Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0365/20.8BEMDL
Data do Acordão:11/18/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:TERESA DE SOUSA
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
REVISTA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:Não é de admitir revista se a decisão do TCA se mostra fundamentada através de um discurso jurídico coerente e plausível, não se afastando dos critérios sedimentados na jurisprudência, em termos de aplicação do art. 120º, nº 1 do CPTA, sendo que a divergência da recorrente respeita ao decidido apenas quanto à concreta aplicação do critério do fumus boni iuris daquele preceito no caso em discussão, sem razões especiais de relevância jurídica ou que se demonstre carecer de uma melhor aplicação do direito.
Nº Convencional:JSTA000P28542
Nº do Documento:SA1202111180365/20
Data de Entrada:11/05/2021
Recorrente:A……………..
Recorrido 1:IFAP- INSTITUTO DE FINANCIAMENTO DA AGRICULTURA E PESCAS, IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Formação de Apreciação Preliminar

Acordam no Supremo Tribunal Administrativo


1. Relatório

A………………, Requerente nos autos de providência cautelar para suspensão de eficácia da decisão final do Presidente do Conselho Directivo do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP (IFAP, IP), proferida, no uso de poderes delegados, em 30.09.2020, vem interpor recurso de revista, nos termos do art. 150º do CPTA, para este Supremo Tribunal Administrativo, do acórdão do TCA Norte de 10.09.2021 que, concedeu provimento ao recurso do Réu, revogando a sentença do TAF de Penafiel que julgara procedente a providência requerida.
Justifica a interposição do recurso por este ser necessário para uma melhor aplicação do direito, uma vez que o acórdão recorrido teria incorrido em erro de interpretação e aplicação do art. 120º do CPTA.


O Recorrido não contra-alegou.

2. Os Factos
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

3. O Direito
O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos.

Na presente providência cautelar vem pedida a suspensão de eficácia do acto administrativo do Presidente do Conselho de Administração do IFAP que determinou ao requerente a devolução do montante de € 232.743,86, quanto ao contrato de financiamento com o nº 02020401/0, relativo à operação nº 0200000301744, celebrado entre este e a Entidade Demandada no âmbito da acção “Instalação de Jovens Agricultores”, do Programa de Desenvolvimento Rural do Continente.

O TAF julgou verificados os requisitos de que o nº 1 do art. 120º do CPTA faz depender a concessão da providência cautelar, tendo na ponderação dos interesses em presença entendido que os danos para o Requerente, em caso de recusa da providência, eram superiores aos danos da entidade pública com a respectiva concessão.

Por sua vez o TCA Norte revogou esta decisão por entender que não se verificavam o requisito do nº 1 do art. 120º do CPTA – do fumus boni iuris -, embora tenha julgado verificado o periculum in mora.
Quanto ao fumus boni iuris considerou-se no acórdão recorrido, contrariamente ao decidido em 1ª instância, com base em jurisprudência do TCA Sul (proc. nº 02399/10, de 08.07.2008), que «“…qualquer incumprimento contratual injustificado cai na alçada daquela cláusula 9º”.
Pelo que, detetando-se qualquer tipo de incumprimento [total ou parcial] das obrigações assumidas no contrato firmado pelas partes, pode o Réu resolver unilateralmente o contrato.
E esse incumprimento é perfeitamente verificável no caso recursivo em análise.
De facto, é inequívoco que o Requerente, no particular conspecto dos danos do reservatório, incumpriu com a obrigação de comunicação à autoridade de gestão no prazo de 10 dias quaisquer factos que fossem suscetíveis de interferir na normal execução da operação [cláusula B4 das condições gerais].
É também consensual que o Requerente não deu cumprimento à obrigação de manutenção material do projeto nas condições acordadas até ao termo da operação [cláusula A4 das condições específicas e B3 das condições gerais].
Na verdade, parte do local do projeto encontrava-se com mato e vegetação de crescimento visível abundante, existindo ainda evidência de fraco desenvolvimento e produtividade das plantas em grande parte do terreno, o que contraria o propósito da atribuição dos incentivos financeiros, visados nos autos, que visava, no mais fundamental, o estabelecimento de uma cadeia produtiva de cerejeiras pelo período mínimo de 5 anos.
(…)
No caso dos autos, todavia, resulta insofismável a falta de aptidão do lastro probatório do tecido fáctico apurar por forma a resultar processualmente adqurido que o incumprimento da obrigação se ficou a dever a circunstâncias que não podia controlar, que escaparam de todo ao seu domínio e previsão, porque não eram expectáveis ou possíveis de antever.
Ademais não resultou provada qualquer ineptidão parcial do terreno para cultivo de cerejas – matéria, efetivamente, carecida de maior e melhor prova - consubstanciando, por isso, esta argumentação por parte do Tribunal a quo uma extrapolação desprovida de sustentação.
Em todo o caso, sempre se dirá que esta condição, a verificar-se não integra nenhuma circunstância impossível de antever por parte do promotor do projeto.»
E, sobre o princípio da proporcionalidade, previsto ao tempo, no art. 5º, nº 2 do CPA91, considerou o acórdão que não fora violado já que a decisão de resolução do contrato de concessão de incentivos financeiros se fundara no incumprimento das obrigações resultantes das cláusulas contratuais e, bem assim, do disposto nas alíneas a) e f) do nº 1 do art. 7º da Portaria nº 184/2011, de 5/5.
Assim, o acórdão recorrido concluiu pela não verificação do requisito do fumus boni iuris. Consequentemente, concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogou a sentença recorrida e julgou improcedente a providência cautelar.

Na sua revista o Recorrente imputou ao acórdão recorrido erro de julgamento de direito, por errada interpretação e aplicação da lei, – o art. 120º, nº 1 do CPTA, 5º, nº 2 do CPA e 266º, nº 2 da CRP -, por, em seu entender se verificar o requisito do fumus boni iuris para o deferimento da providência requerida.

Como se viu as instâncias decidiram as questões de modo divergente quanto ao requisito do fumus boni iuris do nº 1 do art. 120º do CPTA.

No entanto, a decisão do TCA Norte mostra-se fundamentada através de um discurso jurídico coerente e plausível, não se afastando dos critérios sedimentados na jurisprudência, em termos de aplicação do art. 120º, nº 1 do CPTA, sendo que a divergência da recorrente respeita ao decidido apenas quanto à concreta aplicação do referido critério daquele preceito no caso em discussão, sem razões especiais de relevância jurídica ou que se demonstre carecer de uma melhor aplicação do direito.
Ao que acresce que tratando-se de uma providência cautelar, na qual as questões são analisadas de forma sumária, esta circunstância é menos propensa ao cumprimento do papel esperado das decisões dos tribunais supremos (cfr. neste sentido o ac. de 08.09.2017, Proc. nº 0910/16).
Assim, não se vê necessidade de intervenção deste STA, com afastamento da regra da excepcionalidade da revista.


4. Decisão
Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 18 de Novembro de 2021. – Teresa de Sousa (relatora) – Carlos Carvalho – José Veloso