Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0498/13.7BELLE
Data do Acordão:06/03/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
PRESSUPOSTOS
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso.
Nº Convencional:JSTA000P25978
Nº do Documento:SA2202006030498/13
Data de Entrada:11/29/2019
Recorrente:A .......E OUTROS
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A………… e B…………, ambos com os sinais dos autos, vêm, nos termos do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 25 de junho de 2019, que negou provimento ao recurso por eles interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé na parte em que julgou improcedente a execução de julgados e manteve a liquidação de IRS/2008 n.º 2013.5000063790.
Os recorrentes terminam as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I. Se é certo que o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, no sentido da divisibilidade do ato tributário e da sua anulação parcial ou reforma constituem jurisprudência maioritária. Senão uniforme, não é menos certo que em matéria de imposto sobre o rendimento (IRS), atenta a sua natureza especifica , a redução do rendimento global e/ou colectável, como é o caso, implica(ou), sempre, a prática de 1 um novo ato de liquidação. (neste sentido, cfr. Acs. do STA de 27.11. 2013 e 23.11.2016, in dgsi.pt ).
II. Os Recorrentes, conforme resulta da factualidade assente, peticionaram na Reclamação Graciosa a anulação da liquidação e não a sua Reforma ou anulação parcial, tendo a AT, deferido o seu pedido, e, julgada procedente a Reclamação, ANULADO, a liquidação, resultando ainda, do Acórdão Recorrido e da factualidade assente que "na informação burocrática que sustenta a decisão de reclamação graciosa (consta a fls.239/241 do apenso) se conclui "que o valor de realização foi totalmente reinvestido, pelo que deverá a liquidação reclamada ser anulada".
III. Julgada procedente a Reclamação Graciosa, a AT, na liquidação cuja caducidade está em discussão, fixou a matéria coletável em 211 135,00 e o valor de imposto o pagar em 43 917,82€, o que corresponde numa mera correção aritmética, sem necessidade de grandes contas, a cerca de 45% da matéria coletável, inicialmente, fixada em cerca de 464 405, 16€, daí que, no raciocínio seguido no Acórdão Recorrido, o valor do imposto a pagar deveria acompanhar esta proporção percentual, o que não acontece, pois o valor a pagar objecto da liquidação cuja caducidade é requerida representa cerca de 29%, do valor a pagar nas liquidações objecto do reclamação.
IV. De igual modo, jamais, a interpretação da vontade dos Intervenientes, pode resultar de uma dedução do comportamento dos "declarantes" como admite o art. 236º do Código Civil, pois o direito à liquidação em sede de IRS e sua caducidade, está sujeita a formalismos, limites, imposições e garantias, que não se compadecem com esta "liberdade" consagrado no Direito Civil, hoje, admitida, é certo na interpretação dos atos administrativos e tributários.
V. Na verdade, entende-se que não foi respeitado o princípio da legalidade em matéria fiscal constitucionalmente consagrado (cfr. art. 103° nº 2 da CRP) enquanto princípio-garantia " directa e imediatamente aplicável aos cidadãos", sendo certo que se considera, em geral, que o princípio da legalidade se deverá impor sempre que ele funcione como garantia do contribuinte, o que é, manifestamente, o caso dos autos.
VI. Do aludido preceito constitucional decorrem comandos que têm por destinatário o legislador (só a lei formal pode criar impostos; a lei fiscal tem de ser precisa), impondo-se, também, limites à actividade do intérprete, nomeadamente, o respeito pelos limites expressos constantes das normas vigentes, não sendo constitucionalmente aceitável um resultado interpretativo que, ao arrepio dos elementos da interpretação, frontalmente, contrarie o quadro legal delimitador das situações sujeitas a imposto, tributando uma realidade que se encontra já [face à caducidade do direito à liquidação) claramente fora da zona de abrangência da norma de incidência.
VII. A qualificação da prescrição como garantia dos contribuintes é, aliás, reconhecida pelo legislador ordinário, quando no artigo 8.º n.º 2, alínea a], da LGT abrange expressamente o prescrição e o caducidade no âmbito material e formal do reserva de lei (cf. Susana Soutelinho, (A ‘evolução’ jurisprudencial sobre prescrição do obrigação tributária, Estudos em Memória do Prof. Doutor Saldanha Sanches, vol. v, p. 452).
VIII. Acresce o Acórdão Recorrido aplica, indevidamente, o artigo 236º do Código Civil, pois a admitir-se a aplicação supletiva das normas de Direito Civil, aplicar-se-á, forçosamente, o disposto no artigo 238º do CC, que, em sede de interpretação e integração, obriga a uma correspondência com o expressamente vertido na declaração, que, diga-se, é inequívoca no sentido da anulação da liquidação, e, não como aí perfilhado, da anulação, na parte reclamada.
IX. Face à redação do art°.45, da L. G. T. é claro que, quer o exercício do direito à liquidação quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito, o que se justifica por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.
X. A especificidade desta questão (caducidade do direito à liquidação em sede de IRS), impõem a conclusão, que independentemente da aceitação da divisibilidade do ato tributário, que não se contesta a anulação da liquidação em sede de IRS, atenta a natureza do imposto sobre o rendimento ( IRS ), com taxas progressivas, escalões diferenciados, benefícios e deduções, implica, sempre, uma nova liquidação, daí que a redução do rendimento colectável exige, sempre, a prática de novo acto tributário, e, não uma mera correção aritmética .
TERMOS EM QUE, NOS MELHORES DE DIREITO DOUTAMENTE SUPRIDOS POR V. EXCIA., REQUER-SE, ATENTAS AS CONCLUSÕES SUPRA, REQUER-SE A REVOGAÇÃO DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO E A SUA SUBSTITUIÇÃO POR OUTRO QUE, EM CONSEQUÊNCIA DA PROCEDÊNCIA, DECLARE A CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO DA AT, COM AS CONSEQUÊNCIAS OPORTUNAMENTE PETICIONADAS.
ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 - O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer no sentido da não admissão da revista.

4 – É do seguinte teor o probatório fixado:
1. A……….. e B……… deduziram reclamação graciosa contra a liquidação de IRS do ano de 2008, e respectiva nota de demonstração de compensação n.º 2011.00006363374, no valor global de € 103.749,91, concluindo da forma seguinte:” TERMOS EM QUE EFECTUADA A DEMONSTRAÇÃO DO REINVESTIMENTO DAS MAIS-VALIAS TOTALMENTE REALIZADO, DEVERÁ SER DECLARADA A ANULAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO INDEVIDAMENTE EFECTUADA E DO SALDO OBJECTO DA DEMONSTRAÇÃO – cfr. fls. 3-5 do apenso de reclamação graciosa.
2. Em 7 de Fevereiro de 2012, o Director de Finanças de Faro deferiu aquela reclamação graciosa através de decisão proferida no procedimento de reclamação graciosa n.º 3859-2011/04002164, exarando despacho de “Concordo”, sobre anterior parecer do Sr. Chefe de Divisão de “Confirmo a proposta de decisão” lançado na informação burocrática dos serviços de 07/02/2012 em que se concluiu “que o valor de realização foi totalmente reinvestido pelo que deverá a liquidação reclamada ser anulada”, fazendo-se constar do campo respectivo da proposta de decisão da reclamação graciosa a indicação de “Deferido” – cfr. fls. 239-241 do apenso de reclamação graciosa.
3. Entre Março e Outubro de 2012, bem como em Dezembro de 2012 e Janeiro de 2013, A………… e B………… receberam mensalmente, por via postal, um ofício do Serviço de Finanças de Loulé 2, intitulado “Assunto: Dívidas Fiscais – Recomendação de Pagamento”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e que, no que ora interessa, tem o seguinte teor:
“(…)
Exmo(s) Senhor(a)
Constatou-se a existência de dívidas fiscais em seu nome, alertando-se para a necessidade de proceder ao seu rápido pagamento.
A persistência da dívida obrigará a AT a adoptar as medidas de coerção adequadas, tais como a penhora e venda de bens, o cancelamento ou suspensão de todos os benefícios fiscais e reembolsos ou a publicitação na internet através da lista de devedores.
A falta de pagamento provoca também o aumento do valor da dívida, pelo vencimento diário de juros de mora, a que acrescem as custas do processo. (…)”
– cfr. fls. 24-43 do processo principal.
4. Através do ofício n.º 000260556, de 2012/07/17, o Serviço de Finanças de Loulé 2 notificou A………. do projecto de decisão relativo à cessação dos benefícios fiscais relativos a donativos e encargos com seguros de saúde por estar em dívida IRS no valor de € 102.174,38 – cfr. fls. 46 dos autos.
5. Através do ofício n.º 000266934, de 2012/08/07, o Serviço de Finanças de Loulé 2 notificou A……… que “após reanálise do projecto de decisão foi decidido manter o direito aos benefícios fiscais identificados na notificação do projecto de decisão” – cfr. fls. 49 dos autos.
6. Através de ofício de 2013-02-12, o Serviço de Finanças de Loulé 2 notificou A……….. para “no prazo de 10 dias se pronunciar por escrito sobre a proposta de inclusão de V. Exa. na lista de devedores tributários, no escalão dos devedores acima de 100.001 euros, conforme informação constante dos sistemas informáticos, organizada de acordo com o previsto nos números 5 e 6 do artigo 64.º da LGT, para divulgação na internet. (…)” – cfr. fls. 60 dos autos.
7. Em Fevereiro de 2013, A……….. e B………….. receberam emails do seu banco no qual era afirmado que os saldos das suas contas bancárias seriam penhoradas pela Administração Tributária – cfr. fls. 54, 56 e 58 dos autos.
8. Em 15 de Novembro de 2013, A………… e B………… foram notificados da liquidação de IRS relativa ao ano de 2008 com o n.º 2013.5000063790, emitida em 2013-02-22, no valor de € 43.917,82 – cfr. a impressão dos resultados da pesquisa efectuada no site dos CTT relativa ao registo n.º RY631302016PT, bem como fls. 99-100 e 106 dos autos.
9. As notas demonstrativas das liquidações de IRS relativas a 2008, efectuadas antes da decisão da reclamação graciosa e após essa decisão assinalaram no seu campo 22 pagamentos por conta, no valor de 26.697,00 Euros – cfr. demonstrações de liquidações a fls. 12, 13 e 14 e demonstração de liquidação n.º 2013.5000063790, a fls. 100 dos autos.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso.
- Fundamentação -
5 – Apreciando.
5.1 Dos pressupostos legais do recurso de revista.
O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista excepcional, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do CPTA.
Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:
1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.
3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado.
4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.
5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso tributário.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.
E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».
Vejamos, pois.
O acórdão do TCA Sul em relação ao qual os recorrentes solicitam recurso excepcional de revista negou provimento ao recurso por eles interposto da sentença do TAF de Loulé na parte em que julgou improcedente a execução de julgados e manteve a liquidação de IRS/2008 n.º 2013.5000063790, emitida em 22 de Fevereiro de 2013, no valor de €43.917,82.
Entendem os recorrentes que a anulação da liquidação de IRS em virtude do deferimento da reclamação graciosa tinha de ser total, não podendo ser parcial por estar em causa IRS, pelo que a liquidação de 2013 relativa ao IRS de 2008 seria uma nova liquidação, praticada já após o decurso do prazo de caducidade e como tal ilegal e não a reforma da primitiva liquidação emitida em execução do decidido na reclamação graciosa, como decidido em 1.ª instância.
O TCA-Sul negou provimento ao recurso interposto pelos recorrentes, confirmando o entendimento de 1.ª instância de que o deferimento da reclamação gracioso apenas determinou a anulação da primitiva liquidação no que respeita ao valor das mais-valias reinvestido, mantendo-a no demais (a liquidação reclamada foi anulada na parte inquinada da ilegalidade invocada pelos Recorrentes, mantendo-se na ordem jurídica quanto à parte restante, isto é, na parte que não foi objecto de reclamação), sendo a liquidação de 2013 a reforma da primitiva liquidação, determinada pelo deferimento da reclamação graciosa, devendo ser-lhe dado o tratamento jurídico próprio da reforma de actos administrativos, previsto no artº.79, nº.1, da L.G.T., e artº.44, nº.1, al. d), do C.P.P.T., que se consubstancia na sanação de um vício de violação de lei que afecta o acto reformado, mantendo o seu conteúdo válido e eliminando ou substituindo a parte afectada pela ilegalidade. A reforma tem efeito retroactivo (artº.137, nº.4, do C.P.A., então em vigor), pelo que, mesmo que seja efectuada uma nova notificação os seus efeitos devem reportar-se à data em que foi efectuada a primeira. É que a retroactividade será meramente aparente, uma vez que, na parte não anulada, o acto anterior produz efeitos desde a respectiva notificação, sendo apenas confirmado pelo acto reformador (cfr. acórdão, p. 17 da respectiva numeração autónoma). Conclui o TCA-Sul que não merece qualquer censura o entendimento da sentença recorrida de que o acto de liquidação reclamado apenas foi objecto de revogação administrativa na parte afectada de ilegalidade, e que a liquidação n.º2013.50000… se limita a dar execução ao acto reformador (acto pelo qual se conserva de um acto anterior a parte não afectada de ilegalidade), sendo que a reforma segue o regime da revogação e retroage os seus efeitos à data dos actos a que respeitam (artigo 137.º do CPA), configurando, no fundo, uma espécie de revogação parcial. // Como assim, logo se alcança que para efeitos de caducidade daquela liquidação n.º2013.5000….., o prazo que releva se afere à data da prática do acto de liquidação reformado (no caso, o reclamado) e este foi notificado aos exequentes e ora Recorrentes logicamente com anterioridade à data de apresentação da reclamação graciosa, portanto, antes de 18/08/2011 (cf. carimbo de entrada do S.F. de Loulé-2, aposto no requerimento, a fls.3 do apenso), ou seja, dentro do prazo de quatro anos previsto no art.º45.º, n.ºs 1 e 4, da Lei Geral Tributária.
Do assim decidido solicitam os recorrentes revista, alegando que Se é certo que o entendimento perfilhado no Acórdão recorrido, no sentido da divisibilidade do ato tributário e da anulação parcial ou reforma do ato constituem jurisprudência maioritária, senão uniforme, não é menos certo, que em matéria de imposto sobre o rendimento (IRS), atenta a sua natureza específica, a redução do rendimento global e/ou colectável, como é o caso, implica, sempre, a prática de um novo ato de liquidação, sujeito à disciplina da caducidade prevista no art. 45.º da LGT. (neste sentido, cfr. Acs. do STA de 27.11.2013 e 23.11.2016, in www.dgsi.pt), pelo que o presente recurso deverá ser admitido pela relevância jurídica e social que a situação reveste, e, também por, claramente necessário a uma melhor aplicação do direito, o que aliás decorre da constatação da jurisprudência fixada nos acórdãos citados no Ponto antecedente (cfr. os números IX e X do requerimento de interposição de recurso).
Os recorrentes alegam que a situação reveste relevância jurídica e social mas não o fundamentam minimamente, como lhes cabe. Ora, não é evidente ou manifesto que a questão – que sequer enunciam - seja especialmente complexa ou intrincada, que envolva apurados raciocínios jurídicos ou a concatenação de fontes de origem diversa, antes não convoca senão fontes internas que os tribunais da jurisdição utilizam quotidianamente.
Alegam também os recorrentes que o recurso é claramente necessário a uma melhor aplicação do direito, o que aliás decorre da constatação da jurisprudência fixada nos acórdãos citados no Ponto antecedente, mas não se concede, antes pelo contrário, que a decisão do TCA seja ostensivamente errada, enferme de erro manifesto ou de erro grosseiro, antes se afigura como plausível. O facto de eventualmente conflituar com o decidido por este STA em dois Acórdãos por si mesmo também não constitui fundamento para a admissão de revista, pois que para pôr termo a contradições de julgados criou o legislador um recurso específico, o recurso para uniformização de jurisprudência (artigo 152.º do CPTA), da competência do Pleno da Secção, de que os recorrentes poderiam ter lançado mão.
Seria, aliás, de convolar o presente recurso em recurso para uniformização de jurisprudência não fora a sua manifesta inutilidade. É que o acórdão recorrido não decide em sentido contrário aos citados Acórdãos do STA, não afirma que a anulação de actos de liquidação de IRS deva ser meramente parcial e não total, como os referidos Acórdãos não dizem que não seja possível a reforma de liquidações de IRS. O Acórdão do TCA limitou-se a interpretar a extensão da decisão de deferimento da reclamação graciosa em função do pedido e causa de pedir formulados pelos ora recorrentes na sua petição de reclamação e, concluindo no sentido da anulação administrativa parcial, a considerar que a liquidação sindicada se consubstanciava na reforma da liquidação originária, em virtude da anulação administrativa. Por isso, não há que convolar o presente recurso em recurso para uniformização de jurisprudência.

Pelo exposto se conclui pela não admissão da revista, em razão da não verificação dos respectivos pressupostos legais.

- Decisão -
6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pelos recorrentes.

Lisboa, 3 de junho de 2020. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Aragão Seia.