Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02015/18.EBEPRT
Data do Acordão:10/28/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
BANCO
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - O regime legal referente à contribuição sobre o sector bancário vigente em 2016 não é violador dos princípios constitucionais da legalidade, da igualdade e da equivalência e da não retroactividade da lei fiscal, nem ocorre ilegalidade da Portaria n.º 121/2011.
II - Da afetação efetuada quanto à C.S.B. que integra as receitas do Fundo de Resolução, e das receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E. de 2016, não resulta a violação do art. 105.º, n.º1, a), da C.R.P..
Nº Convencional:JSTA000P26600
Nº do Documento:SA22020102802015/18
Data de Entrada:08/26/2020
Recorrente:BANCO A............, SA
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

I.1. “BANCO A…………….., S.A.”, melhor sinalizado nos autos, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferida em 29/04/2020, que julgou improcedente a impugnação que intentara do acto de indeferimento do pedido de reclamação graciosa relativo à autoliquidação da Contribuição sobre o Sector Bancário, referente ao exercício de 2016.

I.2. Apresentou alegações que concluiu nos seguintes termos:

A) A douta sentença incorreu em diversos erros de julgamento, devendo por isso ser revogada;

B) Primeiramente, não se acompanha a jurisprudência citada na sentença a quo, a qual, salvo melhor opinião, que classifica a CSSB como uma contribuição especial, daí retirando a consequência que as mesmas não se encontram sujeitas ao princípio da legalidade estrita nos termos em que o estão os impostos;

C) Desde logo, há que referir que estamos em causa perante um verdadeiro imposto, o que é patente pelo facto a CSSB ter sido criada com vista a “reforçar o esforço fiscal do sector financeiro”, e bem assim, pelo facto de, desde a sua criação, a CSSB ter sido destinada à satisfação das necessidades financeiras do Estado. Tal facto reflecte-se, por exemplo, no Relatório sobre o Orçamento de Estado para 2011, no Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2013 do Tribunal de Contas, no relatório sobre Orçamento de Estado para ou no Parecer sobre a Conta Geral do Estado de 2015 do Tribunal de Contas, nas referências feitas à CSSB;

D) Também do ponto de vista dos respetivos sujeitos passivos se percebe que a CSSB nunca poderia configurar uma contribuição especial na medida em que, admitindo-se que a mesma se destina efetivamente a financiar o Fundo de Resolução (Nacional), resulta do elenco de sujeitos passivos que na verdade nem todos poderão beneficiar da respectiva intervenção (mas somente o B………….. e o C………..);

E) Assim, estamos perante um imposto cuja receita se encontra afeta ou consignada ao Fundo de Resolução, mas tal afectação é apenas isso mesmo, sendo certo que a existir uma contribuição financeira (doutrinária e legalmente qualificável como tal) para o Fundo de Resolução, esta será constituída pelas contribuições inicias, periódicas e especiais das instituições participantes;

F) Também a indedutibilidade em IRC da CSSB, em paralelo com a desconsideração de quaisquer gastos inerentes ao pagamento de impostos que incidam sobre lucros, reforça a qualificação como imposto;

G) Desta forma, o princípio da legalidade impõe, por um lado, que aqueles e respetivos elementos essenciais – incidência, taxa, benefícios fiscais e garantias dos constituintes - sejam criados por lei (artigo 103.º, n.º 2 da CRP), e por outro lado, que esta lei seja da iniciativa da Assembleia da República, i.e, sendo a própria a legislar sobre o tema (assumindo a forma de Lei), ou autorizando o governo a legislar sobre a matéria (caso em que assumirá a forma de Decreto-lei);

H) Uma vez que o tribunal a quo parte da errada qualificação jurídica da CSSB, acaba por ir contra o princípio da “tipicidade fechada” na criação de impostos, resultante do artigo 103.º, n.º 2, da CRP;

I) De acordo com o plenário do Tribunal Constitucional no Acórdão n.º 70/2004, de 28 de Janeiro, a habilitação legal de fixação de taxas de imposto através de Portaria apenas se deve considerar conforme à constituição se estabelecida de acordo com um critério de “razoabilidade quanto ao intervalo dentro do qual o legislador regulamentar podia fixar a taxa efectiva cuja razão de ser só poderia corresponder à sua preocupação de que esse intervalo não fosse de tal modo amplo que criasse uma incerteza intolerável quanto ao grau de amputação de riqueza admissível e esvaziasse de real conteúdo o juízo de opção política expresso num tal modo de tributação exigido ao legislador parlamentar” (negritos nossos);

J) Assim, é inegável vício de inconstitucionalidade orgânica, porquanto se constata uma manifesta desadequação e falta de correspondência entre a estatuição constante da Lei habilitante e a regulamentação efetuada através da Portaria n.º 121/2011, que cria uma incerteza intolerável para os contribuintes;

K) Pelo que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto a CSSB deveria ter sido qualificada como um verdadeiro imposto, inquinado com o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da legalidade, nos termos do artigo 103.º, n.º 2, da CRP, devendo a sentença ser revogada;

L) Incorreu o Tribunal a quo também em erro de julgamento, porquanto a CSSB deveria ter sido inconstitucional por violação do princípio da igualdade, nos termos dos artigos 13.º e 104.º da CRP;

M) O relatório do Orçamento de Estado para 2011 que a Portaria n.º 121/2011 era muito claro no sentido de que a CSSB era criada com o duplo objectivo de: (i) Reforçar o esforço fiscal feito pelo sector financeiro (e não apenas o bancário); e de (ii) Mitigar de modo mais eficaz os riscos sistémicos que lhe estão associados;

N) Assim, não se percebe porque motivo se há de onerar e presumir que a criação de risco é imputável exclusivamente ao sector bancário, e não a todo o sector financeiro (como de resto constava nas propostas apresentadas a nível internacional e que deram origem à CSSB), excluindo-se outros agentes económicos com forte intervenção no mercado financeiro, tais como as sociedades financeiras;

O) Ainda que se pudesse qualificar a CSSB como uma contribuição financeira, também o princípio da equivalência não estaria cumprido, pois não é de todo verdade que a CSSB permita a resolução do sector bancário, dado que o Fundo de Resolução (Nacional) não tem essa finalidade desde 2016, que é agora do Fundo Único de Resolução;

P) Com o Regulamento n.º 806/2014/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de Julho de 2014, a União Europeia deu um novo passo na harmonização dos mecanismos de supervisão e resolução europeias, criando, no que ao caso importa, o Fundo Único de Resolução, e que se tornou aplicável a partir de 01 de Janeiro de 2016;

Q) Desde essa data, o Fundo Único de Resolução é considerado o mecanismo de financiamento da resolução das Instituições de Crédito dos Estados-Membros participantes (cf. artigos 2.º, al. a), 96.º e 99.º, n.º 2 do Regulamento (EU) n.º 806/2014), substituindo o mecanismo de financiamento da resolução dos Estados-Membros participantes (o que inclui o Fundo de Resolução Nacional) caso seja necessário um plano de resolução para as Instituições de Crédito;

R) Consequentemente, não é verdade, como afirma a douta sentença a quo, que a CSSB, ao financiar o Fundo de Resolução, se está a compensar os presumíveis beneficiários de eventuais intervenções públicas resolução, pois dos que se encontram hoje em actividade e que têm todos de contribuir, apenas uma pequena parte pode beneficiar da intervenção desse fundo: o B…………. e o C……….. Mais, para além desses dois Bancos, o Fundo de Resolução só pode visar novas medidas de resolução das sociedades financeiras, que nem sequer são sujeitos passivos da CSSB (mas ainda assim beneficiariam do Fundo de Resolução, na medida em que não estiverem abrangidas pela competência do MUR);

S) Desta forma, contrariamente ao que a douta sentença afirma, pode-se e deve-se comparar os bancos às sociedades financeiras;

T) Ora, seguindo os ensinamentos constantes no Acórdão n.º 539/2015, de 20 de Outubro de 2015. do Tribunal Constitucional, é indubitável que, se de acordo com os regimes legais aplicáveis, o sujeito passivo da CSSB não pode beneficiar de qualquer medida de resolução que venha a ser determinada e financiada pelo Fundo de Resolução ao qual aquela contribuição está consignada, não existe qualquer relação objectiva, falhando redondamente qualquer equivalência ainda que difusa que pudesse existir!

U) Desta forma, o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto ainda que a CSSB se pudesse qualificar como uma contribuição financeira, inquinado com o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da igualdade, mais concretamente quanto ao princípio da equivalência, nos termos do artigo 13.º da CRP, pelo que deverá a sentença ser revogada;

V) A Portaria n.º 121/2011 padece ainda de ilegalidade, em virtude de alterar a natureza da taxa prevista na norma habilitante (de taxa progressiva para proporcional) e incrementar a base de incidência da aludida contribuição, impondo um limite para a dedução à base de incidência, que consiste nos depósitos efetivamente cobertos pelo Fundo de Garantia de Depósitos;

W) Efectivamente, se o artigo 4.º do regime da CSSB determina que as taxas do imposto deveriam variar “em função do valor apurado”, não pode alterar-se o que deveria ser uma taxa progressiva, através de Portaria, para uma taxa proporcional em resultado da existência de taxas únicas;

X) A isto acresce que a al. a) do artigo 3.º do regime jurídico da CSSB excluí claramente da base de incidência do imposto “os depósitos abrangidos pela garantia do Fundo de Garantia de Depósitos, pelo Fundo de Garantia do Crédito Agrícola Mútuo ou por um sistema de garantia de depósitos oficialmente reconhecido nos termos do artigo 4.º da Diretiva 201/49/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de abril de 2014, ou considerado equivalente nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 156.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de dezembro”, sem estabelecer qualquer limite ou relevância quantitativa de tal dedução”;

Y) Portanto, enquanto o regime jurídico da CSSB excluía da base de incidência tais depósitos, sem estabelecer qualquer limite ou relevância quantitativa de tal dedução, a Portaria n.º 121/2011 veio limitar a relevância de tais depósitos apenas na medida do montante efectivamente coberto pelo Fundo de Resolução (v. artigo 4.º, n.º 2, al. c));

Z) Sendo ao legislador quem cabe estabelecer a base de incidência de imposto, não pode vir uma Portaria alterar tal base de incidência!

AA) Termos em que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto a Portaria n.º 121/2011 viola claramente o regime da CSSB aprovado pelo artigo 141.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro (com as alterações subsequentes), pelo que deverá a sentença ser revogada;

BB) No que respeita a inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade, a sentença incorreu também em erro de julgamento, uma vez que a Portaria n.º 165-A/2016, de 14 de Junho alterou a redacção do n.º 1 do artigo 5.º da Portaria n.º 121/2001, passando a taxa para 0,110%;

CC) Note-se que a mencionada portaria foi publicada a 14 de Junho de 2016, produzindo efeitos, nos termos do seu artigo 3.º, a partir de 1 de Janeiro de 2016

DD) No que toca à verificação do facto tributário, relembre-se o ensinamento de Saldanha Sanches, que refere que o facto tributário se deve entender ocorrido no momento em “que se verifica uma certa situação de facto a que a lei liga um dever de prestar”;

EE) A correspondência entre a situação contabilística da sociedade e a realidade relatada nas contas aprovadas pelos seus acionistas, tem um efeito meramente confirmativo – mas não constitutivo ou modificativo – da situação da sociedade;

FF) No presente caso, portanto, não pode senão entender-se que a CSSB se reporta a factos tributários ocorridos até 31 de Dezembro do ano anterior àquele que é devida: ou seja, que tem eficácia retroactiva;

GG) E sempre será de se notar que, ainda que o raciocínio do Tribunal a quo estivesse correcto, o que por mera hipótese de raciocínio se admite, e o facto tributário fosse a aprovação de contas, o certo é que as contas de 2015 teriam de ser aprovadas, atendendo ao artigo 65º, n.º 5 do Código das Sociedades Comerciais, até ao dia 31 de Maio de 2016, pelo que sempre se verificaria a retroactividade, uma vez que a taxa aplicável foi fixada em Junho de 2016 (i.e., a taxa foi fixada depois da aprovação das contas em 2016)…

HH) O facto de o regime originário da CSSB ter entrado em vigor em 2011 é irrelevante para a questão da retroactividade, porquanto o que está em causa é a inconstitucionalidade da alteração efectuada pela 165-A/2016, de 14 de Junho, na sequência da alteração dos limites máximos aplicáveis operada pelo artigo 185.º da Lei do Orçamento de Estado para 2016;

II) Temos em que, incorreu o Tribunal a quo em erro de julgamento, porquanto a CSSB deveria ter sido qualificada como um verdadeiro imposto, inquinado com o vício de inconstitucionalidade por violação do princípio da não retroactividade fiscal, nos termos do artigo 103.º, n.º 3 da CRP, pelo que deverá a sentença ser revogada.

JJ) Por fim, entende o Recorrente que caberá, nesta sede, invocar a legalidade do acto de (auto)liquidação por violação da regra da discriminação orçamental, uma vez que a receita proveniente da CSSB não se encontra devida e suficientemente especificada, quer na Lei do Orçamento do Estado respeitante ao ano da CSSB aqui em causa – 2016 –, quer, aliás, em qualquer uma das Leis do Orçamento do Estado desde a criação da CSSB até à presente data – 2011 a 2020, como se demonstrará.

KK) Vício que, entende o Recorrente, é cominado com nulidade típica ou integral, por se reconduzir à previsão das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA, como se demonstrará.

LL) Ora, a nulidade é, nos termos do disposto no número 2 do artigo 162.º do CPA e no número 1 do artigo 58.º do CPTA, invocável a todo o tempo, por qualquer interessado, e é susceptível de ser, oficiosamente, conhecida e declarada, termos em que é forçoso concluir pela inexistência de óbice à sua invocação no âmbito do presente Recurso.

MM) Sempre se dirá que as questões de constitucionalidade deverão ser susceptíveis de ser invocadas e conhecidas (ainda que oficiosamente) pelo Tribunal até ao trânsito em julgado dos presentes autos, dada a relevância das normas constitucionais violadas pela CSSB, cf. o Conselheiro Jorge Lopes de Sousa: “(…) até transitar em julgado a decisão final do processo em que se discute a validade do ato, a situação jurídica gerada com a sua prática está instável, pelo que não se podem gerar expectativas dignas de tutela jurídica relativas à validade do ato impugnado e sua manutenção. Por isso, uma vez impugnado o ato, a preclusão do direito de arguir novos vícios não se impõe por razões de segurança jurídica, mas essencialmente por razões de disciplina e economia processuais, para que o processo tenha a tramitação normal prevista na lei, presumivelmente a mais adequada para apreciação dos direitos em litígio. Nestas condições, não havendo prejuízo para a segurança jurídica, é aceitável que se admita a discussão das questões de constitucionalidade durante o processo, mesmo oficiosamente, atenta a relevância jurídica das normas constitucionais.” (cf. Lopes de Sousa, Jorge – Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado – Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 445 e 446, nota 4 – sublinhado do Recorrente).

NN) A possibilidade de invocação, em sede de Recurso, de questões de inconstitucionalidade foi, com efeito, reconhecida pelo Supremo Tribunal Administrativo: “I - Em recurso interposto para o STA de decisão proferida pela 1ª instância pode ser alegada a inconstitucionalidade das normas que definem os elementos essenciais do tributo, mesmo que a questão não tenha, antes, sido suscitada, já que se trata de matéria que vem sendo entendida como de conhecimento oficioso.” (cf. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 13 de Dezembro de 2000, proferido no processo n.º 024319, disponível em www.dgsi.pt).

OO) Assim, entende o Recorrente estar em tempo para invocar a nulidade de que padece a autoliquidação de CSSB sub judice, por violação de lei e de normas constitucionais, nos termos em que, de seguida, se expõe.

PP) O princípio orçamental da discriminação encontra-se previsto no artigo 8.º da Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”), aprovada pela Lei n.º 91/2001, de 20 de Agosto, e, a partir de 2015, nos artigos 15.º a 17.º da LEO, aprovada pela Lei n.º 151/2015, de 11 de Setembro, decorrendo também da própria CRP a imposição da “discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos”, conforme se dispõe no artigo 105.º, n.º 1, alínea a), da CRP.

QQ) Dentro do princípio da discriminação orçamental encontramos a regra da especificação, a par de outras regras orçamentais, como a da não compensação e a da não consignação. Ora, de acordo com esta regra orçamental da especificação, o orçamento deve individualizar de forma adequada e suficiente as receitas.

RR) O fundamento da regra da especificação orçamental reside nos requisitos de clareza e maior verdade e, bem assim, numa perspectiva de racionalidade financeira e controlo político (cf. Sousa Franco, A. L.– Finanças Públicas e Direito Financeiro, Volume I e II, Almedina, 2007, p. 353).

SS) Esta regra orçamental da especificação orçamental integra duas proibições: (i) a proibição, para o Governo, da apresentação de aglomerados de receita e despesa públicas e (ii) a proibição, para a Assembleia da República, de implementação de um sistema de votação global do Orçamento.

TT) Poder-se-á mesmo concluir que a regra orçamental da especificação serve o princípio da publicidade do Orçamento, que implica a obrigação de tornar públicos todos os documentos que se revelem necessários para assegurar a adequada aprovação, divulgação e transparência do Orçamento do Estado e da sua execução.

UU) Acresce que, com vista à corporização do princípio da especificação orçamental, a Constituição e a LEO, quer na versão de 2001, quer na versão de 2015, prevêem a existência de três classificações orçamentais: a económica, a orgânica e a funcional.

VV) Debruçando-nos sobre a classificação económica, que é a que releva para os presentes autos, e no que respeita à receita, estabelece o artigo 17.º da LEO de 2015 que “As receitas são especificadas por classificador económico e fonte de financiamento” (cf. também artigo 8.º da LEO de 2001).

WW) Sucede, porém, que a Contribuição sobre o Sector Bancário – tendo em conta a sua relevância orçamental e a sua natureza – não se encontra devidamente individualizada e orçamentada de acordo com a regra da especificação enunciada.

XX) Com efeito, nas Leis do Orçamento do Estado, de 2011 a 2014, não surge qualquer referência, expressa ou implícita, nem à Contribuição sobre o Sector Bancário nem à Contribuição para o Fundo de Resolução, enquanto que nas Leis do Orçamento do Estado de 2015 a 2020, surge, apenas, a referência à receita do Fundo de Resolução no respectivo Mapa V.

YY) No ano de 2016 – ano da (auto)liquidação em crise nos presentes autos – a Contribuição sobre o Sector Bancário é mantida em vigor por força do artigo 185.° da Lei do Orçamento do Estado para esse ano (v.g. Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março), sendo que, à semelhança dos anos anteriores, não é referida, específica e concretamente, em nenhum dos mapas orçamentais: Da análise dos Mapas Orçamentais, a Contribuição sobre o Sector Bancário parece surgir, presumivelmente, englobada no Mapa I em “impostos diretos diversos”.

ZZ) Ora, neste orçamento, afigura-se evidente a impossibilidade de apuramento do valor exacto da receita prevista arrecadar com a Contribuição sobre o Sector Bancário, não sendo possível retirar-se do montante da receita do Fundo de Resolução (de €434.888.442), prevista no Mapa V, qual o montante que corresponde à receita a obter com a cobrança da Contribuição sobre o Sector Bancário, uma vez que esta contribuição não é, sequer, a única fonte de financiamento daquele Fundo.

AAA) Com efeito, na verdade, no Mapa V da Lei do Orçamento do Estado para 2016, referente às Receitas dos Serviços e Fundos Autónomos, por classificação orgânica, com especificação das receitas globais de cada serviço e fundo, prevê-se, tão-só, a arrecadação pelo Fundo de Resolução de um montante global de €434.888.442 (quatrocentos e trinta e quatro milhões, oitocentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e quarenta e dois euros).

BBB) Se é certo que, do artigo 153.º-F, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, que aprova o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, resulta que constitui receita do Fundo de Resolução, designadamente, o produto da Contribuição sobre o Sector Bancário, também o é, de acordo com o mesmo artigo, o produto das contribuições iniciais e periódicas das instituições participantes e, ainda, outras receitas provenientes de empréstimos, aplicação de recursos, liberalidades, entre outras.

CCC) Ora, no aludido Mapa V, as receitas do Fundo de Resolução não estão individualizadas, nem suficientemente discriminadas, pois que não se individualiza (especifica) e quais os montantes, a título de Contribuição sobre o Sector Bancário, que, afinal, se autoriza que sejam cobrados durante o ano e consignados ao Fundo de Resolução, em clara violação da CRP (artigo 105.º, n.º 1, alínea a)) e da LEO (artigo 8,º da LEO de 2001 e 17.º da LEO de 2015).

DDD) De onde se conclui que não está, por isso, discriminado de que é constituído o alegado valor inscrito no Mapa V de €434.888.442 e, desse valor - assumindo mesmo que ali esteja incluída, ou possa estar (não se sabe), a Contribuição sobre o Sector Bancário - qual o que lhe corresponde e é aprovado pela Assembleia da República.

EEE) Com efeito, a partir da Lei do Orçamento do Estado para 2014, a CSSB surge englobada na rubrica 01.02.99, na categoria dos “impostos diretos diversos” do Mapa I e englobada entre as receitas do Fundo de Resolução constantes dos Mapas V e VI.

FFF) Daqui é forçoso concluir que o Legislador teve mera preocupação de conferir uma “aparência” de conformidade com a LEO e com a CRP, no que respeita à regra da especificação orçamental, englobando-a no seio da categoria residual do capítulo dos impostos directos.

GGG) E é aparente porquanto o Legislador promove, na verdade, uma clara violação do aludido princípio: os denominados aglomerados de receita.

HHH) De todo o exposto resulta, à evidência, que a receita decorrente da Contribuição sobre o Sector Bancário em causa não se pode presumir prevista na Lei do Orçamento do Estado – neste caso, por referência ao ano de 2016 –, e a especificação e o desdobramento orçamental desta receita não respeitam o disposto nem na CRP, nem na LEO, não se afigurando, à luz do que antecede, nem adequada, nem suficiente, a mera inscrição, global, da totalidade das receitas do Fundo de Resolução no Mapa V dos vários Orçamentos do Estado.

III) De facto, considerando até os avultados valores arrecadados com a Contribuição sobre o Sector Bancário, a mesma deveria ser objecto, nos termos da Lei e da Constituição, de suficiente e adequado individualização (especificação) – o que, in casu, não se verifica.

JJJ) Ora, só com o cumprimento efectivo dessa necessidade, legal e constitucional, de adequada individualização da receita do tributo em causa, decorrente do princípio da especificação orçamental, poderá a Assembleia da República promover o controlo, político e orçamental, devido e exigido quer pela CRP, quer pela LEO, razão pela qual existe este princípio.

KKK) Nesta medida, é forçoso concluir que a receita tributária em causa escapou, inevitavelmente, ao crivo parlamentar, razão pela qual a sua não especificação, concreta e individualizada, nos termos da CRP e da LEO, equivale, em termos práticos, à sua não inscrição – e, consequentemente, à sua não autorização – no correspondente Mapa da Lei do Orçamento do Estado.

LLL) Por outro lado, e conforme bem refere José Casalta Nabais, os vícios apontados quanto à inscrição orçamental das receitas da CSSB não atentam, apenas, contra o princípio da legalidade: “(…) a não previsão das receitas da CSB e a falta da sua especificação nos Orçamentos do Estado para os anos em causa reforça claramente a ilegalidade deste tributo, porquanto afectam também os princípios da transparência, da unidade e universalidade e, por via indirecta, da não consignação e da não compensação.” (cf. Parecer Jurídico cit. Documento n.º 2, pág. 28).

MMM) Acresce, ainda, referir, por cautela do patrocínio, que o facto de a recente jurisprudência dos Tribunais Superiores, ter qualificado a Contribuição sobre o Sector Bancário como uma “contribuição financeira” - e não como uma taxa ou como imposto - também não poderá justificar qualquer aligeiramento da regra da especificação orçamental quanto a estas receitas.

NNN) Como bem refere a Professora Maria D’Oliveira Martins, em primeiro lugar, porque, quer a CRP, quer a LEO, referem-se a receitas, sem especificar a sua origem. (cf. Parecer Jurídico cit. Documento n.º 1, pp. 52/53).

OOO) Depois, porque as contribuições financeiras possuem características em tudo semelhantes aos impostos, tendo, assim, também sido vistas pelo Tribunal de Contas, que as vem qualificando na categoria dos “impostos directos”.

PPP) Por tudo, verifica-se, pois, a violação do princípio da especificação orçamental, com a consequente ocultação desta receita do controlo e autorização parlamentar, uma vez que a votação da Assembleia da República, em todos os Orçamentos desde 2011 a 2020, incluindo o de 2016, foi efectuada sem o pleno e cabal conhecimento do montante de receita previsto cobrar a título de CSSB, o que é passível de permitir a utilização de verbas públicas para finalidades não previstas na Lei – o que é proibido pela CRP e, também, pela LEO, que determina, quer na redacção de 2001, quer na de 2015, a nulidade dos créditos que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (ainda que essa utilização não se verifique).

QQQ) Razão pela qual a omissão da referência à CSSB na Lei do Orçamento do Estado de 2016 e dos respectivos mapas orçamentais, corresponde a manifesta violação da regra da especificação orçamental da receita prevista no artigo 8.° da LEO de 2001 e do artigo 17° da LEO de 2015 e, bem assim, à violação do Decreto-Lei n.° 26/2002, na medida em que promove uma deficiente inserção dessa receita no classificador económico e, também, implica a sua inconstitucionalidade, por violação do disposto no artigo 105.º da CRP.

RRR) Acresce referir que esta violação da regra orçamental da especificação põe, também, em crise os outros referidos princípios e regras orçamentais, em especial, aqueles que mais se relacionam com esta, como são os da proibição de consignação e de compensação.

SSS) É de notar que, ainda que se admita que a receita da Contribuição sobre o Sector Bancário é consignada, a excepção ao subprincípio da não consignação obrigaria a uma bem maior exigência na sua orçamentação, com vista ao seu controlo parlamentar.

TTT) Ora, o caso é que, como acima já se deixou referido, a violação do princípio, legal e constitucional, da especificação conduz à nulidade dos "créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)", conforme prevêem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da Contribuição sobre o Sector Bancário nunca tivesse sido prevista. Veja-se no mesmo sentido a Professora Maria D’Oliveira Martins (cf. Parecer Jurídico cit. Documento n.º 1, p. 57).

UUU) Por este motivo, o acto de (auto)liquidação da CSSB aqui em apreço enferma de um vício gerador de ilegalidade (abstracta), porquanto a sua liquidação e cobrança não terão sido devidamente autorizados em conformidade com a CRP e a LEO.

VVV) No que respeita ao desvalor jurídico do acto de autoliquidação em crise, em resultado da violação das regras orçamentais acima descritas, deverá este conduzir-se à nulidade dos "créditos orçamentais que possibilitem a existência de dotações para utilização confidencial ou para fundos secretos (...)", conforme prevêem o artigo 8.° n.° 6, da LEO de 2001 e o artigo 17.°, n.° 3, da LEO de 2015, o que deverá significar que esses créditos se devem ter por não escritos, reconstituindo-se a ordem jurídica como se a cobrança da CSSB nunca tivesse sido prevista.

WWW) Com efeito, a ilegalidade, in casu, é abstracta pelo facto de a mesma não residir directamente no acto que faz a aplicação da lei ao caso concreto – rectius, acto de liquidação -, mas na lei cuja aplicação é feita (cf. Lopes de Sousa, Jorge, Código de Procedimento e Processo Tributário – Anotado e Comentado , Vol. III, 6ª edição, Áreas Editora, 2011, pp. 443).

XXX) Ora, esta ilegalidade, decorrente da falta de previsão e de especificação das receitas proporcionadas pela CSSB resulta, efectivamente, numa ilegalidade grave dos respectivos actos de liquidação e cobrança, a qual, salvo melhor opinião, nunca pode reconduzir-se à mera anulabilidade, devendo materializar-se numa nulidade típica ou integral. (no mesmo sentido, José Casalta, cf. Parecer Jurídico cit. Documento n.º 2, pág. 31).

YYY) Com efeito, e com a entrada em vigor do Código de Procedimento Administrativo (CPA), publicado em 7 de Janeiro de 2015, pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, o legislador procedeu à anulação da antiga cláusula geral de nulidade do antigo CPA, passando a prever quatro novos casos de nulidade no actual artigo 161.º daquele diploma, de entre os quais a alínea k), onde se dispõe que são nulos “Os atos que criem obrigações pecuniárias não previstas na lei”.

ZZZ) Assim, de acordo com esta norma, são nulos quaisquer actos que gerem uma obrigação de pagamento não prevista na lei - com desrespeito do princípio da legalidade ou da tipicidade –, garantindo-se, assim, que todas as receitas têm cabimento legal.

AAAA) Ora, se um dos fundamentos legais da realização da receita da CSSB é o Orçamento de Estado, então não devem gerar-se obrigações pecuniárias por meio de acto administrativo quando um tributo não foi adequadamente orçamentado.

BBBB) Donde é forçoso concluir-se que as deficiências de orçamentação da CSSB, desde a sua criação e até à presente data, são tão graves que este tributo deve ter-se, mesmo, por não orçamentado, com a consequente nulidade das respectivas (auto)liquidações, ao abrigo das alíneas k) e l) do artigo 161.º do CPA.

CCCC) Em face do exposto, e atenta a desconformidade do tributo em questão com o disposto no artigo 17.º da LEO e com o artigo 105.º da CRP, é manifestamente ilegal e inconstitucional (indirectamente que seja) o acto de autoliquidação sub judice, devendo ser declarado nulo, nos termos da alínea k) do artigo 161.º do CPA, com todas as consequências legais.

DDDD) Nestes termos e nos demais de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso, determinando-se a revogação da sentença a quo, julgando-se procedente a impugnação judicial, determinando a anulação do acto de autoliquidação da CSSB n.º 26000010168, ordenando a devolução dos montantes de imposto entregues, bem como o pagamento dos correspondentes juros indemnizatórios no termos legalmente devidos, e assim se fazendo, mais uma vez, serena, sã e objectiva justiça.

I.3. O recurso foi admitido com efeito devolutivo, não tendo sido formuladas contra-alegações.

I.4. A exm.ª magistrado do Ministério Público teve “vista” dos autos, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, sustentando-se na jurisprudência reiterada do S.T.A. no que respeita às questões da natureza da C.S.B., bem como das inconstitucionalidades suscitadas por referência à violação dos vários princípios da legalidade, da não retroactividade e da igualdade, bem como quanto à ilegalidade da Portaria 121/2011, referindo que o entendimento jurisprudencial constante dos acórdãos indicados é inteiramente transponível para o caso em análise em que está em causa a C.S.B. referente aos anos de 2016.
No que respeita à “NULIDADE DA (AUTO)LIQUIDAÇÃO POR ILEGALIDADE ABSTRACTA E INCONSTITUCIONALIDADE (INDIRECTA): OS VÍCIOS ORÇAMENTAIS”, invocada pela ainda recorrente, defende não se tratar de matéria de impugnação, mas de oposição, de acordo com o previsto no art. 204.º n.º1 a) do C.P.P.T., que a inconstitucionalidade invocada provoca anulabilidade e que os vícios orçamentais não são de conhecimento oficioso, na evolução sofrida no C.P.A. que conduziu às atuais normas constantes dos artigos 161.º e 163.º n.º1, bem como ainda por o C.P.P.T. prever no art. 102.º o prazo de três meses para apresentar impugnação judicial.
Ainda assim, defende que, tendo a C.S.B. a natureza de contribuição financeira, não se imporia a indicação das suas receitas, só por si, no Orçamento de Estado, bem como que ainda o seguinte: “No entanto, aliás, como refere o Recorrente, verifica-se que tal receita a partir da Lei do Orçamento do Estado para 2014, a CSSB surge englobada na rubrica 01.02.99, na categoria dos “impostos diretos diversos” do Mapa I e englobada entre as receitas do Fundo de Resolução constantes dos Mapas V e VI ” pelo que, estando inscrita [d]e discriminada, não se verificará qualquer violação de normas previstas na CRP, nomeadamente, do artigo 105º ou da Lei do Enquadramento Orçamental.”
I.5. O parecer que antecede foi notificado à recorrente, a qual apresentou resposta ao mesmo em que conclui não ser de considerar o mesmo, nomeadamente em face da por a jurisprudência do S.T.A. citada não ser transponível para o presente caso, em que foi ainda invocada a referida ilegalidade abstracta por violação de aos artigos da Lei de Enquadramento Orçamental, sendo possível conhecer dessa ilegalidade, bem como assim da inconstitucionalidade do art. 105.º da C.R.P., citando jurisprudência e doutrina em sustentação da posição que defende quanto àqueles vícios se verificarem.
I.6. Sendo objecto do recurso o decidido na sentença recorrida, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso de cumpra ainda conhecer, nos termos previstos no art. 635.º n.º3, 663.º, n.º 2 e 608.º n.º2 do C.P.C. resultam para apreciação as seguintes questões, relativas ao regime legal aplicável em 2016, em que a CSB foi prorrogada pelo art. 185.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30/3, que nesse ano aprovou o Orçamento Geral do Estado (O.G.E.):
- natureza da Contribuição sobre o Setor Bancário;

- violação do princípio da legalidade (art. 103.º n.º 2 da C.R.P.), quer na sua vertente reserva de lei, quer no que respeita aos elementos típicos;

- violação dos princípios igualdade e da equivalência (artigos 13.º e 104.º da CRP);

- ilegalidade da Portaria n.º 121/2011;

- violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal (art. 103.º n.º 3 da CRP);

- inconstitucionalidade por violação da regra da discriminação orçamental prevista no art. 105.º n.º 1, a) da C.R.P.;

- dispensa do remanescente da taxa de justiça, nos termos do art. 6.º n.º7 do Regulamento de Custas Processuais (R.C.P.).

Estas duas últimas questões são as que resultam como sendo de conhecimento oficioso, nos termos das normas acima indicadas.

Com efeito, e quanto ao demais, mesmo que se admitisse que pudesse ocorrer nulidade – e na L.E.O. (Lei 151/2015) tal encontra-se previsto no art. 17.º quanto a dotações que possibilitem fundos secretos nas circunstâncias no mesmo referidas, se a sentença não conheceu antes delas, tornava-se necessário que no recurso interposto se atacasse o decidido, quer arguindo nulidade por omissão de pronúncia, quer imputando erro de direito, pelo que o recurso quanto a tal carece de objecto – cfr., acórdão do S.T.A. de 29-10-2014, proferido no processo n.º 0833/14, acessível em www.dgsi.pt.

II. Fundamentação.

II.1. De facto.

A sentença recorrida reputou como relevante a seguinte matéria factual:

1. A Impugnante é uma instituição de crédito autorizada pelo Banco de Portugal para o exercício da actividade bancária, residente em Portugal para efeitos fiscais.
2. A Impugnante, em 30/6/2016, preencheu e entregou a declaração – modelo 26 – respeitante à Contribuição sobre o Sector Bancário que se encontra a fls. 14/15 e se dá por reproduzida, reportada ao ano de 2016, e declarou como “base da contribuição”:

BASE DA CONTRIBUIÇÃO

Passivo 01 32.746.606.582,12
-Elementos reconhecidos como capitais próprios 02 0,00
-Passivos associados a planos de benefício definido 03 9.488.499,96
-Passivos por provisões 04 198.622.651,50
-Passivos resultantes de reavaliações de investimentos financeiros derivados 05 578.430.214,34
-Receitas com rendimento diferido06 11.406.501,29
-Passivos não desreconhecidos em operações de titularização 07 5.861.126.176,08
-Fundos próprios de base 08
- Fundos complementares 09 5.079.087,75
- Depósitos abrangidos pelo FGD, FGCAM e depósitos na CC 10 11.114.044.211,30
-BASE I (11 = 1-2-….-10) 11 14.968.409.239,90
BASE II (valor nacional dos instrumentos financeiros) 12 668.113.103,79
BASE I 01 16.465.250,16
BASE II 02 2.004,34
Juros compensatórios: 03 0,00
TOTAL A PAGAR (1 + 2 +3) 04 16.467.254,50


3. Da declaração referida em 2 resultou uma Contribuição sobre o Sector Bancário, a pagar pela Impugnante, no montante de € 16.467.254,50.
4. A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu o documento nº 26000010168, que consta a fls. 15 e se dá por reproduzido, referente à Contribuição sobre o Sector Bancário, relativa ao ano de 2016, a pagar pela Impugnante, no montante de € 16.467.254,50.
5. A Impugnante, em 30/6/2016, procedeu ao pagamento do montante identificado em 3/4, conforme documento de fls. 16 que se dá por reproduzido.
6. A Impugnante, em 20/4/2018, apresentou nos serviços da Autoridade Tributária e Aduaneira, uma “reclamação graciosa de ato de autoliquidação de contribuição sobre o Setor Bancário”, referente ao ano de 2016.
7. A Autoridade Tributária e Aduaneira, mediante ofício datado de 26/4/2018, promoveu a audiência prévia para a Impugnante se pronunciar sobre o projecto de indeferimento “da reclamação graciosa”, com base na informação interna emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes nº 172-AIR1/2018 que consta a fls. 18/21 e se dá por reproduzida.
8. A Autoridade Tributária e Aduaneira, em 24/5/2018, proferiu despacho com o teor “Concordo pelo que indefiro a reclamação graciosa”, baseado na informação interna emitida pela Unidade dos Grandes Contribuintes nº 207-AIR1/2018, conforme documento de fls. 23 verso/27 que se dá por reproduzido.
9. A Autoridade Tributária e Aduaneira, em 25/5/2018, remeteu à Impugnante o ofício que consta a fls. 23 e se dá por reproduzido, com o assunto “Notificação de Decisão Final (…) Reclamação Graciosa”, aí referindo que “(…) foi proferido despacho de indeferimento (…) fica notificado de que deste despacho pode recorrer hierarquicamente (…) ou impugnar judicialmente no prazo de três meses (…)”.
10. O despacho mencionado em 9 foi notificado à Impugnante, por meios electrónicos, Via CTT, a que acedeu em 28/5/2018, conforme “print” de fls. 28 que se dá por reproduzido.
11. A presente acção deu entrada em juízo em 3/8/2018.
Não foram dados como provados outros factos.
II.2. De direito.
II.2. Quanto à natureza da C.S.B., e aos princípios da legalidade, da igualdade, da equivalência, à ilegalidade da Portaria n.º 121/2011 e ainda quanto ao princípio da não retroactividade da lei fiscal:

Relativamente ao ano de 2016 a C.S.B. foi mantida pelo art. 185.º da Lei n.º 159-C/2015, de 30/3, que aprovou o Orçamento Geral de Estado (OGE) para 2016, introduzindo algumas alterações ao regime anteriormente vigente, conforme invoca a recorrente.
Reitera-se o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 19/6/2019, proferido no processo nº 0683/17, proferido em formação alargada da Secção do Contencioso Tributário, realizada ao abrigo do disposto no art. 148.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (C.P.T.A.), o qual se encontra publicado na base de dados informatizada do IGFEJ, I.P., bem como no acórdão de 17-2-2019, proferido no processo n.º 02708/16.0BEPRT e ainda no acórdão de 6-5-2020 proferido no processo 02921/17.2BEPRT - relativo à C.S.B. de 2017, mas que levou em conta o disposto no art. 185.º da L.O.E. de 2016-, todos publicados no mesmo local e acessíveis em www.dgsi.pt.

Considerando tratar-se de jurisprudência reiterada pelo S.T.A., da qual resulta a improcedência das questões acima suscitadas por referência à C.S.B. relativa ao ano de 2016, remete-se quanto à fundamentação para esses acórdãos, nos termos do art. 663.º n.º 5 do C.P.C., dispensando-se a junção de cópia dos mesmos, atenta a publicação já efetuada e a imposição de não serem praticados atos inúteis.
Sendo aplicável ao caso a Portaria nº 165-A/2016, de 14 de Junho, entrou em vigor no dia 15/6/2016, alterando os artigos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º da Portaria nº 121/2011, de 30 de março, com efeitos a partir de 1-1-2016, a 30/6/2016, data em que a Impugnante, preencheu a declaração modelo 26 respeitante à C.S.B., a portaria em questão, com as alterações efectuadas pela Portaria nº 165-A/2016, de 14 de Junho, já se encontrava em vigor.
E, conforme referido na sentença recorrida, em que o aí previsto foi enquadrado no regime legal da C.S.B. ao tempo aplicável, nomeadamente, o art. 3.º da Lei nº 55-A/2010, de 30/12, com alterações, em que se regula a incidência da taxa legal aplicável.
Resulta, assim, que o recurso não é provido quanto às indicadas questões, incluindo a da violação da não retroactividade.
II.3. Quanto à inconstitucionalidade por violação da regra da discriminação orçamental prevista no art. 105.º n.º 1, a) da C.R.P.:

Relembramos que o âmbito da presente questão respeita apenas à dita inconstitucionalidade e no que se refere ao indeferimento de reclamação graciosa relativa a autoliquidação da C.S.B. de 2016.

No mapa V anexo ao O.G.E. de 2016, aprovado pela Lei 7-A/2016, consta no Diário da República a pág. 88, a discriminação das receitas do Ministério das Finanças e seus Fundos autónomos, sendo indicada, no que se refere ao Fundo de Resolução, a quantia global de € 424,9 milhões.

Por outro lado, nos termos previstos no art. 153.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, a C.S.B. constitui receita do Fundo de Resolução.

Ora, dispõe o art. 105.º da C.R.P. o seguinte:

(Orçamento)

“1 - O Orçamento do Estado contém:

a) A discriminação das receitas e despesas do Estado, incluindo as dos fundos e serviços autónomos;

b) O orçamento da segurança social.

2 - O Orçamento é elaborado de harmonia com as grandes opções em matéria de planeamento e tendo em conta as obrigações decorrentes de lei ou de contrato.

3 - O Orçamento é unitário e especifica as despesas segundo a respectiva classificação orgânica e funcional, de modo a impedir a existência de dotações e fundos secretos, podendo ainda ser estruturado por programas.

4 - O Orçamento prevê as receitas necessárias para cobrir as despesas, definindo a lei as regras da sua execução, as condições a que deverá obedecer o recurso ao crédito público e os critérios que deverão presidir às alterações que, durante a execução, poderão ser introduzidas pelo Governo nas rubricas de classificação orgânica no âmbito de cada programa orçamental aprovado pela Assembleia da República, tendo em vista a sua plena realização.»

Da afetação que resulta efetuada quanto à C.S.B. entre as receitas do Fundo de Resolução e da discriminação efetuada quanto às receitas deste entre as dos Fundos do Ministério das Finanças, conforme previsto no O.G.E. de 2016, não resulta a violação do art. 105.º, n.º1, a), da C.R.P..

Conforme se pode ler no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 211/2011, proferido a 28-9-2011, no processo nº 211/2011, publicado em www.tribunalconstitucional.pt, “o quadro primário de conteúdo, elaboração, aprovação e execução do Orçamento constante deste preceito é completado pelo artigo 106.º da Constituição, conjunto normativo relativamente parco que é desenvolvido pela Lei de Enquadramento Orçamental”.

É nesse contexto que foi aprovada a Lei de Enquadramento Orçamental (L.E.O.) n.º 91/01, de 20/8, bem como a actual L.E.O. pela Lei n.º n.º 151/2017, de 11/9, bem como ainda outros diplomas (em que se prevê ainda a discriminação das receitas e despesas do Estado e dos Fundos, de acordo com várias regras, como as relativas aos classificadores a utilizar).

Tais exigências não decorrem do previsto na C.R.P., pelo menos, com o conteúdo indicado pela recorrente.

Aliás, tratando-se a C.S.B. de uma contribuição financeira a favor do Fundo de Resolução, conforme referido na jurisprudência do S.T.A. para que se remeteu, foi já considerado que goza de maior liberdade no que toca ao seu lançamento, liquidação e cobrança, sendo de desaplicar o regime garantístico dos impostos, conforme se pode ler ainda no acórdão do T.C. n.º 539/2015, de 20-10-2015 proferido no proc. 27/15, do Tribunal Constitucional, publicado em www.tribunalconstitucional.pt e no Diário da República, 2.ª série, de 19-11-2015.

O previsto no O.G.E. para 2016 não é diferente do ocorrido em anos anteriores, o que permitiu a fiscalização da execução orçamental do Fundo de Resolução, nos termos previstos no art. 107.º da C.R.P., quer pelo Tribunal de Contas, conforme resulta dos relatórios anuais tornados públicos pelo mesmo quanto a esses anos, de que se dá notícia no parecer junto aos autos, elaborado pela sr.ª prof.ª Maria d´ Oliveira Martins, bem como pela Assembleia da República que também a tem exercido, como é do conhecimento público.

Acresce que a aplicação da nulidade quanto a essa inconstitucionalidade, em termos de invalidar os efeitos produzidos anteriormente, sempre dependeria de uma ponderação a efectuar pelo Tribunal Constitucional, nos termos do art. 282.º n.º4 da C.R.P., conforme assinalado no acórdão do S.T.A. de 20-11-2014, proferido no processo 0438/14, publicado em www.dgsi.pt.

III.7. Dispensa do remanescente de custas:
Prescreve o artigo 6º, nº 7, do Regulamento das Custas Processuais, “Nas causas de valor superior a (euro) 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.”
Nos presentes autos, a que foi atribuído o valor de € 16.467.254,50, está em causa um pedido de anulação de um acto de indeferimento de reclamação graciosa referente a uma autoliquidação de C.S.B..
Tendo sido suscitadas várias questões a dirimir, as mesmas foram enunciadas de forma um tanto complexa, nomeadamente, a referente à violação do princípio da discriminação orçamental.
No entanto, a decisão do recurso assentou fundamentalmente em jurisprudência já produzida pelo S.T.A. e pelo Tribunal Constitucional, conforme consta indicado na fundamentação que antecede.
Tal leva a admitir tratar-se de uma situação específica que, num contexto em que as custas a pagar decorrentes do valor do processo acima indicado seriam de montante “exorbitante”, conforme considerado na sentença recorrida, leva a aplicar ao caso do princípio da proporcionalidade na vertente de proibição do excesso na condenação em custas, e em termos de dispensar o pagamento do remanescente da taxa de justiça.
III.DECISÃO:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso.
Custas pela impugnante - artigo 527º, nº 1 do C.P.C., segundo o critério da causalidade, dispensando-se o pagamento do remanescente da taxa de justiça.

Lisboa, 28 de outubro de 2020. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.