Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0261/16.3BECBR 0342/18
Data do Acordão:04/20/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:APRESENTAÇÃO DA PETIÇÃO
Sumário:I - Até à entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 13/12, em que no seu art. 3.º se estabeleceu que a apresentação de peças processuais nos tribunais administrativos e fiscais fosse efetuada apenas através do próprio sistema (S.I.T.A.F.), era admissível a apresentação dessas peças processuais e documentos por correio eletrónico ou por transmissão eletrónica de dados.

II – Contudo, de acordo com o art. 2.º, g), do Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 2/8, tinha de ser aposta assinatura eletrónica qualificada nas ditas peças, a qual podia assumir a forma de “assinatura digital ou outra modalidade de assinatura eletrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinaturas.

III - Se este último certificado foi aposto com data de 29-12-2014 em petição de impugnação judicial que consta dirigida com documentos para o endereço electrónico de tribunal administrativo, é de considerar a dita como a da prática da apresentação por corresponder à da respetiva “expedição”, nos termos do art. 144.º n.º 1 do C.P.C..

IV - Ainda que não se tenha apurado as razões por que não ocorreu a receção da dita peça processual e documentos no endereço electrónico do tribunal, a parte não pode ser prejudicada, de acordo com o dever de gestão processual e o princípio da boa fé previstos nos artigos 6.º e 8.º do C.P.C..
Nº Convencional:JSTA000P25749
Nº do Documento:SA2202004200261/16
Data de Entrada:12/18/2019
Recorrente:A…………, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. A……, Lda., inconformados com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo (T.C.A.) Norte a 23 de novembro de 2017, interpuseram recurso de revista para o Supremo Tribunal Administrativo, o qual veio a ser admitido, nos termos do artigo 150.º n.º 5 do C.P.T.A., por acórdão de 21 de novembro de 2019.

I. 2. As conclusões de recurso são as seguintes:

I. Vem o presente recurso interposto para o STA do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte nos autos em epígrafe que manteve a sentença proferida em 1ª instância, sentença esta que, por sua vez, julgou verificada a excepção peremptória de caducidade do direito de acção e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido.

II. Entende a Recorrente que a questão em apreço é de FUNDAMENTAL IMPORTÂNCIA, quer do ponto de vista da RELEVÂNCIA JURÍDICA quer da RELEVÂNCIA SOCIAL, bem como por ser NECESSÁRIA PARA UMA MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO.

III. A presente questão assume uma IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DO PONTO DE VISTA JURÍDICO que consiste em determinar quais os aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via electrónica e as consequências da falta de verificação de tais requisitos.

IV. A Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, concretiza a execução daquela norma, regulando o funcionamento do sistema informático dos tribunais administrativos e fiscais (SITAF), estabelecendo aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via eletrónica, que, no seu art.º 2.º, define os requisitos para a apresentação de peças processuais por correio eletrónico.

V. O conceito de "assinatura electrónica avançada" encontra-se definido na alínea c) do art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril.

VI. Considerou o acórdão recorrido que o art.º 6.º do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril tinha aplicação no caso em apreço.

VII. No entendimento da Recorrente, tal norma não só não tem aplicação ao caso concreto, como, a ter, sempre estaria assegurada a hora e a data de expedição da peça processual e documentos enviados por correio electrónico pelo mandatário da Recorrente, bem como a sua validação cronológica.

VIII. Mas ainda que assim não fosse, e se considerasse que então, nesse caso, teria forçosamente de se aplicar o disposto no artigo 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que refere o seguinte: "À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia."

IX. Considera-se justificada a excepcional relevância jurídica da questão em apreço, porquanto a referida jurisprudência encontra-se em contradição com os normativos e com o entendimento supra descrito e, o entendimento adoptado, violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos artigos 2.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art.º 11.º da LGT e no n.º 2 do art. 6.º do NCPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n.º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art. 2.º, al. e) do CPPT, n.º 2 do artigo 102.º do CPPT.

X. Também a questão em análise assume IMPORTÂNCIA FUNDAMENTAL DO PONTO DE VISTA DA RELEVÂNCIA SOCIAL, uma vez que o interesse em causa ultrapassa em muito o interesse das próprias partes em litígio, na medida em que não podem os cidadãos correr o risco de, por falha informática, ver as suas questões não julgadas, pelo que existe a necessidade que a mesma seja esclarecida na perspectiva da optimização na resolução dos litígios, na previsibilidade das decisões e na melhoria do funcionamento da administração da justiça.

XI. Os argumentos aduzidos supra impõem, no entender da Recorrente, a admissão do presente recurso, para uma MELHOR APLICAÇÃO DO DIREITO, não só no caso concreto, mas também para evitar semelhantes situações futuras.

XII. Aplicando o disposto no art.º 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, deveria o Tribunal recorrido ter considerado que o e-mail que continha a peça petição inicial e os documentos foi efectivamente enviado no dia 29.12.2014.

XIII. Não é inócuo que as alterações introduzidas à Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, não tenham acrescentado ou alterado os requisitos contemplados no art. 2.º: os requisitos contemplados noutros diplomas encontram-se assegurados com o ficheiro de formato contemplado nos n.ºs 3 a 5 daquele normativo.

XIV. Com efeito, no dia 29.12.2014 os ficheiros foram todos eles enviados no ficheiro de formato portable document format (pdf) que é um tipo de formato não editável, significando isto que o ficheiro se manterá, sempre, inalterado.

XV. Bastaria consultar a propriedade dos documentos anexos ao e-mail enviado em 21.04.2016 pelo mandatário da Recorrente para verificar que os ficheiros respeitantes à impugnação judicial e aos documentos anexos foram criados em 29/ 12/2014.

XVI. O mandatário da Recorrente cumpriu todos os requisitos contemplados no art.º 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro.

XVII. Ainda que se considerasse aplicável ao caso em apreço as exigências do Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n. 88/2009, de 9 de Abril, a conjugação de folhas 7 e 178 dos autos atestam o envio de uma mensagem de correio electrónico no dia 29/12/2014, assinada digitalmente com certificado digital emitido pela Multicert que se encontrava válido.

XVIII. O que significa que, mesmo que se exigisse a aplicação dos requisitos contemplados no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril, extrapolando a exigência preceituada na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, sempre estariam verificados requisitos legalmente exigidos.

XIX. Ora, caso se admita que a exigência para apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal vai para além do disposto na Portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, e é exigível a validação cronológica, então terá que se fazer uso do disposto naquele normativo da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, referindo que lhes é aplicável o estabelecido para o envio através de telecópia.

XX. Considerando que tal regime está previsto no Decreto-Lei n.º 28/92, de 27 de Fevereiro, e nos termos do n.º 1 do artigo 4.º do referido diploma, sob a epígrafe “força probatória” As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que o acompanhem, quando provenientes do aparelho com número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário. – destaque nosso.

XXI. Aplicando tal norma ao caso em apreço, teria de se presumir como verdadeiro e exacto o envio do referido e-mail no dia 29.12.2014, o que é suportado, aliás, pelos documentos que constam a folhas 7 e 178 dos autos.

XXII. Nas circunstâncias do caso sub judice, ao abrigo da promoção do acesso à justiça (princípio pro actione – consagrado no art. 9.º e no n.º 3 do art.º 11.º, ambos da LGT) e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e em respeito pelo princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, impunha-se ao Tribunal Recorrido que ordenasse ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra que conhecesse do mérito da Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente.

XXIII. O princípio pro actione postula que, ao nível dos pressupostos processuais, se privilegie a interpretação que se apresente como a mais favorável ao acesso ao direito e a uma tutela jurisdicional efectiva e que se pode traduzir na fórmula in dubio pro habilitate instantiae do n.º 4 do art.º 268.º da CRP.

XXIV. É incompatível e desconforme com o princípio da boa-fé e com os princípios constitucionais da segurança e da certeza jurídica, bem como da tutela jurisdicional efectiva, a decisão do Tribunal Recorrido de indeferir liminarmente a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente, com base numa presunção de bom funcionamento dos meios electrónicos disponibilizados pelo IGFEJ e pela entidade certificadora Multicert.

XXV. Pelo que sempre deveria o Tribunal Recorrido ter ordenado a apreciação do mérito da Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente.

XXVI. Mas, mesmo que assim não fosse, sempre deveria o Tribunal Recorrido ter lançado mão da prerrogativa que lhe é conferida pelo n.º 2 do art.º 6.º do NCPC, aplicável ex vi a alínea e) do art.º 2.º do CPPT, providenciando oficiosamente pelo suprimento da falta de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, determinando a realização dos atos necessários à regularização da instância ou, quando a sanação dependa de ato que deva ser praticado pelas partes, convidando estas a praticá-lo.

XXVII. Como última norma infra-constitucional alude-se ao artigo 7.º do CPTA, aplicável por remissão da alínea c) do art.º 2.º do CPPT, que dispõe que para a efectivação do direito de acesso à justiça, as normas processuais devem ser interpretadas no sentido de promover a emissão de pronúncias sobre o mérito das pretensões formuladas; ora, articulando-o com o artigo 7º-A CPTA, depreende-se, portanto, que a Administração deve adoptar uma postura de imparcialidade tão próxima quanto possível da do juiz quando se imponham problemas e expectativas suscitadas no âmbito do procedimento.

XXVIII. Atentas as circunstâncias do caso concreto, a frustração do direito à apreciação do mérito da Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente afigura-se contrária ao art.º 20.º da CRP, por ser excessivamente onerosa, pelo que se justificava, em conformidade com o princípio da tutela judicial efectiva e com o princípio pro actione, que o Tribunal Recorrido tivesse apreciado o mérito da Impugnação Judicial interposto pela Recorrente, ou, pelo menos, que tivesse lançado mão do disposto no pelo n.º 2 do art.º 6.º do NCPC, aplicável ex vi a alínea e) do art.º 2.º do CPPT.

XXIX. Ao aplicar ao caso concreto, num primeiro momento, o disposto no Decreto-Lei n.º 290-D/99, de 2 de Agosto, na redacção do Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9 de Abril e não apenas o preceituado na Portaria n. 1417/2003, de 30 de Dezembro, o Tribunal recorrido, exigindo mais requisitos do que aqueles que estão consagrados para a apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal; e num segundo, não aplicando o disposto no art.º 10.º da Portaria n.º 642/2004, de 16 de Junho, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, o Tribunal recorrido violou os princípios constitucionais e jus-administrativos da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efectiva e da protecção e confiança, corolários do princípio do Estado de Direito Democrático, consagrados nos arts. 2.º, 20.º e 268.º n.º 4 da CRP, que, a nível infra constitucional se encontram plasmados nos 7.º e 7.º-A do CPTA, 9.º e n.º 3 do art.º 11.º da LGT e no n.º 2 do art.º 6.º do NCPC, bem como o disposto nos artigos 590.º, n .º 1 e 577.º do NCPC, aplicáveis ex vi art.º 2.º, al. e) do CPPT.


Devendo a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que considere que a Impugnação Judicial apresentada pela Recorrente deu entrada no dia 29.12.2014 e, nessa medida, foi apresentada tempestivamente, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 102.º do CPPT, assim se fazendo JUSTIÇA!

I.2. O recurso foi admitido, não tendo obtido contra-alegações.

I.3. O magistrado do Ministério Público junto deste tribunal emitiu parecer sustentando, nomeadamente, que “pese embora na portaria n.º 1417/2003, de 30 de Dezembro, o legislador declare visar o estabelecimento de “aspectos específicos da apresentação de peças processuais e documentos por via eletrónica”(…), no que respeita à apresentação via “correio eletrónico” a portaria não prevê qualquer regulamentação”.

E que, não prevendo também o C.P.P.T. qualquer regulamentação específica a este respeito, e por sucessivas remissões, quer do art. 23.º do C.P.T.A., quer do C.P.C., é de recorrer à disciplina da “portaria n.º 642/2004, de 16 de junho, cujo artigo 3.º estabelece os requisitos a que deve obedecer o envio de peças processuais por correio eletrónico, entre as quais se encontra a validação cronológica da expedição, nos termos da alínea u) do artigo 2.º do Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 2/8, mediante a aposição de selo temporal por uma terceira entidade idónea”.

Em conclusão, acaba a sufragar o entendimento das instâncias, bem como que se impõe confirmar o acórdão recorrido, proferido pelo T.C.A. Norte, e ter o recurso de improceder.

1.4. Nada obsta a que se conheça do recurso interposto, tendo os exm.ºs Conselheiros dispensado os “vistos” dos autos.

II. Objeto do recurso.

O objeto do recurso consiste em saber se é válido o envio da petição de impugnação judicial que foi efetuada por “e-mail”, bem como quais as consequências aplicáveis no caso de se entender que faltarem requisitos relativos à validade da sua apresentação.

Com efeito, no acórdão recorrido foi entendido, por aplicação do disposto no art. 6.º do Dec-Lei n.º 290-D/99, de 2/8, na redação do Dec.-Lei n.º 8/2009, de 9/4, que a comunicação depende de validação cronológica e que, tendo a impugnação sido instaurada em 21-4-2016, a mesma é extemporânea, por ultrapassado o prazo de 15 dias previsto no art. 102.º, n.º 2, do C.P.P.T..

Conforme consta das conclusões acima reproduzidas, a recorrente defende nas conclusões XII e seguintes a aplicação do disposto no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30/2, bem como que, a entender-se aplicável o disposto no referido Dec.-Lei n.º 290-D/99, no que concerne ao envio de peças processuais não validadas cronologicamente, a cominação aplicável é a prevista no art. 10.º da Portaria n.º 624/2004, de 16/6, bem como no Dec.-Lei n.º 28/92, de 27/2, de 27/2, ou seja, presumir-se verdadeiro o envio até prova em contrário.

Invoca ainda que, com o entendimento tido, ocorre a violação dos princípios constitucionais e jus-administrativos, da segurança e certeza jurídica, da tutela jurisdicional efetiva e da proteção e confiança, princípios do Estado de Direito Democrático consagrados a C.R.P. e do disposto nos artigos 590.º n.º 1 e 577.º do C.P.C..

III. Fundamentação.

III.1. De facto.

Dá-se por reproduzida a matéria de facto constante do acórdão recorrido, proferido pelo T.C.A. Norte – art. 663.º n.º 6 do C.P.C..

III. 2. Quanto à validade do envio da petição de impugnação judicial por “e-mail” e requisitos aplicáveis:

Quanto à validade da apresentação de petição de impugnação judicial, por “e-mail”, ou seja, por correio eletrónico, à data de 29-12-2014, resulta aplicável o disposto no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003, de 30/12, na redação dada pelo artigo 26.º da Portaria n.º 114/2008, de 6/2.

De acordo com essa disposição, a dita apresentação podia ter lugar por “correio eletrónico ou transmissão eletrónica de dados através do endereço http://www.taf.mj.pt”.

Segundo o preâmbulo constante da referida Portaria, esta possibilidade radica no desenvolvimento da aplicação informática “S.I.T.A.F.”, para os processos dos Tribunais Administrativos e Fiscais, pela qual se visou maior celeridade e flexibilidade na tramitação dos ditos processos.

Quanto a estes processos continuava a ser admissível a apresentação de peças processuais e documentos por correio eletrónico ou por transmissão eletrónica de dados através do endereço indicado, regime que só cessou com a entrada em vigor da Portaria n.º 380/2017, de 13/12, em que no seu art. 3.º se estabeleceu que tal apresentação fosse efetuada apenas através do próprio sistema (S.I.T.A.F.).

Contudo, outros requisitos de validade eram previstos no art. 2.º da Portaria n.º 1417/2003: assim, no que respeita aos ficheiros de suporte e forma de os transmitir, ter de ser utilizado formato próprio -“tagged image file format” (tif), ou “portable document format” (pdf), e os documentos previamente digitalizados; bem como ainda que “requer a utilização de assinatura eletrónica qualificada”, conforme previsto no seu n.º2.

Do probatório, resulta que o mandatário da ora recorrente procedeu a 29-12-2014, à aposição de assinatura digital com certificado MULTICERT, pelas 16:02:55, em mensagem, datada do mesmo dia, pelas 15:03, com anexos de impugnação judicial, documentos, procuração e taxa de justiça, todas em formato “pdf”, em que consta ainda a identificação do endereço do dito mandatário e para “correiocoimbra.taf.mj.pt”.

No texto da referida mensagem era referida a impossibilidade de envio pelo “sitaf”, sendo ainda identificadas como impugnante A…………, Lda. e como impugnada a Direção de Finanças de Coimbra.

Não resulta que a dita mensagem tenha sido rececionada no dito endereço electrónico do Tribunal Administrativo e Fiscal (T.A.F.) de Coimbra.

Contudo, quanto à assinatura eletrónica utilizada resulta respeitado o art. 2.º g) do Dec.-Lei n.º 290-D/99, de 2/8, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 88/2009, de 9/4, que regula ainda a “validade, eficácia e valor probatório dos documentos eletrónicos, a assinatura eletrónica e a actividade de certificação de entidades certificadoras em Portugal”.

Com efeito, de acordo com essa disposição, a assinatura eletrónica qualificada pode assumir a forma de “assinatura digital ou outra modalidade de assinatura eletrónica avançada que satisfaça exigências de segurança idênticas às da assinatura digital baseadas num certificado qualificado e criadas através de um dispositivo seguro de criação de assinaturas.

E não há dúvidas que o certificado MULTICERT nesta última forma se insere, bem como que tenha sido aposto na data 29-12-2014 pelas 16:02:55.

De acordo com art. 144.º n.º 1 do C.P.C. aplicável por remissão do art. 23.º do C.P.T.A., subsidiariamente aplicável, é de considerar como data da prática do ato a da respetiva “expedição”, conforme assinalado, entre outros, no acórdão do T.C.A. Norte de 15-4-2010, proferido no processo 01311/09.5BEBRG, da Secção do Contencioso Administrativo (e em que foi relator o ora Conselheiro José Augusto Veloso, subscrito também pelos ora Conselheiros Lino Ribeiro e Carlos Carvalho), a respeito da correspondente anterior disposição constante do art. 150.º do C.P.C..

Ainda assim, e de acordo com essa mesma disposição do C.P.C., a apresentação da petição e documentos depende da sua receção no tribunal.

III. 3. Quanto à cominação aplicável à não receção da petição de impugnação judicial e documentos.

Não se tendo apurado as razões por que não ocorreu a receção da peça processual e documentos remetidos via eletrónica, a parte não pode ser prejudicada, de acordo com o dever de gestão processual e o princípio da boa fé previstos nos artigos 6.º e 8.º do C.P.C..

Tal o que foi já decidido pelo S.T.J. em acórdão proferido a 19-6-2019, proferido no proc. 1418/14.7TBEVR.EI-A.S1, acessível em www.dgsi.pt, em caso relativo em que não foi conseguido o envio de alegações, mas em que teve posteriormente lugar a remessa de cópia, de acordo com despacho proferido, e em que foi ainda ponderado que a evolução tecnológica leva a um elevado grau de tolerância quanto ao justificado recebimento pelos tribunais, com o que não se pode deixar de concordar.

Nesse sentido vai o despacho proferido pelo sr. Desembargador Presidente do T.A.F. de Coimbra que determinou que o impugnante pudesse apresentar peças processuais, entre as quais uma com data de 29-12-2014, que corresponde à que deu origem aos presentes autos, ainda que sujeitando tal a posterior apreciação judicial.

Nos termos expostos, e sendo de admitir como válida a data da impugnação judicial de 29-12-2014, bem como de revogar o decidido quanto à caducidade do direito de ação, é ainda de mandar baixar os autos ao T.A.F. de Coimbra, a fim de que seja proferida decisão quanto aos vícios alegados pela impugnante, tidos por prejudicados na sentença proferida em 1.ª instância.

IV. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogando o decidido no que respeita à caducidade do direito de ação, e determinando que os autos baixem ao T.A.F. de Coimbra, a fim de que seja proferida decisão quanto aos vícios alegados pela impugnante.

Lisboa, 20 de abril de 2020. - Paulo Antunes (relator) - Aragão Seia - Joaquim Condesso.