Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:057/13
Data do Acordão:02/06/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:GARANTIA
HIPOTECA
IDONEIDADE
Sumário:I - Constituindo a hipoteca voluntária um meio de assegurar o pagamento da quantia exequenda e do acrescido, há que reconhecer, à luz do artigo 199.º do CPPT, a sua admissibilidade, em abstracto, como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal.
II - Todavia, a idoneidade, em concreto, da hipoteca oferecida como garantia está sujeita a uma apreciação casuística pelo órgão competente da Administração Tributária, sendo que o artº 199º, nº 2 do CPPT lhe confere uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se ela é ou não idónea para assegurar o pagamento da totalidade do crédito exequendo e dos legais acréscimos.
III - Resultando do probatório que o bem imóvel sobre o qual o executado pretende constituir a hipoteca, e cujo valor patrimonial tributário ascende a € 78.716,43, já se encontra onerado com hipoteca e penhora anteriormente registadas para garantir outros créditos no valor global de € 197.427,50, e visto que a garantia a prestar na presente execução fiscal ascende a € 75.568,41, não se afigura ilegal, inadequado, ou desrazoável o despacho da autoridade tributária que não considerou tal garantia idónea, por insuficiente, para suspender a execução fiscal.
Nº Convencional:JSTA00068092
Nº do Documento:SA220130206057
Data de Entrada:01/15/2013
Recorrente:A...
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF BRAGA DE 2012/10/31
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - REC JURISDICIONAL
Legislação Nacional:CPPT99 ART199 ART46
LGT ART52 ART55
CRP ART266 N2
CPA ART5 N2
Jurisprudência Nacional:AC STA PROC034/13 DE 2013/01/30; AC STA PROC0786/11 DE 2011/09/21; AC STA PROC0730/12 DE 2012/07/11; AC STA PROC0916/12 DE 2012/10/10; AC STA PROC0208/12 DE 2012/03/14; AC STA PROC0126/12 DE 2012/02/15
Referência a Doutrina:RUI DUARTE MORAIS A EXECUÇÃO FISCAL PAGS77-78.
ALFREDO JOSÉ DE SOUSA E JOSÉ SILVA PAIXÃO CÓDIGO DE PROCEDIMENTO E DE PROCESSO TRIBUTÁRIO PAG474.
JORGE LOPES DE SOUSA CPPT ANOTADO E COMENTADO 6ED VOLIII ANOTAÇÃO AO ART199.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A……, com os demais sinais dos autos, interpõe o presente recurso jurisdicional da sentença que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga proferiu em 31 de Outubro de 2012, julgando improcedente a reclamação por si deduzida contra o acto do Director de Finanças Adjunto de Braga de indeferimento do pedido que formulou no sentido de prestar garantia através da hipoteca voluntária da fracção autónoma “R” do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art.º 2091 da freguesia de ……, concelho de Braga, para suspensão do processo de execução fiscal nº. 3245 2010 01093258 que contra si reverteu para pagamento de dívida tributária no montante de 54.954,37 €, acrescida de juros de mora.
1.1. Rematou as alegações de recurso com as seguintes conclusões:
a) Considera a Ilustre julgadora pela, “legalidade do acto do órgão de execução fiscal”.
b) Salvo melhor interpretação, os argumentos aduzidos pelo Tribunal a quo não colhem entendimento legal, fazendo errónea interpretação e aplicação do disposto nas normas aplicáveis in caso, mais concretamente as que regem a prestação de garantia para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal, mais concretamente o artº 52º e o n.º 1 do art.º 74º da LGT, bem como os artigos 169º, 199º e 200º do CPPT.
c) Tal entendimento não tem qualquer fundamento legal, também por violação da lei e do princípio da proporcionalidade, vertido no art.º 18º n.º 2 da CRP, pois, não podendo o direito de cobrar impostos, em circunstância alguma, sobrepor-se a procedimentos que oneram, excessiva e desproporcionalmente, o contribuinte, razão pela qual mal andou a sentença recorrida.
d) Desde logo porquanto, em face da soma do valor patrimonial tributário do imóvel oferecidos como garantia, o mesmo era mais do que suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda (o montante total da garantia foi fixado pelo Serviço de Finanças em € 75.568,41 e o valor total da garantia oferecido ascendia a um montante consideravelmente superior, de € 78.716,43);
e) Os fundamentos invocados pela Administração Tributária (AT) e arrogada na sentença recorrida, referentes à liquidez e ao grau de risco da execução da garantia, introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia sem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida.
f) E na falta de uma definição legal de garantia idónea, pode afirmar-se que o conceito de idoneidade depende da capacidade de, em caso de incumprimento do devedor e da correspondente necessidade de a executar, assegurar a efectiva cobrança dos créditos garantidos - art.º 169º, 199º e 217º do CPPT, ex vi n.º 2 do art.º 52º da LGT (acórdão do STA, de 21/9/2011, rec. n.º 0786/11 e Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art.º 199º).
g) Com efeito, quanto ao valor da garantia é expresso o disposto no art.º 199º n.º 5 do CPPT ao valor a que se refere: “dívida exequenda, juros de mora até ao termo do prazo de pagamento com o limite de cinco anos e custas na totalidade, acrescida de 25% da soma daqueles valores”.
h) No despacho reclamado o órgão de execução fiscal considerou não obstante o valor patrimonial dos imóveis exceder o valor da garantia a prestar, considerou que o valor dos mesmos a ter em conta, para efeitos de aferir a sua suficiência para garantia da quantia exequenda e acrescidos, deveria ter-se em conta o valor líquido dos imóveis prestados para garantia, e no caso, considerou a garantia prestada insusceptível de assegurar o crédito tributário.
i) Contudo, para avaliar da suficiência da garantia oferecida sobre imóveis, não pode o órgão de execução fiscal fixar outro valor que não seja o valor patrimonial constante da respectiva matriz ou em acto de avaliação desencadeado para o efeito.
j) Concluímos pois que, a lógica do raciocínio que conduziu à prolação do despacho reclamado não tem acolhimento legal, para efeitos de se avaliar da suficiência da garantia oferecida.
k) A AT não pode recusar a constituição da garantia com o fundamento de que esta não lhe dá segurança absoluta do seu crédito e com absoluto desprezo pelos interesses legítimos do executado.
l) Sobre a concreta idoneidade da garantia oferecida, a proposição constante do nº 2 do art.º 199º do CPPT inscreve-se na linha de jurisprudência consistente do STA-SCT, segundo a qual qualquer garantia oferecida não pode ser recusada se o seu valor assegurar o pagamento da dívida exequenda e do acrescido, sob pena de errónea interpretação e aplicação do art.º 52º n.º 3 LGT em conjugação com o art.º 199º ns.º 4 e 5 CPPT (acórdãos 15.02.2012 processo n.º 126/12; 27.06.2012 processo n.º 646/12 e 11.07.2012 processo n.º 730/12).
m) No acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15.02.2012 - Processo 0126/12, ficaram bem claros os termos em que deve ser apreciada a idoneidade da garantia na perspectiva do equilíbrio interesse do credor/interesse do executado.
n) Voltando ao caso dos autos, o órgão decisor, assim como a Ilustre Julgadora deram como provado que, o valor do VPT (valores patrimoniais tributários) do prédio urbano prestado para garantia ascendem a 78.716,43 € é superior, ao valor da garantia a prestar (75.568,41 €), ainda assim, argumentam a não admissibilidade da garantia, apenas com o argumento de maior segurança e qualidade (liquidez imediata).
o) Note-se que a AT deve pautar a sua actuação de acordo com o princípio da proporcionalidade (cfr. art.º 266º, n.º 2 da CRP, art.º 55º da LGT, artº 46º do CPPT e art.º 5.º, nº 2 do CPA), o que aponta para a necessidade de ponderação dos interesses em jogo, em molde a não sacrificar nenhum deles.
p) Em suma, a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrerem errónea interpretação e aplicação do artº 199º do CPPT conjugado como n.º 5 do artº 52º da LGT.
q) E não se vislumbra que desta interpretação resulte prejuízo para a Administração fiscal e a garantia dos créditos na execução fiscal, até porque a lei lhe permite «em caso de diminuição significativa do valor dos bens que constituem a garantia, ordenar o reforço da mesma», nos termos do disposto no n.º 9 do art.º 199º do CPPT e n.º 3 do art.º 52º da LGT.
r) A Administração fiscal goza, desta forma, de lata margem de liberdade na aplicação destes mecanismos, que lhe permitem assegurar o crédito exequendo, mas tem de obedecer à lei nos aspectos vinculados, não podendo na interpretação e aplicação da, mesma pôr em causa as valorações que são próprias do legislador, subvertendo o sentido e alcance que o mesmo pretendeu dar às normas, em especial aos artº 199º do CPPT e 52º, nº 5, da LGT.
s) A proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto. (No mesmo sentido cfr. o Acórdão do STA, de 14/3/2012, rec. nº 208/12).»

1.2. A recorrida não apresentou contra-alegações.

1.3. O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu o douto parecer que consta de fls. 127 e 128, no sentido de que o recurso merecia provimento, apoiando-se na doutrina contida no acórdão desta Secção do STA de 14.03.2012, no processo n.º 209/12, sobre a admissibilidade em abstracto da fiança como garantia idónea com vista à suspensão do processo de execução fiscal.

1.4. Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre decidir.

2. A sentença recorrida deu por assente a seguinte factualidade:
1. Pelo serviço de finanças de Braga-2, foi instaurado o processo de execução fiscal (PEF) n.º 3425201001093258, inicialmente contra B……, S.A., e revertida contra a Reclamante, para cobrança coerciva de uma dívida tributária, no valor global de 54.954,37 euros, acrescida de juros de mora e custas processuais, referente a dívidas de IVA e juros compensatórios de IVA, dos anos de 2007 e 2008 - cfr. fls. 1 a 7 e 74 a 79 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. Em 09.11.2011, a ora Reclamante deduziu oposição à execução - cfr. fls. 89 e ss. do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
3. O valor da garantia a prestar ascende a 75.568,41 euros.
4. Em 26.01.2012, a ora Reclamante ofereceu como garantia real e idónea, para efeitos de suspensão da execução fiscal, a hipoteca voluntária da fracção autónoma inscrita na matriz predial urbana sob o art. 2091, fracção R, da freguesia de …… concelho de Braga, com um valor patrimonial de 78.716,43 euros - cfr. fls. 112 a 114 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. Foi proferido despacho de projecto de indeferimento - cfr. fls. 116 e 121 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6. Notificada daquele despacho, a ora Reclamante pronunciou-se nos termos constantes de fls. 123 (v) e 124 do PEF cujo teor se dá aqui por reproduzido.
7. A 28.06.2012, foi elaborada informação no sentido da não aceitação da proposta de garantia apresentada pela Reclamante - cfr. fls. 126 (v) e 127 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
8. A 29.06.2012, foi elaborado parecer nos seguintes termos “Em face da presente informação, do parecer do Chefe do Serviço de Finanças de Braga-2 e as instruções transmitidas pelo e-mail da DSGCT de 16-03-2011, proponho o indeferimento do pedido de aceitação de garantia, dado que o valor do imóvel oferecido como garantia não é suficiente para garantir a divida exequenda e acréscimos legais” - cfr. fls. 126 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9. Em 04 de Julho de 2012, o Director de Finanças Adjunto proferiu despacho de concordância - cfr. fls. 126 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. A 19.07.2012, foi a reclamante notificada do despacho de indeferimento por ofício n.º 4771, datado de 18.07.2012 - cfr. fls. 128 do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. O imóvel está onerado com hipoteca voluntária a favor de C……, Ldª, pelo montante de 62.400,00 euros e penhora a favor de D……., Ldª, no montante de 135.027,50 euros - cfr. fls. 204 (v) do PEF cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12. Em 27.07.2012, foi apresentada a presente reclamação.

3. A única questão em apreciação no presente recurso consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento em matéria de direito ao decidir pela improcedência da reclamação deduzida contra o despacho que, no âmbito do processo de execução fiscal n.º 3425201001093258, indeferiu o pedido de prestação de garantia através de hipoteca incidente sobre a fracção autónoma “R” do prédio urbano inscrito na matriz predial sob o art.º 2091 da freguesia de ……, concelho de Braga, com vista a obter a suspensão dessa execução fiscal – que contra si reverteu para pagamento de dívida no montante de 54.954,37 €, acrescida de juros de mora – durante a pendência do processo de oposição que contra ela formulou.
O acto reclamado, de indeferimento do pedido de prestação de garantia através da aludida hipoteca, fundamentou-se na insuficiência do valor do imóvel para garantir a divida exequenda e os acréscimos legais, tendo em conta todos os ónus que sobre ele já recaíam e se encontravam registados na Conservatória do Registo Predial. Isto é, fundamentou-se na falta de idoneidade, em concreto, da garantia oferecida.
A sentença julgou improcedente a reclamação por ter concluído pela legalidade do acto de recusa de prestação de garantia através da aludida hipoteca, face aos ónus que sobre o imóvel já incidem - hipoteca e penhora anteriormente registadas e que visam garantir o pagamento de valores que excedem o valor patrimonial do imóvel. Para o efeito, argumentou que, em caso de aceitação da garantia oferecida - hipoteca voluntária – aquela penhora e hipoteca anteriormente registadas sobre o prédio confeririam aos respectivos credores o direito de serem pagos preferencialmente, o que, atento o valor correspondente a essas penhora e hipoteca (superior ao valor patrimonial deste imóvel), obstaculizaria a que, em caso de execução da garantia aqui oferecida pela executada, o credor tributário pudesse assegurar o seu crédito.
Contra o assim decidido se insurge a reclamante, ora recorrente, advogando que perante o valor patrimonial tributário do imóvel em causa, a sua hipoteca não pode deixar de constituir garantia suficiente para assegurar o pagamento da dívida exequenda, e que os fundamentos referentes à liquidez e ao grau de risco da execução da garantia introduzem uma restrição ao conceito de idoneidade da garantia sem suporte legal, não constituindo parâmetros relevantes no juízo de aferição da idoneidade da garantia oferecida. Na sua óptica, para avaliar da suficiência da garantia oferecida, não pode o órgão de execução fiscal fixar outro valor que não seja o valor patrimonial constante da matriz ou em acto de avaliação desencadeado para o efeito. Razão por que concluiu ter havido erro de julgamento, por errada interpretação do disposto no artº 199º do CPPT, conjugado com os nºs 3 e 5 do artº 52º da LGT, e violação do principio da proporcionalidade consignado nos arts. 266º, nº 2 da CRP, 55º da LGT, 46º do CPPT e 5º nº 2 do CPA.
Vejamos.
Em situação idêntica à destes autos e onde, aliás, figuravam as mesmas partes, pronunciou-se recentemente esta Secção do STA, no acórdão proferido no dia 30 de Janeiro de 2013, no processo n.º 34/13, cuja fundamentação sufragamos sem qualquer reserva de convicção. Tendo em conta a sua proficiente fundamentação jurídica, à qual nada se nos oferece acrescentar, limitar-nos-emos a acompanhar e reproduzir, com as necessárias adaptações, o que aí ficou dito, tendo em vista um interpretação e aplicação uniformes do direito (art.º 8.º, n.º 3, do C.Civil).

«Da idoneidade da garantia oferecida.
De harmonia com o disposto no artigo 199º nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a prestação de garantia, tendo em vista a suspensão do processo de execução fiscal, pode ser efectuada por garantia bancária, caução, seguro caução ou qualquer meio susceptível de assegurar os créditos do exequente.
Dispõe, por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo que a garantia idónea referida no n.º 1 poderá consistir, ainda, a requerimento do executado e mediante concordância da administração tributária, em penhor ou hipoteca voluntária, aplicando-se o disposto no artigo 195.º, com as necessárias adaptações.
Este normativo confere assim à Administração Tributária uma certa margem de discricionariedade para decidir, em função de cada caso concreto, se a garantia prestada é ou não «idónea» para assegurar a cobrança efectiva da dívida exequenda, impondo-se, especificamente, nos casos da hipoteca voluntária e do penhor, a concordância da Administração Tributária.
A utilização da expressão “garantia idónea” integra um conceito impreciso, pois que a norma do nº 2 não determina, de forma exacta, quando é que a garantia é idónea para assegurar os créditos do exequente.
Poderá concluir-se, no entanto, que emana das disposições conjugadas dos arts. 169º e 199º do Código de Procedimento e Processo Tributário que a idoneidade da garantia se afere pela capacidade de, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos.
A garantia idónea será pois aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos - neste sentido, vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21.09.2011, recurso 0786/11, de 11.07.2012, recurso 730/12, de 10.10.2012, recurso 916/12, e, na doutrina, Rui Duarte Morais, A Execução Fiscal, pag. 77, Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, pag. 474, Jorge Lopes de Sousa, CPPT anotado e comentado, 6ª edição, Áreas Editora, Volume III, anotação 2 ao art. 199º.
Por outro lado, e não olvidando, como se acentuou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.03.2012, recurso 208/12 (In www.dgsi.pt.), que prestar garantia não é efectuar o pagamento, não poderá deixar de se concordar, também, que a prestação de garantia constitui uma vinculação de um determinado património ao cumprimento de uma determinada obrigação de pagamento.
Ora será que no caso em apreço, a garantia oferecida, mediante hipoteca voluntária, era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, assegurar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos?
A recorrente, ancorando-se em jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo que cita (Acórdãos de 14.03.2012, recurso 208/12, de 15.02.2012, recurso 126/12, de 27.06.2012, recurso 646/12 e de 11.07.2012, recurso 730/12, todos in www.dgsi.pt.), mas que não lhe dá apoio no caso concreto, já que o contexto factual em análise naqueles arestos não é idêntico ao do caso sub judice, argumenta que a partir do momento que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos da garantia, sob pena de incorrerem errónea interpretação e aplicação do artº 199.º do CPPT conjugado como n.º 5 do artº 52º da LGT.
E que, a proceder a interpretação sufragada pela Administração fiscal, esta passaria a estar legitimada a estabelecer uma hierarquização das garantias, em conformidade com a sua maior ou menor liquidez imediata, acabando assim por poder recusar não só a hipoteca como o próprio penhor, porque normalmente este também não dá garantias de imediata liquidez, restringindo o quadro legal de garantias que o legislador quis aberto.
Salvo o devido respeito, carece de razão legal.
Em primeiro lugar no caso, em apreço não está em causa a opção por esta ou aquela garantia em termos qualitativos, sendo que Administração Tributária não aceitou a garantia por entender que devia ser dada preferência a outras garantias que apresentem maior grau de liquidez (vg. garantia bancária, caução ou seguro-caução), mas sim porque considerou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre o imóvel oferecido como garantia ascende a 197.427,50 euros, o que é manifestamente superior ao seu valor patrimonial tributário (75.568,41 euros), e por essa razão considerou tal garantia insusceptível de assegurar o crédito tributário.
Por outro lado a recorrente parte de uma petição de princípio, ao sustentar reiteradamente nas conclusões (...) que a partir do momento em que a garantia oferecida cubra a totalidade do crédito exequendo e acrescido, a Administração fiscal não pode recusar com fundamento em aspectos qualitativos a garantia oferecida, dando como demonstrado o que não está efectivamente demonstrado, ou seja que a garantia oferecida assegure o pagamento de tal crédito.
Com efeito, e como já se referiu, no caso sub judice o que se impõe, antes de mais, é apurar se a garantia oferecida (hipoteca voluntária) era idónea para assegurar o pagamento do crédito exequendo e legais acréscimos.
A decisão sindicada (cf. fls. ...) entendeu que não porque «em caso de aceitação da garantia oferecida pela Reclamante - hipoteca voluntária - as mencionadas penhoras e hipotecas (…) anteriormente registadas, confeririam aos credores respectivos o direito de serem pagos preferencialmente, o que, atento o valor correspondente àquelas penhoras e hipotecas (...) - superior ao valor patrimonial dos imóveis em causa - obstaculizaria que, em caso de execução da garantia oferecida pela Reclamante, o credor tributário pudesse assegurar o seu crédito.
E nós julgamos que o fez acertadamente e não merece qualquer censura.
Com efeito, resulta do probatório (...) que a recorrente ofereceu como garantia hipoteca voluntária sobre imóvel urbano, com o valor patrimonial tributário de € 78.716,43.
O valor da garantia a prestar era de € 75.568,41.
Porém sobre aquele imóvel incidiam anteriores direitos reais de garantia (hipoteca e penhora), no montante global de € 197.427,50.
Portanto, o valor de créditos garantidos e anteriormente registadas é manifestamente superior ao valor da garantia que a recorrente pretendia prestar por meio de nova hipoteca sobre os mesmos imóveis.
Ora a hipoteca confere ao credor o direito de ser pago pelo valor de certas coisas imóveis, ou equiparadas, pertencentes ao devedor ou a terceiro com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo.
Como assertivamente nota o Exm.º Procurador-Geral Adjunto no seu parecer de fls. (...) a hipoteca constitui um direito real de garantia que se caracteriza por, ao contrário do privilégio, não estabelecer a preferência em atenção à causa do crédito, vigorando, antes, o princípio da prioridade na constituição.
As garantias incidentes sobre imóveis obedecem ao princípio do trato sucessivo do registo, pelo que é dada preferência à realização dos créditos cuja garantia foi anteriormente registada.
Assim, nos termos do art. 686º do Código Civil os créditos garantidos por hipoteca poderão ser preteridos por créditos que gozem de prioridade do registo.
No caso em análise, se a administração tributária tivesse de executar a garantia não obteria o pagamento do seu crédito, atento o valor dos créditos já garantidos por hipotecas com registo anterior.
E, como bem se disse na decisão recorrida, encontrando-se a idoneidade da garantia dependente da possibilidade de o credor tributário assegurar o seu crédito através da execução da mesma, a determinação de tal impossibilidade é suficiente para considerar como inidónea a garantia oferecida pela Reclamante.
6.2 Argumenta também a recorrente que ocorreu violação do princípio da proporcionalidade e que a Administração Tributária actuou com «absoluto desprezo dos interesses legítimos do executado».
Mas também não procederá esta alegação.
Na verdade, não se olvidando que na lei processual fiscal vigora como que “um princípio geral da equivalência da caução, penhora e outras garantias idóneas, como a hipoteca (uma vez que, na presença de qualquer uma delas, a execução se suspende até decisão da oposição deduzida), devendo ser aceite pelo órgão exequente aquela que, sem prejuízo do credor, melhor sirva os interesses do executado” (neste sentido, cfr. RUI DUARTE MORAIS, A Execução Fiscal, 2ª ed., Almedina, Coimbra, 2006, p.78.) (E também neste sentido, Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 11.07.2012, recurso 730/12 e de 15.02.3012, recurso 126/12.), não poderá deixar de se argumentar também que, em relação à hipoteca voluntária e ao penhor, a lei impõe a concordância da administração tributária.
Ora no caso em apreço não está em causa a ponderação pela Administração Fiscal de meros riscos hipotéticos, ou da menor solidez da hipoteca em contraponto com outras garantias admitidas no elenco do artº 199º, mas sim um juízo de avaliação sobre a idoneidade da garantia oferecida, sendo na avaliação dessa idoneidade a Administração Tributária goza, por força da lei, de uma certa margem de discricionariedade.
Trata-se de um juízo que não é feito apenas com base nas premissas a lei e que assenta também na ponderação dos elementos de fato relativos a cada situação concreta.
No caso, e como resulta da matéria de facto levada ao probatório, a Administração Fiscal constatou que a soma dos valores das garantias reais que incidem sobre os imóveis oferecidos como garantia era manifestamente superior ao seu valor patrimonial tributário, pelo que, não podia o órgão de execução fiscal aceitar como garantia um bem insusceptível de assegurar o crédito tributário e em consequência determinar a suspensão do processo de execução fiscal.
Neste contexto, e tendo em conta que a garantia idónea será aquela que é adequada para o fim em vista, ou seja, assegurar o pagamento totalidade do crédito exequendo e legais acréscimos, atenta a previsível duração do processo, não se nos afigura que nesta ponderação a Administração Fiscal tenha actuado de forma inadequada, desnecessária ou desrazoável.
Tanto basta para se concluir que não se verifica a violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer uma das suas dimensões (arts. 266º, nº2 da Constituição da República e 5º, nº 2 do Código de Procedimento Administrativo e 55º da Lei Geral Tributária).
Em suma, e para concluir, se dirá que, no caso em apreço, a garantia oferecida, por meio de hipoteca, não era suficiente para, em caso de incumprimento do devedor, salvaguardar a efectiva cobrança da dívida exequenda e acrescidos, pelo que não padece de ilegalidade o despacho da Administração Tributária que considerou que os bens oferecidos não constituíam garantia idónea.».

De tudo o que antecede resulta que improcedem, na íntegra, as conclusões do presente recurso jurisdicional.

4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013. - Dulce Manuel Neto - (relatora) - Isabel Marques da Silva - Lino Ribeiro.