Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01284/13.0BESNT 0467/16
Data do Acordão:05/06/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:I - É de aceitar recurso jurisdicional, interposto ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 73.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), em virtude de a questão a solucionar (contagem do prazo de prescrição de procedimento contraordenacional igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto devido, em especial, identificação da data a partir da qual se deve iniciar o cômputo do tempo) assumir contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se continue a repetir noutros casos futuros.
II - Existindo regras capazes de regular a contagem [ do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, nos termos dos arts. 33.º n.º 2, 114.º do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT) e 45.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de 4 (quatro) anos ] no âmbito do complexo normativo do direito tributário, a convocação de disposição legal inserida no Código Penal (CP), por remissão do art. 32º do RGIMOS, é desnecessária e incorreta, além, de conduzir a resultado errado.
III - Assim, a atuação do julgador deveria ter ido no sentido de considerar que, estando em causa o pagamento de um imposto periódico, nos termos do art. 45º n.º 4 da LGT (diploma a que se recorreu para determinar o prazo aplicável), o prazo de prescrição (que na hipótese julganda se confunde com o prazo de caducidade do direito à liquidação) contava-se a partir do termo do ano da verificação do facto tributário, ou seja, 31 de dezembro de 2009 (e não 31 de março do mesmo ano).
IV - Decorre do art. 28.º n.º 3 do RGIMOS, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 109/01 de 24 de dezembro, “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
V - A prescrição extingue o procedimento por contraordenação – cf. art. 61.º alínea b) do RGIT e 27.º (parte inicial) do RGIMOS e impõe o arquivamento dos autos respetivos.
Nº Convencional:JSTA000P25858
Nº do Documento:SA22020050601284/13
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A........, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acórdão proferido no Supremo Tribunal Administrativo, com sede em Lisboa;
# I.

O/A representante da Fazenda Pública (rFP), neste processo de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), recorre do/a despacho decisório / sentença proferido/a, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Sintra, em 29 de dezembro de 2015, que decidiu declarar extinto, por prescrição, o procedimento contraordenacional, não conhecendo, por prejudicado, do recurso (judicial), interposto pela arguida A…………, Lda.

A recorrente (rte) apresentou alegação, finalizada com as seguintes conclusões: «

I. Não obstante a coima aplicada à ora Recorrente nos presentes autos de Recurso contra-ordenacional não exceder um quarto da alçada fixada para os tribunais judiciais de 1a instância e não ter sido aplicada sanção acessória - o que, em termos gerais, obstaria à interposição do presente recurso - art. 83°, n° 1, do RGIT), entende a Fazenda Pública, tal como vem sustentado pela jurisprudência do STA que o mencionado comando normativo não esgota as possibilidades de recurso, permitindo que o mesmo seja apresentado, estribado no 73º do RGCO, subsidiariamente aplicável por remissão da alínea b) do art.º 3° do RGIT.

II. No caso em apreço o presente recurso enquadra-se no disposto no nº 2, do mencionado art. 73°, do RGCO por se afigurar como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência, desde logo porque a decisão recorrida, e a nosso ver, configura uma errada interpretação do regime relativo ao procedimento contra-ordenacional, e que não se poderá manter na Ordem Jurídica e que briga manifesta e necessariamente com orientação jurisprudencial prévia já produzida por esse Colendo Supremo Tribunal.

III. À Recorrente, A…………, Lda, foi aplicada a coima no valor de € 30,00, acrescida de custas processuais (à data, no valor de € 76,50), no âmbito do processo contraordenacional n.º 1503201306059708 pela prática de ilícito contraordenacional relativa à entrega não atempada do CIUC, por inobservância do disposto no art. 17°, nº 2, do CIUC, infracção prevista e punida pelo n.º 2 do artigo 114.°, com os limites que decorrem do nº 4 do art. 26°, ambos do RGIT.

IV. Considerou o tribunal a quo na douta sentença ora recorrida que, em face da prescrição do procedimento contraordenacional, se impunha a sua extinção, nos termos do disposto nos termos da alínea b) do artigo 61.° do RGIT, não tendo conhecido o recurso interposto pela Recorrente.

V. O procedimento contraordenacional extingue-se logo que sobre a prática do facto sejam decorridos 5 anos, salvo se, a infração depender de eventual liquidação do imposto, impondo-se que, se assim for, o prazo seja reduzido ao prazo de caducidade do direito à liquidação da prestação tributária. Assim o determina os nº 1 e 2 do art. 33°, do RGIT que por sua vez remete para o n° 1, do art. 45°, da LGT.

VI. E, no caso concreto, a determinação da sanção dependia efetivamente do valor da liquidação, uma vez que o valor da prestação em falta é referência necessária para fixação da correspondente moldura contraordenacional- vide art. 114°, do RGIT.

VII. No entender do tribunal, tratando-se de conduta omissiva, a mesma fixou-se no momento em que o facto devesse ter sido praticado, ou seja, em 31 de março de 2009, último dia para proceder ao pagamento voluntário.

VIII. A Fazenda Pública, entende diferentemente, pois que considera como dies a quo relevante para a contagem da prescrição do procedimento contraordenacional não a data da prática do facto ou daquele em que o mesmo devesse ter ocorrido, mas o termo do ano em que o facto tributário foi praticado, nos termos do nº 4 do art. 45° da LGT, ou seja - o dia 31 de dezembro de 2009.

IX. Pois que, entendendo-se como entende a douta sentença recorrida, que a mencionada coima está umbilicalmente dependente da liquidação do imposto também não se vislumbram razões, ontológicas ou dogmáticas que justifiquem um regime diferenciado na contagem do prazo de caducidade do direito de liquidação relativamente ao prazo prescricional do procedimento contra-ordenacional que lhe está associado.

X. Posição que encontra eco na jurisprudência deste Colendo STA, vazada do acórdão proferido em 28 de abril de 2010, no âmbito dos autos de recurso nº 0777/2009, admitidos ao abrigo do artigo 73.°, nº 2, do R.G.C.O., aplicável subsidiariamente ao R.G.I.T. por força da alínea b) do seu artigo 3.°, tendo expendido a seguinte orientação: "É, pois, a impossibilidade de determinar, antes da liquidação, o tipo de infracção cometida ou o montante da coima aplicável que justifica que o prazo de prescrição do procedimento seja o mesmo prazo que a lei confere para proceder à liquidação. (…) a coima aplicável a esta infracção varia em função do montante da prestação tributária que deveria ter sido auto-liquidada pelo sujeito passivo por conta do IRC e que, na sua falta, foi liquidada pela Administração Tributária. Ou seja, a infracção está absolutamente dependente do acto de liquidação, uma vez que a sanção que lhe é aplicável depende do montante das entregas pecuniárias antecipadas que têm de ser liquidadas e pagas por conta do IRC. Pelo que o prazo de prescrição do procedimento contra-ordenacional não pode deixar de ser igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação desse imposto, o qual, de harmonia com o artigo 45.°, n.° 4 da LGT, é de quatro anos contados a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário. (sublinhado nosso)

XI. E na doutrina do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa quando enuncia que "(…)o regime de contagem que se estabelece no nº 4 do mesmo artigo, em que se incluem casos em que o prazo começa a contar-se no início do ano civil subsequente àquele em que se verificou o facto tributário, conduz a que os prazos de caducidade do direito à liquidação sejam diferentes, relativamente ao mesmo tributo, conforme o momento do ano civil em que o mesmo ocorreu (152). A coincidência do prazo de prescrição do processo contra-ordenacional com o prazo de caducidade do direito de liquidação que se estabelece no nº 2, do art. 33°, do RGIT, tem como corolário que aquele prazo também será variável, dependendo a sua duração global do período de tempo que medeie entre o momento em que se consuma a infracção e o fim do ano respectivo, acrescido do prazo de caducidade do direito de liquidação contado desta data

XII. Ou seja, à data da instauração do procedimento de contraordenação e da sua notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado o mesmo ainda não se podia considerar prescrito, nem o Chefe de Finanças o podia ter declarado como tal.

XIII. Por outro lado, interrompendo-se e suspendendo-se o prazo prescricional do procedimento de contraordenação ao abrigo da lei geral, nos termos do disposto no art. 27° a 32° do RGCO, impunha-se desde logo atender interrupção decorre da primeira notificação à arguida, por via do seu art. 28°, consubstanciada na notificação para apresentação de defesa, nos termos do art. 70°, do RGIT, ocorrida em 14-06-2013.

XIV. A decisão recorrida padece, assim, de manifesto lapso na aplicação do direito, sendo, comprovadamente, duvidosa a solução jurídica preconizada, a qual não só viola o disposto no nº 4, do art. 45°, da LGT se interpretada à luz da citada orientação jurisprudencial mas também com esta briga ou se mostra incompatível na Ordem Jurídica, pelo que o presente recurso é axiomaticamente necessário à melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência;

XV. Requer-se pois a admissão do presente recurso, nos termos do artigo 83°, nº 2, do RGIT, com o fundamento previsto no 73° n° 2 do RGCO, subsidiariamente aplicável por remissão da alínea b) do art.º 3° do RGIT, e, deferindo-se a pretensão da Fazenda Pública por inobservada prescrição do procedimento contra­ordenacional deve a decisão recorrida ser revogada, impondo-se a baixa dos autos à 1a Instância com vista à apreciação dos demais fundamentos invocados pela Recorrente.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso deve a decisão recorrida ser revogada, impondo-se a baixa dos autos à 1a Instância com vista à apreciação dos demais fundamentos invocados pela Recorrente.

PORÉM V. EXAS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA. »


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Não houve lugar à formalização de contra-alegação.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo que o recurso deve improceder.

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Cumprida a vista de lei, compete conhecer e decidir.

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# II.


Mostra-se consignado, no/a despacho decisório / sentença: «

A. Em 30 de Abril de 2009, foi liquidado o IUC de 2009, referente ao veículo com matrícula ……... - Cf. informação constante da impressão de "Detalhe do Processo de Contra-Ordenação", extraída da plataforma informática da Autoridade tributária e Aduaneira, a fls. 4

B. Em 3 de Maio de 2013 foi autuado o processo de contra-ordenação n.º 1503201306059708, em que era Infractor, a ora Recorrente, A…………, LDA., com o NIF……….., por alegada infracção ao disposto no artigo 17° n.º 2 do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), por pagamento do imposto devido fora do prazo, e punida pelo artigo 114° n.º 2 do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), ocorrida em 31 de Março de 2009, por atraso no pagamento do IUC de 2009, referente ao veículo com matrícula ……….. - Cf. autuação e impressão de "Detalhe do Processo de Contra­-Ordenação", extraída da plataforma informática da Autoridade tributária e Aduaneira, a fls. 3 e 4

C. Em 3 de Maio de 2013, o Serviço de Finanças de Cascais-1 emitiu a "Notificação para apresentação de defesa ou pagamento antecipado da coima", referente ao Processo n.º 1503201306059708. - Cf. notificação a fls. 12

D. Em 12 de Junho de 2013, a Recorrente apresentou defesa no processo de contra-ordenação n.º 1503201306059708. - Cf. requerimento e comprovativo de entrega, de fls. 6 a fls. 11

E. Em 24 de Julho de 2014, foi proferida pelo Chefe do Serviço de Finanças de Cascais-1, decisão fixação da coima no Processo n.º 1503201306059708, de cujo teor se extrai:

"tendo em conta estes elementos para a graduação da coima e de acordo com o disposto no Artº 79° do RGIT aplico ao arguido a coima de Eur. 30,00 cominada no(s) Art(s) 114° nºs 2 do RGIT (…), com respeito pelos limites do Artº 26° do mesmo diploma, sendo ainda devidas custas (Eur. 76,50)". - Cf. Decisão de fls. 15 e 16

F. Em 29 de Julho de 2013, a Recorrente recebeu a decisão a que se refere a alínea anterior. - Cf. ofício, decisão e aviso de recepção, de fls. 15 a 17

(…). »


***

Em primeiro lugar, a título de questão prévia, importa decidir da admissibilidade deste recurso jurisdicional, interposto de decisão proferida em processo, de recurso (judicial) de decisão de aplicação de coima (contraordenação), cujo valor da coima aplicada é de € 30,00, sem injunção de sanção acessória, porquanto, sendo o montante daquela, claramente, inferior a um quarto da alçada estabelecida para os tribunais judiciais de 1.ª instância; € 1.250,00 – cf. art. 44.º nº 1 da Lei n.º 62/2013 de 26 de agosto (e art. 5.º do DL. n.º 303/2007 de 24 de agosto), em princípio, seria determinante da não admissibilidade deste recurso jurisdicional, face ao disposto no art. 83.º n.º 1 (parte final) do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

Porém, a rte alega, a título de fundamento para interpor recurso, fazê-lo nos termos do n.º 2 do art. 73.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS), o que refirma nos dizeres da conclusão II., “por se afigurar como manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito e uniformização da jurisprudência, desde logo porque a decisão recorrida, e a nosso ver, configura uma errada interpretação do regime relativo ao procedimento contra-ordenacional,…”.

Sem delongas, presente a abordagem efetuada no acórdão (Ac.) do STA de 28 de abril de 2010 (0777/09) ( Disponível em www.dgsi.pt), de situação similar à que, agora, nos ocupa, pela ordem de razões aí congregadas, também, neste caso, entendemos que é de aceitar o recurso, em virtude de a questão a solucionar (contagem do prazo de prescrição de procedimento contraordenacional igual ao prazo de caducidade do direito à liquidação de imposto devido, em especial, identificação da data a partir da qual se deve iniciar o cômputo do tempo) assumir contornos gerais e não meramente pontuais, sendo provável que se continue a repetir noutros casos futuros.

Transposta esta questão legitimante, passando ao conhecimento do mérito deste apelo, de imediato, apontamos ser errado o julgamento da decisão recorrida, quando, estando em discussão a aplicação de coima pela prática de contraordenação, prevista no art. 17º n.º 2 do Código do Imposto Único de Circulação (IUC), por falta de pagamento do imposto devido, punida pelos artigos 26º nº 4 e 114º n.º 2 do RGIT, depois de, corretamente, concluir que o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, em causa, era, nos termos dos arts. 33.º n.º 2, 114.º do RGIT e 45.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), de 4 (quatro) anos, sustenta que: «
(…).

Tratando-se de infracção omissiva, o dies a quo será determinado atendendo à data em que o facto devesse ter sido praticado, ou seja, no caso dos autos, em 31 de Março de 2009 (cf. alínea B) da factualidade assente), pelo que, será nessa data que se início o prazo de prescrição.

Aqui chegados, cumpre aferir se o procedimento contra-ordenacional está prescrito.

Atendendo ao disposto no artigo 119º do Código Penal, aplicável por remissão do artigo 32º do RGCO, o prazo de prescrição corre desde o dia em que o facto se tiver consumado.

Como vimos, nos presentes autos, tal facto ocorreu em 31 de Março de 2009.

Ora, na ausência de qualquer causa de suspensão ou interrupção, o procedimento contra-ordenacional prescreveu em 31 de Março de 2013.

Resulta dos autos que o procedimento de contra-ordenação foi autuado, em 3 de Maio de 2013, tendo a Recorrente sido notificada para apresentar defesa no mesmo no mesmo mês.

E tanto basta para concluir que, à data da instauração do procedimento, este já havia prescrito, porquanto desde a data da prática da infracção não se verificou qualquer facto interruptivo ou suspensivo daquele prazo. (cf. alíneas B) e C) da factualidade assente)

Ou seja, tendo autuado o processo em 3 de Maio de 2013, a Autoridade Administrativa deveria ter-se abstido de proceder à sua instauração, pois já não lhe assistia o direito de sancionar a infracção imputada à ora Recorrente, desde 31 de Março anterior.

(…). »

Efetivamente, mostra-se, objetivamente, incorreto o raciocínio desenvolvido com base na premissa de que a contagem do prazo prescricional, com base no disposto pelo art. 119º do Código Penal (CP), aplicável por remissão do art. 32º do RGIMOS, corria desde o dia em que o facto se consumou; 31 de março de 2009, por, tratando-se de conduta omissiva, nessa data limite, não ter a arguida praticado o ato tributário devido (pagamento do imposto).
Existindo regras capazes de regular a contagem em apreço no âmbito do complexo normativo do direito tributário, desde logo, a convocação de disposição legal inserida no CP é desnecessária e incorreta, além, de conduzir a resultado errado. Assim, a atuação do julgador deveria ter ido no sentido de considerar que, estando em causa o pagamento de um imposto periódico ( Sem se pretender uma abordagem completa e irrefutável, rotulamos o IUC (criado e aprovado pela Lei n.º 22-A/2007 de 29 de junho) como periódico, com base no critério que identifica os impostos periódicos (onde, sem reservas, estão o IRS e o IRC) como aqueles em que se deteta a possibilidade de renovação automática do facto tributário por mero decurso do tempo, porquanto, naquele o período de tributação corresponde ao ano que se inicia na data da matrícula ou em cada um dos seus aniversários, sendo o imposto devido até ao cancelamento da matrícula ou registo em virtude de abate efetuado nos termos da lei – art. 4.º n.ºs 2 e 3 do CIUC, acrescendo ser facto gerador do imposto, regra geral, a propriedade do veículo, tal como atestada pela matrícula ou registo em território nacional – art. 6.º n.º 1 do mesmo diploma.), nos termos do art. 45º n.º 4 da LGT (diploma a que se recorreu para determinar o prazo aplicável), o prazo de prescrição (que na hipótese julganda se confunde com o prazo de caducidade do direito à liquidação) contava-se a partir do termo do ano da verificação do facto tributário, ou seja, 31 de dezembro de 2009 (e não 31 de março do mesmo ano). E, a ter-se conduzido deste modo, necessariamente, concluiria que, na data em que foi proferida a decisão recorrida, ainda não se encontrava decorrido o prazo de prescrição do procedimento contraordenacional, por efeito, além do mais, da causa de interrupção (notificação da arguida para, querendo, apresentar defesa), ocorrida em 14 de junho de 2013, dado esta haver inutilizado todo o período temporal até aí decorrido.
Aqui chegados, tudo apontando para dever ser concedido provimento ao recurso da FP, sucede que, por estar em causa matéria de conhecimento oficioso ( O conhecimento (e decisão) de matéria respeitante à extinção de procedimento contraordenacional, por prescrição, reveste foros de oficiosidade. Assim, cf., v.g., Alfredo de Sousa e José da Silva Paixão, in Código de Processo Tributário, Comentado e Anotado, 3.ª Edição, Almedina, pág. 411 em anotação ao seu artigo 35.º, correspondente ao, atualmente, em vigor artigo 33.º do RGIT.), temos de operar a apreciação e julgamento da disputada prescrição (ou não) do presente procedimento por contraordenação, com base na realidade atual, maxime, considerando eventuais efeitos do período temporal decorrido desde a prolação do despacho decisório recorrido.
Nos termos do artigo 33.º n.º 1 do RGIT, o procedimento, por contraordenação (tributária), prescreve no prazo de cinco anos, a contar, regra geral, do momento da prática do facto relevante/da infração. Porém, como é consensual, nestes autos, o prazo prescricional aplicável, aqui, é o de quatro anos, previsto nas disposições conjugadas dos arts. 33.º n.º 2, 114.º n.º 2 do RGIT e 45.º n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), contados como, acabamos de assentar, desde 31 de dezembro de 2009.
Por seu turno, como decorre do art. 28.º n.º 3 do RGIMOS, na redação que lhe foi conferida pela Lei n.º 109/01 de 24 de dezembro, “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade” ( Anote-se, em sede de aplicação deste regime no tempo, que a relevância do mesmo era anteriormente (ao início da vigência desta lei de alteração) defensável pela aplicação subsidiária, ao direito (sancionatório) e especificamente ao regime prescricional do procedimento contraordenacional, do regime previsto no artigo 121.º n.º 3 do Cód. Penal, que, inovadoramente, a partir de 1.10.1995 (data em que iniciou vigência o DL. 48/95 de 15.3., que reviu o Código Penal, aprovado pelo DL. 400/82 de 23.9.), passou a prever a existência de um prazo máximo de prescrição, mesmo havendo atos interruptivos – cfr. Ac. STA de 22.9.2004, rec. 0570/04 e Jurisprudência n.º 6/2001 (do STJ) de 8.3., in DR. I Série - A de 30.3.2001.).
Posto isto, sendo inquestionável a aplicação do coligido regime prescricional na situação julganda ( Não se olvide que “Se a lei vigente ao tempo da prática do facto for posteriormente modificada, aplicar-se-á a lei mais favorável ao arguido, salvo se este já tiver sido condenado por decisão definitiva ou transitada em julgado e já executada” – cfr. Artigo 3.º n.º 2 do RGIMOS.), na certeza de que a infração versada neste processo e imputada à arguida, se tem de considerar perpetrada em 31.12.2009, concomitantemente, iniciou-se o decurso do prazo de prescrição do correspondente procedimento por contraordenação. Assim, contabilizando seis anos (prazo prescricional aplicável de 4 anos, acrescido de metade (2 anos)) sobre essa data, conferimos, como data de, possível, consumação da prescrição do procedimento em apreço, o, já, pretérito, dia 31 de dezembro de 2015.
Para ser incontestável esta conclusão, resta consignar que se, por um lado, como resulta da factualidade julgada provada, em 1.ª instância, podemos descortinar e afirmar a ocorrência e operação de várias causas de interrupção da prescrição do procedimento contraordenacional, positivadas no art. 28.º n.º 1 do RGIMOS ( Que são: 1. a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação; 2. a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa; 3. a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito; 4. a decisão da autoridade administrativa que procede à aplicação da coima.) (ex vi do art. 33.º n.º 3 do RGIT), por outro lado, compulsados os autos, bem como, a documentação nos mesmos disponibilizada, não se encontram causas de suspensão do escalpelizado prazo prescricional, configuradas no art. 27.º-A n.º 1 alíneas a) a c) do mesmo compêndio legal ( «…, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Estiver pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa, nos termos do artigo 40.º;
c) Estiver pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa que aplica a coima, até à decisão final do recurso.»), bem como, no art. 33.º n.º 3 (2.ª parte) do RGIT. Implicantemente, nada obstacula/prejudica a contagem que vimos de promover, maxime, a necessidade de considerar qualquer tempo/período de suspensão, o único relevante na dinâmica legal, acima traçada. Assim, na data em que é proferido este aresto, encontra-se prescrito o procedimento contraordenacional em atividade contra a arguida.
A prescrição extingue o procedimento por contraordenação – cf. art. 61.º alínea b) do RGIT e 27.º (parte inicial) do RGIMOS, pelo que, na hipótese dos autos, se impõe, ainda que outra ordem de razões, presentes as da decisão recorrida, decretar, agora, em definitivo, tal efeito.

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# III.


Pelo exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acorda-se:

- aceitar este recurso jurisdicional, a coberto dos arts. 73.º n.º 2 do RGIMOS e 3.º alínea b) do RGIT;

- negar provimento ao recurso e reafirmar, ainda que por diversos argumentos dos vertidos na decisão recorrida, a prescrição e extinção do procedimento por contraordenação em curso, no presente processo, contra a arguida A……….., Lda.;

- ordenar o, oportuno, arquivamento dos autos.


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Sem custas.

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Cumpra-se, além do mais, o disposto no art. 70.º n.º 4 do RGIMOS.

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[Elaborado em computador e revisto, com versos em branco]


Lisboa, 6 de maio de 2020. – Aníbal Ferraz (relator) – Francisco Rothes – Suzana Tavares da Silva.