Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01915/16.0BEBRG
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
DESPACHO DE REVERSÃO
Sumário:No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele ato e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente.
Nº Convencional:JSTA000P28415
Nº do Documento:SA22021102701915/16
Data de Entrada:01/23/2020
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A.........
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A representação da fazenda pública junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, interpôs recurso da sentença daquele tribunal que julgou totalmente procedente a oposição a execução fiscal interposta por A…………, contribuinte fiscal n.º …………, com domicílio indicado na Rua …………, n.º ………., freguesia de Adaúfe, concelho de Braga e, em consequência, determinou a extinção da execução quanto ao oponente.

Recurso este que foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…)

I - Ressalvado o devido respeito, com o que desta forma foi decidido não se conforma a Fazenda Pública, pelas razões que passa a expender.

II - A sentença sob recurso julgou o Oponente não responsável pelo pagamento da dívida exequenda, considerando que o despacho que efetivou a reversão da execução fiscal contra o Oponente e responsável subsidiário não cumpria o dever legal de fundamentação.

III - Como decorre do probatório e da fundamentação da decisão, não existiu uma avaliação de mérito da matéria controvertida que possa motivar a extinção da execução contra o Oponente, tal como a M.ª Juiz a determina.

IV - Pelo que a douta sentença sob recurso ao considerar verificado o vício formal do despacho de reversão deveria limitar-se a anular o despacho de reversão por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação.

V - Dúvidas não existem que os vícios formais do despacho de reversão se podem erigir em fundamento de oposição à execução fiscal, integrando a previsão da alínea i) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT.

VI - No entanto, a procedência da oposição com esse fundamento terá como consequência, a anulação do ato de reversão e consequentemente a absolvição do oponente da instância executiva.

VII - Absolvição da instância que, contrariamente à extinção da execução fiscal, não impede o órgão da execução fiscal de proferir novo despacho de reversão em que, desta vez fundamentando suficientemente o ato, sane o vício que determinou a anulação.

VIII - Ou seja, nos casos em que a anulação do ato administrativo é motivada por um mero vício de forma, a Administração Fiscal pode executar uma decisão anulatória praticando um ato de sentido idêntico, mas sem o vício que o afetava, faculdade que a decisão sob recurso inviabiliza.

IX - Destarte, a douta decisão, julgando a oposição procedente deveria determinar a anulação da decisão que operou a reversão contra o Oponente.

X - Ao não se decidir assim, a douta sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do Direito.

XI - Decidindo doutro modo, a douta decisão violou os artigos 101° e 124° do CPPT, 153° do CPA e 608º, n.º 1 do CPC, pelo que não pode manter-se.».

Pediu fosse concedido provimento ao recurso.

O Recorrido apresentou contra-alegações, que rematou com as seguintes conclusões: «(…)

- Contrariamente ao doutamente alegado pela recorrente, não deverá ser revogada a douta decisão proferida em primeira instância, que julgou procedente e provada a oposição deduzida pelo recorrido.

- De facto, não colocando em causa a factualidade dada por assente em primeira instância, e, concretamente, não pondo em crise a falta de invocação ou comprovação da insuficiência patrimonial, vem a recorrente invocar que tal falta ou omissão apenas conduziria à absolvição da instância e não à procedência da oposição.

- Ora, entende o recorrido que assim não é.

- De facto conforme resulta dos diversos preceitos, quer do CPPT, quer da LGT, a reversão de dívidas fiscais por débitos das responsáveis subsidiárias depende da verificação de certos pressupostos.

- Assim, nos termos conjugados do artº 153º, nº 2 do CPPT, e do artº 23, nº 2 da LGT, a reversão de dívidas de natureza fiscal reverterá contra os gerentes ou administradores de uma determinada responsável originária, caso ocorra insuficiência patrimonial desta última, e, ao mesmo tempo ocorra acção ou omissão culposa por parte dos gerentes, determinante de tal insuficiência patrimonial causal do não pagamento dos tributos em questão.

- Ora, como é entendimento pacífico da doutrina e jurisprudência dominantes, terá de ser alegado e comprovado pela administração fiscal logo que é proferido o despacho de reversão, pois que, e desde logo, a invocada reversão depende da verificação e comprovação de tal pressuposto ou requisito.

- Sendo certo que, é sobre a administração tributária que recai o ónus da prova da matéria fáctica que integrará o conceito de insuficiência patrimonial, cabendo assim à mesma o ónus de demonstrar e comprovar que à data da tomada de decisão de reversão inexistia activo, ou, pelo menos activo suficiente para fazer face à dívida fiscal em execução, o que terá de fazer nos próprios autos carreado para o processo elementos probatórios concretos acerca de tal insuficiência, e invocando, nesse sentido, factos concretos que espelhem tal situação de insuficiência.

- No caso em apreço nos autos, e como aliás é confessado pela recorrente a propósito da insuficiência patrimonial, limita-se a administração fiscal a fazer uma referência genérica, vaga e “standarizada” ao IES apresentado pela responsável originária, daí retirando a conclusão infundamentada da inexistência ou insuficiência patrimonial.

- Ora, tal invocação genérica demonstra por si só que não ocorreu qualquer actividade instrutória por parte da Autoridade Tributária no sentido de se apurar a realidade financeira patrimonial da responsável originária, o que determina desde logo a falta de fundamentação da sua decisão de revisão.

- E referida falta de fundamentação, e consequente falta de comprovação de insuficiência patrimonial, equivalerá não a uma mera “irregularidade” processual, mas deverá conduzir à conclusão de absoluta falta de prova e de alegação de um pressuposto essencial para que a execução pudesse reverter, o que também necessariamente terá de conduzir, tal como conduziu, à conclusão da inverificação de um pressuposto essencial.

- Como tal, bem andou o Tribunal recorrido ao decidir como decidiu, julgando totalmente procedente por provada a oposição deduzida pelo recorrido, com fundamento na sua ilegitimidade, já que este só poderia ser responsabilizado subsidiariamente caso se verificassem os requisitos consignados na lei tributária, e, primeiramente, caso se invocasse e alegasse a insuficiência patrimonial da responsável subsidiária.

- Por seu turno, e contrariamente ao invocado pela recorrente, tal falta do pressuposto que se vem de referir não constitui um mero vício de natureza adjectiva ou processual, mas sim um requisito essencial de natureza substantiva, sem a verificação do qual não poderia, tal como não poderá, reverter a execução.

- Deste modo, fez a douta Decisão proferida em 1ª instância correcta apreensão dos factos e da sua falta, fazendo, de igual modo, correcta aplicação do direito, não tendo violado qualquer preceito legal.

- Como tal, impõe-se a manutenção da douta Decisão recorrida, pois que assim será feita a cabal e já costumada JUSTIÇA!».

Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público.

O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, onde concluiu que o presente recurso merece provimento.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


◇◇◇

2. O Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga relevou e deu como provados os seguintes factos:


A) Pela AT - SF de Braga-1, foi instaurada a execução fiscal n.° 0361200701050974, contra a devedora originária “B……….., Lda.”, Contribuinte Fiscal n.º …………., relativa a dívidas de IRS [retenções na fonte] e IRC, do ano de 2007, no montante total à data da instauração do processo de € 25.361,56 [cfr. certidões dívidas nºs 2007/458220, 2007/458277, 2007/458281, 2007/458283, 2007/458286 e 2007/458291 juntas ao PEF apenso aos presentes autos de fls. 3 a 19], à qual acrescem juros de mora e custas perfazendo o valor global de € 40.765,24 – cf. fls. 1 e ss. do PEF apenso;

B) Na Conservatória do Registo Comercial de Braga, pela Ap. 07/19710209, foi registada a constituição da sociedade comercial “B..........., Lda.”, Contribuinte Fiscal nº .........., tendo como objecto a “Exploração de uma fábrica de segmentos”, na qual figuram como sócios e gerentes A………., C………… e D…………;

C) Na Conservatória do Registo Comercial de Braga, pela Ap. 60/20091230, foi registada a cessação de funções de membro dos órgãos sociais da sociedade comercial “B…………, Lda.”, Contribuinte Fiscal nº ……….., por renúncia de 23/12/2009, do gerente A…………;

D) Em 15-04-2014, no PEF a que se alude em A. foi proferido despacho de reversão contra o aqui oponente, constando, quanto aos fundamentos da reversão:

Fundamentos de emissão central.

Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT): decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal.

Gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT):

Gerência de facto, decorrente da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora originária no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais).

- cf. fls. 24 do PEF apenso, acessível para consulta a fls. 85 da paginação electrónica, na sequência de despacho a ordenar a sua digitalização;

E) Dá-se por reproduzida a informação oficial constante de fls. 29 da numeração electrónica da PI, da qual consta:

Informação considerada relevante (n.º 1 do art. 208.º do CPPT)

Da análise da matéria de facto e de direito fundamentada na decisão de reversão esta foi efectuada nos termos seguintes:

a) Que decorrente de situação líquida negativa (SLN) declarada pela devedora originária na última declaração referente à Informação Empresarial Simplificada (IES) e/ou em face de insolvência declarada pelo Tribunal, apura-se a Insuficiência de bens da devedora originária (art.º 23/2 e 3 da LGT);

b) Que se verifica a gerência (administrador, gerente ou director) de direito (art.º 24/1/b da LGT), no terminus do prazo legal de pagamento ou entrega do imposto em questão, conforme cadastro da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT);

c) Que a gerência de facto decorre da remuneração da categoria A, auferida ao serviço da devedora no período em questão (direito constante nos artigos 255.º e/ou 399.º do Código das Sociedades Comerciais).”.

F) O autor deduz a presente oposição ao PEF identificado em A.


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3. A única questão a decidir é a de saber se o tribunal de primeira instância incorreu em erro de julgamento ao determinar a extinção da execução fiscal quanto ao Oponente (ora Recorrido).

Ou seja, o âmbito do recurso reconduz-se ao segmento decisório em que foi fixada a consequência da procedência da oposição.

Com efeito, a Recorrente não contesta o conhecimento da questão da falta de fundamentação no âmbito da oposição. E também não contesta que o despacho de reversão padece do vício forma de falta de fundamentação.

O que a Recorrente contesta é que da procedência da oposição com base nesse vício derive a extinção da execução fiscal quanto ao Oponente. Porque, no seu entendimento, da procedência da oposição com tal fundamento deriva (apenas) «a anulação do ato de reversão» e a «absolvição do oponente da instância executiva» (conclusão “VI.”).

Ora, esta questão já foi apreciada pelo Supremo Tribunal Administrativo. No acórdão de 10 de outubro de 2012, tirado no processo n.º 0726/12, concluiu-se que, efetivamente, «No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele acto e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente (pois não foi feito qualquer juízo quanto ao mérito da matéria controvertida), de modo a não obviar à possibilidade do órgão de execução fiscal proferir um novo acto de reversão, expurgado do vício que determinou a anulação do anterior acto, possibilidade que lhe assiste em virtude do motivo determinante da anulação ser de carácter formal.» (conclusão “III” do acórdão).

Este entendimento tem sido seguido posteriormente (como deriva dos acórdãos de 22/04/2015, de 16/12/2015, de 19/04/2017, de 11/04/2018 e de 26/06/2019, tirados nos processos 0511/14, 0361/14, 01114/16, 0978/17 e 9/15.0BEMDL, respetivamente), e não se vê, agora, fundamento para o rever ou modificar.

Pelo que o recurso merece provimento.


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4. Conclusão

No caso de a oposição ser julgada procedente com fundamento na falta de fundamentação do despacho de reversão, a decisão a proferir pelo tribunal deverá ser de anulação daquele ato e consequente absolvição do oponente da instância executiva por falta de legitimidade processual e não a extinção da execução quanto ao oponente.


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5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida na parte em que julgou extinta a execução quanto ao Oponente e substituir essa parte da decisão pela de absolvição do Oponente da instância executiva.

As custas do presente recurso ficam a cargo do Recorrido.

Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.