Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01432/10.1BELRS
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:DEDUÇÃO
IVA
REQUISITOS
NÚMERO DE CONTRIBUINTE
Sumário:I - No artigo 66.º n.º5, a) e b), da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, prevêem-se as condições para a regularização de faturas por créditos em cobrança em acções pendentes até 31-12-2005, nos termos do n.º1 desse art. 66.º.
II - Se em momento algum a A. T. coloca em causa a materialidade das operações tituladas nas faturas (data, realização, serviço prestado, preço…), a circunstância de haver números de identificação inválidos ou de serem mesmos inexistentes, não é suficiente, por si só, para se deixar de considerar o emitente de tais documentos como sujeito passivo para efeitos da dedução de I.V.A..
III - O direito à dedução de I.V.A. não pode ser recusado por falta de requisitos formais, incluindo aquela circunstância, de acordo com a jurisprudência do T.J.U.E. (acórdãos Mahagében e Dávid, de 21-6-2012, processos C-80/11 e C-142/11, Petroma, de 8-3-2013, proc. C-271/12, e PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14), bem como do S.T.A. (acórdãos de 14-12-2011, proferido no proc. 076/11 e de 22-1-2020, no proc. 0595/04.0BEVIS), segundo a qual a alínea a) do nº 5 do art. 35º (actual) 36.º do CIVA impõe a obrigação das faturas mencionarem a identificação fiscal dos sujeitos passivos, mas não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é ou não verdadeira.
Nº Convencional:JSTA000P26946
Nº do Documento:SA22020121601432/10
Data de Entrada:10/17/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......................, S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. Relatório

I.1. A sr.ª representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, exarada em 15/02/2019, que julgou procedente a impugnação judicial apresentada por A…………, S.A., no qual formulou alegações que rematou com o seguinte quadro conclusivo:
«(I) As exigências formais das faturas visam fornecer os elementos necessários à correta qualificação fiscal das operações e permitir um controlo das operações pela Administração fiscal, obstando-se à evasão fiscal;
(II) Uma fatura passada em forma legal é aquela que cumpra com todos os requisitos do atual artigo 36 n.º 5 do CIVA;
(III) Uma fatura ou documento equivalente que não respeite integralmente o atual art.º 36 n.º 5 do CIVA não está passada em forma legal e, consequentemente, não permite deduzir o respetivo imposto.
(IV) Em face do exposto, deve a sentença sufragada pelo Tribunal a quo ser revogada por Vossas excelências, em consequência, deverá a mesma ser substituída por nova decisão que contemple a interpretação de Direito supra explanada, dando-se provimento à pretensão da recorrente.
Nestes termos, e nos mais de Direito que Vossas excelências suprirão, deverá o presente Recurso ser dado como procedente, e em consequência ser revogada a decisão recorrida e substituída por outra que contemple a interpretação de Direito acima explanada, dando-se provimento à pretensão da Recorrente e, em consequência, serem mantidos os atos de liquidação adicionais de IVA n.º 09108508, 09108510, 0910512, 09108514, 09108516, 09108518 e 09108520 referentes ao exercício de 2006, assim como das correspondentes liquidações de juros compensatórios.
Tudo com as devidas consequências legais.»
I.2. A recorrida apresentou contra-alegações que concluiu nos seguintes termos:
«A) A Fazenda Pública, ora Recorrente, apresentou recurso da sentença proferida pelo Tribunal a quo alegando, em suma, que só as operações tituladas por fatura que respeite todos os requisitos previstos no artigo 36.º do CIVA é que permitem o exercício do direito à dedução do imposto, o que não se verificaria na situação em apreço, pois o número de identificação fiscal do adquirente era inválido.
B) Este Venerando Tribunal já se pronunciou sobre o tema da dedução de IVA relativo a faturas com número de identificação fiscal inexistente ou inválido, num recente acórdão, proferido no processo n.º 09178/15.
C) A questão material ora controvertida consiste em determinar apenas e tão só se a invalidade ou inexistência de números de identificação fiscal dos adquirentes nas faturas emitidas pela Recorrida é motivo de desconsideração das mesmas para efeitos de exercício do direito à dedução do IVA por parte da Recorrida (a título de regularização do imposto).
D) O fundamento exclusivo do presente recurso prende-se com a alegada falta de cumprimento dos requisitos previstos no artigo 36.º número 5 do CIVA.
E) O regime geral de recuperação do IVA contido nos créditos em mora e incobráveis tem consagração expressa nos n.ºs 7 a 10 do artigo 78.º do CIVA, estipulando-se que os sujeitos passivos podem regularizar, a seu favor, o IVA respeitante a estes créditos, contanto que verificados os pressupostos legais enumerados no citado preceito.
F) Por outro lado, o número 9 do artigo 71.º do CIVA, com a redação que lhe foi introduzida pela Lei do Orçamento do Estado para 2006, veio estabelecer um alargamento da possibilidade de dedução do IVA respeitante a créditos incobráveis e consagrou uma flexibilização dos meios de prova admissíveis, aplicável a dívidas de reduzido montante.
G) A Lei do OE para 2006, introduziu um incentivo excecional para o descongestionamento das pendências judiciais, que permitiu agilizar o processo de recuperação do IVA em créditos incobráveis, estabelecendo requisitos excepcionais face ao artigo 71.º do CIVA, para que possa deduzir-se o imposto relativo a créditos considerados como incobráveis ou com risco de mora de probabilidade elevada.
H) A Recorrida regularizou, a seu favor, no ano em causa, o IVA referente aos créditos em situação de incobrabilidade, nos termos do regime de incentivos excecionais para o descongestionamento das pendências judiciais, em todos os casos em relação aos quais se encontravam objetiva e subjetivamente preenchidos os correspondentes pressupostos legais.
I) A Administração Tributária em sede inspetiva que se mostram verificados nas regularizações efetuadas pela Recorrida, quer os requisitos atinentes ao valor dos créditos, quer os pressupostos de natureza processual previstos no mencionado artigo 66.º da Lei n.º 60-A/2005, de 30 de Dezembro, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
J) Analisando concretamente o tema objeto do presente recurso, ao contrário do entendimento da Administração Tributária e aqui seguido pela Fazenda Pública, nem o CIVA, nem o artigo 66.º n.º 5 da Lei n.º 60-A/2005, estipulam qualquer condição relativamente ao número de identificação fiscal do adquirente, como requisito prévio para possibilitar a recuperação do IVA nos créditos ali tipificados, apenas fazendo referência tão só à natureza, para efeitos de IVA, do devedor.
K) A inexistência ou invalidade do n.º de identificação fiscal do adquirente dos serviços não tem a consequência pretendida pela Recorrente, pois que tais adquirentes serão tratados como particulares e não como sujeitos passivos.
L) A posição da Recorrente viola de forma frontal a Informação n.º 1416, de 12 de Maio de 2008, da Direção de Serviços do IVA, quando se afirma que "sempre que se estiver perante facturas que não possuam o número de identificação fiscal se está perante, por um lado, adquirentes particulares, por outro, documentos que, por não possuírem os requisitos previstos no n.º 5 do artigo 35º do CIVA, não conferem direito a dedução, pelo que se enquadram no disposto na alínea a) do n.º 9 do artigo 71º do CIVA" (sublinhado e sombreado nosso).
M) A posição da Recorrente viola de forma ostensiva o artigo 68º-A da LGT, bem como o artigo 66.º da Lei do Orçamento do Estado para 2006, o que se invoca para efeitos de improcedência do presente recurso.
N) Decorre ainda da jurisprudência do TJUE e do princípio da neutralidade do IVA, a (i) impossibilidade de sustentar a recusa do direito à dedução do imposto, com fundamento no artigo 35.º do CIVA (atual 36.º), bem como (ii) a recusa do TJUE em admitir que os Estados-membros livremente condicionem ou criem requisitos formais de tal forma desajustados que inviabilizem o direito à dedução do imposto.
O) Constitui jurisprudência pacífica do TJUE que a recusa do direito à dedução com fundamento de falta de registo de atividade do prestador ou fornecedor, terá de limitar-se aos casos em que se possa concluir que o adquirente sabia ou devia saber que a operação subjacente ao direito à dedução estava relacionada em algum esquema de fraude ou evasão com vista à obtenção de vantagens fiscais, o que manifestamente não se verifica na situação objeto do presente recurso.
P) Face a tudo o acima exposto, a ora Recorrida requer a anulação das liquidações adicionais de IVA objeto dos presentes autos, por erro nos pressupostos de facto e de direito e vício de violação de lei, uma vez que se encontravam integralmente cumpridos os requisitos estabelecidos no n.º 5 do artigo 66.º da Lei n.º 60.º-A/2005, de 30 de Dezembro, para regularização do IVA em causa, o que determinará a confirmação da sentença ora recorrida e a improcedência do presente recurso, tudo com as devidas consequências legais.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que os mui Ilustres Juízes DESEMBARGADORES deste Venerando Tribunal assim o julgarem no seu MUI douto juízo, deve o recurso interposto pela Recorrente ser julgado totalmente improcedente, requerendo-se a este Venerando Tribunal que confirme a sentença recorrida determinando a consequente anulação dos atos tributários ora sindicados, por vício de violação de lei, tudo com as devidas consequências legais.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!
I.4. Por Decisão Sumária de 25/09/2019, foi decidido julgar o TCA Sul hierarquicamente incompetente para conhecer do recurso e competente, para o efeito, a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.
I.5. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, a exm.ª magistrada do Ministério Público pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6. Nos termos dos do art. 635.º n.ºs 3 e 4 do C.P.C., é de definir o objecto do recurso de acordo com as conclusões apresentadas.
Ora, na sentença proferida, analisando o relatório de inspeção em que se fundam as liquidações adicionais em causa, considerou-se haver uma parte, a que se refere o ponto 4 da matéria de facto, em que, sendo inexistentes ou inválidos os números de identificação fiscal de devedores dos valores constantes de faturas, não se verificavam as condições previstas no artigo 66.º n.º5, a) e b), da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, para a dedução de I.V.A..
Sendo a essa parte que é de circunscrever o recurso interposto, cumpre conhecer se ocorre erro de julgamento quanto ao desse modo decidido com fundamento no disposto no art. 36.º n.º5 do C.I.V.A. .
II.Fundamentação.
II.1. De facto.
Dá-se por reproduzida a matéria de facto contida na sentença da 1ª instância – art. 663.º n.º 6 do C.P.C., subsidiariamente aplicável, nos termos do ar.2.º, e), do C.P.P.T..
II.2. De direito.
No artigo 66.º n.º5, a) e b), da Lei n.º 60-A/2005, de 30/12, prevêem-se condições para a regularização de faturas por créditos em cobrança em acções pendentes até 31-12-2005, nos termos do n.º1 desse art. 66.º, para efeitos de dedução de IVA.
Relativamente às circunstâncias previstas neste n.º1, nomeadamente, que se trate de ações pendentes até 31-12-2005, não é posto em causa no recurso interposto que tal não se verifique, nem igualmente quanto aos valores se circunscreverem aos montantes previstos nas referidas alíneas a) e b), quanto a particulares e contribuintes, do dito art. 66.º n.º5.
Ora, a recorrente põe em causa o direito à dedução de I.V.A. - em detrimento do decidido na sentença recorrida que considerou ser de assegurar o mesmo, atendendo a uma das características fundamentais do I.V.A., a neutralidade -, invocando as exigências formais dos vários elementos que têm de constar de faturas, de acordo com o art. 36.º n.º5 do C.I.V.A., bem como que visam as mesmas permitir o controlo por parte da A. T. e evitar a evasão fiscal.
Segundo jurisprudência bem assente do Tribunal de Justiça da U.E., o direito à dedução de I.V.A., previsto nos artigos 17.º e seguintes da Sexta Diretiva, é um princípio fundamental do sistema comum do I.V.A. que não pode, em princípio, ser limitado e que é exercido imediatamente para a totalidade dos impostos que oneraram as operações efetuadas a montante - cfr., neste sentido, acórdão Mahagében e Dávid, de 21-6-2012, processos C-80/11 e C-142/11, citado na sentença recorrida, e ainda os Petroma, de 8-3-2013, proc. C-271/12, PPUH Steheemp, de 22-10-2015, proc. C-277/14, acessíveis em www.curia.europa.eu.
Neste último acórdão, analisando o caso de faturas com número de identificação fiscal considerado inexistente, foi decidido o seguinte:
- “As disposições da Sexta Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de maio de 1977, relativa à harmonização das legislações dos Estados-Membros respeitantes aos impostos sobre o volume de negócios — Sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado: matéria coletável uniforme, conforme alterada pela Diretiva 2002/38/CE do Conselho, de 7 de maio de 2002, devem ser interpretadas no sentido de que se opõem a uma regulamentação nacional, como a que está em causa no processo principal, que recusa a um sujeito passivo o direito de deduzir o imposto sobre o valor acrescentado devido ou pago relativamente a bens que lhe foram entregues pelo facto de a fatura ter sido emitida por um operador que deve ser considerado, face aos critérios previstos nessa regulamentação, um operador inexistente e de ser impossível determinar a identidade do verdadeiro fornecedor dos bens, exceto se estiver provado, perante elementos objetivos, e sem serem exigidas ao sujeito passivo verificações que lhe não incumbem, que o sujeito passivo sabia ou tinha a obrigação de saber que a entrega estava envolvida numa fraude ao imposto sobre o valor acrescentado, o que cabe ao tribunal de reenvio verificar.”
Tal o que foi considerado relativamente à legislação polaca, mas que importa observar quanto à portuguesa, em que o direito à dedução se encontra previsto no art. 19.º, no n.º2 e no art. 36.º n.º5, do C.I.V.A., incluindo a alínea a) deste último a menção a números de identificação fiscal.
Assim, e de acordo com a jurisprudência comunitária, considerou-se na sentença recorrida que “no dito relatório inspectivo – 4, dos factos em momento algum coloca em causa a materialidade das operações tituladas nas faturas (data, realização, serviço prestado, preço…), quedando-se somente na inexistência ou invalidade dos números de identificação fiscal como óbice ao exercício do direito à dedução.”
Mais considerou que no “no caso dos presentes autos o direito a deduzir o IVA emergir não do IVA suportado a montante mas do pagamento, que não a mera entrega, de IVA correspondente a operações sujeitas, e não isentas realizadas pelo sujeito passivo que não foram pagas pelo adquirente de tais bens e serviços e responsável pelo pagamento do IVA”.
Conforme o S.T.A. tem considerado a propósito dos artigos 19.º n.º 2, a), e 35.º, n.º5, a) do C.I.V.A. – com correspondência no atual art. 36.º -, quanto a números de identificação fiscal inválidos, a alínea a) do dito art. 35.º “não comete explicitamente ao adquirente a obrigação de controlar se essa identificação é verdadeira” – cfr., acórdão de 14-12-2011, proferido no proc. 076/11 e, mais recentemente, o acórdão de 22-1-2020, no proc. 0595/04.0BEVIS, ambos publicados em www.dgsi.pt.
De tudo o que antecede resulta não ser de acolher o que a recorrente invoca quanto a erro de julgamento relativo à dedução de I.V.A. por falta de requisito formal constante de faturas.
III.Decisão:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela recorrente – art. 527.º n.º1 do C.P.C., subsidiariamente aplicável.

Lisboa, 16 de dezembro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.