Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:04/16.1BEPRT 0757/18
Data do Acordão:10/27/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PEDRO VERGUEIRO
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRC
ASSOCIAÇÃO DE MUNICÍPIOS
ISENÇÃO
IMPOSTO SOBRE O RENDIMENTO
PESSOAS COLECTIVAS DE DIREITO PÚBLICO
Sumário:I - O artigo 9º do CIRC prevê isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, benefício que é afastado no caso das entidades públicas com natureza empresarial (al. a)) ou das associações e federações de municípios que exerçam actividades de natureza comercial, industrial e agrícola, sendo que embora o CIRC preveja uma isenção subjectiva para o Estado e autarquias locais (que se compreende), assim como para a associações de municípios, essa isenção é arredada nos casos das empresas públicas (noção que abrange as empresas municipais), pela sua própria natureza (empresarial), e nos casos das associações municipais, em função da actividade que desenvolvam de forma predominante.
II - Conforme a Recorrente reconhece, na descrita Lei n.º 45/2008, passou a distinguir-se entre associações de municípios de fins múltiplos denominadas comunidades intermunicipais – artigos 2.º e seguintes – e associações de fins específicos – artigos 34.º e seguintes -, e só quanto às primeiras vindo a ser prevista a aplicação de isenções fiscais – artigo 30.º, de modo que, integrando a Recorrente as associações deste segundo tipo, crê-se não ser possível aplicar a isenção prevista nas ditas Leis, quer com fundamento na não cessação de efeitos quer com fundamento no carácter especial ou excepcional da isenção quer na ligação existente quanto às autarquias locais, dado que, para que tal fosse possível, segundo o previsto no n.º 3 do art. 7.º do C. Civil, teria de resultar a intenção inequívoca do legislador e para tal não basta que as associações anteriormente constituídas tenham mantido a sua qualificação como pessoa colectiva de direito público.
III - A isenção vertida na alínea b) do nº 1 do artigo 9º do Código do IRC não configura uma isenção subjectiva simples, porque faz depender o tratamento mais favorável aí consagrado de uma condição objectiva - o não exercício de actividades comerciais, industriais ou agrícolas. Trata-se de uma isenção subjectiva mista.
IV - A Recorrente desenvolve uma actividade de natureza comercial, o que se mostra suficiente para afastar a isenção prevista na alínea b) do artigo 9º do CIRC, não relevando para essa asserção o facto de se tratar de uma actividade acessória ou da especial afectação dos resultados dessa actividade, na medida em que a Recorrente enquadra-se no art. 2º nº 1 al. a) do CIRC e é passível de tributação quanto ao rendimento global obtido pela actividade a que se refere a al. L) da matéria de facto, nos termos do art. 3º nº 1 al. b) do mesmo diploma.
Nº Convencional:JSTA00071277
Nº do Documento:SA22021102704/16
Data de Entrada:09/05/2018
Recorrente:LIPOR - SERVIÇO INTERMUNICIPALIZADO DE GESTÃO DE RESÍDUOS DO GRANDE PORTO
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA E OUTROS
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DO PORTO
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:IRC
Área Temática 2:ISENÇÃO
Legislação Nacional:ARTIGO 9º DO CIRC
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. RELATÓRIO

“Lipor - Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto”, devidamente identificado nos autos, inconformado, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 09-04-2018, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com o despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º 3468 2015 0400 1826, apresentada contra a autoliquidação de IRC relativo ao ano de 2014, a autoliquidação de IRC e a liquidação adicional de IRC n.º 2015 2310 1181 37, e respectivos juros de mora, no montante total de € 1.271.418,78.

Formulou nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

“ (…)

a. O presente recurso jurisdicional vem interposto da douta sentença, proferida nos autos referidos em epígrafe, a qual considerou totalmente improcedente a impugnação judicial deduzida pela ora recorrente contra a liquidação adicional de IRC, efectuada pela AT, relativamente ao exercício de 2014.

b. De acordo com o Tribunal a quo, a Impugnante não se encontra abrangida pela isenção vertida na alínea a) do artigo 9.º à data da liquidação de IRC, fruto da grande evolução normativa ocorrida ao nível da consagração e a extensão da equiparação entre autarquias locais e associações de municípios, no tocante à atribuição de isenções. Por outro lado, é ainda entendimento do Tribunal a quo que a Impugnante não integra a previsão constante da alínea b) do artigo 9.º do Código do IRC, não lhe sendo, também por esta via, aplicável qualquer isenção de IRC.

c. Salvo o devido respeito, entende a recorrente que a decisão recorrida merece censura porquanto padece de ANULABILIDADE, por erro de julgamento da matéria de direito, em violação do disposto no nº 1 do artigo 123º do CPPT e do nº 2 do artigo 659º do CPPT.

d. Antes de mais, convém esclarecer que, quando foi aprovado, em 1988, através do Decreto-Lei n.º 442-B/88, de 20 de Novembro, o Código do IRC estabelecia, no n.º 2 do seu artigo 1º, o seguinte: “[n]ão estão sujeitos a IRC o Estado, as regiões autónomas e as autarquias locais e qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, e bem assim as associações e federações de municípios que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. Até esse momento, vigorava o Decreto-Lei n.º 266/81, de 15 de Setembro, acerca do regime das associações de municípios (a primeira lei sobre a matéria após a Constituição de 1976), em cujo artigo 13º se prescrevia que “a associação de municípios beneficiará das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”. Pois bem: esta equiparação do regime das isenções fiscais das associações de municípios ao das autarquias locais parece ter sido posto parcialmente em causa, sete anos mais tarde, com a aprovação do Código do IRC.

e. A partir de então, e por força do disposto no n.º 2 do artigo 7º do Código Civil, sobre a revogação das leis (lex posterior derrogat priori), as associações de municípios passavam a beneficiar, em matéria de IRC, da isenção prevista na “nova lei”, o Código do IRC.

f. O artigo 13.º do diploma de 1981 terá sido nesse momento objecto de uma revogação parcial ou derrogação – a equiparação das associações de municípios às autarquias locais para efeitos de isenções fiscais mantinha-se, excepto, por força de lei posterior incompatível, quanto às isenções de IRC.

g. A situação anterior sofreria uma importante alteração com a segunda lei das associações de municípios – aprovada pelo Decreto-Lei n.º 412/89, de 29 de Novembro –, a qual se revelava omissa em matéria de isenções fiscais. Com este novo diploma, as associações de municípios deixavam, pois, de beneficiar das isenções previstas para as autarquias locais. Continuava em vigor, porém, o regime de isenção do Código do IRC.

h. Posteriormente, surge a Lei n.º 172/99, de 21 de Setembro, a estabelecer o regime das associações de municípios de direito público. O novo quadro legal “recupera” a formulação inicial do Decreto-Lei n.º 266/81, estipulando, no artigo 16º, que “a associação beneficia das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”. Com a recuperação da fórmula de 1981, o legislador voltava a fixar, em lei nova, não há como negar, uma regra de equiparação das isenções fiscais das associações de municípios às das autarquias locais.

i. Com a Lei n.º 11/2003 (que retoma os termos da Lei n.º 172/99), deve ter-se por revogada a norma do Código do IRC sobre a isenção de IRC às associações de municípios. A conclusão impõe-se inevitavelmente, de novo, por força do princípio de direito, plasmado no n.º 2 do artigo 7º do Código Civil, segundo o qual a lei nova revoga a lei anterior com a qual seja incompatível.

j. Por causa dessa incompatibilidade, impôs-se a revogação da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º desse Código.

k. Foi intenção da Lei n.º 172/99, primeiro, e da Lei n.º 11/2003, depois, ao preverem, respectivamente, nos seus artigos 16º e 36º, a equiparação das associações de municípios às autarquias locais para efeitos de isenções fiscais, operar a revogação (ainda que tácita) da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, no qual a isenção deste último imposto para entidades daquela natureza (leia-se: associações de municípios) era condicionada ao carácter não comercial, industrial ou agrícola das actividades pelas mesmas desenvolvidas.

l. Dúvidas não restam, pois, de que os preceitos em matéria de isenções fiscais para as associações de municípios a que acabamos de aludir, ambos no mesmo sentido (o da total e completa equiparação às autarquias locais para esse efeito específico), deixam definitivamente prejudicada a disciplina constante a esse mesmo propósito da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC.

m. Não ignora a Impugnante que, contra a conclusão anterior, se pode pretender invocar uma outra regra jurídica sobre a sucessão de leis no tempo, aquela segundo a qual “a lei geral não revoga a lei especial” (cfr. o n.º 3 do artigo 7º do Código Civil).

n. Isto é, poderá entender-se que a norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC constitui uma “lei especial” em face do artigo 36º da Lei n.º 11/2003, que seria “lei geral” (esta uma sobre as isenções fiscais em geral das associações de municípios; a primeira, uma lei especial sobre as isenções fiscais no âmbito do IRC).

o. No entanto, não temos dúvidas de que essa relação entre geral e especial não subsiste no caso concreto.

p. Convém, para reforço do que vem dito, avaliar os termos em que a Lei n.º 45/2008, de 27 de Agosto (Lei do Associativismo Municipal - LAM), vem afectar (ou não) a consistência dos argumentos atrás alinhados, conforme se defende na Sentença recorrida.

q. Entre as múltiplas inovações trazidas pelo diploma legal em questão, há que destacar, sobretudo em razão do seu particular interesse para a situação da LIPOR, o diferente estatuto que de futuro passam a deter as associações de municípios, consoante se assumam como associações de fins múltiplos ou de fins específicos (alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2º da LAM).

r. Temos, assim, que as associações de municípios de fins múltiplos - as designadas comunidades intermunicipais (CIM) – são entendidas como pessoas colectivas de direito público constituídas por municípios que correspondam a uma ou mais unidades territoriais definidas com base nas Nomenclaturas das Unidades Territoriais Estatísticas de nível III (NUTS III) – n.º 2 do artigo 2º da LAM.

s. Já as associações de municípios de fins específicos passam a ser compreendidas como pessoas colectivas de direito privado criadas para a realização em comum de interesses específicos dos municípios que as integram, na defesa de interesses colectivos de natureza sectorial, regional ou local – n.º 4 do artigo 2º da LAM.

t. Este estatuto dual a que ficam subordinadas as associações de municípios (oscilando entre a categoria de pessoa colectiva de direito público ou de pessoa colectiva de direito privado, consoante o carácter geral ou específico dos correspondentes fins estatutários), contrasta, claramente, com a condição unitária, de pessoas colectivas de direito público, a que se encontravam submetidas, independentemente da natureza dos respectivos fins, pelos n.ºs 1 e 2 do artigo 2º da Lei n.º 11/2003.

u. Sucede que uma das diversas consequências que a LAM retira desta qualificação diferenciada, em razão da natureza dos fins prosseguidos, das associações de municípios, se consubstancia, precisamente, na reserva, a título de exclusivo, do estatuto de entidade equiparada a autarquia local para efeitos de isenções fiscais, às associações de municípios de fins gerais (também designadas comunidades intermunicipais) – cfr. o artigo 30º da LAM.

v. Do exposto decorre, sem mais, que deixam de gozar desse regime fiscal privilegiado as associações de municípios de fins específicos, que serão desta forma remetidas (ao menos em princípio) para a disciplina especial constante da alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC - que se deve, assim, ter por aplicável residualmente a todas as formas de associação entre municípios a que não caiba o qualificativo de CIM.

w. Não obstante o que antecede, há que forçosamente atentar no n.º 6 do artigo 38º da LAM, o qual expressamente dispõe que «as associações de municípios de fins específicos constituídas até à entrada em vigor da presente lei podem manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público».

x. A LAM, contudo, nada adianta (e, porventura, tão pouco teria de o fazer) sobre as implicações imediatamente associadas a esta preservação do estatuto de pessoa colectiva de direito público por parte das associações de municípios de fins específicos.

y. Sendo óbvio que à conservação da qualidade de pessoa colectiva de direito público, pelas associações de municípios de fins específicos, têm que se ligar consequências de direito relevantes (sob pena de total inutilidade da norma em apreço), importa, agora, traçar o seu perímetro exacto, a fim de precisar o alcance efectivo da referida disposição legal.

z. Ora, a faculdade conferida às associações de municípios de fins específicos de deixarem intacta a sua natureza de pessoas colectivas públicas (desde que, conforme é o caso da LIPOR, já se encontrassem constituídas no momento da entrada em vigor da LAM) não afecta, minimamente que seja, nem o seu espectro de atribuições, nem, tão pouco, a sua estrutura orgânica e a determinação do quadro de distribuição de competências entre os seus vários órgãos.

aa. Com efeito, estes eram aspectos que já se encontravam regulados, em termos significativamente diferenciados, para as CIM e para as associações de municípios de fins específicos no contexto da Lei n.º 11/2003 e que não contendiam, por isso, com a sua natureza comum de pessoas colectivas públicas.

bb. O que essencialmente muda com o novo regime instituído pela LAM para o associativismo municipal, e que passa a definir as CIM como pessoas colectivas de direito público e as associações de municípios de fins específicos como pessoas colectivas de direito privado, é o regime jurídico aplicável à sua actuação – dito de outra forma, a constelação de normas que contextualizam o seu modo de agir.

cc. Referimo-nos, concretamente, às normas constantes dos artigos 21º a 31º da LAM (em particular, as relativas aos regimes de pessoal e dos encargos a suportar com o mesmo, de contabilidade, de fiscalização e julgamento das contas, de património e finanças, de endividamento, de isenções fiscais e de reacção contenciosa às decisões dos seus órgãos), no que toca às CIM, e ao disposto no artigo 37.º do mesmo diploma (que determina que as associações de municípios de fins específicos se regem pelas disposições de direito privado e, ainda, pelo regime jurídico do contrato individual de trabalho na Administração Pública, pelo Código dos Contratos Públicos, pela Lei de organização de processo do Tribunal de Contas e pelo regime jurídico da tutela administrativa), no que se refere às associações de municípios de fins específicos.

dd. Desta forma, somos obrigados a concluir que a opção de uma associação de municípios de fins específicos por «manter em vigor a natureza de pessoa colectiva de direito público», em conformidade com o estabelecido no n.º 6 do artigo 38º da LAM, significará a sujeição da sua actuação, no fundamental, a um regime substantivo de direito público, moldado, ainda que com as necessárias adaptações, a partir da disciplina contida nos artigos 21º a 31º. Ser-lhe-á assim extensível, ao contrário do que defende o Tribunal a quo, o regime de isenções fiscais que vale para as autarquias locais, do mesmo modo que lhe serão igualmente aplicáveis os regimes de pessoal, contabilidade, financeiro e contencioso que é estabelecido pelo legislador para as CIM, enquanto associações de municípios de fins gerais com estatuto de pessoa colectiva de direito público.

ee. Não obstante o exposto e sem prescindir, a verdade é que nem assim as liquidações impugnadas podem ser consideradas legais, como também argumenta, a título subsidiário, o Tribunal recorrido.

ff. É que, em rigor e ao contrário do que se propugna na Sentença de que se recorre, dúvidas não podem existir sobre o facto de a LIPOR não exercer, a título principal, uma actividade comercial e industrial.

gg. É ao Estado e, mais especificamente, aos municípios – como todos reconhecem - que compete promover e garantir a realização dos serviços básicos de recolha e tratamento dos lixos: não é este um compromisso ou responsabilidade do Estado - dos municípios - nos resultados da actividade, mas um verdadeiro “dever que visa garantir sua existência”, o que, aplicado ao caso e à questão sub judice, transforma a actuação de uma associação com aquela natureza numa decorrência daquela responsabilidade de execução, não focalizada num interesse de cariz lucrativo, e já não numa responsabilidade de execução privada (embora de interesse público) de carácter empresarial.

hh. Qualquer outro critério (de cariz material) para qualificação como principal de um determinado fim associativo ou objecto social seria imprestável.

ii. Referimo-nos a um critério relativo, por exemplo, à contribuição das receitas respectivas para a globalidade dos resultados da associação ou da empresa ou aos níveis de afectação a esse fim dos recursos da entidade em causa - segundo o qual apenas poderíamos concluir que uma actividade não-lucrativa é a actividade exercida a título principal se as receitas e/ou os níveis de afectação de recursos superassem as receitas e os níveis de afectação às restantes.

jj. Um tal critério seria imprestável, desde logo, em abstracto, porque, de novo, não podemos esquecer a natureza das associações de municípios.

kk. É que uma associação deste tipo dedica-se, exclusiva ou principalmente, à realização, fora da lógica concorrencial, dos serviços de interesse público (não-lucrativos) típicos da actividade municipal (tendo essencialmente como contrapartida financeira o produto das contribuições, transferências, dotações, subsídios ou comparticipações municipais, estatais e comunitárias), para o que necessita, muitas vezes, de recorrer ao exercício de outras actividades, a esta acessórias, como meio de financiamento da actividade principal - é o que acontece no caso concreto! –. Nestes termos, bem se compreende que uma qualquer actividade complementar da associação, a que estejam subjacentes prestações de serviços com escopo lucrativo e uma actuação no mercado, facilmente represente a fatia maioritária dos rendimentos da associação, por muito acessória que seja a intencionalidade dos associados na sua prossecução e residuais os meios a ela afectos.

ll. Mas o mesmo critério seria imprestável igualmente em concreto. Tendo em conta que a actividade de carácter empresarial da LIPOR se resume à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, bem se percebe também, como já dissemos, que os respectivos (e eventuais) lucros só sejam possíveis porque a LIPOR aproveita todo um know-how e uma estrutura montada para a sua actividade principal de serviço público, assim logrando objectivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria.

mm. Ademais, os proveitos resultantes desta actividade empresarial acessória são sempre aplicados no desenvolvimento das condições em que é levada a cabo a actividade principal. De resto, se fosse aquela - a actividade de recolha e tratamento de resíduos sólidos urbanos - a actividade pretendida em primeira linha pela LIPOR, a forma jurídica que adoptaria nunca seria, no seu próprio interesse, o de uma associação de municípios, mas aquela que lhe permitisse actuar como um agente económico livre - fixando livremente os preços dos serviços que presta e concorrendo a concursos públicos - e distribuir os lucros aos sócios.

nn. É, pois, partindo do princípio de que a LIPOR não exerce uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola a título principal que devemos interpretar a sua situação tributária. No fundo, temos que, a título principal, cabe à LIPOR a assunção directa de responsabilidades que relevam imediatamente da prossecução das atribuições dos municípios nela integrados (recolha e tratamento de resíduos) - é esta a destinação do essencial da sua actividade -, assumindo a Impugnante a condição de um operador dedicado, isto é, de uma entidade cuja actuação de serviço público e, nessa medida, desinteressada e altruísta, visa em derradeira instância alimentar ou satisfazer as necessidades daqueles municípios no sector específico da gestão de resíduos.

oo. Assim, de outra forma não se pode concluir senão que, caso - contrariamente ao que na alínea anterior foi defendido - se considere em vigor a alínea b) do n.º 1 do artigo 9º do Código do IRC, a situação da LIPOR cabe no seu âmbito.

pp. É verdade que a letra da aludida alínea se refere às associações de municípios “que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”, isto é, sem distinguir expressamente, na previsão literal da isenção, as que as exercem a título principal. No entanto, este facto não coloca em causa a linha argumentativa que vimos traçando.

qq. É que o preceito em causa não poderá deixar de ser interpretado de acordo com a lógica sistemática do Código do IRC, no qual a referência àquelas actividades se reporta sempre ao seu exercício a título principal. Aliás, como vimos atrás, é a própria AT que utiliza a noção desse exercício “a título principal” como um conceito operativo central da sua tese.

rr. Mais: todo o Direito a que a AT recorre - uma vez estabelecida a sua posição de não aplicação à LIPOR da isenção de IRC - para apurar o lucro tributável e as tributações autónomas da empresa tem esse conceito como pressuposto.

ss. Com efeito, relativamente à determinação do lucro tributável, a AT mobiliza as normas da Secção II do Capítulo III do Código do IRC, a qual se apresenta sob a epígrafe (e se aplica às) “Pessoas Colectivas e Outras Entidades Residentes que Exerçam, a Título Principal, Actividade Comercial, Industrial ou Agrícola” (sublinhado nosso).

tt. Concretizando, aquela vale-se, primordialmente, dos seguintes artigos 17º (o qual estabelece a regra geral de apuramento do lucro tributável “das pessoas colectivas e outras entidades mencionadas na alínea a) do n.º 1 do artigo 3º”, ou seja, “das sociedades comerciais ou civis sobre a forma comercial , das cooperativas e das empresas públicas e […] demais pessoas colectivas […] que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza, comercial, industrial ou agrícola” – sublinhado nosso), 18º, 20º, 28º, 30º e 42º.

uu. Já, por outro lado, no que diz respeito à aplicação das taxas de tributação autónoma, a AT lança mão do n.º 3 do artigo 88º do Código do IRC, que também se refere apenas aos “sujeitos passivos (…) que exerçam, a título principal, actividades de natureza comercial, industrial ou agrícola” (sublinhado nosso).

vv. Ora, nos termos das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 3º do Código de IRC, o imposto incide sobre o lucro das sociedades comerciais ou civis sobre a forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e sobre o rendimento global, correspondente à soma algébrica dos rendimentos das diversas categorias consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito das pessoas colectivas ou entidades referidas anteriormente que não exerçam, a título principal, uma actividade comercial, industrial ou agrícola.

ww. Sobre o conceito de exercício, a título principal ou meramente acessório, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, deve atender-se ainda ao teor do Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 29/11/2000, no âmbito do processo nº 025580, de acordo com o qual “I - Podem beneficiar da isenção de IRC prevista na alínea a) do nº 1 do art. 9º do CIRC, as pessoas colectivas de utilidade pública que tenham fins predominantemente científicos. II – Podem beneficiar desta isenção pessoas colectivas de utilidade pública que tenham por fins primaciais actividades científicas de qualquer natureza, incluindo de divulgação científica, não se restringindo a isenção às que tenham actividades próprias de investigação científica”.

xx. Para concluir desta forma, esclarece aquele tribunal, com interesse essencial para o presente caso, que “O que é relevante para que se conclua que as pessoas colectivas de utilidade pública visam predominantemente fins científicos, para efeitos da norma em apreço, é que as actividades de natureza comercial ou industrial a que respeita a isenção de IRC, sejam meramente acessórias dos fins científicos, designadamente que os proventos obtidos no seu exercício se destinem a ser utilizados na satisfação desses fins científicos” (o sublinhado é nosso).

yy. Nestes termos, a AT só pode tributar a LIPOR com base no seu (alegado) lucro tributável se esta prosseguir uma actividade económica a título principal (e não a qualquer outro título – acessório, marginal, residual, isolado), algo que não se verifica no caso concreto.

zz. O entendimento administrativo contestado é, portanto, também por força deste desajustamento entre a natureza da actividade da Impugnante e o Direito aplicado, ilegal.

aaa. Desta forma, a tese defendida na Sentença de que se recorre viola, nos termos melhor explicados acima, o disposto nos artigos 36º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio, 7º, n.º 3, do Código Civil, 3º, n.º 4, 9º, n.º 1, alíneas a) e b), 17º, 18º, 20º, 28º, 30º, 42º e 88º, todos do Código do IRC.

bbb. No seguimento do que aqui vem dito, e em benefício da boa decisão da causa, cumpre ainda invocar a douta decisão proferida por este Tribunal, no âmbito do processo 2868/14.4BEPRT, através da qual foi a impugnação judicial congénere julgada totalmente procedente (cfr. doc. n.º 12 que se junta e cujo conteúdo se dá integralmente por reproduzido). Contra esta decisão não foi interposto qualquer recurso, tendo a mesma transitado plenamente em julgado.

DEVE, ASSIM, O PRESENTE RECURSO PROCEDER NOS TERMOS EXPOSTOS, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.”

A Recorrida Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou contra-alegações.

O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos dos Exmºs Juízes Conselheiros Adjuntos, vem o processo submetido à Conferência para julgamento.



2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida na apreciação que fez sobre a legalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa, considerando que a autoliquidação é legal, na medida em que a Impugnante não goza de isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9º do CIRC.




3. FUNDAMENTOS

3.1. DE FACTO

Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte:

“…

A) LIPOR – Serviço Intermunicipalizado de Gestão de Resíduos do Grande Porto, ora Impugnante, é uma pessoa coletiva de direito público, constituída como Associação de Municípios pelos Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde, através de escritura pública outorgada em 12.11.1982 – cfr. estatutos da LIPOR publicados no D.R. n.º 284 de 10.12.1982, III Série, fls. 17.216 a 17.221, e republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série, fls. 12.158-(24) a 12.158-(29), que constam de fls. 56 a 61 do processo físico.

B) De acordo com o artigo 2.º dos Estatutos da Impugnante republicados no D.R. n.º 130 de 05.06.2001, III Série, fls. 12.158-(24) a 12.158-(29), plasmados nas fls. 56 a 61 do processo físico, “1. A associação tem por objeto imediato a reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados, e por outras entidades que a associação venha a admitir, bem como a gestão, manutenção e desenvolvimento das infraestruturas necessárias para o efeito.
2. A associação pode ver ampliado aquele seu objeto imediato a vir a prosseguir quaisquer fins compreendidos nas atribuições dos municípios associados, com exceção daqueles que, pela sua natureza ou por disposição legal, devam ser exercidos diretamente por eles.
3. Pode ainda, a associação, por si ou associada a terceiros, dedicar-se:
a) Ao tratamento de outros resíduos sólidos;
b) Ao tratamento de resíduos industriais ou hospitalares;
c) À exploração de atividades de natureza energética conexas com o seu objeto. (…)”.

C) Por força da Informação n.º 1399/2006 da Direção de Serviços do IRC, datada de 18.10.2006, confirmada por despacho do Subdiretor-Geral, considerou-se que a Impugnante exerce atividades de natureza comercial e, por isso, não se encontra isenta, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC – cfr. fls. 107 a 111 do processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
D) Na sequência do entendimento veiculado na informação mencionada na alínea que antecede, foram efetuadas liquidações adicionais de IRC e de juros compensatórios relativas ao exercício de 2004 e de 2005, no montante de € 1.487.558,64 e € 942.987,59, respetivamente – cfr. fls. 71 a 74 do processo físico.
E) Mediante Reunião Ordinária da Assembleia Intermunicipal datada de 17.12.2008, a Impugnante optou por manter o estatuto de pessoa coletiva de direito público – por acordo das partes.
F) Em 20.05.2015, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos, modelo 22, relativa ao IRC de 2014, tendo selecionado a opção ‘Residente que não exerce, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola’ no quadro 03, campo 3 – Tipo de Sujeito Passivo, e tendo autoliquidado IRC no montante de € 1.263.269,21 – cf. fls. 40 a 46 do processo físico.
G) Em 23.07.2015, a Impugnante apresentou reclamação graciosa contra a autoliquidação mencionada na alínea antecedente, com fundamento na ilegalidade da liquidação por se encontrar isenta de IRC - cfr. fls. 7 a 23 do processo administrativo 05/2016, apenso ao processo físico, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.
H) Pelo ofício n.º 71.935, datado de 26.11.2015, a Impugnante foi informada do conteúdo do projeto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, tendo-lhe sido concedido o prazo de 15 dias para se pronunciar sobre o mesmo – cfr. fls. 47 a 51 do processo físico, cujo teor se dá por reproduzido.
I) Por despacho proferido pela Chefe da Divisão de Justiça Administrativa e Contenciosa em 21.12.2015, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante, com os fundamentos constantes do projecto de decisão que faz fls. 48 a 51 do processo físico e que seguidamente se transcrevem:

IMAGEM


- cfr. fls. 53 do processo físico.
J) Pelo ofício n.º 77.926/0403, datado de 21.12.2015, foi comunicado à Impugnante o indeferimento da reclamação graciosa – cfr. fls. 52 do processo físico.

K) Foi enviada à Impugnante a demonstração de liquidação de IRC n.º 2015 2310 1181 37, relativa ao IRC de 2014, pela qual se informou a mesma que o valor a pagar é de € 1.271.418,78, com data limite de pagamento em 09.09.2015, dos quais € 8.149,57 correspondem a juros de mora, liquidados pela demonstração n.º 2015 0000 2052 022 – cfr. fls. 54 e 55 do processo físico.

L) A Impugnante efetua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares - por acordo das partes.

M) Em 8.10.2015, a Impugnante prestou garantia bancária, emitida em 24.08.2015 pelo Banco Comercial Português, no montante de € 1.650.000,00, com vista a suspender o processo de execução fiscal n.º 3468 2015 0133 8196, referente à autoliquidação de IRC do ano de 2014 - cfr. fls. 77 a 79 do processo físico.

N) Em 04.01.2016, a petição de impugnação deu entrada no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto – cfr. fls. 2 do processo físico.

Inexistem factos não provados com relevância para a decisão da causa.

*
Motivação:
Os factos dados como provados resultaram dos documentos juntos aos presentes autos e constantes do processo de reclamação graciosa apenso, que não foram objeto de impugnação por qualquer das partes, tendo sido expressamente indicado, a propósito de cada facto, o documento (ou documentos) que, em concreto, serviu de base à sua prova.
No que concerne aos factos vertidos nas alíneas E) e L) do probatório, deram-se os mesmos por provados com base no acordo das partes (quanto à alínea L), veja-se o artigo 149.º da petição inicial).”
«»

3.2. DE DIREITO

Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de analisar o invocado erro de julgamento da decisão recorrida na apreciação que fez sobre a legalidade do acto de indeferimento da reclamação graciosa, considerando que a autoliquidação é legal, na medida em que a Impugnante não goza de isenção de IRC ao abrigo do disposto nas alíneas a) e b) do artigo 9º do CIRC.


Num primeiro momento, a Recorrente aponta que a sentença recorrida é anulável por erro de julgamento, de direito, desde logo por violação do disposto no n.º 1 do artigo 123.º do C.P.P.T. e do n.º 2 do art. 659.º do C.P.P.T., sendo que esta análise só pode ser entendida por referência ao aludido erro de julgamento que é imputado ao decidido que afastou a aplicação quer da alínea a), quer da alínea b) do art. 9.º do CIRC.
Depois, a Recorrente refere sendo uma associação de municípios, não se aplica a alínea a) do art. 9.º do CIRC, em que se prevê isenção de I.R.C. quanto a autarquias locais, de acordo com o previsto nas Leis n.ºs 172/99, de 21/9, 11/2003, de 13/5 e 45/2008, de 27/8, tendo sido mantido o seu estatuto de pessoa colectiva de direito público e quanto ao previsto na al. b) desse mesmo art. 9.º defende-se que não exerceu, a título principal, actividade comercial ou industrial, segundo o critério da destinação essencial da sua actividade, bem como que não podia ter sido tributada com base em lucro, correlacionando essa norma com outras do CIRC.

Nesta matéria, para cabal enquadramento da realidade em apreço, importa atender ao disposto nos artigos 2º, 3º e 9º do CIRC, na parte que nos interessa e na redacção aplicável no ano de 2014 e que é a seguinte:
Artigo 2.º
Sujeitos passivos
1 - São sujeitos passivos do IRC:
a) As sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, as cooperativas, as empresas públicas e as demais pessoas colectivas de direito público ou privado, com sede ou direcção efectiva em território português;
Artigo 3.º
Base do imposto
1 - O IRC incide sobre:
a) O lucro das sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, das cooperativas e das empresas públicas e o das demais pessoas colectivas ou entidades referidas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo anterior que exerçam, a título principal, uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola;
CAPÍTULO II
Isenções
Artigo 9.º
Estado, Regiões Autónomas, autarquias locais, suas associações de direito público e federações e instituições de segurança social
1 - Estão isentos de IRC:
a) O Estado, as Regiões Autónomas e as autarquias locais, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, compreendidos os institutos públicos, com exceção das entidades públicas com natureza empresarial;
b) As associações e federações de municípios e as associações de freguesia que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas;
Decorre igualmente do nº 4 do artigo 3º do CIRC, que «Para efeitos do disposto neste Código, são consideradas de natureza comercial, industrial ou agrícola todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços».
Decorre das normas transcritas que as pessoas colectivas de direito público são sujeitos passivos de IRC, o qual incide sobre o lucro resultante do exercício, a título principal, de uma actividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, a qual consiste na realização de operações económicas de carácter empresarial.

No que diz respeito ao primeiro elemento posto em destaque pela Recorrente, e de forma breve, dado que, o presente recurso centra-se essencialmente na consideração do art. 9º nº 1 al. b) do CIRC, quanto à natureza da Recorrente, de acordo com os Estatutos (alterados) da Impugnante, publicados no Diário da República n.º 130-2001, III Série, de 5 de Junho de 2001, a LIPOR é uma pessoa colectiva de direito público e foi constituída como Associação de Municípios pelos Municípios de Espinho, Gondomar, Maia, Matosinhos, Porto, Póvoa de Varzim, Valongo e Vila do Conde (cfr. alínea A) do probatório).
Ora, como já se viu, o artigo 9º do CIRC prevê isenções de IRC de que beneficiam o Estado e as autarquias locais, benefício que é afastado no caso das entidades públicas com natureza empresarial (al. a)) ou das associações e federações de municípios que exerçam actividades de natureza comercial, industrial e agrícola, sendo que embora o CIRC preveja uma isenção subjectiva para o Estado e autarquias locais (que se compreende), assim como para a associações de municípios, essa isenção é arredada nos casos das empresas públicas (noção que abrange as empresas municipais), pela sua própria natureza (empresarial), e nos casos das associações municipais, em função da actividade que desenvolvam de forma predominante.
Neste domínio, a Lei nº 11/2003, de 13-05, que estabeleceu o regime de criação das comunidades intermunicipais, previa no nº2 do seu artigo 1º a existência de dois tipos de comunidades: comunidades intermunicipais de fins gerais e associações de municípios de fins específicos. Mais se consagrava no artigo 2º da mesma lei que a associação de municípios de fins específicos é uma pessoa colectiva de direito público criada para a realização de interesses específicos comuns aos municípios que a integram. Sendo que nos termos do artigo 5º da mesma lei, as associações eram criadas para a prossecução de determinados fins públicos no âmbito das atribuições concedidas às autarquias locais, designadamente na área do ambiente. E nos termos do artigo 6º, os recursos financeiros das associações assim criadas compreendem, entre outros, o produto da venda de bens e serviços (alínea g) do nº 3).
Dispunha ainda o artigo 36º da citada Lei nº 11/2003, que “As comunidades e as associações beneficiam das isenções fiscais previstas na lei para as autarquias locais”.
A referida lei foi revogada pela Lei nº 45/2008, de 27 de Agosto, que na parte que agora interessa veio consagrar em preceito com a mesma numeração a mesma isenção fiscal, mas agora restrita às associações de municípios de fins múltiplos (CIM) - art. 2º, nº1 e 2.
Por sua vez esta lei foi revogada pela Lei nº 75/2013, de 12 de Setembro, que deixou de consagrar qualquer isenção fiscal, tendo apenas previsto transitoriamente, no artigo 3º, nº2, a manutenção daquele regime até 31/12/2013:
“2 - Os artigos 23.º a 30.º da Lei n.º 45/2008, de 27 de agosto, e os artigos 23.º a 28.º da Lei n.º 46/2008, de 27 de agosto, alterada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, mantêm-se em vigor até 31 de dezembro de 2013”.
Neste ponto, tal como refere o Ex.mo Magistrado do Ministério Público, conforme a Recorrente reconhece, na descrita Lei n.º 45/2008, passou a distinguir-se entre associações de municípios de fins múltiplos denominadas comunidades intermunicipais – artigos 2.º e seguintes – e associações de fins específicos – artigos 34.º e seguintes -, e só quanto às primeiras vindo a ser prevista a aplicação de isenções fiscais – artigo 30.º, de modo que, integrando a “Lipor” as associações deste segundo tipo, crê-se não ser possível aplicar a isenção prevista nas ditas Leis, quer com fundamento na não cessação de efeitos quer com fundamento no caráter especial ou excepcional da isenção quer na ligação existente quanto às autarquias locais, dado que, para que tal fosse possível, segundo o previsto no n.º 3 do art. 7.º do C. Civil, teria de resultar a intenção inequívoca do legislador e para tal não basta que as associações anteriormente constituídas tenham mantido a sua qualificação como pessoa colectiva de direito público.
Além disso, as autarquias locais estão sujeitas às categorias previstas no art. 236º nº 1 da C.R.P. e apenas quanto às mesmas é de aplicar, sem mais, a isenção prevista na dita al. a) do art. 9.º do CIRC, o que significa que a decisão recorrida andou bem no que diz respeito à não aplicação da al. a) do art. 9.º do CIRC.

No que diz respeito à matéria nuclear em apreciação nos autos, temos que acompanhar o exposto no Ac. deste Supremo Tribunal de 10-03-2021, Proc. nº 03161/16.3BEPRT, www.dgsi.pt, quando aponta que “… apenas a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC pode aqui ser equacionada - aliás, em bom rigor, só ela o era, mesmo nos termos da legislação anterior, uma vez que a equiparação que o artigo 36.º da Lei n.º 11/2003, de 13 de Maio fazia entre associações de municípios e autarquias locais apenas tinha razão de ser nos casos de impostos em que não existisse qualquer referência expressa àquelas; o que não era, notoriamente, o caso do IRC, que distinguia umas e outras entidades.
Assim, e como vimos, a isenção contida na alínea b) do n.º 1 do artigo 9.º do Código do IRC não é uma isenção subjectiva simples, mas antes mista (com elemento objectivos, portanto): nem todas as associações de municípios se encontram isentas, mas tão só aquelas “que não exerçam actividades comerciais, industriais ou agrícolas”. …”.

Neste âmbito, a decisão recorrida ponderou que:

“…

Logo, a isenção de IRC das associações de municípios está condicionada ao caráter não comercial, industrial ou agrícola de quaisquer atividades por elas desenvolvidas, independentemente de serem desenvolvidas a título principal ou a título acessório.

Com efeito, ao contrário do que sustenta a Impugnante, não se encontram excluídas tão-só as associações de municípios que exerçam, a título principal, atividades comerciais, pois que nada consta da lei quanto à intensidade, à frequência ou à prevalência de tais atividades, por confronto com as demais atividades, igualmente exercidas pela associação de municípios, que não revistam natureza comercial, industrial ou agrícola.
Como é sabido, o elemento gramatical é o ponto de partida na interpretação da lei e elemento inarredável da mesma (cfr. artigo 9.º do Código Civil).
O preceito legal em causa refere o exercício de atividades comerciais, industriais ou agrícolas, sem distinguir se se trata de uma atividade exercida a título principal ou a título acessório.

Ora, se o legislador tivesse querido excluir do âmbito de aplicação da isenção apenas as associações de municípios que se dedicassem principalmente a atividades comerciais, industriais ou agrícolas, e não também aqueloutras que o fizessem acessoriamente, certamente o teria dito, tal como fez para as pessoas coletivas de mera utilidade pública, cuja isenção pressupõe a prossecução, em caráter exclusivo ou predominante, de fins científicos ou culturais, de caridade, assistência, beneficência, solidariedade social ou defesa do meio ambiente (cfr. artigo 10.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC), tendo distinguido, neste caso, a intensidade ou a primazia da prossecução destes fins, face aos demais fins que estas entidades possam eventualmente prosseguir.
Ademais, parece-nos que a ratio legis que subjaz à norma aponta no sentido de que as associações de municípios deverão usufruir da isenção de IRC, na medida em que exerçam, exclusivamente, atividades subordinadas à prossecução do interesse público e que escapem à lógica empresarial, porquanto de outro modo estaria a beneficiar-se indevidamente entidades que, não obstante o desiderato que presidiu à sua criação, optaram por atuar no mercado nas mesmas condições que empresas sujeitas a IRC, exercendo atividades relevantes em sede de IRC (cfr. artigo 3.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código de IRC) que não se pautam pela prossecução do interesse público, pelo que não se justifica um tratamento diferenciado e, diga-se, mais favorável.
Assim, da alínea b) dimana, implicitamente, que basta o exercício de tais atividades, mesmo que não sejam exercidas a título principal, para que a associação de municípios não permaneça abrangida pela isenção de IRC.
Deste modo, a Impugnante não pode concluir, sem apoio na letra da lei ou em qualquer outro elemento interpretativo, que só o exercício, a título principal, de atividades comerciais, industriais ou agrícolas obsta à aplicação da isenção constante da alínea b).
Revertendo ao caso em análise, resultou provado que a Impugnante exerce, a título principal, a atividade de “reciclagem, valorização, tratamento e aproveitamento final dos resíduos sólidos entregues pelos municípios associados” (cfr. alínea B) do probatório).
Ademais, a Impugnante dedica-se, ainda, ao tratamento de resíduos hospitalares, mediante a celebração de prestações de serviços (cfr. alínea B) e L) do probatório).
No que tange à atividade (principal) da Impugnante – que envolve os resíduos sólidos dos municípios associados –, a mesma não possui cunho empresarial (nem industrial ou agrícola).
De acordo com o preceituado no artigo 1.º, n.º 2, alíneas f) e g), da Lei n.º 23/96, de 26 de julho - Lei dos serviços públicos essenciais – o serviço de gestão de resíduos sólidos urbanos constitui um serviço público essencial, integrado no âmbito das atribuições e competências das autarquias locais e cujas receitas são da titularidade dos municípios, nos termos dos artigos 14.º, alínea e), e 21.º, n.º 3, alínea c), da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro (vide o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 26.10.2017, prolatado no processo n.º 283/12).
Daí que, constituindo um serviço público essencial, não esteja em causa a realização de operações económicas de caráter empresarial, na aceção do n.º 4 do artigo 3.º.
Quanto à atividade (acessória), a conclusão a que se chega não é a mesma.
E é aqui que a pretensão da Impugnante soçobra.
Com efeito, enquanto que a atividade principal da Impugnante não consubstancia, a nosso ver, uma atividade empresarial nos termos e para os efeitos do artigo 4.º, n.º 3 do Código do IRC, o mesmo não se poderá dizer das prestações de serviços no domínio da gestão de resíduos hospitalares.
A atividade de gestão e tratamento de resíduos hospitalares é uma atividade comercial.
Aliás, a própria Impugnante o admite frontalmente na sua petição inicial.
Simplesmente defende que o exercício desta atividade acessória surge como meio de financiamento da atividade principal e que inexiste qualquer distribuição de lucros.
Menciona, também, que, como não exerce, a título principal, uma atividade comercial, industrial ou agrícola, é ilegal a sua tributação em sede de IRC a título de exercício principal de tais atividades.
No entanto, a não distribuição de eventuais lucros obtidos e o facto de os proveitos resultantes da atividade acessória serem investidos na sua atividade principal não possuem qualquer relevância para efeitos da aludida alínea b), que se foca no exercício de atividades de determinado cariz e não no destino a dar ao resultado dessas atividades. …”.

Nesta sequência, pese embora não tenham sido levados ao probatório elementos mais desenvolvidos sobre os contornos da actividade efectivamente desenvolvida pela Recorrente para além da recolha, tratamento e valorização dos resíduos sólidos entregues pelos diversos municípios que a integram, o Tribunal “a quo” deu como assente que a Impugnante efectua prestações de serviços relativas à recolha e tratamento de resíduos hospitalares, ou seja, deu como existente essa outra actividade secundária de aproveitamento dos resíduos, o que é confirmado pela Recorrente nas suas alegações, ao admitir que “a LIPOR aufere proveitos resultantes da venda de produtos e prestação de serviços, nomeadamente aos municípios seus associados e outras entidades públicas,…” e que “Os proveitos resultantes das suas atividades acessórias só são possíveis porque a LIPOR aproveita todo o know-how e estrutura montada para a sua atividade principal de serviço público, assim logrando objetivos de economia de escala que de outra forma nunca conseguiria…”.

Pois bem, é irrelevante que a dita actividade desenvolvida possa ser considerada acessória da actividade principal desenvolvida a favor de municípios, pois que, pelo menos, para efeitos do disposto no C.I.R.C., a mesma foi autonomizada, conforme resulta da previsão “todas as actividades que consistam na realização de operações económicas de carácter empresarial, incluindo as prestações de serviços”, constante também do art. 3º nº 4 do CIRC, sendo que tal encontra-se directamente ligado à regra de incidência, a qual, de acordo com o art. 3º nº 1 do CIRC é diversa, consoante seja exercida uma actividade com a dita natureza, “a título principal”, ou não - assim, aquela regra aplica-se sobre o “lucro”, ou o “rendimento global, corresponde à soma algébrica dos rendimentos das diversas categoriais consideradas para efeitos de IRS e, bem assim, dos incrementos patrimoniais obtidos a título gratuito”, conforme melhor consta expresso nas suas alíneas a) e b).

Tal significa que não merece censura o exposto na decisão recorrida no sentido de que a Recorrente desenvolve uma actividade de natureza comercial, o que se mostra suficiente para afastar a isenção prevista na alínea b) do artigo 9º do CIRC, não relevando para essa asserção, como igualmente considerou o Tribunal “a quo”, o facto de se tratar de uma actividade acessória ou da especial afectação dos resultados dessa actividade, na medida em que a Recorrente enquadra-se no art. 2º nº 1 al. a) do CIRC e é passível de tributação quanto ao rendimento global obtido pela actividade a que se refere a al. L) da matéria de facto, nos termos do art. 3º nº 1 al. b) do mesmo diploma, situação que tem um verdadeiro efeito de implosão no que concerne ao presente recurso.




4. DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, mantendo-se a decisão judicial recorrida.

Custas pela Recorrente.

Notifique-se. D.N..




Lisboa, 27 de Outubro de 2021. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.