Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:082/20.9BALSB
Data do Acordão:03/24/2021
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:DECISÃO ARBITRAL
RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JURISPRUDENCIA RECENTEMENTE CONSOLIDADA
NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO
Sumário:I - O recurso para uniformização de jurisprudência, tendo por objecto decisão arbitral e sendo dirigido ao S.T.A., pressupõe que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão invocado como fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. artº. 25, nº.2, do R.J.A.T.).
II - Apesar de, no caso, se verificar entre ambas as decisões arbitrais em confronto, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, não deve o recurso ser admitido se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (cfr.artº.152, nº.3, do C.P.T.A., "ex vi" do artº.25, nº.3, do R.J.A.T.).
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P27417
Nº do Documento:SAP20210324082/20
Data de Entrada:07/17/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A..........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
X
A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA deduziu recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao Pleno da Secção de Contencioso Tributário do S.T.A., visando o aresto arbitral proferido no âmbito do processo nº.655/2019-T, datado de 19/06/2020, o qual julgou totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela recorrida, A……….., tendo por objecto liquidação de I.R.S., relativa ao ano de 2017 e no valor total de € 9.505,40.
A recorrente invoca oposição com a decisão arbitral proferida no processo nº.539/2018-T, em 22/04/2019, já transitada em julgado (cfr.cópia junta a fls.29 a 46 do processo físico-I volume; certidão junta a fls.161 do processo físico).
X
Para sustentar a oposição entre a decisão arbitral recorrida e o aresto fundamento, a entidade recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.3 a 23 do processo físico-I volume), formulando as seguintes Conclusões:
A-O Acórdão arbitral recorrido (655/2019-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral “a. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral quanto à declaração de ilegalidade do ato de liquidação de IRS 2018 5005397541, emitido pelo Serviço de Finanças de Lisboa 3 e, bem assim, do ato de indeferimento tácito da Reclamação Graciosa n.º 3085201804017404, apresentado sobre a referida liquidação; b. Condenar a Requerida a reembolsar a Requerente no montante de €4.752,70; e c. Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, contados desde a data do pagamento indevido até ao seu integral reembolso.”;
B-E sustenta o referido acórdão arbitral que:
15º
No caso em apreço, ficou provado que a AT considerou, para efeitos de determinação do rendimento coletável e consequente liquidação do IRS à Requerente, não residente em Portugal mas na França, ou seja, num outro Estado-Membro da União Europeia, a totalidade da mais-valia realizada na alienação de um imóvel.
16º
Ou seja, foi declinada a aplicação do regime preceituado no n.º 2, do artigo 43.º do Código do IRS, segundo o qual: “O saldo referido no número anterior, respeitante às transmissões efetuadas por residentes previstas nas alíneas a), c) e d) do n.º 1 do artigo 10.º, positivo ou negativo, é apenas considerado em 50% do seu valor”.
17º
O legislador nacional prevê, assim, que, para os residentes em Portugal, as mais-valias são apenas consideradas em 50% do seu valor, ao passo que para os não residentes em Portugal as mais-valias são consideradas na sua totalidade.
18º
Sobre tal questão já se pronunciou profundamente a jurisprudência nacional, incluindo arbitral, no sentido de que o artigo 43º nº 2 do CIRS, ao limitar a incidência do imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal e excluir dessa limitação as mais-valias realizadas por um residente noutro Estado membro, viola a liberdade de circulação de capitais, prevista no artigo 63º do TFUE.”;
C-Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 539/2018-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que:
“14 - Apresenta-se, pois, neste processo, uma dupla situação que encerra incongruências, entre si, quanto ao que o Requerente pretende, porquanto: a) Por um lado, pretende a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, que é aplicável às mais valias obtidas em território português, que, de facto manda considerar a tributação de 50% saldo das mais-valias de imóveis, respeitantes às transmissões efetuadas por residentes, previstas na alínea a)2 do n.º 1 do artigo 10.º.
b) Por outro lado, exige que seja feita uma tributação do referido saldo, reduzido em 50%, com aplicação da taxa aplicável a não residentes de 25%, conforme opção de tributação pelo regime geral, conforme campo 07 do quadro 8B da sua Declaração mod. 3 de IRS, e não pela aplicação das taxas gerais do artigo 68.º e das demais regras aplicáveis aos residentes.
15 - Ora, esta forma de tributação mista, de escolha do melhor dos regimes de tributação, ou seja, ser considerado como residente para efeitos de aplicação do artigo 43.º, n.º 2 e não residente para efeitos de aplicação da taxa do artigo 72.º, n.º 1, ambos do CIRS, o que é incongruente e inaplicável, e nem sequer se pode argumentar que há violação dos Tratados da União Europeia, por não se estar perante uma qualquer discriminação.
16 - Isto porque o Requerente tinha ao seu dispor a possibilidade de ver tributadas as suas mais-valias de harmonia com todas as regras aplicáveis aos residentes, se, para tanto, tivesse feito essa opção, ao abrigo do n.º 9 do artigo 72.º do Código do IRS, como a lei lhe permite - o que não aconteceu.
17 - Assim, ao não ter optado pela tributação das suas mais-valias imobiliárias, pela aplicação das taxas do artigo 68.º do CIRS e das demais regras aplicáveis aos residentes, mas sim pelas taxas gerais, não assiste razão ao Requerente.
18 - Aliás, nem aos residentes as normas do CIRS permitem esta dualidade de tratamento, ou seja, redução a 50% das mais-valias imobiliárias e aplicação das taxas do artigo 72.º do CIRS, obrigando sempre, neste caso, ao englobamento deste saldo com os demais rendimentos para aplicação à totalidade dos rendimentos auferidos as taxas gerais do artigo 68.º do Código do IRS.
19. O regime escolhido pelo Requerente, embora invoque que é um residente na União Europeia, foi o da tributação pelas taxas do artigo 72.º aplicáveis a não residentes e não as aplicáveis a residentes, pelo que o regime escolhido deve ser aplicado "in toto", como procedeu, e bem, a Requerida, no entender do Tribunal.
19 - Assim sendo, não se poderá invocar a discriminação negativa como pretende o Requerente e isto porque as suas opções foram respeitadas.
20- Recorda-se que o Acórdão do TJCE de 2007OUT11 (Hollman) foi proferido antes das alterações introduzidas ao artigo 72.º do CIRS, já anteriormente citadas, precisamente para permitir uma tributação igualitária entre residentes em território português e não residentes, desde que os sujeitos passivos o requeiram - o que não foi o caso.”;
D-Concluindo o Acórdão fundamento que:
“20 - Nesta conformidade, entende este Tribunal que a liquidação impugnada não sendo incompatível com o disposto no artigo 63.º do TFUE, dada a opção do Requerente, julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica a liquidação n.º 2018.5005490173, relativa ao ano de 2017 e no valor de €47.034,56.
(…)
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, manter na ordem jurídica a liquidação de IRS impugnada.
b) Julgar igualmente improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios a favor do Requerente. (…)”;
E-Verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artigo 43.º, n.º 2 do CIRS é aplicável aos não residentes;
F-Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que:
· as situações de facto sejam substancialmente idênticas;
· haja identidade na questão fundamental de direito;
· se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e,
· a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas;
G-As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos;
H-Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou;
I-Entre o Acórdão recorrido e o Acórdão fundamento há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta a tributação no âmbito de IRS, tendo em conta a aplicação do art. 43.º, n.º 2 do CIRS aos não residentes;
J-As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto;
K-Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral.
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Foi proferido despacho pelo Exº. Conselheiro relator a admitir liminarmente o recurso, mais ordenando a notificação da recorrida para produzir contra-alegações (cfr.despacho exarado a fls.181 do processo físico).
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A recorrida não produziu contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual conclui que não estão reunidos os requisitos do recurso de uniformização de jurisprudência no caso concreto, motivo pelo qual não é admissível a pronúncia ao abrigo do disposto no artº.152, do C.P.T.A. (cfr.fls.185 a 188 do processo físico).
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Colhidos os vistos de todos os Exºs. Conselheiros Adjuntos, vêm os autos à conferência do Pleno da Secção para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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O aresto arbitral recorrido julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.148 e 149 do processo físico-I volume):
A-No ano de 2017 a Requerente residia, tal como atualmente reside, em França, na …….. Rue ………., ……… Aniane;
B-Nesse mesmo ano, em concreto a 20 de fevereiro de 2017, a Requerente alienou a sua quota-parte, na proporção de 50%, que detinha na qualidade de herdeira da herança aberta por óbito de seu pai B……….. relativamente a quatro imóveis, localizados em Portugal, no distrito de Braga, freguesia de Pinheiro, concelho de Guimarães identificados sob os seguintes artigos matriciais:
a) Rústico, artigo 301, com um VPT de € 950,00;
b) Urbano, artigo 40, com um VPT de € 20.791,50;
c) Urbano, artigo 102, com um VPT de € 13.819,50; e
d) Urbano, artigo 138, com um VPT de 15.168,25;
C-Todos descritos na conservatória do registo predial de Guimarães sob o nº 751, tudo conforme escritura pública junta como documento n.º 1;
D-Sequentemente, a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2017, a qual foi acompanhada de um único anexo – o Anexo G – Categoria G, referente a “Mais-Valias e outros Incrementos Patrimoniais”;
E-Na referida declaração Modelo 3 de IRS relativa ao ano 2017, a Requerente reportou unicamente as operações de alienação dos 4 imóveis supra identificados, na respetiva quota-parte de 50% (cfr. documento n.º 2);
F-Ademais, a Requerente enquadrou-se como não residente em Portugal e como residente em país da União Europeia (cfr. documento n.º 2);
G-Na Modelo 3 de IRS de 2017 da Requerente, verifica-se que no quadro 8 B do Modelo 3 foi assinalado o campo 4 (não residente) e o campo 7, pretendendo a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes;
H-No âmbito do anexo G da declaração de rendimentos consta que as alienações onerosas de imóveis ocorridas em 20 de fevereiro de 2017 geraram um rendimento total de € 62.500,00, ao qual foi subtraída a soma dos valores de aquisição € 25.364,62 e as despesas e encargos de € 3.187,50;
I-Posteriormente, a Requerente foi notificada da liquidação n.º 2018 5005397541 de IRS emitida pela Autoridade Tributária, sobre os rendimentos declarados relativamente ao ano 2017 (documento n.º 3);
J-Na referida liquidação foram apuradas mais-valias imobiliárias num total de 33.947,88 € (documento n.º 3);
L-Para o cálculo do imposto devido, a Requerida aplicou uma taxa de 28 % à totalidade das mais-valias realizadas.
M-Da referida aplicação da taxa de 28% à totalidade das mais-valias apuradas, resultou um valor a liquidar pela Requerente de € 9.505,40 (cfr. documento n.º 3);
N-A Requerente procedeu ao pagamento da quantia de € 9.505,40 (documento n.º 4);
O-Em 27 de dezembro de 2018, a Requerente apresentou a reclamação graciosa n.º 3085201804017404, no Serviço de Finanças de Lisboa 3 por considerar ser ilegal e discriminatória a tributação da totalidade da mais-valia que auferiu, uma vez que a limitação a 50% desse valor aplica-se aos residentes em outros países da União Europeia (documento n.º 5);
P-Contra a referida Reclamação foi proferido despacho de indeferimento pela Requerida, com fundamento de que, tendo a Requerente exercido a opção pelo regime geral dos não residentes, as mais-valias auferidas em território português pela mesma, não sendo imputáveis a um estabelecimento estável nele situado, são tributadas à taxa autónoma de 28%, em conformidade com o plasmado na alínea a) do n.º 1 do artigo 72.º do CIRS, não se verificando a exclusão tributária do n.º 5 do artigo 10.º do CIRS;
Q-Em face do exposto, veio a Requerente peticionar a constituição do presente tribunal arbitral, pedindo a condenação da Requerida com a declaração de ilegalidade do ato de liquidação e o correspondente reconhecimento ao direito à restituição dos valores já pagos e ao pagamento de juros indemnizatórios.
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O acórdão arbitral fundamento julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.37 a 40 do processo físico-I volume):
1-O Requerente era residente à data de 2017, em Madrid, Espanha, ou seja, era residente num Estado-Membro da União Europeia, como comprovou;
2-O Requerente apresentou a sua Declaração Modelo 3 de IRS, de substituição, com o Anexo G, declarando para efeitos de mais-valias os valores de aquisição e de alienação onerosa de dois prédios urbanos, participações sociais, valor de despesas e encargos e rendimentos prediais (Doc. 6);
3-Verifica-se pelo Rosto da Declaração Mod. 3 que no quadro 8 B foram assinalados pelo Requerente o campo 4 (não residente), o campo 6 (residência em país da União Europeia) e o campo 7 (pretende a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes);
4-E verifica-se também que o Requerente não preencheu os campos 9 (opção pelas taxas do artigo 68.º do Código do IRS) e 11 (total dos rendimentos obtidos no estrangeiro);
5-Os referidos bens alienados e rendimentos declarados foram todos auferidos todos em território português e eram os seguintes:
3.1 - Fração autónoma designada pela letra C, a que corresponde o …….º andar ……, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ……., n.º 1……., Letras ……..., freguesia de Santa Isabel, concelho de Lisboa, inscrito na respectiva matriz da freguesia de Campo de Ourique sob o artigo 807 (Doc. 4), por escritura de 15/09/2017, pelo preço de €255,000,00 (Doc. 3);
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €90.000,00, por escritura pública de 20/04/2015 (Doc. 2);
3.2 - Fração autónoma designada pela letra F, a que corresponde o …….º andar ……º, destinado à habitação, do prédio urbano sito na Rua ………, n.º ……., em Alcântara, concelho de Lisboa, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 539 (Doc. 4), por escritura de venda de 21/03/2017, pelo preço de €155,000,00 (Doc. 5);
A referida fração havia sido adquirida pelo preço de €55.000,00, por escritura pública de 10/11/2015 (Doc. 4);
3.3 - Participações sociais vendidas 06/10/2017, pelo montante de €21.290,10, que havia adquirido em 26/08/2014, pelo preço de €19.805,40;
3.4 - Rendimentos prediais de €4.300,00 respeitantes às rendas relativas às duas frações autónomas alienadas, referidas nos pontos anteriores, sem menção de encargos ou retenções por conta;
6-A sua declaração foi aceite e validada pela Autoridade Tributária, dando origem à liquidação n.º 2018.5005367017, com um montante de imposto a pagar de €46.551,36 (Doc. 7), posteriormente retificada por uma 2.ª liquidação com o n.º 2018.5005490173, com um valor de imposto a pagar de €47.034,56, originando um estorno do montante também a pagar, em relação à 1.ª liquidação, de €483,20 (Doc.8);
7-O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 em 24-08-2018 e também de €483,20 na mesma data, num total de €47.034,56 (Doc.s 9 e 10);
8-Pela demonstração da 2.ª liquidação de IRS, com o n.º 2018.5005367017, conforme certidão junta aos autos, constata-se o apuramento de um rendimento global e coletável de €167.980,58 e a coleta de €47.034,56 (à taxa de 28%);
9-O Requerente procedeu ao pagamento da quantia de €46.551,31 e também de €483,20, num total de €47.034,56, em 24-08-2018 (Doc.s 9 e 10).
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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A Autoridade Tributária e Aduaneira veio, ao abrigo do disposto no artº.25, nº.2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária( (na redacção introduzida pela Lei 119/2019, de 18/09, a aplicável ao caso dos autos). ), o qual foi consagrado pelo dec.lei 10/2011, de 20/01 (RJAT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo CAAD no âmbito do processo nº.655/2019-T (datada de 19/06/2020), invocando contradição entre essa decisão, e o aresto arbitral proferido no processo nº.539/2018-T, em 22/04/2019, já transitado em julgado, oposição essa respeitante à questão que consiste em saber se a exclusão de tributação de 50% das mais-valias imobiliárias, na cédula de I.R.S. e consagrada no artº.43, nº.2, do C.I.R.S. (na redacção em vigor no ano de 2017), obtidas em território português por não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia (França e Espanha nos arestos em oposição), podia não lhes ser aplicável sem violação do direito europeu, designadamente, do disposto no artº.63, nº.1, do Tratado Sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), normativo que consagra o Princípio da Liberdade de Circulação de Capitais, tanto entre Estados-Membros da UE, como entre estes e Países Terceiros.
Para tanto e em síntese, argumenta que a decisão arbitral recorrida sofre de erro de julgamento, porquanto decidiu, em contradição com o acórdão fundamento, que o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artº.43, nº.2, do C.I.R.S., é aplicável aos não residentes, sob pena de violação do disposto no artº.63, nº.1, do TFUE. Que se deve anular a decisão arbitral recorrida, mais pugnando pela sua substituição por nova sentença que julgue improcedente o pedido arbitral.
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Contemplemos, em primeiro lugar, os requisitos formais e substanciais de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
O regime de interposição do recurso de decisão arbitral para o S.T.A., ao abrigo do artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., difere do regime do recurso previsto no artº.152, do C.P.T.A., na medida em que aquele tem de ser apresentado no prazo de 30 dias contado da notificação da decisão arbitral, enquanto neste o prazo se conta do trânsito em julgado do acórdão recorrido, como decorre do referido artº.152, nº.1 (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.484).
Já quanto ao acórdão fundamento, o recurso para uniformização de jurisprudência pressupõe o seu trânsito em julgado, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, condição verificada no caso "sub judice".
Não se colocando dúvidas quanto aos demais requisitos formais (legitimidade da entidade recorrente e tempestividade do recurso), haverá que passar a averiguar se estão verificados os requisitos substanciais da admissibilidade do recurso.
Nos termos do citado artº.25, nºs.2 e 3, do R.J.A.T., normas que remetem, com as devidas adaptações, para o artº.152, do C.P.T.A., os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, dirigido ao S.T.A. e visando decisão arbitral, são os seguintes:
1-Que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;
2-Que essa decisão arbitral esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo;
3-Que a orientação perfilhada pelo acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do S.T.A.
No que ao segundo requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, é mester adoptar os critérios já firmados no domínio do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (E.T.A.F.) de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição.
Estes critérios jurisprudenciais são os seguintes:
a) haver identidade da questão de direito sobre que incidiram as decisões em oposição, que tem pressuposta a identidade das respectivas circunstâncias de facto;
b) a oposição deve emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
c) não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos, se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
d) as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais;
e) em oposição ao acórdão recorrido podem ser invocados mais de um acórdão fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/06/2014, rec.1447/13; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/02/2015, rec.964/14; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 4/03/2020, rec.8/19.2BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/05/2020, rec.72/19.4BALSB; Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4ª. Edição, 2017, pág.1177 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, pág.230 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.488 e seg.).
Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso concreto.
Examinemos, portanto, o que decidiram os acórdãos em confronto, tendo sempre presente, como pano de fundo, a questão relativamente à qual foi invocada a contradição de julgados, que consiste em saber se a exclusão de tributação, na cédula de I.R.S., de 50% das mais-valias imobiliárias consagrada no artº.43, nº.2, do C.I.R.S. (na redacção em vigor no ano de 2017), obtidas em território português por não residentes em Portugal mas residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, podia não lhes ser aplicável sem violação do direito europeu, designadamente, do disposto no artº.63, nº.1, do TFUE.
Examinado o probatório fixado na decisão arbitral recorrida e na decisão arbitral fundamento, ambos supra exarados, verifica-se que as situações de facto subjacentes aos dois arestos são substancialmente idênticas. Ambos têm por objecto liquidação de I.R.S. relativa ao ano fiscal de 2017 e derivada da declaração de mais-valias imobiliárias, obtidas em território português por não residentes em Portugal, embora residentes noutro Estado-Membro da União Europeia, e tendo os respectivos sujeitos passivos declarado que pretendem a tributação pelo regime geral aplicável aos não residentes (cfr.al.G) do probatório da decisão arbitral recorrida; nº.3 do probatório da decisão arbitral fundamento).
Mais, sendo as hipóteses fácticas subsumíveis ao mesmo quadro substancial de regulamentação jurídica, os dois arestos divergem, contudo, quanto às soluções jurídicas propugnadas. A decisão arbitral recorrida, concluindo que o regime de exclusão de tributação de mais-valias previsto no artº.43, nº.2, do C.I.R.S., é aplicável aos não residentes, sob pena de violação do disposto no artº.63, nº.1, do TFUE, anula a liquidação impugnada e condena a A. Fiscal no pagamento de juros indemnizatórios. Por sua vez, na decisão arbitral fundamento, concluindo-se em sentido contrário, que a não aplicação do regime previsto no citado artº.43, nº.2, do C.I.R.S., não implica qualquer violação do direito comunitário, mantém a liquidação impugnada e julga improcedente o pedido de pagamento de juros indemnizatórios.
Ora, não obstante a verificada contradição, o recurso não deve prosseguir para conhecimento do mérito, porquanto, a decisão recorrida se encontra em plena sintonia com orientação mais recentemente consolidada deste S.T.A. sobre a matéria.
Expliquemos porquê.
Conforme se alude supra, constitui pressuposto da admissão do recurso por oposição de acórdãos que a decisão impugnada não esteja em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
Nos termos do artº.152, nº.3, do C.P.T.A., se o acórdão impugnado seguir o entendimento expresso pelo Pleno no âmbito de um julgamento ampliado de revista ou em anterior acórdão uniformizador, não tem, na verdade, justificação submeter a questão de novo à apreciação do Pleno. Face à literalidade do preceito, a possibilidade de não admissão do recurso também existe quando o acórdão impugnado se conforme com a jurisprudência pacífica e uniforme do STA, mesmo quando tirada pelas secções ou, pelo menos, com a jurisprudência firme que se tenha consolidado mais recentemente. Por outro lado, deve reputar-se como "jurisprudência consolidada" aquela que revele uma estabilidade de julgamento, seja porque provém do Pleno, segundo a formação prevista no artº.17, nº.2, do E.T.A.F., seja porque evidencie uma constância decisória através de uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido oriundas de uma das Secções deste Tribunal, obtidas por unanimidade ou maiorias significativas. Por outras palavras, o conceito legal de jurisprudência consolidada consubstancia-se numa estabilidade de julgamento demonstrativa de uma constância decisória, a qual pode transparecer, ou do facto de a pronúncia respectiva constar de acórdão do Pleno assumido pela generalidade dos Conselheiros em exercício na Secção, ou do facto de existir uma sequência ininterrupta de decisões no mesmo sentido, obtidas por unanimidade e em todas as formações da mesma Secção (cfr.Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 4ª. Edição, Almedina, 2017, pág.1175 e seg.; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, IV volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.402 e seg.; Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária anotado, Almedina, 2016, pág.491; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/09/2008, rec.212/08; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 19/10/2016, rec.139/16; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 25/10/2017, rec.1022/16).
Revertendo ao caso dos autos, sem prejuízo dos diversos acórdãos produzidos pela Secção de Contencioso Tributário, deste Tribunal e sobre a matéria em discussão nos presentes autos (I.R.S.; Mais-valias imobiliárias; Não residentes), no pretérito dia 9/12/2020, foram proferidos em Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo dois Acórdãos - nos processos nº.75/20.6BALSB e nº.64/20.0BALSB - pelos quais se consolidou o entendimento - já antes consagrado em Acórdãos da Secção - segundo o qual: "o n.º 2 do art. 43.º do CIRS, na redacção aplicável, ao prever uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, e não para os não residentes, constitui uma restrição aos movimentos de capitais, incompatível com o art. 63.º do TJUE, não tendo essa discriminação negativa dos não residentes sido ultrapassada pelo regime opcional introduzido no art. 72.º do CIRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, previsto, aliás, apenas para os residentes noutro Estado-membro da UE ou na EEE e não para os residentes em Países terceiros.".
Depois do citado dia 9/12/2020, outros acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário, deste Supremo Tribunal, sedimentaram esta corrente jurisprudencial (cfr.v.g. ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.71/20.3BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 20/01/2021, rec.108/20.6BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/02/2021, rec.115/20.9BALSB; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/02/2021, rec.92/20.6BALSB).
Estando a decisão recorrida em plena sintonia/harmonia com esta jurisprudência do S.T.A., a qual entretanto se consolidou, e tendo o recurso sido admitido, não há que conhecer do respectivo mérito, atento o disposto no artº.152, nº.3, do C.P.T.A., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DO PLENO DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DESTE SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NÃO TOMAR CONHECIMENTO DO MÉRITO DO RECURSO.
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Condena-se a recorrente em custas.
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Registe.
Notifique.
Comunique ao CAAD.
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Lisboa, 24 de Março de 2021


Joaquim Manuel Charneca Condesso (Relator)

O Relator atesta, nos termos do artº.15-A, do Decreto-Lei 10-A/2020, de 13 de Março, o voto de conformidade dos Exº.mos Senhores Conselheiros Adjuntos: Isabel Cristina Mota Marques da Silva; Francisco António Pedrosa de Areal Rothes; Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia; José Gomes Correia; Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos; Aníbal Augusto Ruivo Ferraz; Paulo José Rodrigues Antunes; Gustavo André Simões Lopes Courinha; Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro; Pedro Nuno Pinto Vergueiro; Anabela Ferreira Alves e Russo.
Joaquim Manuel Charneca Condesso