Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0308/07
Data do Acordão:11/28/2007
Tribunal:2 SUBSECÇÃO DO CA
Relator:POLÍBIO HENRIQUES
Descritores:RECURSO CONTENCIOSO
ALEGAÇÕES
REMISSÃO PARA A PETIÇÃO
ÓNUS DE ALEGAÇÃO
CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM
RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL
INDEMNIZAÇÃO
ESTADO
TRIBUNAL
NEXO DE CAUSALIDADE
ATRASO NA DECISÃO
PRAZO RAZOÁVEL
DEMORA NA ADMINISTRAÇÃO DA JUSTIÇA
Sumário:I - A alegação de recurso jurisdicional por remissão para alegação anterior que contém conclusões, cumpre o ónus de alegar e concluir, desde que a remissão conjugada com a peça processual remitida tenha capacidade significante suficiente para, sem alternativas de sentido, dar a conhecer aos intervenientes no processo a posição da parte sobre o objecto do processo e os fundamentos por que deve ser concedida a tutela demandada.
II - A violação do direito a uma decisão em prazo razoável, consagrado no art. 20º/4 da Constituição da República Portuguesa e no art. 6 § 1º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, não confere direito automático a uma indemnização, independentemente da existência de danos.
III - A decisão sobre o nexo de causalidade adequada, na sua vertente de pura condicionalidade, no plano naturalístico, integra um juízo de facto que o tribunal de revista só pode sindicar se estiver em causa a inobservância das regras do direito probatório material.
IV - O art. 13º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem consagra o princípio da subsidiariedade, segundo o qual compete às autoridades nacionais, em primeiro lugar, reparar as violações da mesma Convenção.
V - Na densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e de danos morais indemnizáveis, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará, seguramente, um papel de relevo.
VI - Tendo-se provado, em caso de violação do art. 6º § 1º da Convenção, que os autores sofreram, em termos causalmente adequados, de ansiedade, depressão e angústia, tais danos são indemnizatoriamente relevantes para reparação da parte lesada.
Nº Convencional:JSTA00064647
Nº do Documento:SA1200711280308
Data de Entrada:05/29/2007
Recorrente:A... E MULHER
Recorrido 1:ESTADO PORTUGUÊS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC EXCEPC REVISTA.
Objecto:AC TCA NORTE DE 2007/01/18.
Decisão:PROVIMENTO PARCIAL.
Área Temática 1:DIR ADM CONT - REC JURISDICIONAL / RESPONSABILIDADE EXTRA.
Área Temática 2:DIR INT PUBL - DIR HOMEM.
DIR PROC CIV.
Legislação Nacional:CONST97 ART2 ART8 N2 ART18 N1 ART20 N4 ART22 ART277.
CPTA02 ART2 N1 ART150 N2 N4.
CCIV66 ART70 ART494 ART496 N1 ART563 ART564 N1.
CPC96 ART2 N1.
Referências Internacionais:CONV EUR DIREITOS DO HOMEM ART6 PAR1 ART13 ART19 ART46 N1.
Jurisprudência Nacional:AC STA PLENÁRIO PROC21240 DE 2002/01/30.; AC STA PROC1164/06 DE 2007/01/17.; AC STA PROC127/03 DE 2005/05/31.; AC STJ PROC03A3883 DE 2003/06/11.; AC STJ PROC05B294 DE 2004/06/29.; AC STA PROC1214/02 DE 2004/10/27.; AC STA PROC395/05 DE 2005/06/29.; AC STA PROC43994 DE 1999/06/09.; AC STA PROC39934 DE 2005/03/08.; AC STA PROC1328-A/03 DE 2007/04/24.
Jurisprudência Internacional:AC TEDH PROC2634/03 DE 2007/01/09.
AC TEDH PROC27726/03 DE 2007/01/09.
AC TEDH PROC64/890/01 DE 2003/03/29.
DECIS TEDH DE 2003/03/22 SILVA TORRADO CONTRA PORTUGAL.
AC TEDH PROC62361/00 DE 2006/03/29.
AC TEDH PROC12369/86 DE 1991/06/26.
AC TEDH PROC3028/03 DE 2005/04/21.
AC TEDH PROC46462/99 DE 2002/03/21.
AC TEDH PROC58617/00 DE 2004/04/29.
Referência a Doutrina:ALBERTO DOS REIS CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL ANOTADO VV PAG358.
GOMES CANOTILHO IN RLJ ANO123 PAG306.
JORGE MIRANDA MANUAL DE DIREITO CONSTITUCIONAL TIV PAG268.
RUI DE MEDEIROS ENSAIO SOBRE A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO POR ACTOS LEGISLATIVOS PAG112.
ANTUNES VARELA DAS OBRIGAÇÕES EM GERAL 10ED PAG542 - PAG544 PAG606 PAG900.
ALMEIDA E COSTA DIREITO DAS OBRIGAÇÕES 9ED PAG549 PAG711.
RUI DE ALARCÃO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES PAG281.
PIRES DE LIMA E OUTRO CÓDIGO CIVIL ANOTADO VI 4ED PAG499 NOTA1.
PESSOA JORGE ENSAIO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL PAG371.
JORGE MIRANDA E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA T1 PAG216.
MOURA RAMOS A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM SUA POSIÇÃO NO ORDENAMENTO JURÍDICO PORTUGUÊS IN BDDC N5 PAG95.
IRENEU CABRAL BARRETO A CONVENÇÃO EUROPEIA DOS DIREITOS DO HOMEM PAG35.
GOMES CANOTILHO E OUTRO CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ANOTADA VI 4ED PAG260.
SÉRVULO CORREIA E OUTROS ESTUDOS DE DIREITO ADMINISTRATIVO PAG60.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
1. RELATÓRIO
A… e mulher B…, devidamente identificados nos autos, interpõem para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art.150º/1 do CPTA, recurso de revista do acórdão do TCA Norte, de 18 de Janeiro de 2007, proferido a fls. 390-407 dos autos e que negou provimento ao recurso interposto de sentença do TAF do Porto, tendo esta julgado improcedente a acção administrativa comum, sob a forma ordinária, que haviam intentado contra o Estado Português com fundamento em atraso na administração da justiça.
1.1. Apresenta alegações com as seguintes conclusões:
1. Dão-se aqui reproduzidas e integradas para todos os efeitos legais, ponto por ponto, vírgula por vírgula, as conclusões das alegações no recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte;
2. O Estado deve ser condenado nos precisos termos do pedido;
3. O acórdão, aliás douto, violou além do que consta nas referidas alegações e conclusões, o artigo 20º, nº 4 da CRP e o artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
4. Como violou a jurisprudência do Tribunal Europeu,
5. As normas atrás referidas deveriam ser interpretadas em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu, dando-se razão aos Autores.
São as seguintes as conclusões dadas como reproduzidas no ponto 1. supra:
1. O Estado deve ser condenado nos precisos termos do pedido;
2. Para efeito do ressarcimento dos danos morais, nada mais tinham os autores que alegar;
3. Segundo o TEDH, a matéria alegada, quanto a danos morais constitui um facto notório e resulta das regras da experiência, obrigando o Estado a indemnizar a vítima de violação do art. 6º da Convenção;
4. Na sentença deu-se como provado que o autor teve prejuízos de especial gravidade, quer morais, quer materiais;
5. Estão preenchidos todos os pressupostos da obrigação de indemnizar;
6. O artigo 22º da Constituição não exige a existência de dano e é directamente aplicável por força do artigo 18º da CRP;
7. Violado que foi o artigo 20º da CRP, no seu segmento direito à justiça em prazo razoável, automaticamente têm os autores direito a uma indemnização.
8. O artigo 20º, nº 4, da CRP garante que as decisões judiciais sejam tomadas em prazo razoável;
9. Portanto, o artigo 496º, nº1 do Código Civil está de acordo com tais disposições constitucionais e, quando não estivesse, tinha de ser interpretado em consonância com as mesmas;
10. O Tribunal interpretou tal artigo no sentido de não serem indemnizáveis os danos morais causados pela violação dum direito ou garantia constitucional quando deveria sê-lo em sentido contrário;
11. Por força do artigo 496º, nº 1 do Código Civil, sob a epígrafe danos não patrimoniais, “na fixação de indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua natureza mereçam a tutela do direito”. Este artigo deve ser interpretado no sentido de serem graves e merecerem a tutela do direito os danos morais causados com a violação de direitos constitucionais, sob pena de violação dos artigos 18º, nº 1, 20º, nº 4, 22º da CRP.
12. Não sendo assim entendido é inconstitucional o artigo 496º, nº 1 do CC, por violação das disposições precedentes;
13. É a lei ordinária que deve ser interpretada de acordo com a Constituição e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e seus Protocolos e não o contrário.
14. Por outro lado, se a Constituição e/ou a Convenção garantem o direito a uma indemnização, não se pode interpretar a lei ordinária em sentido contrário.
15. Relembre-se que essa lei ordinária, pela forma como seja interpretada, pode violar ainda o artigo 8º, nºs 1, 2 e 3 da Constituição.
16. Não está em causa a responsabilidade dos juízes, mas do Estado.
17. O tribunal ignorou a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem.
18. A sentença e o Estado Português violam os artigos 6º, 13º, 34º, 35º, 41º e 46º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o artigo 1º do Protocolo nº 1.
19. As despesas constantes das alíneas b) a g) do pedido são devidas ao facto do incumprimento do prazo razoável, constituindo por isso um prejuízo ou dano indemnizável;
20. Atendendo ao que atrás consta e das alegações foram violadas por errada interpretação e aplicação as disposições dos artºs 18º, nº 1, 20º, nº 4 e 22º da CRP, bem como o art. 6º, nº 1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem e o art. 1º do Protocolo nº 1 anexo à Convenção ainda os arts. 508º, nº 1 –b) e 668º, nº 1, alíneas b) e d) do CPC e ainda o art. 88º do CPTA;
21. Que deveriam ter sido interpretados e aplicados no sentido das conclusões anteriores;
22. Deve dar-se provimento ao recurso, condenando-se o Estado Português nos precisos termos constantes do pedido na P.I.
1.2
O Estado Português apresentou contra – alegação na qual formulou as seguintes conclusões:
1- O recurso de revista previsto no nº 1 do art. 150º do CPTA, que se consubstancia na consagração de um duplo grau de recurso jurisdicional, ainda que apenas em casos ocasionais, tem por objectivo possibilitar a intervenção do STA nos casos em que a questão apreciar se justifique devido à sua relevância jurídica ou social ou quando a admissão do recurso seja manifestamente necessária para uma melhor aplicação do direito.
2- Impendendo sobre o recorrente o ónus de alegação dos pressupostos de admissibilidade do recurso, apreciando o articulado em causa verifica-se que, quer nas alegações, quer nas suas conclusões, são omitidos por completo qualquer referência àqueles pressupostos e que, apenas no requerimento de interposição do recurso se limitam a enunciar tais pressupostos mas não os demonstrando ou fundamentando.
3- De tal articulado não sobressai questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, sendo certo que um dos requisitos, condição necessária e suficiente da importância de uma questão, será por um lado, a complexidade das operações lógicas e jurídicas indispensáveis para a resolução do caso e, por outro lado, a capacidade de expansão da controvérsia, ou seja, a possibilidade de esta ultrapassar os limites da situação singular e se repetir, nos seus traços teóricos, num número indeterminado de casos futuros – cf- Acórdão do STA de 23.8.2004, Proc. nº 903/04.
4 - Dado o seu carácter verdadeiramente excepcional, por não ocorrerem os pressupostos contidos no citado art. 150º do CPTA, não é de admitir o recurso excepcional de revista.
5- Os recorrentes não cumprem o ónus de alegar nem o ónus de concluir, não observando o disposto no art. 690º do CPC, razão pela qual, o recurso é de rejeitar por carência de objecto.
6- A argumentação desenvolvida nas alegações e as conclusões apresentadas ao remeter e dar por reproduzidas as alegações e conclusões apresentadas no Tribunal Central Administrativo Norte e, sem acrescentar qualquer facto ou argumento novo, não conduzem a uma solução diversa da pugnada na decisão questionada.
7 - A decisão recorrida fez correcta interpretação e aplicação das normas legais, não violando qualquer normativo, designadamente os invocados pelos recorrentes.
8 - A questão objecto do recurso não assume relevância jurídica e social já que não projecta os seus efeitos para além da esfera jurídica dos recorrentes, nem tão pouco se vislumbra que seja claramente necessária a admissibilidade do recurso para permitir uma melhor aplicação do direito já que as instâncias decidiram a questão no mesmo sentido, perdendo substancialmente o seu carácter controvertido pelo que se conclui “não necessitar de qualquer esclarecimento no quadro do recurso excepcional de revista”.
Nesta conformidade, deve ser mantido o Douto Acórdão recorrido e negado provimento ao recurso.
1.3. A formação prevista no nº 5 do art. 150º do CPTA, pelo acórdão de fls. 431-434, considerou verificados os pressupostos de admissibilidade do recurso de revista, considerando, no essencial, que:
“(…)
As questões jurídicas (…) decididas apresentam relevância jurídica e social por se reportarem à tutela judicial de direito pessoal com consagração constitucional – art. 20º, nº 4 –bem como no art. 6º da CEDH, o direito à decisão em prazo razoável da causa em que intervenham e também às formas de efectivar este direito através dos tribunais nacionais.
Essa relevância também resulta do conhecimento público e divulgação dada aos casos em que o Estado Português e outros estados europeus foram demandados perante o TEDH.
É ainda de referir que as questões suscitadas, em especial a interpretação do disposto no art.º 496 do CCivil quanto a saber se a existência de danos morais relevantes, por demora excessiva na administração da justiça, constitui, em princípio, um facto notório que resulta da experiência comum, não se reconduz a apreciação exclusivamente de facto, já que incorpora uma avaliação de direito sobre o modo como pode ser provado um facto, uma avaliação jurídica sobre a relevância do conhecimento comum, bem como sobre o dever de os tribunais efectuarem esse juízo para além da apreciação da prova oferecida pelas partes.
Pretendem pois os AA, com efeito útil para a acção, uma pronúncia sobre o valor jurídico a conferir, nesta matéria, ao conhecimento comum. A decisão a proferir sobre esta questão jurídica tem relevância para outras questões idênticas na medida em que a jurisprudência deste Tribunal encontre acolhimento, pelo que pode contribuir para a melhor aplicação do direito”
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. OS FACTOS
No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
a) No dia 18 de Janeiro de 1995, os aqui requerentes, A… e mulher, B…, interpuseram junto do Tribunal de Circulo e Comarca de Matosinhos uma Acção Sumária para Despejo contra C…, LDA;
b) Tal acção foi distribuída ao 4º Juízo Cível do Tribunal de Circulo e Comarca de Matosinhos, com o nº. 252/1995;
c) A sociedade C…, LDA (Ré) apresentou, no âmbito dos autos supra referidos, a sua contestação em 26 de Maio de 1995;
d) No dia 8 de Junho de 1995, A… e mulher, B…, requereram o despejo da ré:
e) Requerimento reiterado pelos requerentes em 11 de Março de 1996, 4 de Junho de 1997 e 30 de Outubro de 1997;
f) O requerimento a que se referem as sobreditas alíneas C) e D) foi alvo de decisão por despacho judicial exarado em 4 de Novembro de 1998;
g) Por despacho do tribunal exarado em 15 de Novembro de 2000, foi fixado o valor da acção em 22.737,70€ (4.558.500$00), determinando ainda que os autos tramitassem sob a forma ordinária de declaração;
h) Por despacho do Tribunal exarado em 24 de Janeiro de 2001, foi marcada a audiência preliminar para o dia 14 de Março de 2001;
i) A… e mulher, B…, por requerimento datado de 5 de Fevereiro de 2002, arguiram, no âmbito dos autos referidos na sobredita alínea B), a nulidade decorrente da omissão de notificação da sentença ao mandatário dos autores na acção;
j) Por despacho judicial exarado em 6 de Março de 2002, foi julgada improcedente a nulidade arguida;
k) Do despacho a que se refere a sobredita alínea J), interpuseram, A… e mulher, B…, recurso de agravo para o Tribunal da Relação do Porto,
l) Por Acórdão de 16 de Dezembro de 2002, decidiu o Tribunal da Relação do Porto “conceder provimento ao recurso de agravo e revogar o despacho recorrido que deverá ser substituído por outro que, declarando verificada a arguida nulidade, ordene a notificação das sentenças ao mandatário dos agravantes”;
m) Por despacho exarado em 3 de Fevereiro de 2003, foi ordenada a notificação ao Mandatário A… e mulher, B… de todas as decisões proferidas na audiência preliminar;
n) Os Autores, A… e mulher, B… nasceram, respectivamente, em 6 de Agosto de 1935 e 4 de Março de 1940;
o) Os encargos suportados pelos Autores com o presente processo ascendem, actualmente, o montante de € 2.120, 40;
p) Os Autores apresentaram junto do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem uma queixa contra o Estado Português com fundamento na violação do disposto no nº.1 do artigo 6º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
q) Tal queixa foi rejeitada pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, por decisão datada de 8 de Setembro de 2003 com fundamento no inesgotamento dos meios internos;
r) A decisão proferida pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem remeteu para as decisões de 27 de Março de 2003 e 22 de Maio de 2003, Paulino Tomás e Gouveia da Silva Torrado contra Portugal;
s) Os Autores mantiveram-se numa situação de incerteza durante anos, nomeadamente no que tange à planificação das decisões a tomar;
t) Os Autores não puderam organizar-se;
u) Os factos em causa causaram ansiedade, depressão, angustia, incerteza, preocupações e aborrecimentos aos Autores;
v) A Sociedade C…, LDA, Ré
nos autos relativos à Acção nº. 252/1995, não pagou as rendas do espaço contratado com os Autores no período relativo a 1 de Outubro de 1994 a 1 de Outubro de 1995;
w) O valor da renda devida pela ocupação do prédio era, inicialmente, de 100.000$00;
y) O valor da renda devida pela ocupação do prédio, a partir de Janeiro de 1995, era de 104.500$00;
x) Os Autores desistiram do pedido formulado nos autos relativos à Acção referida nas alíneas A) e B) da Matéria Assente, em virtude da Sociedade C…, LDA, Ré nos autos relativos à Acção nº. 252/1995, não possuir qualquer património;
z) Os autos relativos à Acção nº 252/1995, referida nas alíneas a) e b) da matéria assente, estiverem parados entre 15.09.95 e 19.05.97 e entre 04.06.1999 e 14.07.2008.
2.2. O DIREITO
2.2.1. O Estado Português, na sua alegação, defende que não deve conhecer-se do presente recurso de revista, porque os recorrentes não cumpriram, correctamente, o ónus de alegar e concluir.
Na sua óptica, a deficiência determinante do não conhecimento radica na circunstância de os recorrentes terem optado por alegar e concluir por remissão para a alegação apresentada “no recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte”.
Não lhe assiste razão.
Neste ponto, não se vê motivo para divergir das posições convergentes de Alberto dos Reis “Código de Processo Civil”, anotado, V, p. 358 e do Plenário deste Supremo Tribunal. Acórdão de 2002.01.30 – rec. nº 21240
Entendia aquele Professor que o ónus se pode cumprir por oferecimento de anterior alegação. A propósito escreveu:
“Suponhamos que, perante o Supremo, o recorrente reproduz textualmente a alegação de agravo oferecida para a Relação; não pode deixar de reconhecer-se que o recurso está minutado; ora é exactamente o mesmo reproduzir materialmente uma alegação anterior ou escrever dou aqui por reproduzida a alegação
E, no citado aresto, na mesma senda, consignou-se que “nada impede, sob o ponto de vista da racionalidade lógico-comunicativa, a utilização de uma narrativa indirecta ou por remissão desde que não saia prejudicada a inteligibilidade do discurso alegatório e este cumpra a funcionalidade da avaliação crítica que se exige dos recorrentes nesse momento” e que as alegações por remissão são válidas e satisfazem aquele ónus, desde que a remissão, conjugada com a peça processual remitida, “tenham capacidade significante suficiente para, sem alternativas de sentido, dar a conhecer aos intervenientes no processo a posição da parte sobre o objecto do processo e os fundamentos por que deve ser concedida a tutela demandada”.
Ora, o caso em análise cabe dentro deste perímetro.
Na verdade, os recorrentes na alegação para o TCA Norte, expuseram as razões da sua discordância com a decisão da 1ª instância que julgou improcedente a acção e absolveu o réu do pedido. Na 2ª instância foi-lhes negado provimento ao recurso, “in totum”. Não se conformando com esta posição de vencidos, duplamente afirmada, recorrem para este Supremo Tribunal. No corpo das alegações começam por dizer, passando a citar: “Dão-se aqui por reproduzidas as alegações feitas para o TCAN, para as quais se remete e aqui se dão integradas linha por linha”. E, na conclusão 1. escrevem: “ Dão-se aqui por reproduzidas e integradas para todos os efeitos legais, ponto por ponto, vírgula por vírgula, as conclusões das alegações no recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte”. Isto é, reiteram, nos seus precisos termos, a argumentação anteriormente apresentada e que, supostamente, consideram manter-se adequada para persuadir o Tribunal de revista que o acórdão recorrido enferma de erros de julgamento. A fórmula utilizada (vide supra 1.1.) não dá espaço para se entender senão que as alegações, nesta sede, têm, também, como conteúdo próprio, por remissão, o que se deixou exarado nas alegações para o TCA. E, como veremos nos pontos seguintes deste acórdão, articulando a remissão com as alegações remitidas, o discurso alegatório construído pelo conjunto é inteligível e, sem ambiguidades, dá a conhecer aos intervenientes processuais, não só a vontade impugnatória dos recorrentes, mas também os fundamentos e a delimitação do objecto do recurso.
Está, pois, cumprido, o ónus de alegar e formular conclusões, nos termos previstos no art. 690º do C.P.Civil, inexistindo razão para não conhecer do recurso.
2.2. Na acção, os autores, ora recorrentes, pediram a condenação do Estado a pagar-lhes indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais.
O acórdão recorrido começou por traçar o regime jurídico geral da obrigação de indemnizar, por atraso na administração da justiça, fixando o seguinte:
(..) à luz do regime legal vigente (constitucional e ordinário) não se vislumbra haver a possibilidade de fundar indemnização por responsabilidade civil por danos patrimoniais e não patrimoniais à margem das regras previstas no DL n.º 48.051 e arts. 483.º, 484.º, 494.º, 496.º, 562.º e segs. do C. Civil, não nos parecendo legítimo, nem se nos afigura adequado fundar no art. 22.º da CRP a possibilidade de arbitrar uma indemnização civil por danos patrimoniais ou não patrimoniais sem que a parte alegue e prove que os sofreu.
Da leitura dos arts. 20.º, n.º 4 e 22.º da CRP e 06.º, § 1º da CEDH, sua interpretação e concatenação, não se vislumbra decorrer ou ser imposto qualquer regime ou comando legal dirigido quer ao legislador ordinário (em termos de consagração de regime legal), quer ao próprio julgador, no sentido de que demonstrada a existência duma conduta ilícita e culposa que se traduziu na ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável o detentor desse bem jurídico afectado ficar automaticamente dispensado de efectuar a prova dos danos, mormente, dos danos não patrimoniais.
Foi com esta interpretação, em pano de fundo, que apreciou o recurso.
E, diga-se, adiantando, que o entendimento perfilhado no aresto, na parte em que afasta a indemnização automática e sem dano, está em consonância com a jurisprudência deste Supremo Tribunal que, no acórdão de 2007.01.17 – recº nº 1164/06, tirado com o voto concordante do ora relator, disse, a propósito:
“(…) Este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que o atraso na decisão de processos judiciais, quando puser em causa o direito a uma decisão em prazo razoável, garantido pelo art. 20.º, n.º 4, da CRP, em sintonia com o art. 6.º, § 1.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, pode gerar uma obrigação de indemnizar ( neste sentido, podem ver-se os acórdãos de 12-4-1994, recurso n.º 32906, AP-DR de 31-12-96, 2478; de 17-6-1999, recurso n.º 44687, AP-DR de 30-7-2002, 4038; de 1-2-2001, recurso n.º 46805, AD n.º 482, 151, e AP-DR de 21-7-2003, 845; de 9-4-2003, recurso n.º 1833/02; de 17-3-2005, recurso n.º 230/03, )
No entanto, para que haja obrigação de indemnizar será necessário que se demonstre a existência da generalidade dos requisitos da responsabilidade civil extracontratual, inclusivamente o nexo de causalidade entre o atraso na tramitação do processo e os danos patrimoniais ou não patrimoniais invocados.
(…) Com efeito, como se refere no comentário do Senhor Prof. GOMES CANOTILHO que consta da Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 123.º, n.º 3799, página 306, «a responsabilidade por facto da função jurisdicional e, mais concretamente, por omissão de pronúncia de sentença em prazo razoável, não dispensa a análise dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por factos ilícitos» (também no sentido de que não há obrigação de indemnizar sem danos podem ver-se JORGE MIRANDA, Manual de Direito Constitucional, tomo IV, 1988, página 268 e RUI DE MEDEIROS, Ensaio sobre a Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado por Actos Legislativos, página 112.).
E, prossegue o citado aresto:
(…) Podem encontrar-se na mais recente jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, casos em que, apesar de afirmar que ocorreu violação do art. 6.º, § 1, da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, por ser excedido o «prazo razoável», entendeu não haver lugar a indemnização por danos morais decorrentes dessa violação, por o prejuízo moral invocado ter outra causa, o que significa, assim, que a indemnização por danos morais decorrentes não é automática, dependendo da existência de nexo de causalidade entre o atraso e os danos morais que se consideram provados.
A título de exemplo, podem ver-se os (…) acórdãos: de 9-1-2007, proferido no caso KŘÍŽ contra REPÚBLICA CHECA, processo n.º 26634/03 (…) e de 9-1-2007, proferido no caso MEZL contra REPÚBLICA CHECA, processo n.º 27726/03.”
Não se vê razão para divergir desta jurisprudência.
2.2.2. Posto isto, passamos a apreciar o recurso na parte relativa aos danos patrimoniais correspondente às rendas não pagas.
O acórdão recorrido manteve a decisão de improcedência da acção, considerando, no essencial, o seguinte:
“A indemnização por danos patrimoniais formulada pelos Autores diz respeito às rendas vencidas na pendência da acção e anteriormente a esta que correu os seus termos no Tribunal de Matosinhos entre as datas de 01/10/1994 até 8/06/1998, pedido esse que já era formulado na dita acção contra a aí Ré “C…”.
Acontece, precisamente, que os Autores nessa mesma acção desistiram de tal pedido, apesar de alegarem que o faziam com o fundamento de que a dita Ré já não tinha qualquer património que garantisse o pagamento das rendas em falta.
Na verdade, na presente acção não se provou qualquer factualidade que permitisse concluir que foi precisamente a demora da acção, que correu os seus termos no Tribunal de Matosinhos, que deu origem a que o património da Ré “C…” se dissipasse de modo a que nada mais restasse para dar satisfação ao direito dos recorrentes.
É certo que esse foi o fundamento por eles invocado para desistirem do pedido, e não se duvida que nenhum património restasse, mas terá sido a demora da acção que deu origem, ou pelo menos contribuiu de algum modo para o desaparecimento desse património?
Não havendo nestes autos qualquer factualidade concreta que permita concluir (…) pelo nexo causal entre o facto ilícito - a demora na tramitação do processo judicial - e o desaparecimento do património da obrigada ao pagamento da indemnização, e a consequente impossibilidade de pagamento das rendas em dívida –o dano - falta um dos requisitos de verificação cumulativa para que o Estado possa ser condenado ao ressarcimento dos danos patrimoniais pedidos nesta acção.
Ou seja, este pedido improcede, não pelo facto de os recorrentes terem desistido do pedido do pagamento das rendas na acção de Matosinhos, mas porque nesta acção, após a respectiva discussão, não se provou que foi a demora daquele processo que deu origem a que os recorrentes tivessem ficado sem as garantias que permitiriam satisfazer tal pedido.
Efectivamente, o direito a esta indemnização concreta – danos patrimoniais - aqui peticionada não se pode concretizar sem que se conclua sem margem para dúvida pela existência de nexo causal entre o facto ilícito – que já se encontra suficientemente individualizado na sentença recorrida - e a perda de garantia patrimonial que sobreveio na pendência da acção de Matosinhos.
Nesta medida é que improcede nesta parte o recurso.”
Os recorrentes alegam que o Estado deve ser condenado nos precisos termos do pedido (conclusão 2.), sendo que no respectivo discurso argumentativo apenas se podem descortinar dois fundamentos a suportar a sua posição, nesta parte.
Um deles é que a lei ordinária, interpretada de acordo com a Constituição e com a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, implica o direito a uma indemnização automática, independentemente da verificação dos demais pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado por actos ilícitos.
Este motivo é de repudiar, pelas razões supra expostas no ponto 2.2.1. e para as quais remetemos.
O outro (cf. págs. 297) vem alegado nos seguintes termos:
“Quando se conclui não haver dano, o tribunal fá-lo erradamente. Na verdade, provou-se que os autores desistiram em virtude da sociedade na acção de despejo não ter qualquer património (alínea x). O prosseguimento da acção era inútil”.
Este motivo só pode ter a ver com a parte do acórdão supra transcrita em que este decidiu pela inexistência de nexo causal por na acção, após a respectiva discussão, não se ter provado que foi a demora do processo que deu origem a que os autores tivessem ficado sem as garantias que permitiam satisfazer o pedido formulado na acção que correu termos no Tribunal de Matosinhos.
Ora, o, assim, alegado erro de julgamento, convoca este Supremo Tribunal a ponderar, antes de mais, se a questão está, ou não, incluída no âmbito dos seus poderes de cognição.
Estamos em sede de um recurso excepcional de revista previsto no art. 150º do CPTA, em cujo regime se destacam, entre outras, as seguintes notas: a revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual (nº 2) e o erro de apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (nº 4).
Quer isto dizer que, no presente recurso, este Supremo Tribunal, em regra, só deve ocupar-se do direito e que só pode sindicar o juízo de prova feito pelo tribunal a quo quando este tenha (i) dado como provado algum facto sem a produção da prova qualificada indispensável, por lei, para demonstrar a sua existência ou (ii) tenha desrespeitado as normas que fixam o valor dos diversos meios de prova legalmente admissíveis.
Cumpre, pois, determinar a natureza da questão – (in) existência de nexo de causalidade - que, nesta parte do recurso, está submetida ao tribunal de revista.
De acordo com o disposto no art. 563º do C. Civil “ a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”.
Esta norma, porque contém um elemento de probabilidade que limita a existência de nexo de causalidade aos danos que, em abstracto, são consequência apropriada do facto e porque os trabalhos preparatórios revelam essa intenção (cf. Vaz Serra, BMJ nº 84, p. 284 e BMJ nº 100, p. 127) tem vindo a ser interpretada como consagrando a teoria da causalidade adequada (vide, neste sentido, Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, 10ª ed., p. 898, Almeida e Costa, “Direito das Obrigações”, 9ª ed., p.711 e Rui de Alarcão, “Direito das Obrigações” 1983, p. 281).
E, na falta de opção explícita por qualquer das suas formulações, a Jurisprudência deste Supremo Tribunal, tem vindo a entender, com o apoio da Doutrina (vide Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, 10ª ed., p. 900) (i) que os tribunais gozam de liberdade interpretativa para optar pela mais criteriosa e (ii) que esta é a formulação negativa correspondente ao ensinamento de ENNECCERUS-LEHMAN (neste sentido, veja-se, por todos, o acórdão de 2004.10.27 – rec. nº 1214/02 e a vasta jurisprudência nele citada).
Esta é a posição que também tem vindo a ser adoptada pelo Supremo Tribunal de Justiça (vide, entre outros, os acórdãos de 2003.06.11 – rec. nº 03A3883 e de 2004.06.29 – rec. nº 05B294).
Nesta formulação, justificada pela ideia que o prejuízo deve recair sobre quem agindo ilicitamente criou a condição do dano, o facto ilícito que, no caso concreto, foi efectivamente condição do resultado danoso, só deixa de ser causa adequada se for de todo indiferente, na ordem natural das coisas, para a produção do dano. Ou, dito de outro modo, nas palavras de Antunes Varela (ob., cit., p. 894) “só quando para a verificação do prejuízo tenham concorrido decisivamente circunstâncias extraordinárias, fortuitas ou excepcionais (que tanto poderiam sobrevir ao facto ilícito como a um outro facto lícito) repugnará considerar o facto (ilícito) imputável ao devedor ou agente como causa adequada do dano”.
Temos, assim, que a decisão sobre o nexo de causalidade comporta, desde logo, uma primeira indagação, para saber se o facto funcionou efectivamente como condição do resultado danoso, na qual se têm em conta as regras da vida e da experiência comum. A resposta a essa questão envolve um juízo de facto que este Supremo Tribunal, como tribunal de revista não pode sindicar, senão nos termos limitados supra indicados.
Dito isto, de regresso ao caso sujeito, temos que, nos termos alegados, a decisão do acórdão vem atacada apenas quanto ao juízo de pura condicionalidade e sem invocação de qualquer violação das regras do direito probatório material que, de acordo com o previsto na segunda parte do art. 150º/4 do CPTA., inclua a questão no espaço de cognição do tribunal de revista.
Por consequência, não pode este Tribunal conhecer do alegado erro de julgamento quanto ao nexo de causalidade.
2.2.3. Os recorrentes atacam, também, a decisão do acórdão impugnado quanto aos danos não patrimoniais.
O aresto, a despeito de ter considerado que “no caso em apreço a actuação do réu é ilícita, à face do disposto no artigo 6º do Decreto-Lei nº 48051, por ter infringido o prescrito no art. 6º, nº 1 da CEDH” confirmou a sentença da 1ª instância que absolvera o réu do pedido.
Vejamos o essencial do discurso justificativo do aresto, que passamos a transcrever:
(…) Já atrás vimos que na sentença recorrida se entendeu que tais danos não eram indemnizáveis porque não assumiam uma relevância tal que merecessem a tutela do direito.
Então que danos se provaram terem existido?
Provou-se que, - alíneas s) a u) do probatório da sentença recorrida - enquanto durou a acção os autores mantiveram-se numa situação de incerteza durante anos, nomeadamente no que tange à planificação das decisões a tomar, não puderam organizar-se e os factos em causa originaram-lhes ansiedade, depressão, angustia, incerteza, preocupações e aborrecimentos.
Decorre do artigo 496º do CC que “…na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito (n.º 1), sendo o montante fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494.º, isto é, tomando em consideração o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso (n.º 3).
Na caracterização deste tipo de danos poderá partir-se do axioma que estabelece que tal prejuízo é o sofrimento psico-somático experimentado pelo lesado, ou pessoas que tenham direito a indemnização por esse tipo de dano à luz dos normativos próprios. Os danos não patrimoniais traduzem-se nas lesões que não implicam directamente consequências patrimoniais imediatamente valoráveis em termos económicos, lesões essas que abarcam as dores físicas e o sofrimento psicológico, um injusto turbamento de ânimo na vítima ou nas pessoas supra aludidas.
(…)
A lei não enuncia ou enumera quais os danos não patrimoniais indemnizáveis antes confiando aos tribunais, ao julgador, o encargo ou tal tarefa à luz do que se disciplina no citado art. 496.º, n.º 1 do C. Civil.
Tal como constitui entendimento comum ao nível doutrinal a “gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada).” (cfr. Profs. P. de Lima e A. Varela in: “Código Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, nota 1, pág. 499; Prof. Almeida e Costa in: ob. cit., págs. 549 e segs.; Prof. A. Varela in: ob. cit., pág. 606).
Também ao nível jurisprudencial o mesmo entendimento tem sido acolhido e defendido (cfr., entre outros e nos mais recentes, Acs. do STA 31/05/2005 - Proc. n.º 0127/03, de 29/06/2005 - Proc. n.º 0395/05 in: «www.dgsi.pt/jsta»).
Assim, pode ver-se no acórdão do STA de 31/05/2005 (Proc. n.º 0127/03 supra referido) “(…)
A personalidade física e moral dos indivíduos é protegida por lei contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa ilícita - artigo 70.º do CC. Por isso, em princípio, a dor moral causada por facto ilícito é abrangida pelo n.º 1 do artigo 496.º.
Mas pode não acontecer. Suponha-se uma dor insignificante, uma simples maçada ou incómodo, que um cidadão comum retém como inerente às vicissitudes normais da vida em sociedade. Não atingirá, neste caso, a gravidade merecedora da tutela do direito, em sede de atribuição de indemnização por danos não patrimoniais. (…).”
Ressuma do exposto que em situações em que se mostre alegado e provado sem mais que determinado sujeito sofreu "desgaste", ou "ansiedade", ou “angústia”, ou “preocupações”, ou “aborrecimentos” em consequência da conduta ilícita e culposa, tal é insuficiente para qualificar os danos como graves para efeitos do n.º 1 do art. 496.º do C. Civil porquanto se nos afigura que, para o preenchimento do conceito de gravidade exigido por este normativo, não basta uma mera alegação conclusiva e abstracta de realidades como as referidas. Necessário é que tais realidades se mostrem objectivamente concretizadas, que a sua amplitude, intensidade e duração se revele descrita e demonstrada, por forma a que o julgador possa levar a cabo a tarefa em foi investido pelo legislador face ao disposto no art. 496.º, n.º 1 do C. Civil.
Caberá ao tribunal, assim, em cada caso concreto, dizer se o dano é ou não merecedor de tutela jurídica.”, cfr. mesmo acórdão anteriormente citado.
Atenta a natureza dos danos alegados e provados, pode-se concluir sem margem para dúvidas que os mesmos não se revestem de uma especial gravidade que mereçam a tutela do direito, já que, são danos aos quais estão sujeitos todos aqueles que vivem em sociedade e que se preocupam com o que é seu.
São danos inerentes a todos aqueles que litigam em juízo, de resto só uma pessoa excepcionalmente insensível ou desprendida dos bens materiais é que não passaria pelas mesmas angústias e aborrecimentos que os recorrentes; contudo não são danos que em si mesmos devam ser indemnizados por não comportarem em si mesmos uma lesão emocional tal que impeça, quem os sofre, de prosseguir com a sua vida.
Assim, e nesta parte improcede também o recurso”.
Os autores, ora recorrentes, insurgem-se contra esta decisão alegando, relativamente a ela que:
(i)“para efeito do ressarcimento dos danos morais, nada mais tinham que alegar”;
(ii) “segundo o TEDH, a matéria alegada constitui um facto notório e resulta das regras da experiência, obrigando o Estado a indemnizar a vítima de violação do art. 6º da Convenção”;
(iii) as normas do direito ordinário interno devem ser interpretadas em consonância com a jurisprudência do Tribunal Europeu;
(iv) “violado que foi o artigo 20º da CRP, no seu segmento direito à justiça em prazo razoável, automaticamente têm os autores direito a uma indemnização;”
(v) “o art. 496º/1 do Código Civil deve ser interpretado no sentido de serem graves e merecerem a tutela do direito os danos morais causados com a violação de direitos constitucionais, sob pena de violação dos artigos 18º/1, 20º/4 e 2º da CRP;
(vi) não sendo assim entendido é inconstitucional o artigo 496º, nº 1 do CC, por violação das disposições precedentes;
(vii) o tribunal a quo ignorou a jurisprudência do TEDH e violou o artigo 20º/4 da CRP e os artigos 6º, 13º, 34º, 35º, 41º e 46º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
2.2.3.1. Apreciando, começamos por retomar a questão da indemnização automática.
Já vimos atrás (ponto 2.2.1) que à luz da Convenção, de acordo com jurisprudência do TEDH e deste Supremo Tribunal, em caso de violação do art. 6º § 1, a indemnização por danos morais não é automática.
Mas os recorrentes reclamam esse mesmo efeito do desrespeito do direito interno.
A nosso ver, sem razão.
O direito à decisão em prazo razoável, está constitucionalmente consagrado como uma das dimensões do direito fundamental de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva (art. 20º/4 da CRP). E, de acordo com o disposto no art. 22º da Lei Fundamental “o Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem”.
Ora a distinção da parte final deste preceito suscita perplexidade quanto a saber se nele se consagra o princípio da responsabilidade civil por acções ou omissões de que resulte violação dos direitos liberdades e garantias, independentemente de prejuízo, ou se este é um pressuposto comum da obrigação de indemnizar, necessário, também, no caso de ofensas aos direitos liberdades e garantias. Na primeira interpretação, quando se tratasse de um destes direitos, qualquer violação acarretaria responsabilidade do Estado e das demais entidades públicas; quando houvesse lesão de qualquer outro direito, teria de ocorrer prejuízo para que houvesse responsabilidade.
Entendemos que uma vez que convoca o instituto da responsabilidade civil e que este tem uma função essencialmente reparadora e mesmo quando exerce, acessoriamente, uma função de carácter preventivo, sancionatório ou repressivo, esta função está sempre subordinada àquela outra de eliminar o dano (vide Pessoa Jorge, “Ensaio Sobre Os Pressupostos da Responsabilidade Civil”, p. 371 e Antunes Varela, “Das Obrigações Em Geral”, I, 10ª ed., pp. 542-544), a norma deve ser interpretada com o sentido de que, ainda nos casos de violações de direitos, liberdades e garantias, a obrigação de indemnizar pressupõe, necessariamente, um dano (neste sentido, Jorge Miranda e Rui Medeiros in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, p. 216).
Neste contexto, numa das leituras propostas, (Rui Medeiros, in “Ensaio Sobre a Responsabilidade Civil do Estado Por Actos Legislativos”, p. 110 e segs.) o efeito útil da referência a prejuízo, na parte final do preceito, será o de fixar o alcance da garantia constitucional à indemnização, distinguindo entre as situações em que há violações de direitos fundamentais e aquelas em que se ofendem quaisquer outros direitos. Prejuízo terá o sentido de individualizar um determinado tipo de danos, restringindo-o ao dano patrimonial, a exemplo do que sucede no art. 564º/1 do C. Civil. Significa isto, então, nas palavras do citado Autor que “ a responsabilidade do Estado, por violação de direitos, liberdades e garantias cobre todos os danos causados, incluindo os danos não patrimoniais; nos casos de responsabilidade por violação de outros direitos ou interesses legalmente protegidos a Constituição só garante a reparação dos danos materiais, isto é, prejuízos na terminologia constitucional”.
Nesta interpretação, é defensável que, quando houver violação de um direito fundamental está constitucionalmente garantida indemnização independentemente da existência de prejuízo, isto é de dano patrimonial. Ou dito de outro modo, está constitucionalmente garantido que os danos morais causados por ofensa de um direito fundamental têm sempre dignidade indemnizatória.
Mas são defendidas outras chaves de leitura da norma. Veja-se Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, IV, p. 269) que sustenta que a referência à violação dos direitos, liberdades e garantias reporta-se à responsabilidade por factos ilícitos e a referência ao prejuízo alude à responsabilidade por actos lícitos.
Como veremos mais adiante, na economia do presente acórdão, não é necessário tomar posição sobre esta última controvérsia.
Basta-nos, o entendimento de que o art. 22º da CRP não se aplica aos casos em que a violação do direito não causa qualquer dano e que, por consequência, o acórdão recorrido, não enferma de erro de julgamento por, à luz desta norma, não ter retirado efeitos indemnizatórios automáticos da violação do direito dos autores à decisão em prazo razoável.
2.2.3.2. Prosseguindo, vejamos as demais críticas ao aresto.
De acordo com o princípio da recepção automática consagrado no art. 8º/2 da CRP, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, ratificada pela Lei nº 65/78 de 13 de Outubro, vigora na ordem jurídica interna, desde 9 de Novembro de 1978, data em que foi depositado o instrumento de ratificação (DR, I Série nº 89, de 16 de Junho).
E, na hierarquia das fontes de direito, há controvérsia quanto ao lugar que nela ocupam as respectivas normas. Se é indiscutível a subordinação hierárquica à Constituição (vide art. 277º CRP) já é problemático o posicionamento dentro do direito ordinário interno, embora a doutrina mais significativa defenda que a Convenção está numa posição intermédia entre a lei constitucional e a as leis ordinárias. Subordinada à Constituição, mas com primazia sobre as leis ordinárias (cf. Moura Ramos, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem, sua posição no ordenamento jurídico português”, in BDDC, nº 5, págs. 95 e segs., Ireneu Cabral Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, p. 35, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, I, 4ª ed. Revista, p. 260 e Jorge Miranda e Rui Medeiros, in “Constituição Portuguesa Anotada”, Tomo I, p. 95).
Porém, para a solução do caso em apreço, nem sequer é decisivo tomar posição nesta questão.
A norma do art. 6º/1 da Convenção não padece, seguramente, de inconstitucionalidade superveniente resultante do aditamento, em 1979, do nº 4 do art. 20º da CRP que passou a consignar que todos têm direito “a que em causa em que intervenham seja objecto de decisão em prazo razoável”. Não só a compatibilidade entre as normas é evidente, mas também a nova redacção do preceito não terá mesmo deixado de ser inspirada pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (vide Sérvulo Correia/Rui Medeiros/Diniz de Ayala, in “Estudos de Direito Administrativo”, p. 60).
Outrossim, não são com ela inconciliáveis, de modo nenhum, as normas posteriores do direito ordinário interno que concretizam a garantia processual a uma decisão judicial em prazo razoável (art. 2º/1 do C.P.Civil e 2º/1 do CPTA).
Deste modo, ainda que a norma daquele art. 6º/1 ocupe, porventura, uma posição idêntica à da lei ordinária interna, tanto basta para que a da Convenção prevaleça sobre as de direito interno que lhe são anteriores, pela aplicação directa do princípio de que a lei posterior derroga a anterior. Ora, as normas de direito interno nas quais o tribunal a quo se louvou na construção da sua decisão – DL nº 48 051 de 21.11.1967 e art. 496º do C. Civil – são anteriores à Convenção. Significa isto que tais normas devem ser objecto de interpretação conforme à Convenção e considerar-se inaplicáveis na medida em que a contrariem.
Dito isto, importa ponderar a relevância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, invocada pelos recorrentes.
Nos termos do art. 13º da Convenção “qualquer pessoa cujos direitos e liberdades reconhecidos na presente Convenção tiverem sido violados tem direito a recurso perante uma instância nacional, mesmo quando a violação tiver sido cometida por pessoas que actuaram no exercício das suas funções oficiais”.
O preceito consagra o princípio da subsidiariedade, segundo o qual compete às autoridades nacionais, em primeiro lugar, reparar as alegadas violações da Convenção. E a presente acção é, à luz desse princípio, o meio processual do direito interno eficaz, adequado e acessível para, de acordo com o regime da Convenção, sancionar as violações consumadas, por duração excessiva das causas (cf. Decisão do TEDH, de 22 de Maio de 2003 no caso Maria de Lurdes Gouveia da Silva Torrado contra Portugal).
Mas se a Convenção, para fazer respeitar as suas disposições (art. 19º) instituiu um juiz (Tribunal Europeu dos Direitos do Homem), cujas sentenças têm força vinculativa perante os Estados Partes (art. 46º/1), então tem de reconhecer-se a esse juiz europeu o poder de interpretar e determinar o significado das normas da Convenção.
Portanto, na presente acção, sob pena de futura condenação internacional do Estado, por divergências entre a aplicação tida por apropriada na ordem nacional e a interpretação dada pelo tribunal de Estrasburgo, na análise dos dados jurisprudenciais relativos à densificação dos conceitos da Convenção, entre os quais os de prazo razoável de decisão, indemnização razoável e de danos morais indemnizáveis, a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem desempenhará, seguramente, um papel de relevo (vide acórdão do TEDH, de 29 de Março de 2006, proferido no caso Riccardi Pizzati c. Itália, processo nº 62361/00 e Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa”, anotada, I, 4ª ed.)
Reconhecida a importância da jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, devemos, então, porque interessa caso sujeito, ter em conta a posição dessa instância europeia quanto a danos morais, por falta de decisão em prazo razoável, que encontramos assim resumida no ponto 94. do acórdão nº 62361, de 29 de Março de 2006 (caso Riccardi Pizzati c. Itália):
(i) o Tribunal considera que o dano não patrimonial é a consequência normal, ainda que não automática, da violação do direito a uma decisão em prazo razoável e presume-se como existente, sem necessidade de dele fazer prova, sempre que a violação tenha sido objectivamente constatada;
(ii) O Tribunal considera, também, que esta forte presunção é ilidível, havendo casos em que a duração excessiva do processo provoca apenas um dano moral mínimo ou, até, nenhum dano moral, sendo que, então o juiz nacional deverá justificar a sua decisão, motivando-a suficientemente.
Quanto ao modo de reparação, constatada a violação, por não ser já possível, pelo direito interno do Estado proceder à reintegração natural, o Tribunal, nos termos previstos no art. 41º da Convenção fixará uma indemnização razoável, quando houver um prejuízo moral e um nexo de causalidade entre a violação e esse prejuízo.
Por vezes o Tribunal entende que a constatação da violação é bastante para reparar o dano moral (vide Ireneu Barreto, “A Convenção Europeia dos Direitos do Homem”, Anotada, p. 300; acórdão de 26 de Junho de 1991, processo nº 12369/86, no caso Letellier c. França; acórdão de 21 de Abril de 2005, processo nº 3028/03, no caso Basoukou c. Grécia)
No caso em apreço, o tribunal a quo considerou que foi violado o direito dos autores à decisão da sua causa em prazo razoável e, a par disso, deu como provados os seguintes danos: “enquanto durou a acção os autores mantiveram-se numa situação de incerteza durante anos, nomeadamente no que tange à planificação das decisões a tomar, não puderam organizar-se e os factos em causa originaram-lhes ansiedade, depressão, angústia, incerteza, preocupações e aborrecimentos”.
Deste modo, tendo sido alegados danos específicos, que estão assentes por prova directa, não há lugar, no caso em análise, a discutir se o tribunal a quo haveria ou não de considerar, por presunção, a existência de danos não patrimoniais. Na verdade, onde houver prova directa não deve julgar-se por mera presunção (cf. art. 349º CCivil e Antunes Varela, “Manual de Processo Civil”, 2ª ed., p. 501).
Mas, apreciando os danos provados apenas pelo crivo da norma do art. 496/1 do C. Civil, o acórdão recorrido recusou-lhes relevância indemnizatória. Relembremos os motivos desta decisão:
“Atenta a natureza dos danos alegados e provados, pode-se concluir sem margem para dúvidas que os mesmos não se revestem de uma especial gravidade que mereçam a tutela do direito, já que, são danos aos quais estão sujeitos todos aqueles que vivem em sociedade e que se preocupam com o que é seu.
São danos inerentes a todos aqueles que litigam em juízo, de resto só uma pessoa excepcionalmente insensível ou desprendida dos bens materiais é que não passaria pelas mesmas angústias e aborrecimentos que os recorrentes; contudo não são danos que em si mesmos devam ser indemnizados por não comportarem em si mesmos uma lesão emocional tal que impeça, quem os sofre, de prosseguir com a sua vida.”
Com o devido respeito, discordamos deste entendimento.
Em primeiro lugar, porque, independentemente da posição a adoptar na controvérsia supra referida acerca do alcance da norma do art. 22º da CRP, a jurisprudência do TEDH, relativamente aos danos morais suportados pelas vítimas de violação da Convenção, não restringe a dignidade indemnizatória aos de especial gravidade e, em casos similares, de ofensa ao direito a uma decisão em prazo razoável, tem entendido que a constatação da violação não é bastante para reparar o dano moral (vide, por exemplo: acórdão de 21 de Março de 2002, processo nº 46462/99, no caso Rego Chaves Fernandes c. Portugal; acórdão de 29 de Abril de 2004, processo nº 58617/00, proferido no caso Garcia da Silva c. Portugal). Razão pela qual, estando em causa uma violação do art. 6º § 1º da Convenção e a sua reparação, em primeira linha, ao abrigo do princípio da subsidiariedade, pelo Estado Português, a norma do art. 496º/1 do C.Civil haverá de interpretar-se e aplicar-se de molde a produzir efeitos conformes com os princípios da Convenção, tal como são interpretados pela jurisprudência do TEDH (vide ponto 80. do acórdão de 29 de Março de 2006, proferido no processo nº 64890/01, no caso Apicella c. Itália).
Em segundo lugar, porque mesmo na estrita lógica restritiva do direito interno não convencional, os danos provados têm dignidade indemnizatória, ao abrigo do disposto no art. 496º/1 do C. Civil. Se a não têm as meras preocupações e aborrecimentos, já a depressão ainda que reactiva e temporária, é um estado de doença ao qual estão associados sentimentos de tristeza, desalento, mal-estar físico, incapacidade generalizada e desinteresse pela vida. A depressão, mesmo que ligeira e de reduzido efeito incapacitante, provoca, pois, sofrimento que merece a tutela do direito. Discordamos, assim, da visão restritiva do acórdão impugnado que reserva a dignidade indemnizatória apenas para as situações em que os danos sejam causa de “lesão emocional tal que impeça, quem os sofre, de prosseguir com a sua vida”.
Resulta do exposto que, no caso em apreço, os danos morais que estão provados são indemnizáveis e que, por consequência, nesta parte, procede a alegação dos recorrentes.
Posto isto, este Tribunal de revista, nos termos previstos no art. 150º/3 do CPTA, aplicando, definitivamente, o regime jurídico adequado, aos factos assentes, de acordo com os princípios supra indicados, reputa de equitativo atribuir aos autores, ora recorrentes, para ressarcimento dos danos morais sofridos com o excessivo retardamento da decisão na acção nº 252/1995, instaurada em 18 de Janeiro de 1995, no 4º Juízo Cível do Tribunal de Círculo e Comarca de Matosinhos, a indemnização global de € 5 000,00 sendo € 2 500,00 para cada um deles.
2.2.4. Os autores censuram ainda o acórdão impugnado na parte em que confirmou a decisão da 1ª instância que absolveu o réu do pedido, pelos danos patrimoniais elencados nas alíneas c) a g) do petitório da petição inicial.
Para melhor compreensão, transcreve-se esse pedido:
“c) despesas de abertura de dossier, despesas administrativas e de expediente, taxas de justiça pagas pelos autores, despesas de certidões, eventuais despesas de tradução de documentos;
d) … e honorários a advogado neste processo nos Tribunais Administrativos conforme artigo 15º;
e) juros à taxa legal desde a citação;
f) a todas as verbas atrás referidas devem acrescer quaisquer quantias que eventualmente sejam devidas a título de imposto que incida sobre as quantias recebidas do Estado;
g) em custas e demais encargos legais, como o eventual reembolso de taxas de justiça inicial e subsequente e preparos para despesas e quaisquer outras eventualmente pagas ou a pagar pelos autores
Quanto a estes pedidos o acórdão recorrido pronunciou-se nos seguintes termos:
“Concluindo-se pela total improcedência do recurso e, consequentemente da acção, tais quantias devem correr exclusivamente a cargo dos autores recorrentes porque lhes são imputáveis pela sua litigância em juízo. São despesas próprias dos litigantes que só a eles são imputáveis em função do vencimento, ou no caso dos autos, do decaimento total nas acções que intentam em Tribunal, cfr. arts. 446º e ss do CPC.”
Como é bom de ver, a improcedência destes pedidos decorreu do pressuposto do total decaimento dos autores na acção.
Alterado o pressuposto, haverá lugar à condenação do Réu ao pagamento de juros, à taxa legal, desde a citação. O ressarcimento das despesas indicadas nas alíneas c) e g), far-se-á de acordo com o regime de pagamento das custas de parte, previsto nos arts. 33º e 33º-A do C.C. Judiciais.
Os honorários ao advogado, nesta acção, constituem um dano indemnizável (vide, neste sentido, entre outros os acórdãos STA de 1999.06.09 – rec. nº 43 994, de 2005.03.08 – rec. nº 39 934-A e de 2007.04.24 – rec. nº 1328A/03), aferido por um critério de razoabilidade (cfr. acórdão do TEDH, de 29 de Março de 2003, processo nº 64/890/01, no caso Apicella c. Itália), pelo que, tal como pedido, com referência ao art. 15º da petição inicial, de acordo com o critério indicado, se condena o Réu no pagamento da quantia a liquidar em execução de sentença.
3. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em:
a) conceder parcial provimento ao recurso;
b) julgar parcialmente procedente a acção condenando o Réu:
- no pagamento aos autores da quantia global de € 5 000,00, por danos não patrimoniais, sendo € 2 500,00 para cada um deles, com juros moratórios, à taxa legal, desde a data da citação e até integral pagamento
- no pagamento de honorários, a liquidar em execução de sentença, nos termos supra expostos.
Custas por autores e réu, na proporção dos respectivos decaimentos, tendo-se em conta que os autores litigam com apoio judiciário.
Lisboa, 28 de Novembro de 2007. – António Políbio Ferreira Henriques (relator) – Rosendo Dias José – Jorge Manuel Lopes de Sousa.