Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01284/13.0BESNT 0467/16 |
Data do Acordão: | 05/06/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANÍBAL FERRAZ |
Descritores: | CONTRA-ORDENAÇÃO ADMISSÃO DO RECURSO |
Sumário: | I - É de aceitar recurso jurisdicional, interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), em virtude de a questão a solucionar (contagem do prazo de prescrição de procedimento contraordenacional igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto devido, em especial, identificação da data a partir da qual se deve iniciar o cômputo do tempo) assumir contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se continue a repetir noutros casos futuros. II - Existindo regras capazes de regular a contagem [ do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos dos arts. 33.º n.º 2, 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e 45.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de 4 (quatro) anos ] no âmbito do complexo normativo do direito tributário, a convocação de disposição legal inserida no Código Penal (CP), por remissão do art. 32º do RGIMOS, é desnecessária e incorreta, além, de conduzir a resultado errado. III - Assim, a atuação do julgador deveria ter ido no sentido de considerar que, estando em causa o pagamento de um imposto periódico, nos termos do art. 45º n.º 4 da LGT (diploma a que se recorreu para determinar o prazo aplicável), o prazo de prescrição (que na hipótese julganda se confunde com o prazo de caducidade do direito à liquidação) contava-se a partir do termo do ano da verificação do facto tributário, ou seja, 31 de dezembro de 2009 (e não 31 de março do mesmo ano). IV - Decorre do art. 28.º n.º 3 do RGIMOS, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 109/01 de 24 de dezembro, “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”. V - A prescrição extingue o procedimento por contraordenação – cf. art. 61.º alínea b) do RGIT e 27.º (parte inicial) do RGIMOS e impõe o arquivamento dos autos respetivos. |
Nº Convencional: | JSTA000P25858 |
Nº do Documento: | SA22020050601284/13 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A........, LDA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo, com sede em Lisboa; # I. O/A representante da Fazenda Pública (rFP), neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), recorre do/a despacho decisório / sentença proferido/a, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em 29 de dezembro de 2015, que decidiu declarar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional, não conhecendo, por prejudicado, do recurso (judicial), interposto pela arguida A…………, Lda. A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: « I. Não obstante a coima aplicada à ora Recorrente nos presentes autos de Recurso contra-ordenacional não exceder um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1a instância e não ter sido aplicada sanção acessória - o que, em termos gerais, obstaria à interposição do presente recurso - art. 83°, n° 1, do RGIT), entende a Fazenda Pública, tal como vem sustentado pela jurisprudência do STA que o mencionado comando normativo não esgota as possibilidades de recurso, permitindo que o mesmo seja apresentado, estribado no 73º do RGCO, subsidiariamente aplicável por remissão da alínea b) do art.º 3° do RGIT. II. No caso em apreço o presente recurso enquadra-se no disposto no nº 2, do mencionado art. 73°, do RGCO por se afigurar como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência, desde logo porque a decisão recorrida, e a nosso ver, configura uma errada interpretação do regime relativo ao procedimento contra-ordenacional, e que não se poderá manter na Ordem Jurídica e que briga manifesta e necessariamente com orientação jurisprudencial prévia já produzida por esse Colendo Supremo Tribunal. III. À Recorrente, A…………, Lda, foi aplicada a coima no valor de € 30,00, acrescida de custas processuais (à data, no valor de € 76,50), no âmbito do processo contraordenacional n.º 1503201306059708 pela prática de ilícito contraordenacional relativa à entrega não atempada do CIUC, por inobservância do disposto no art. 17°, nº 2, do CIUC, infracção prevista e punida pelo n.º 2 do artigo 114.°, com os limites que decorrem do nº 4 do art. 26°, ambos do RGIT. IV. Considerou o tribunal a quo na douta sentença ora recorrida que, em face da prescrição do procedimento contraordenacional, se impunha a sua extinção, nos termos do disposto nos termos da alínea b) do artigo 61.° do RGIT, não tendo conhecido o recurso interposto pela Recorrente. V. O procedimento contraordenacional extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos 5 anos, salvo se, a infração depender de eventual liquidação do imposto, impondo-se que, se assim for, o prazo seja reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária. Assim o determina os nº 1 e 2 do art. 33°, do RGIT que por sua vez remete para o n° 1, do art. 45°, da LGT. VI. E, no caso concreto, a determinação da sanção dependia efetivamente do valor da liquidação, uma vez que o valor da prestação em falta é referência necessária para fixação da correspondente moldura contraordenacional- vide art. 114°, do RGIT. VII. No entender do tribunal, tratando-se de conduta omissiva, a mesma fixou-se no momento em que o facto devesse ter sido praticado, ou seja, em 31 de março de 2009, último dia para proceder ao pagamento voluntário. VIII. A Fazenda Pública, entende diferentemente, pois que considera como dies a quo relevante para a contagem da prescrição do procedimento contraordenacional não a data da prática do facto ou daquele em que o mesmo devesse ter ocorrido, mas o termo do ano em que o facto tributário foi praticado, nos termos do nº 4 do art. 45° da LGT, ou seja - o dia 31 de dezembro de 2009. IX. Pois que, entendendo-se como entende a douta sentença recorrida, que a mencionada coima está umbilicalmente dependente da liquidação do imposto também não se vislumbram razões, ontológicas ou dogmáticas que justifiquem um regime diferenciado na contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação relativamente ao prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional que lhe está associado. X. Posição que encontra eco na jurisprudência deste Colendo STA, vazada do acórdão proferido em 28 de abril de 2010, no âmbito dos autos de recurso nº 0777/2009, admitidos ao abrigo do artigo 73.°, nº 2, do R.G.C.O., aplicável subsidiariamente ao R.G.I.T. por força da alínea b) do seu artigo 3.°, tendo expendido a seguinte orientação: "É, pois, a impossibilidade de determinar, antes da liquidação, o tipo de infracção cometida ou o montante da coima aplicável que justifica que o prazo de prescrição do procedimento seja o mesmo prazo que a lei confere para proceder à liquidação. (…) a coima aplicável a esta infracção varia em função do montante da prestação tributária que deveria ter sido auto-liquidada pelo sujeito passivo por conta do IRC e que, na sua falta, foi liquidada pela Administração Tributária. Ou seja, a infracção está absolutamente dependente do acto de liquidação, uma vez que a sanção que lhe é aplicável depende do montante das entregas pecuniárias antecipadas que têm de ser liquidadas e pagas por conta do IRC. Pelo que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional não pode deixar de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.°, n.° 4 da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. (sublinhado nosso) XI. E na doutrina do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa quando enuncia que "(…)o regime de contagem que se estabelece no nº 4 do mesmo artigo, em que se incluem casos em que o prazo começa a contar-se no início do ano civil subsequente àquele em que se verificou o facto tributário, conduz a que os prazos de caducidade do direito à liquidação sejam diferentes, relativamente ao mesmo tributo, conforme o momento do ano civil em que o mesmo ocorreu (152). A coincidência do prazo de prescrição do processo contra-ordenacional com o prazo de caducidade do direito de liquidação que se estabelece no nº 2, do art. 33°, do RGIT, tem como corolário que aquele prazo também será variável, dependendo a sua duração global do período de tempo que medeie entre o momento em que se consuma a infracção e o fim do ano respectivo, acrescido do prazo de caducidade do direito de liquidação contado desta data XII. Ou seja, à data da instauração do procedimento de contraordenação e da sua notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado o mesmo ainda não se podia considerar prescrito, nem o Chefe de Finanças o podia ter declarado como tal. XIII. Por outro lado, interrompendo-se e suspendendo-se o prazo prescricional do procedimento de contraordenação ao abrigo da lei geral, nos termos do disposto no art. 27° a 32° do RGCO, impunha-se desde logo atender interrupção decorre da primeira notificação à arguida, por via do seu art. 28°, consubstanciada na notificação para apresentação de defesa, nos termos do art. 70°, do RGIT, ocorrida em 14-06-2013. XIV. A decisão recorrida padece, assim, de manifesto lapso na aplicação do direito, sendo, comprovadamente, duvidosa a solução jurídica preconizada, a qual não só viola o disposto no nº 4, do art. 45°, da LGT se interpretada à luz da citada orientação jurisprudencial mas também com esta briga ou se mostra incompatível na Ordem Jurídica, pelo que o presente recurso é axiomaticamente necessário à melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência; XV. Requer-se pois a admissão do presente recurso, nos termos do artigo 83°, nº 2, do RGIT, com o fundamento previsto no 73° n° 2 do RGCO, subsidiariamente aplicável por remissão da alínea b) do art.º 3° do RGIT, e, deferindo-se a pretensão da Fazenda Pública por inobservada prescrição do procedimento contraordenacional deve a decisão recorrida ser revogada, impondo-se a baixa dos autos à 1a Instância com vista à apreciação dos demais fundamentos invocados pela Recorrente. Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada, impondo-se a baixa dos autos à 1a Instância com vista à apreciação dos demais fundamentos invocados pela Recorrente. PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA. » * Não houve lugar à formalização de contra-alegação. * O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo que o recurso deve improceder. * Cumprida a vista de lei, compete conhecer e decidir. ******* # II. Mostra-se consignado, no/a despacho decisório / sentença: « A. Em 30 de Abril de 2009, foi liquidado o IUC de 2009, referente ao veículo com matrícula ……... - Cf. informação constante da impressão de "Detalhe do Processo de Contra-Ordenação", extraída da plataforma informática da Autoridade tributária e Aduaneira, a fls. 4 B. Em 3 de Maio de 2013 foi autuado o processo de contra-ordenação n.º 1503201306059708, em que era Infractor, a ora Recorrente, A…………, LDA., com o NIF……….., por alegada infracção ao disposto no artigo 17° n.º 2 do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), por pagamento do imposto devido fora do prazo, e punida pelo artigo 114° n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), ocorrida em 31 de Março de 2009, por atraso no pagamento do IUC de 2009, referente ao veículo com matrícula ……….. - Cf. autuação e impressão de "Detalhe do Processo de Contra-Ordenação", extraída da plataforma informática da Autoridade tributária e Aduaneira, a fls. 3 e 4 C. Em 3 de Maio de 2013, o Serviço de Finanças de Cascais-1 emitiu a "Notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima", referente ao Processo n.º 1503201306059708. - Cf. notificação a fls. 12 D. Em 12 de Junho de 2013, a Recorrente apresentou defesa no processo de contra-ordenação n.º 1503201306059708. - Cf. requerimento e comprovativo de entrega, de fls. 6 a fls. 11 E. Em 24 de Julho de 2014, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cascais-1, decisão fixação da coima no Processo n.º 1503201306059708, de cujo teor se extrai: "tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 30,00 cominada no(s) Art(s) 114° nºs 2 do RGIT (…), com respeito pelos limites do Artº 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50)". - Cf. Decisão de fls. 15 e 16 F. Em 29 de Julho de 2013, a Recorrente recebeu a decisão a que se refere a alínea anterior. - Cf. ofício, decisão e aviso de recepção, de fls. 15 a 17 (…). » *** Em primeiro lugar, a título de questão prévia, importa decidir da admissibilidade deste recurso jurisdicional, interposto de decisão proferida em processo, de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), cujo valor da coima aplicada é de € 30,00, sem injunção de sanção acessória, porquanto, sendo o montante daquela, claramente, inferior a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância; € 1.250,00 – cf. art. 44.º nº 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (e art. 5.º do DL. n.º 303/2007 de 24 de agosto), em princípio, seria determinante da não admissibilidade deste recurso jurisdicional, face ao disposto no art. 83.º n.º 1 (parte final) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT). Porém, a rte alega, a título de fundamento para interpor recurso, fazê-lo nos termos do n.º 2 do art. 73.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), o que refirma nos dizeres da conclusão II., “por se afigurar como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência, desde logo porque a decisão recorrida, e a nosso ver, configura uma errada interpretação do regime relativo ao procedimento contra-ordenacional,…”. Sem delongas, presente a abordagem efetuada no acórdão (Ac.) do STA de 28 de abril de 2010 (0777/09) ( Disponível em www.dgsi.pt), de situação similar à que, agora, nos ocupa, pela ordem de razões aí congregadas, também, neste caso, entendemos que é de aceitar o recurso, em virtude de a questão a solucionar (contagem do prazo de prescrição de procedimento contraordenacional igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto devido, em especial, identificação da data a partir da qual se deve iniciar o cômputo do tempo) assumir contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se continue a repetir noutros casos futuros. Transposta esta questão legitimante, passando ao conhecimento do mérito deste apelo, de imediato, apontamos ser errado o julgamento da decisão recorrida, quando, estando em discussão a aplicação de coima pela prática de contraordenação, prevista no art. 17º n.º 2 do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), por falta de pagamento do imposto devido, punida pelos artigos 26º nº 4 e 114º n.º 2 do RGIT, depois de, corretamente, concluir que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, em causa, era, nos termos dos arts. 33.º n.º 2, 114.º do RGIT e 45.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de 4 (quatro) anos, sustenta que: « *******
# III. Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se: - aceitar este recurso jurisdicional, a coberto dos arts. 73.º n.º 2 do RGIMOS e 3.º alínea b) do RGIT; - negar provimento ao recurso e reafirmar, ainda que por diversos argumentos dos vertidos na decisão recorrida, a prescrição e extinção do procedimento por contraordenação em curso, no presente processo, contra a arguida A……….., Lda.; - ordenar o, oportuno, arquivamento dos autos. * Sem custas. * Cumpra-se, além do mais, o disposto no art. 70.º n.º 4 do RGIMOS. * [Elaborado em computador e revisto, com versos em branco] Lisboa, 6 de maio de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Suzana Tavares da Silva. |