Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01826/15.6BELRS
Data do Acordão:06/08/2022
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:IMPOSTO DE SELO
TAXA DE SERVIÇO
COMERCIANTE
Sumário:I - Com a Lei 150/99, de 11/09, o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. Nalguns casos incide sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, situação que, inevitavelmente, introduz um elemento perturbador da coerência do imposto e, por isso, um desafio acrescido para o intérprete. Na sua actual modelação, o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual.
II - A actual verba 17.3.4 da TGIS, na redacção em vigor em 2012 e resultante da reforma operada pela Lei 150/99, de 11/09, alarga o âmbito de incidência face ao artº.120-A, da Tabela anterior, dado se aplicar não só a comissões (termo que deve ser interpretado de acordo com a terminologia da gíria bancária e financeira), como também a todas e quaisquer outras contraprestações por serviços financeiros, desde que, naturalmente, não se trate de serviços sujeitos a I.V.A. e não isentos deste imposto.
III - A Taxa de Serviço do Comerciante (TSC) reveste a natureza de uma comissão cobrada aos beneficiários de operações de pagamento (em regra, os comerciantes) pelos respectivos prestadores de serviços de pagamento, por cada transacção realizada com cartão nos terminais de pagamento automático (TPA). Normalmente, a TSC corresponde a uma percentagem do valor da transacção.
IV - E esta prestação de serviços de pagamento cabe, pois, dentro do conceito "Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", estando por conseguinte sujeita a I. Selo, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS, na redacção em vigor em 2012, mais sendo irrelevante a alteração na norma introduzida pelo artº.153, da Lei 7-A/2016, de 30/03.
Nº Convencional:JSTA000P29529
Nº do Documento:SA22022060801826/15
Data de Entrada:11/16/2021
Recorrente:A......, S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por B………, S.A. e A……….., S.A., com os demais sinais nos autos, visando a revogação da sentença de 03-04-2021, do Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou totalmente improcedente a impugnação apresentada contra os actos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, no montante total 352.008,24 euros, e julgou verificada a excepção dilatória de ilegitimidade activa do B………, S.A., o que determinou a absolvição da instância da Fazenda Pública.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente A………, S.A. – EM LIQUIDAÇÃO, as seguintes conclusões:

1.ª A douta sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto do Selo de 2012, na parte em que incidiu sobre a designada “Taxa de Serviço de Comerciante” (TSC);
2.ª A sentença recorrida padece de erro de julgamento da matéria de direito, na medida em que o Tribunal a quo faz uma errónea interpretação dos artigos 1.º, n.º 1, 2.º, n.º 1 do Código do Imposto do Selo e da verba 17.3.4 da TGIS, às operações relativas a cobrança de comissões avaliação e vistoria e sobre a Taxa de Serviço ao Comerciante;
3.ª No que se refere ao argumento quanto à ilegalidade da liquidação do Imposto do Selo por inexistência de responsabilidade na esfera do Recorrente, o Tribunal a quo incorre em erro na avaliação dos pressupostos jurídico-tributários referentes à responsabilidade na esfera do ora Recorrente para entrega do imposto nas operações em apreço nos autos;
4.ª Efetivamente, o caso em apreço não consubstancia um caso de substituição sem retenção, sendo inaplicável o artigo 28.º da Lei Geral Tributária (LGT), pelo que o responsável pelo pagamento do imposto nos casos de substituição sem retenção deverá ser o substituído – no caso sub judice, todos os Clientes do Recorrente a quem foram cobrados os juros moratórios (a este respeito, veja-se o entendimento do STA no acórdão de 25.03.2015, proferido no processo n.º 01080/13);
5.ª No caso sub judice, impor ao Recorrente que suporte o encargo do Imposto do Selo, quando a manifestação que o Imposto do Selo pretende tributar se verifica na esfera de outrem, é claramente atentatório do princípio da capacidade contributiva, na medida em que, por meras razões de facilidade administrativa na cobrança, estar-se-á a onerar, com o encargo do imposto, outrem que não o detentor da capacidade tributária;
6.ª A imposição a posteriori de um dever de pagamento de Imposto do Selo, a outrem que não o titular do interesse económico, sempre deveria ser acompanhada da concomitante possibilidade de o Recorrente reaver junto dos seus clientes as quantias entregues ao Estado, o que, não sucede!;
7.ª A defesa do Recorrente não é abalada pela alteração da redação da alínea h), do n.º 3, do artigo 3.º do Código do Imposto do Selo, introduzida pela Lei n.º 22/2017, de 23 de maio, sendo que tal normativo apenas é aplicável a factos ocorridos em data posterior à da sua entrada em vigor, i.e., após 24.05.2017 e não subjaz qualquer intenção clarificadora ou interpretativa do legislador, não sendo por isso a nova redação do artigo 3.º, n.º 3, alínea h), do Código do Imposto do Selo dotada de eficácia retroativa;
8.ª A respeito da ilegalidade por errónea subsunção da operação ao artigo 2.º, n.º 1, alínea c) do Código do Imposto do Selo e à Verba 17.3.4 da TGIS, a sentença recorrida incorre em erro de julgamento, ao entender-se que a operação subjacente à cobrança da TSC deve ser enquadrada na definição de prestação de serviços de pagamento;
9.ª Num primeiro aspeto, existe uma errónea interpretação concedida pelos serviços de inspeção tributária à norma contida no artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, de que as operações isentas de IVA estão necessariamente sujeitas a Imposto do Selo, premissa utilizada pelos serviço de inspeção como ponto de partida para a sujeição da TSC a Imposto do Selo e que seria suficiente para determinar a anulação da liquidação adicional;
10.ª Da leitura do artigo 1.º, n.º 2, do Código do Imposto do Selo, é possível extrair (apenas) a interpretação segundo a qual as operações que estejam sujeitas a IVA e dele não isentas não estarão, em simultâneo, sujeitas a Imposto do Selo, ainda que pudessem subsumir-se a uma específica norma de incidência do Código do Imposto do Selo, não podendo extrair-se que caso as operações estejam isentas de IVA serão então tributadas em Imposto do Selo, sob pena de tal interpretação atentar contra o princípio da legalidade, tipicidade e previsibilidade fiscal;
11.ª Para que se avalie a ilegalidade e inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a TSC é sujeita a IS nos termos da verba 17.3.4, é imprescindível a boa compreensão da TSC e das suas funções no âmbito do complexo de operações que integram a utilização de TPA, referindo-se a este propósito muito resumidamente que quando determinados bens ou serviços são pagos pelos consumidores finais mediante utilização de cartão, existe todo um aglomerado de serviços associados – não necessariamente serviços financeiros – normalmente a três entidades: o comerciante, o adquirente e o emitente. Neste contexto, além de outras taxas e comissões pagas no âmbito da aludida rede complexa de serviços, a TSC corresponde a uma taxa paga (mediante desconto) pelo consumidor ao adquirente, como compensação pelo risco da assunção do crédito sobre o emitente, por conta do cliente final;
12.ª O comerciante não recebe o montante correspondente às transações na sua totalidade, sendo que este recebe uma quantia inferior ao preço dos bens ou serviços vendidos ou prestados – é justamente essa diferença que corresponde à denominada “Taxa de Desconto ao Comerciante”;
13.ª Tendo presente o artigo 1154.º do Código Civil (CC), é de salientar que, no caso em apreço, o adquirente não se obriga com nenhum resultado perante o comerciante; o adquirente limita-se a adquirir os créditos que o comerciante detém sobre terceiro;
14.ª Embora se possa identificar uma prestação de serviços na disponibilização do TPA, para a qual está prevista a competente remuneração, diferentemente, na aquisição dos créditos com o desconto fixado – i.e. na previsão contratual da Taxa de Desconto ao Comerciante – já não se pode identificar uma prestação de serviços porque o pagamento em si não consubstancia uma prestação de serviços, sendo uma componente da cessão de créditos que ocorre;
15.ª Por respeito aos elementos interpretativos da lei (contidos no artigo 11.º da LGT),deve concluir-se que a operação em causa, por um lado, não corresponde a uma prestação de serviços na sua substância económica, nem preenche, por outro lado, os requisitos impostos pela lei civil para ser classificada como tal, não tem a administração tributária qualquer base legal ou fundamento para sujeitar esta operação às invocadas normas de incidência de Imposto do Selo - a saber, alínea b) do n.º 1 do artigo 2.º do CIS e verba 17.3.4. da TGIS;
16.ª Ao contrário do que é propugnado pelo Tribunal a quo, neste segmento, a TSC constitui a típica remuneração auferida pelo adquirente ou cessionário dos créditos no seio de um contrato de cessão de créditos, como o é o contrato em apreço, com os contornos supra evidenciados;
17.ª Importa notar que a cessão de créditos e, designadamente, o desconto em análise, não se subsumem à verba 17 da TGIS referente a “operações financeiras”, porquanto não consubstancia uma utilização de um crédito / não envolve qualquer tipo de financiamento, então não encerrará tributação na cédula tributária do Imposto do Selo;
18.ª Acresce que, a correção referente à aplicação da norma contida na verba 17.3.4. da TGIS de ser considerada materialmente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º e 104.º da CRP, quando interpretada no sentido de que a referida verba inclui no seu escopo a TSC;
19.ª No que ao princípio da capacidade contributiva diz respeito, entende o Recorrente que a tributação em crise nos autos não passa com sucesso o teste da conformidade constitucional, avaliado com base no respeito pela capacidade contributiva enquanto pressuposto da tributação;
20.ª É notório ainda no presente caso, que não há uma conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto (cf. Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 348/97), como é pacificamente exigido para que se respeite o princípio da capacidade contributiva, porquanto não é a própria comissão que gera o incremento da capacidade contributiva pois a tributação em sede de imposto de selo tem por escopo o consumo de operações financeiras sendo essas que são tributadas, ainda que por via das comissões cobradas, e não as comissões individualmente consideradas e sem suporte numa operação que caia no campo de incidência da tributação em sede do imposto em análise;
21.ª A TSC é tributável em sede de IRC – o verdadeiro e assumido Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas. Por esta razão é igualmente forçoso concluir que a tributação de tal rendimento em sede de Imposto do Selo viola o princípio da capacidade contributiva, ao contrário do que concluiu o Tribunal “a quo”. Admitir-se tal tributação seria admitir uma dupla tributação do mesmo “acréscimo de riqueza” completamente injustificada e desproporcional;
22.ª Adicionalmente, há que ter em consideração uma vertente específica da capacidade contributiva: o princípio do rendimento líquido;
23.ª Assim, e em consonância com o princípio da capacidade contributiva e do princípio do rendimento líquido, a tributação da TSC deveria permitir um ajuste entre os custos suportados pelo adquirente (ora Recorrente) no âmbito da assunção do crédito que efetua mediante disponibilização do TPA e o alegado rendimento auferido. Todavia, o IS não prevê qualquer tipo de dedução de custos relacionados com a obtenção do rendimento a tributar – porque tal imposto não é um imposto sobre o rendimento! –, sendo que nos termos da verba 17.3.4 da TGIS o que é objeto de tributação é a própria comissão integral, auferida pelo Recorrente;
24.ª Acresce ainda que, se se atentar na forma como é liquidado o IVA nas operações aqui em causa também resultará evidenciada a conclusão de que não estamos em presença de uma especial manifestação de capacidade contributiva que seja visada pelo Código do Imposto do Selo na diferença positiva entre o valor dos créditos e o valor pago pelo adquirente;
25.ª De facto, ao sujeitar-se aquele valor da Taxa de Desconto a Imposto do Selo estar-se-ia a fazer incidir, em termos materiais, uma dupla tributação sobre um mesmo facto;
26.ª Por tudo o exposto, a interpretação e aplicação das normas do Imposto do Selo, em especial da Verba 17.3.4 da TGIS, efetuada pelo Tribunal a quo padece de inconstitucionalidade por violação dos artigos 103.º e 104.º da CRP, em especial dos princípios da capacidade contributiva e da coerência do sistema, devendo a sentença recorrida ser, por isso, revogada e anulados os atos tributários em crise;
27.ª Por último, ao contrário do propugnado pelo Tribunal recorrido, não obstante o declarado caráter interpretativo da alteração dada à verba 17.3.4 da TGIS, pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, estamos, na verdade, perante uma norma inovadora e não interpretativa;
28.ª Se se considerar que a “Taxa de Serviço ao Comerciante” se encontra compreendida na previsão da verba 17.3.4 da TGIS, face à redação da norma conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, tal significa que da aludida verba resulta agora a incidência de imposto sobre situações que não configuram comissões ou contraprestações relativas a serviços financeiros, ao contrário do que antes se verificava;
29.ª Em consequência, o artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, qualificando como interpretativa a atual redação da verba 17.3.4 com o propósito da sua aplicação a factos tributários ocorridos antes da sua entrada em vigor, consubstancia uma norma retroativa, em violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, assim como do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artigo 2.º da CRP;
30.ª Acresce que, também se encontram verificados no caso vertente os requisitos descortinados pela jurisprudência do Tribunal Constitucional para proteção das expectativas dos contribuintes, razão pela qual deve concluir-se pela inconstitucionalidade material do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na medida em que se entenda que deste resulta a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS aos montantes descontados no ano de 2012 pela ora Recorrente, a título de “Tarifa de Serviço ao Comerciante”, por violação do princípio da proteção da confiança e da segurança jurídica, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrado no artigo 2.º da CRP;
31.ª Ainda assim, e mesmo considerando o entendimento do Tribunal recorrido, segundo o qual a verba 17.3.4 da TGIS, na redação do artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, configura uma norma interpretativa, da qual resulta a tributação sobre a “Tarifa de Serviço do Comerciante”, no que não se concede e apenas por cautela de patrocínio se equaciona, sempre aquela incorria em violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal, consagrado no artigo 103.º, n.º 3, da CRP;
32.ª Efetivamente, no quadro constitucional atual são proibidas, em matéria fiscal, não só as falsas normas interpretativas (normas inovadoras), como também as verdadeiras normas interpretativas, porque retroativas. Efetivamente, a lei interpretativa, na medida em que vincula o intérprete a uma determinada interpretação, de entre várias possíveis, e, se integra na lei interpretada, nos termos do artigo 13.º do Código Civil, aplica-se a factos passados, comportando, por essa razão, uma aplicação retroativa, sendo tal inadmissível;
33.ª Em face de todo o exposto, não pode a sentença recorrida manter-se.
Por todo o exposto, e o mais que o ilustrado juízo desse Tribunal suprirá, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com a consequente revogação da sentença recorrida assim se cumprindo com o DIREITO e a JUSTIÇA!

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, no seguinte parecer:

Objeto do recurso
Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, datada de 3.04.2021, que julgou a impugnação judicial improcedente e, em consequência, manteve os atos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios, referentes ao ano de 2012, no montante de € 352.008,24. De igual modo, julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa do B……. SA.
De tal sentença vem interposto recurso pelo impugnante A……. SA.
A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações de recurso.
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pelo recorrente, estando o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das respetivas alegações.
Fundamentação
A questão controvertida subsume-se à legalidade da correcção efetuada pelos serviços de inspeção tributária quanto à designada “Taxa de Serviço de Comerciante” (TSC).
A douta sentença recorrida julgou não assistir razão ao recorrente, no que concerne à invocada inexistência de responsabilidade na esfera jurídica deste, entendendo que este é sujeito passivo do Imposto do Selo (IS), incumbindo-lhe a liquidação do imposto e a obrigação de efetuar o respetivo pagamento, não se enquadrando a situação no instituto da substituição tributária, mas no âmbito da repercussão económica.
O recorrente considera que caso se esteja perante uma sujeição a Imposto do Selo da TSC, não obstante serem os sujeitos passivos de imposto, o imposto deverá ser exigido aos seus clientes, a quem a taxa de serviço ao comerciante foi cobrada, visto serem estes os titulares do encargo do imposto.
Diga-se, desde já, que subscrevemos o douto parecer do Ministério Público proferido na 1ª instância, que invoca a decisão do CAAD de 26.07.2018 - Processo nº 496/2017-T, no sentido que “no caso concreto do IS, não se pode dizer que a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte, dado que o contribuinte é o sujeito passivo do imposto de acordo com as normas de incidência subjectiva”. (Disponível em www.caad.org.pt.)
O Relatório da Inspeção Tributária (RIT), após considerar que se trata de operação sujeita a IVA, mas que beneficia de isenção, conclui que a operação se encontra sujeita a Imposto de Selo, não porque está isenta de IVA, mas sim porque se insere no âmbito de aplicação conjugado do artigo 1.º, n.º 1, do CIS, com a verba 17.3.4., da TGIS.
A verba 17.3.4., da TGIS, à data dos factos - o exercício de 2012 - tinha o seguinte teor:
“Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros………………….….4 %.”
A douta sentença recorrida, para a interpretação das normas aplicáveis, socorreu-se do artigo 11.º, n.º 2, da LGT, no qual se comina que “[s]empre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”. Importando, por isso, considerar o sentido que os conceitos utilizados têm no estrito âmbito financeiro.
Refere que, “de acordo com o Glossário, disponibilizado pelo Banco de Portugal, a Taxa de Serviço do Comerciante é uma “[c]omissão que o comerciante paga ao acquirer quando realiza uma transação que o cliente liquida com cartão. Normalmente é uma percentagem do valor da venda, embora nalguns casos possa ser um valor fixo. Em Portugal, a TSC é diferente consoante se trate de uma operação a débito ou a crédito e varia com o tipo de cartão e as marcas associadas.”
Também as condições gerais de adesão ao serviço de pagamento automático, adotadas pelo recorrente e fornecidas no âmbito da inspeção tributária, permitem asseverar que está efetivamente em causa uma prestação de serviços. No anexo a esse clausulado refere-se expressamente que “Pela utilização do Serviço de Pagamento Automático o Cliente obriga-se a pagar ao A…….., durante a prestação efectiva do serviço: (…) b) A Taxa de Desconto ao Comerciante aplicável a compras Multibanco”. (Disponível em www.bportugal.pt/glossario.)
O recorrente defende que não há uma prestação de serviços e enquadra a relação jurídica existente com base num contrato de cessão de créditos, ou seja, por recurso ao artigo 577.º, do Código Civil.
A douta sentença recorrida conclui que a TSC constitui a comissão percebida pelo recorrente, em contrapartida da prestação do serviço de pagamento por si realizada, isto é, da prestação do serviço de pagamento ao comerciante, em função do modo como se operacionaliza o pagamento mediante a utilização de um cartão num terminal de pagamento automático.
Defende o recorrente que, no caso sub judice, impor-lhe que suporte o encargo do Imposto do Selo, quando a manifestação que o IS pretende tributar se verifica na esfera de outrem (clientes), é claramente atentatório do princípio da capacidade contributiva, na medida em que, por meras razões de facilidade administrativa na cobrança, estar-se-á a onerar, com o encargo do imposto, outrem que não o detentor da capacidade tributária.
Pelo que, contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo, o pagamento do imposto teria, em qualquer caso, de ser exigido aos clientes, e não ao recorrente. Conclui que se afigura ilegal o ato tributário impugnado, na medida em daquele resulta a oneração do recorrente com o encargo do imposto, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do Código do Imposto do Selo.
Como referimos, não nos parece que assista razão ao recorrente.
Afigura-se-nos que a douta sentença recorrida decidiu correctamente ao considerar que a Taxa de Serviço do Comerciante constitui a comissão percebida pelo ora recorrente, em contrapartida da prestação do serviço de pagamento por si realizada, isto é, da prestação do serviço de pagamento ao comerciante, em função do modo como se operacionaliza o pagamento mediante a utilização de um cartão num terminal de pagamento automático.
Sendo certo, como bem se acentua, que a interpretação das normas se deve fazer segundo o sentido que os conceitos utilizados têm no âmbito financeiro e bancário, nos termos do artigo 11.º, n.º 2 da LGT. Dúvidas não parecem restar que esta é a forma correta de interpretação da lei fiscal, não fazendo sentido recorrer a normas e a institutos próprios do direito civil, neste caso, o contrato de cessão de créditos, previsto no artigo 577.º do Código Civil.
O recorrente alega que a nova redação da verba 17.3.4., da TGIS, conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, não altera a situação, tendo em conta que o seu pressuposto de incidência continua a ser a existência de uma prestação de serviços financeira, que não ocorre no caso da TSC, sendo que se a nova redação fosse configurada como uma norma interpretativa incorria em violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal.
Ora, mais uma vez entendemos que a sentença decidiu acertadamente ao considerar não se tornar necessário utilizar qualquer norma interpretativa, uma vez que a questão de direito em disputa nos presentes autos fica resolvida pelo normativo vigente à data das operações tributadas.
Conclusão
Nestes termos, somos do parecer que deve ser negado provimento ao recurso interposto, mantendo-se, na íntegra, a douta sentença recorrida.
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Os autos vêm à conferência corridos os vistos legais.

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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A) Em cumprimento de Ordem de Serviço com o n.º OI201400139, de 15 de abril de 2014, foi realizada, pela Divisão de Inspeção a Bancos e Outras Instituições Financeiras, da Unidade dos Grandes Contribuintes, da Autoridade Tributária e Aduaneira, uma ação inspetiva de âmbito geral ao IRC, IRS, IVA e Imposto do Selo, referente ao exercício de 2012, do A…….., S.A. (cfr. fls. 79, do Processo Administrativo apenso aos autos);
B) Em 31 de dezembro de 2014, foi elaborado o Relatório de Inspeção Tributária, a que se refere a alínea antecedente e do qual consta o seguinte:
“Face ao exposto, somos a concluir que:
1. A TSC é uma comissão cobrada pela entidade prestadora do serviço de pagamento automático (o Banco) ao beneficiário da transferência (comerciante), sobre as vendas liquidadas por cartão bancário, de forma a retribuir o Banco nesta operação de transferência de fundos;
2. O Banco não procede a qualquer liquidação de imposto;
3. O próprio Banco de Portugal (entidade de supervisão) considera a TSC uma comissão;
4. A TSC estando sujeita a IVA, encontra-se dele isenta, por se enquadrar na subalínea c) da alínea 27) do art.º 9.º do CIVA;
5. Estando isenta de IVA, a TSC encontra-se sujeita a imposto do selo, nos termos do n.º 1 e n.º 2 do art.º 1.º do CIS – “Incidência objetiva”;
6. Nos termos da alínea c) do n.º 1 do art.º 2.º do CIS – “Incidência subjetiva”, são sujeitos passivos de imposto as “Instituições de crédito, …, residentes em território nacional, que tenham intermediado operações de crédito, de prestações de garantia ou juros, comissões e outras contraprestações…”, competindo pelo n.º 1 do art.º 23.º do CIS, a sua liquidação e entrega nos cofres do Estado;
7. De acordo com o disposto na alínea g) do n.º 3 do art.º 3.º - “Encargo do imposto” do CIS, determina que nas “…restantes operações financeiras realizadas por ou com intermediação de instituições financeiras, sociedades ou outras instituições financeiras…”, que suporta o encargo do imposto é o cliente (neste caso os comerciantes que são detentores dos TPA);
8. Por sua vez, ao abrigo da alínea h) do art.º 5.º do CIS, o nascimento da obrigação tributária ocorre nas “…operações realizadas por ou com intermediação de instituições de crédito, sociedades financeiras ou outras entidades a elas legalmente equiparadas, no momento da cobrança dos juros, prémios, comissões e outras contraprestações…”;
9. Nos termos do art.º 9, o valor tributável de Imposto do Selo é o que resulta da TGIS;
10. O n.º 1 do art.º 22.º do CIS, remete as taxas de imposto para a TGIS;
11. Pelo que a comissão TSC tem pleno cabimento na verba 17.3.4. da TGIS, por ser uma comissão cobrada pela entidade prestadora do serviço automático (A………) ao comerciante.
Face ao que antecede, apurou-se imposto do selo em falta no montante de Euros 292.095,06, que resultou da aplicação da taxa de 4%, prevista na verba 17.3.4. da TGIS, sobre a base tributável da comissão intitulada “Tarifa de Serviço do Comerciante”, no valor total de Euros 7.302.376,41 que foi contabilizado todos os meses nas contas de proveitos (…).” (cfr. fls. 188, do Processo Administrativo apenso aos autos);
C) Das “Condições Gerais de Adesão ao Serviço de Pagamento Automático do A………”, facultadas em sede de inspeção, consta o seguinte:
“I – Âmbito/Fim
O A……. e o Cliente identificado na Proposta de Adesão ao Serviço de Pagamento Automático acordam no seguinte:
1.Tendo em vista possibilitar a utilização do Serviço Multibanco no pagamento de compras a efectuar no estabelecimento comercial do Cliente como meio alternativo de pagamento em numerário ou cheque, o A…….. disponibiliza, por uma das formas seguintes, o serviço de acesso directo à rede Multibanco pelo Terminal de Pagamento Automático TPA).
(…)
Anexo ao Clausulado das Condições Gerais e Específicas de Adesão ao Serviço de Pagamento Automático
1.Pela utilização do Serviço de Pagamento Automático o Cliente obriga-se a pagar ao A…….. durante a prestação efectiva do serviço:
a) A Comissão de Gestão Mensal (CGM), a que estão associados os custos de aquisição, amortização e manutenção do(s) TPA(s), a taxa de matrícula e de ligação aos serviços centrais cobrados pela SIBS, os custos das comunicações (apenas para os TPA’s em modo de comunicação GPRS) e dos extractos, em conformidade com o estabelecido na Proposta de Adesão ao Serviço de Pagamento Automático, a qual será debitada mensal e postecipadamente na Conta DO do Cliente.
b) A Taxa de Desconto ao Comerciante aplicável a compras Multibanco (excluindo transações efectuadas ao abrigo do acordo que o Cliente tenha celebrado com a Unicre), em conformidade com o estabelecido na Proposta de Adesão, a qual incidirá sobre a totalidade das compras Multibanco efectuadas no período contabilístico e/ou sobre o excedente de facturação acordado com o Cliente, se aplicável, e será deduzida em cada operação de fecho contabilístico do TPA, salvo impossibilidade técnica ou informática, caso em que será debitada na conta DO mediante aviso prévio, com indicação da data da realização da operação de débito. A referida Taxa de Desconto ao Comerciante é composta por uma componente fixa e uma componente variável calculada de acordo com o valor da transacção.” (cfr. documento 1, junto com a Contestação, a fls. 99 s., no SITAF);
D) Em 3 de fevereiro de 2015, o Relatório de Inspeção Tribuária foi notificado ao Impugnante (cfr. fls. 64 e 65, do Processo Administrativo apenso aos autos);
E) Em 6 de fevereiro de 2015, foi emitida, em nome do Impugnante, demonstração de liquidação do Imposto do Selo, com o n.º 2015 6430000809, referente ao ano de 2012, no montante de 292.095,06 euros, incidente sobre a Taxa de Serviço do Comerciante (cfr. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, a fls. 49, no SITAF);
F) Em 6 de fevereiro de 2015, foram emitidas, em nome do Impugnante, demonstração de liquidação de juros compensatórios, com os n.ºs 2015 00000043400 a 21500000043407, eferente ao ano de 2012, no montante total de 30.712,43 euros (cfr. documento n.º 2, junto com a Petição Inicial, a fls. 49, no SITAF);
G) O montante de Imposto do Selo e juros compensatórios, objeto das liquidações identificadas nas alíneas E) e F), foram pagos, no âmbito do Processo de Execução Fiscal n.º 3247201501144448 (cfr. fls. 55, do Processo administrativo apenso aos autos);
H) A realização de um pagamento através de um terminal de pagamento automático implica as seguintes operações:
O titular do cartão dá uma ordem de pagamento relativa à liquidação de uma compra (dívida) ao comerciante, através da utilização do seu cartão no TPA e da marcação do código secreto (autenticação). Nalguns casos, em vez do código secreto, é solicitada a assinatura como forma de autenticação.
A informação é transmitida pelo adquirente (acquirer) ao emissor do cartão, pedindo autorização;
O emissor do cartão dá uma “garantia” de pagamento através de uma autorização;
O adquirente (acquirer) paga ao comerciante e cobra-lhe uma comissão (taxa de serviço do comerciante);
O adquirente (acquirer) é depois reembolsado pelo emissor do cartão e paga-lhe uma comissão (taxa multilateral de intercâmbio ou multilateral interchange fee);
O emissor do cartão cobra ao titular do cartão o valor da transação.
(cfr. Cadernos do Banco de Portugal, 10, Terminais de Pagamento e Caixas Automáticos, p. 7, disponível em https://www.bportugal.pt/sites/default/files/anexos/pdfboletim/10_terminais_de_pagamento_e_caixas_automaticos.pdf).
I) A presente impugnação deu entrada em juízo no dia 6 de julho de 2015.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º, al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, por ter considerado que, no que respeita à inexistência de responsabilidade do Imposto de Selo da Taxa de Serviço de Comerciante na esfera jurídica do recorrente, seria, no entanto, este o sujeito passivo, incumbindo-lhe a liquidação e a obrigação de efetuar o respectivo pagamento, uma vez que constitui a comissão percebida pelo recorrente, em contrapartida da prestação do serviço de pagamento por si realizada enquanto comerciante, em função do modo como se operacionaliza o pagamento mediante a utilização de um cartão num terminal de pagamento automático, quando o imposto deveria ser exigido aos seus clientes, a quem a taxa de serviço ao comerciante foi cobrada, visto serem estes os titulares do seu encargo, sob pena de, a não ser assim, se atentar contra o princípio da capacidade contributiva.
Antecipe-se, desde já, que se abona a tese da sentença, de que no caso concreto do Imposto de Selo, não se pode dizer que a prestação tributária é exigida a pessoa diferente do contribuinte, dado que o contribuinte é o sujeito passivo do imposto de acordo com as normas de incidência subjectiva.
Como decorre do Relatório da Inspecção Tributária (RIT), a AT partiu do pressuposto de que, embora se esteja perante uma operação sujeita a IVA, a mesma beneficia de isenção, e, outrossim, que a operação se encontra sujeita a Imposto de Selo, não por causa de fruir da isenção de IVA, mas sim porque se insere no campo de aplicação integrado do artigo 1.º, n.º 1, do CIS, com a verba 17.3.4., da TGIS.
O teor da verba 17.3.4., da TGIS, à data dos factos - o exercício de 2012 – era o seguinte: “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros………………….….4 %.”
No tangente à hermenêutica das normas jurídicas aplicáveis, a sentença recorrida estribou-se no disposto da no artigo 11.º, n.º 2, da LGT, que determina que “sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer diretamente da lei”, para justificar que in casu têm de ser convocados os conceitos usados no rigoroso campo de acção do direito financeiro.
Coerentemente, apela ao Glossário, disponibilizado pelo Banco de Portugal, segundo o qual “…a Taxa de Serviço do Comerciante é uma “comissão que o comerciante paga ao acquirer quando realiza uma transação que o cliente liquida com cartão. Normalmente é uma percentagem do valor da venda, embora nalguns casos possa ser um valor fixo. Em Portugal, a TSC é diferente consoante se trate de uma operação a débito ou a crédito e varia com o tipo de cartão e as marcas associadas.”
Por outro lado, as condições gerais de adesão ao serviço de pagamento automático, adoptadas pelo recorrente e fornecidas no âmbito da inspecção tributária, permitem asseverar que está efetivamente em causa uma prestação de serviços já que no anexo a esse clausulado refere-se expressamente que “Pela utilização do Serviço de Pagamento Automático o Cliente obriga-se a pagar ao A………, durante a prestação efectiva do serviço: (…) b) A Taxa de Desconto ao Comerciante aplicável a compras Multibanco” (vide em www.bportugal.pt/glossario).
Por esse prisma, a sentença recorrida cataloga a TSC como a comissão percebida pelo recorrente, em contrapartida da prestação do serviço de pagamento por si realizada, isto é, da prestação do serviço de pagamento ao comerciante, em função do modo como se operacionaliza o pagamento mediante a utilização de um cartão num terminal de pagamento automático.
Dissentindo desse modo de ver, o recorrente afirma que não há uma prestação de serviços, concebendo a relação jurídica em causa como um contrato de cessão de créditos tipificado no artigo 577.º, do Código Civil.
Como denota o Ministério Público no seu douto Parecer, com o qual se concorda:
“(…) Defende o recorrente que, no caso sub judice, impor-lhe que suporte o encargo do Imposto do Selo, quando a manifestação que o IS pretende tributar se verifica na esfera de outrem (clientes), é claramente atentatório do princípio da capacidade contributiva, na medida em que, por meras razões de facilidade administrativa na cobrança, estar-se-á a onerar, com o encargo do imposto, outrem que não o detentor da capacidade tributária.
Pelo que, contrariamente ao defendido pelo tribunal a quo, o pagamento do imposto teria, em qualquer caso, de ser exigido aos clientes, e não ao recorrente. Conclui que se afigura ilegal o ato tributário impugnado, na medida em daquele resulta a oneração do recorrente com o encargo do imposto, em violação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, alínea g), do Código do Imposto do Selo.
Como referimos, não nos parece que assista razão ao recorrente.
Afigura-se-nos que a douta sentença recorrida decidiu correctamente ao considerar que a Taxa de Serviço do Comerciante constitui a comissão percebida pelo ora recorrente, em contrapartida da prestação do serviço de pagamento por si realizada, isto é, da prestação do serviço de pagamento ao comerciante, em função do modo como se operacionaliza o pagamento mediante a utilização de um cartão num terminal de pagamento automático.
Sendo certo, como bem se acentua, que a interpretação das normas se deve fazer segundo o sentido que os conceitos utilizados têm no âmbito financeiro e bancário, nos termos do artigo 11.º, n.º2 da LGT. Dúvidas não parecem restar que esta é a forma correta de interpretação da lei fiscal, não fazendo sentido recorrer a normas e a institutos próprios do direito civil, neste caso, o contrato de cessão de créditos, previsto no artigo 577.º do Código Civil.
O recorrente alega que a nova redação da verba 17.3.4., da TGIS, conferida pela Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, não altera a situação, tendo em conta que o seu pressuposto de incidência continua a ser a existência de uma prestação de serviços financeira, que não ocorre no caso da TSC, sendo que se a nova redação fosse configurada como uma norma interpretativa incorria em violação do princípio da proibição da retroatividade fiscal.
Ora, mais uma vez entendemos que a sentença decidiu acertadamente ao considerar não se tornar necessário utilizar qualquer norma interpretativa, uma vez que a questão de direito em disputa nos presentes autos fica resolvida pelo normativo vigente à data das operações tributadas.”
Sucede que todas essas questões foram já objecto de análise e decisão, mormente declarando a conformidade constitucional dos diplomas que regem a tributação aqui em causa, nos recentíssimos Acórdãos deste STA-SCT de 04-05-2022, Proc. nº 1711-15.1BEPRT e de 18.05.2033, Proc. nº1670/15.0BELRS, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt onde se consignou que: acórdão do STA-SCT de 04-05-2022, proferido no processo nº 01711/15.1BEPRT, em sentido que granjeia inteiramente a nossa concordância e para o qual se remete nos termos do nº5 do art. 663° do CPC, visando garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão, dispensando-se qualquer reprodução por se mostrar acessível em www.dgsi.pt.
Assim, na esteira do ali fundamentando e decidido e cristalinamente condensado nos respectivos sumários:

“…
O Imposto do Selo foi introduzido no sistema tributário português moderno pelo dec.lei 12700, de 20/11/1926, o qual aprovou o respectivo Regulamento, sendo a Tabela Geral do Imposto de Selo aprovada pelo decreto 21916, de 28/11/1932, ambos os diplomas tendo sofrido muitas alterações posteriores. Este tributo podia definir-se como um imposto que incide sobre a formalização de actos jurídicos ou sobre outras situações tributárias, qualquer que seja a forma do respectivo pagamento. Sendo, em regra, um imposto indirecto incidente sobre documentos e actos documentados, podia configurar-se, em certos casos, como verdadeiro imposto sobre a despesa, sobre o consumo, ou até como taxa. O Prof. Teixeira Ribeiro defendia que este imposto constituía uma amálgama de tributação directa e indirecta. O mesmo incidia, nos termos do artº.1, do respectivo Regulamento, sobre todos os documentos, livros, papéis, actos e produtos especificados na Tabela Geral do Imposto de Selo. Por último, refira-se que em muitos casos, o imposto de selo se configurava, conforme mencionado, como uma verdadeira taxa, como era o caso do selo devido pela emissão de certidões ou pela prática de actos notariais e registrais (cfr.Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, I, Editora Rei dos Livros, 1996, pág.272 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, 8ª.Edição, Livraria Almedina, 1996, pág.595 e seg.).
Com a Lei 150/99, de 11/09, o Imposto de Selo mudou a sua natureza essencial de imposto sobre os documentos, passando a afirmar-se como um verdadeiro tributo incidente sobre operações que, independentemente da forma da sua materialização, revelem rendimento ou riqueza. Nalguns casos incide sobre a despesa, noutros sobre o rendimento, e noutros ainda sobre o património, situação que, inevitavelmente, introduz um elemento perturbador da coerência do imposto e, por isso, um desafio acrescido para o intérprete. Na sua actual modelação, o imposto de selo configura-se como meio de atingir manifestações de capacidade contributiva não abarcadas pelas regras de incidência de quaisquer outros tributos, assim tendendo a assumir uma função residual (cfr.José Maria Fernandes Pires, Lições de Impostos sobre o Património e do Selo, 3ª. Edição, Almedina, 2016, pág.447 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.615 e seg.; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, Os Impostos sobre o Património Imobiliário, O Imposto do Selo, Anotados e Comentados, 1ª. Edição, Engifisco, 2005, pág.534).
Na vertente de imposto incidente sobre a despesa, as operações financeiras e de garantia constituem uma das áreas mais importantes em sede de regime do Imposto de Selo, desde logo, pela complexidade técnica que apresentam (cfr.Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, Imposto do Selo, Operações Financeiras e de Garantia, Almedina, 2020, pág.13).

Antes de mais, relembre-se que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Por outro lado, deve vincar-se que não reveste relevo no exame do presente recurso a alteração legislativa introduzida na verba 17.3.4. da TGIS, com a explicitação1 ("Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros, incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões - 4%.")., no preceito, através do artº.153, da Lei 7-A/2016, de 30/03 - OE 2016, norma a que o legislador atribuiu carácter interpretativo (cfr.artº.154, da Lei 7-A/2016, de 30/03), já tendo o Tribunal Constitucional declarado a inconstitucionalidade do mencionado carácter interpretativo da norma, devido a violação da proibição de criação de impostos com natureza retroactiva, estatuída no artº.103, nº.3, da C.R.Portuguesa, assim deixando de se aplicar aos anos anteriores a 2016, deliberação que sufragamos (cfr.ac.Tribunal Constitucional 566/2020, de 21/10/2020).
De acordo com o artº.1, nº.1, do C.I.Selo, este tributo incide, objectivamente, sobre todos os actos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos previstos na Tabela Geral. Por sua vez, em conformidade com o estatuído no nº.2, do mesmo preceito, que procede à delimitação negativa da incidência do imposto, não são sujeitas a I.Selo as operações sujeitas a I.V.A. e dele não isentas. Esta delimitação negativa encontra a sua "ratio", como é sabido, no objectivo de evitar a dupla tributação (cfr.António Santos Rocha e Outro, ob.cit., pág.618; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, ob.cit., pág.535 e seg.).
No caso concreto dos autos, a TSC não se enquadra nesta norma de delimitação negativa. Com efeito, não obstante a operação em causa estar sujeita a I.V.A., na medida em que constitui uma prestação de serviços onerosa praticada em território nacional, abrangida pela norma de incidência constante do artº.1, nº.1, al.a), do C.I.V.A., está de tal tributo isenta nos termos do artº.9, nº.27, al.c), do mesmo diploma, isenção obrigatória e irrenunciável (cfr.Clotilde Celorico Palma e Outros, Código do IVA e RITI, Notas e Comentários, Almedina, 2014, pág.144, em anotação ao artº.9, nº.27; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, ob.cit., pág.536).
Sendo assim, poderá ou não estar sujeita a I.Selo, havendo que analisar as normas que delimitam positivamente este imposto para verificar se a TSC pelas regras de incidência do mesmo tributo, em particular, devendo examinar-se o alcance da citada verba 17.3.4 da TGIS. Naturalmente que não vale o argumento "a contrario sensu" de que, por determinada operação estar isenta de I.V.A., deve, necessariamente, estar sujeita a I.Selo. Para a tal conclusão chegar, deverá o intérprete examinar se a TSC se enquadra na verba 17.3.4 da TGIS que, na redacção à data dos factos (2012), ostentava a seguinte previsão e estatuição "Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros - 4%".
Com estes pressupostos, haverá que determinar se, no caso concreto da TSC, a mesma corresponde, ou não, a uma comissão devida em contrapartida da prestação de um serviço financeiro. A natureza jurídica da TSC é, portanto, determinante para aferir da sua sujeição, ou não, a I.Selo.
Defende a sociedade recorrente que a operação em causa não consubstancia, no segmento da aquisição dos créditos e pagamento do preço dos mesmos com desconto, uma prestação de serviços para efeitos do Direito Civil, pelo que não poderão, os serviços de inspecção tributária e o Tribunal "a quo", entender que se trata de uma prestação de serviços, para efeitos do Direito Fiscal. Defende que uma acepção de "serviços financeiros" para efeitos de sujeição a Imposto do Selo, sem qualquer correspondência com o conceito de prestação de serviços no Direito Civil, enfermaria de manifesto erro de Direito. Conclui, assim que, ao invés de uma prestação de serviços financeiros estamos, na verdade perante uma operação que se qualifica como cessão de créditos nos termos dos artºs.577, e seg. do C. Civil, baseada num contrato oneroso de compra e venda.
A cessão de créditos é, segundo Antunes Varela2 (cfr.Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol.II, 5ª. edição, Almedina, 1992, pág.292 e seg.)., o contrato pelo qual o credor (cedente) transmite a terceiro (cessionário) independentemente do consentimento do devedor (devedor cedido), a totalidade ou uma parte do seu crédito, sendo figura contratual prevista no artº.577 e seguintes do C.Civil. O termo cessão, tanto designa o acto (contrato) realizado entre o cedente e o cessionário, como o efeito fundamental da operação (a transmissão da titularidade do crédito).
Será assim? Vejamos o enquadramento normativo da TSC. Antes de partir para o conceito civilístico em que se ancora a argumentação da apelante, há que recorrer aos conceitos próprios dos ramos do Direito Bancário e Financeiro. Com efeito, constitui critério geral de interpretação da lei fiscal, nos termos do artº.11, nº.2, da L.G.T., que sempre que, nas normas fiscais, se empreguem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido daquele que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da lei.
A Directiva 2007/64/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13/11/2007, estabeleceu a base jurídica para a criação de um mercado interno de pagamentos em toda a União Europeia ao facilitar, substancialmente, a actividade dos prestadores de serviços de pagamento, criando regras uniformes aplicáveis à prestação desses serviços.
Esta Directiva foi transposta, ao nível do direito interno, pelo dec.lei 317/2009, de 30/10, em vigor à data dos factos (2012), diploma que veio aprovar o regime jurídico relativo ao acesso à actividade das instituições de pagamento e à prestação de serviços de pagamento. De acordo com o artº.4, al.c), do anexo I, deste dec.lei, constituem serviços de pagamento, designadamente, as actividades que consubstanciem execução de operações de pagamento, incluindo a transferência de fundos depositados numa conta de pagamento aberta junto do prestador de serviços de pagamento, do utilizador ou de outro prestador de serviços de pagamento, tais como a execução de operações de pagamento através de um cartão de pagamento ou de um dispositivo semelhante.
Em particular em relação à TSC, a mesma encontra-se expressamente prevista e regulada, desde 2015, em legislação de Direito da União Europeia, concretamente no Regulamento (UE) 2015/751, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29/04/2015, relativo às taxas de intercâmbio aplicáveis a operações de pagamento baseadas em cartões. Sendo certo que, à data dos factos de que nos ocupamos, não tinha ainda sido aprovado este Regulamento, não poderá ignorar-se que este constitui um auxiliar interpretativo essencial na definição do conceito de TSC. Desde logo, o artº.2, nº.12, deste Regulamento, define a "Taxa de serviço do comerciante" como a taxa paga pelo beneficiário ao adquirente relativa a operações de pagamento baseadas em cartões. Há, então, que atentar nas noções de "beneficiário" e de "adquirente", bem como de "operações de pagamento baseadas em cartões" por forma a descortinar o alcance desta definição legal. O "beneficiário" é, nos termos do artº.2, nº.13, do mesmo Regulamento, uma pessoa singular ou colectiva que é a destinatária prevista dos fundos pagos através de uma operação de pagamento: é o destinatário dos fundos na operação de pagamento. Será o comerciante na compra e venda de um produto. O "adquirente", por sua vez, é um prestador de serviços de pagamento vinculado por contrato a um beneficiário para aceitar e processar operações de pagamento baseadas em cartões, as quais dão origem a uma transferência de fundos para o beneficiário (cfr.artº.2, nº.1, do Regulamento). Poderá ser uma entidade bancária, como a sociedade recorrente, na compra e venda de um produto.
Por fim, a "operação de pagamento baseada num cartão" é, de acordo com o artº.2, nº.7, deste Regulamento, um serviço baseado na infraestrutura e nas regras comerciais de um sistema de pagamento com cartões para efectuar operações de pagamento por meio de cartões, dispositivos ou programas de telecomunicações, digitais ou informáticos, que dá origem a uma operação com cartões de débito ou de crédito. As operações de pagamento baseadas em cartões excluem as operações baseadas noutros tipos de serviços de pagamento. Por outras palavras, a operação de pagamento consubstancia a operação financeira pela qual, através dos prestadores de serviços de pagamentos, os fundos são disponibilizados ao comerciante (os fundos são o preço).
Se o pagamento for em numerário, não há intermediário, mas se o pagamento for mediante transferência bancária ou utilização de cartões (de débito ou crédito) a operação é intermediada. Os intermediários são prestadores de serviços de pagamentos, isto é, prestadores de serviços financeiros nos termos deste Regulamento e demais legislação do sector.
Também o Banco de Portugal, e recorde-se que a TSC se reconduz a um conceito típico do direito bancário, sendo aquele a entidade à qual compete "regular, fiscalizar e promover o bom funcionamento dos sistemas de pagamento" (cfr.artº.14, da Lei 5/98, de 31/01 - Lei Orgânica do Banco de Portugal), define a mesma TSC como "comissão cobrada aos beneficiários de operações de pagamento (em regra, os comerciantes) pelos respectivos prestadores de serviços de pagamento, por cada transacção realizada com cartão nos terminais de pagamento automático (TPA). Normalmente, a TSC corresponde a uma percentagem do valor da transação" (cfr.site do Banco de Portugal, Sistema de Pagamentos, Instrumentos de pagamento, Cartões, Perguntas frequentes- https://www.bportugal.pt/).
Por último, recorde-se que a actual verba 17.3.4 da TGIS, na redacção em vigor em 2012 e resultante da reforma operada pela Lei 150/99, de 11/09, alarga o âmbito de incidência face ao artº.120-A, da Tabela anterior, dado se aplicar não só a comissões (termo que deve ser interpretado de acordo com a terminologia da gíria bancária e financeira), como também a todas e quaisquer outras contraprestações por serviços financeiros, desde que, naturalmente e conforme supra mencionado, não se trate de serviços sujeitos a I.V.A. e não isentos deste imposto (cfr.Jorge Belchior Laires e Rui Pedro Martins, ob.cit., pág.99 e seg.; J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, ob.cit., pág.739).
"In casu", verificamos que a operação subjacente à TSC se enquadra na definição de comissão devida por prestação de serviços de pagamento, na medida em que estamos perante uma execução de operação de pagamento nos termos do artº.4, al.c), do citado dec.lei 317/2009, de 30/10, concretamente, na execução de operações de pagamento através de um cartão. Esta TSC visa, em particular, remunerar a execução da operação de pagamento em si em virtude da disponibilização daquele serviço, sendo esta operação de pagamento baseada num cartão e não em numerário, pressupondo por isso um intermediário financeiro, que é o prestador de serviços - neste caso, a sociedade recorrente. Não corresponde, assim, a qualquer valor devido em contrapartida de uma (alegada) cessão de créditos. Face ao quadro normativo acabado de expor e ao probatório supra exarado, não subsistem dúvidas quanto à existência de uma prestação de serviços de pagamento no caso sob análise. E esta prestação de serviços de pagamento cabe, pois, dentro do conceito "Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros", estando por conseguinte sujeita a I.Selo, mediante a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS, na redacção em vigor em 2012, mais sendo irrelevante a alteração na norma introduzida pelo artº.153, da Lei 7-A/2016, de 30/03.
Atento o relatado, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida padeça do examinado erro de julgamento de direito (violação do regime previsto no artº.2, nº.1, al.c), do C.I.Selo, e na verba 17.3.4. da TGIS), pelo que se julga improcedente o presente esteio do recurso.
O recorrente dissente do julgado alegando, igualmente e em síntese, que a verba 17.3.4. da TGIS, quando interpretada no sentido de que inclui no seu escopo a TSC, deve ser considerada materialmente inconstitucional, por violação do artº.104, da C.R.P., dado tal tributação não corresponder a uma manifestação de capacidade contributiva que seja reconduzível ao conceito de "pagamento de comissão por prestação de serviços financeiros". Que ao sujeitar-se o valor da TSC a I.Selo estar-se-ia a fazer incidir, em termos materiais, uma dupla tributação sobre um mesmo facto tributário. Que a aplicação da verba 17.3.4 da TGIS, com a nova redacção conferida à mesma pela Lei 7-A/2016, de 30/03, a qual entrou em vigor em 31.03.2016, e à qual foi atribuído pretenso carácter interpretativo pelo artº.154, da aludida lei, sobre os montantes descontados no ano de 2012 pela sociedade recorrente, é inconstitucional por incorrer em manifesta violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrado no artº.103, nº.3, da C.R.P., assim como do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, que decorre do artº.2, do Diploma Fundamental. Que a sentença recorrida ao não ter decidido nos moldes propugnados incorreu em erro na aplicação do direito (cfr.conclusões QQ) a YYY) do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Antes de mais, se dirá que os vícios de inconstitucionalidade buscam uma fiscalização concreta e com natureza oficiosa. Esta caracteriza-se por ser um controlo que compete a todos os Tribunais, mais tendo natureza difusa e incidental (cfr.artºs.204 e 280, nº.1, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 25/11/2015, rec.103/15; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 23/10/2019, rec.179/19.8BEPFN; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 12/05/2021, rec.2747/17.3BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.732/19.0BEPRT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, págs.518 e seg. e 940 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.III, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.44 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.982 e seg.).
Concluindo este Tribunal que a TSC se reconduz a uma comissão devida por prestação de serviços de pagamento, e não como uma cessão de créditos, baseada num contrato oneroso de compra e venda, fica precludida a análise dos argumentos da recorrente que sustentavam a inconstitucionalidade material da visão interpretativa da sentença recorrida, por violação do artº.104, da C.R.P., dado a tributação subjacente, alegadamente, não corresponder a uma manifestação de capacidade contributiva que seja reconduzível ao conceito de "pagamento de comissão por prestação de serviços financeiros".
Igualmente, quanto ao alegado estado de dupla tributação, em face do I.V.A., de que padeceria a visão interpretativa da sentença recorrida, este Tribunal remete a sociedade recorrente para a exposição supra exarada e relativa a tal matéria, na qual se conclui pela inexistência de qualquer situação de dupla tributação.
Avançando.
Mais defende a apelante que aplicação da verba 17.3.4 da TGIS, com a nova redacção conferida à mesma pela Lei 7-A/2016, de 30/03, a qual entrou em vigor em 31.03.2016, e à qual foi atribuído pretenso carácter interpretativo pelo artº.154, da aludida lei, sobre os montantes por si descontados no ano de 2012, é inconstitucional por incorrer em manifesta violação do princípio da proibição da retroactividade da lei fiscal, consagrado no artº.103, nº.3, da C.R.P.
Ora, também o exame deste pretenso vício de inconstitucionalidade fica afastado, visto este Tribunal não ter aplicado ao caso dos autos, a redacção da verba 17.3.4 da TGIS, conferida à mesma pela Lei 7-A/2016, de 30/03, tudo conforme supra se expendeu, inclusive com base em jurisprudência do Tribunal Constitucional.
Resta, a apreciação do alegado vício de inconstitucionalidade de que padeceria a visão interpretativa da sentença recorrida, devido a violação do princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, que decorre do artº.2, da C.R.P.
O princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, deve ser apreciado, em sede de tutela constitucional, enquanto emanação do princípio do Estado de Direito democrático (cfr.artºs.2 e 9, al.b), da C.R.Portuguesa). Como postulados deste princípio vemos surgir as noções de fiabilidade, de clareza, de racionalidade e de transparência face a todos os actos de poder, legislativo, executivo ou judicial. Em relação a eles o cidadão/ente colectivo deve ver garantida a segurança nas suas disposições pessoais e dos efeitos jurídicos dos seus próprios actos. Enquanto refracção deste princípio e em sede de actos normativos, vemos surgir a proibição de normas retroactivas e restritivas de direitos ou interesses juridicamente protegidos, com especial incidência no âmbito das leis fiscais (cfr.artº.103, nº.3, da C.R.Portuguesa; ac.Tribunal Constitucional 1011/1996, 8/10/1996; ac.Tribunal Constitucional 260/2010, de 29/06/2010; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 2/02/2022, rec.810/18.2BESNT; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 1º. Volume, Coimbra Editora, 2007, pág.204 e seg.; Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Vol.I, 2ª. Edição revista, Universidade Católica Editora, 2020, pág.77 e seg.; J. J. Gomes Canotilho, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª. Edição, 21ª. Reimpressão, Almedina, 2019, pág.257 e seg.).
Revertendo ao caso concreto, desde logo, se dirá que, o que pode e deve ser objecto da fiscalização concreta da constitucionalidade, por parte dos Tribunais, são normas e não quaisquer decisões, sejam elas de natureza judicial ou administrativa, nem tão pouco eventuais interpretações que de tais normas possam ser efectuadas por aquelas decisões (cfr.artº.204, da C.R.Portuguesa; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 26/05/2021, rec.518/20.9BELLE; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/06/2021, rec.2796/12.8BELRS; J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa anotada, 4ª. Edição, 2º. Volume, Coimbra Editora, 2010, pág.518 e seg.).
Apesar do acabado de aludir, mais se diga que não vislumbra este Tribunal como pode a decisão recorrida ofender o dito princípio constitucional da segurança jurídica e da protecção da confiança, igualmente nada concretizando a tal respeito o apelante. …”.
Trata-se de jurisprudência que também aqui se acolhe e se reitera dado o carácter abrangente e assertivo da respectiva fundamentação concordarmos integralmente, e para a qual se remete nos termos do artº 663º, nº 5 do Código de Processo Civil, tendo em conta a regra constante nº 3 do art. 8º do Cód. Civil – que impõe ao julgador o dever de considerar todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito, dispensando-se a junção de cópia por tais arestos já se encontrarem publicados in www.dgsi.pt., tanto mais que as alegações da Recorrente não têm a virtualidade de colocar em crise o que ficou dito no aresto apontado, o que significa a decisão recorrida não merece qualquer censura nesta sede, o que determina a improcedência do recurso no segmento indicado.
À semelhança do que também foi decidido na sentença no que tange à dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça na parte em que o valor da acção excede o montante de €275.000, também entendemos que in casu, conquanto não se nos afigure verificado o requisito de “menor complexidade” a que alude o nº 7 do art. 6º do RCP, ainda assim, porque se nos afigura que o montante da taxa de justiça devida é manifestamente desproporcionado em face do concreto serviço prestado nos presentes autos, pondo em causa a relação sinalagmática que a taxa pressupõe e porque a maior parte das questões suscitadas já tinham sido jurisdicionalmente apreciadas no acórdão para cuja fundamentação se remete, decide-se dispensar na totalidade o pagamento do remanescente da taxa de justiça nesta sede de recurso, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.
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3. Decisão:

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pela recorrente, com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário concedido.
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Lisboa, 8 de Junho de 2022. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro.