º do mesmo diploma, o imposto é exigível no momento da constatação das perdas. Isto é, e aplicando o que acima ficou dito, o prazo de caducidade só começa a correr a partir do momento em que a administração aduaneira tiver conhecimento das perdas.
Ora, não se vê razão para não aplicar a mesma doutrina à introdução irregular no consumo, começando o prazo também a correr só após o conhecimento do facto pela administração aduaneira.
Foi esta, aliás, a solução encontrada pelo legislador e que veio a ser consagrada no Código dos Impostos Especiais de Consumo mediante o aditamento do nº 4 ao artº 7º de que acima demos nota.
Aqui chegados, somos ainda defrontados com o problema de saber quando é que se deve considerar que a administração aduaneira teve conhecimento da introdução irregular no consumo.
VI.1.5. A recorrente Fazenda Pública entende que esse momento ocorreu em 12/02/2003 e daí a utilização da taxa em vigor à data da constatação da falta.
Ora, sendo assim, o prazo de caducidade terminaria em 12.02.2008.
Porém, o artº 45º, nº 5 da LGT, na redacção dada pela Lei nº 60-A/2005, de 30 de Dezembro, acima transcrito, aplicável aos prazos de caducidade em vigor à data da sua entrada em curso, veio determinar o seguinte: “Sempre que o direito à liquidação respeite a factos relativamente aos quais foi instaurado inquérito criminal, o prazo a que se refere o n.º 1 é alargado até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano.”.
Ora, estando então em curso o prazo de caducidade à data de entrada em vigor da Lei - 1 de Janeiro de 2006 - e tendo sido instaurado inquérito criminal (alínea l) do probatório), o prazo de caducidade foi alargado “até ao arquivamento ou trânsito em julgado da sentença, acrescido de um ano”.
Então, para aplicação desta norma, é necessário saber se o inquérito referido foi arquivado e quando, ou se teve seguimento e houve sentença transitada em julgado e em que data este ocorreu.
Trata-se de facto relevante que não consta do probatório, pelo que se impõe a ampliação da matéria de facto em ordem a apurar tais factos, decidindo-se depois em conformidade com o que acima ficou dito.
VII. Nestes termos, acorda-se em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa dos autos ao tribunal de 1ª instância para ampliação da matéria de facto nos termos descritos.
Sem custas.
Lisboa, 10 de Fevereiro de 2010. – Valente Torrão (relator) – Isabel Marques da Silva – Pimenta do Vale.