Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0169/16.2BEPDL
Data do Acordão:05/22/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:ISENÇÃO
RECONHECIMENTO
CESSAÇÃO
EFEITOS
ACTO
ESTATUTO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 2.º do EBF, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem, e a sua extinção tem como efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o n.º 1 do art. 14.º do mesmo Estatuto.
II - Estando em causa um benefício sujeito a reconhecimento, como o é o previsto na alínea h) do n.º 1 do art. 44.º do BF, da conjugação do disposto nos n.ºs 5 e 7 do art. 14.º do EBF, na redacção aplicável, resulta que a situação tributária irregular do interessado por falta de entrega do IRS retido em Outubro e Novembro de 2014, porque se mantinha em 31 de Dezembro desse ano, determina a cessação ope legis dos efeitos do acto de reconhecimento praticado em 2012, não se exigindo declaração administrativa nesse sentido.
III - O que significa que em 2015, o interessado já não podia fruir o benefício que lhe foi reconhecido em 2012, sem prejuízo de poder requerer de novo o reconhecimento desse benefício, caso se verifiquem os respectivos pressupostos.
Nº Convencional:JSTA000P24576
Nº do Documento:SA2201905220169/16
Data de Entrada:02/07/2019
Recorrente:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A......., S.A.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1. RELATÓRIO

1.1 A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela acima identificada Recorrida após indeferimento da decisão que indeferiu a reclamação graciosa, anulou a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) que lhe foi efectuada, com referência ao ano de 2015 e a um prédio de que é titular, por a AT ter considerado cessados os efeitos do acto que lhe concedeu isenção daquele tributo.

1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo e a Recorrente apresentou alegação com conclusões do seguinte teor:

«A) O Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao interpretar equivocadamente a legislação que enquadra os factos apurados e assentes;

B) Ao defender que «Em suma, quando o benefício fiscal foi dado sem efeito já a impugnante tinha solvido as suas dívidas, pelo que não se verifica o pressuposto previsto na parte final da alínea a) do n.º 5 do artigo 14.º do diploma legal em análise (“e se mantiver a situação de incumprimento”).
Como se disse, o incumprimento da impugnante não pode ter como consequência automática e imediata o cancelamento ou perda do benefício fiscal, pois a lei confere ao interessado a possibilidade de efectuar o pagamento da dívida existente», dá abrigo a uma interpretação que desconsidera os requisitos estabelecidos nos números 5 e 6 do artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), e a diferenciação de regime jurídico consagrada entre os benefícios fiscais que carecem de reconhecimento, e os benefícios fiscais automáticos;

C) Estabelece este preceito no referido n.º 5 que «No caso de benefícios fiscais (…) dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento;
b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível» (sublinhado e realce nossos);

D) No caso do n.º 6 do mesmo preceito, determina-se que «Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos» (sublinhado e realce nossos);

E) A «cessação dos efeitos» de um acto administrativo encontra-se prevista no n.º 1 do artigo 165.º do Código de Procedimento Administrativo (CPA), que consagra que «A revogação é o acto administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro acto, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade», sendo este o caso dos autos: tendo-se verificado que o acto administrativo de reconhecimento de um benefício fiscal não tinha os seus pressupostos preenchidos, foi este revogado através da cessação/cancelamento do benefício;

F) Depreende-se daqui que não sendo um benefício fiscal automático, o sujeito passivo tem de requerer novamente o seu reconhecimento para obter o acto administrativo de reconhecimento da isenção, sem o qual é inexistente qualquer acto administrativo, pois o anterior acto administrativo foi revogado nos termos do n.º 5 do artigo 14.º do EBF;

G) Ao invés, os benefícios fiscais automáticos não dependem de qualquer reconhecimento, resultando directa e imediatamente da lei, o que implica que estejam disponíveis sempre que os seus atributos estejam reunidos, decorrendo do n.º 6 do artigo 14.º do EBF que, no caso de esses atributos não estarem reunidos, não produzem efeitos nesse ano ou período de imposto;

H) Recorde-se que o ano de IMI que está em causa nos autos é o ano de 2015, tendo-se verificado a situação de dívidas ao Estado referentes ao ano de 2014, com a consequência de – por ser um benefício fiscal dependente de reconhecimento – ter sido este cessado/cancelado através de acto administrativo, o que implica que no ano de 2015 este benefício fiscal dependente de reconhecimento não se encontrava em vigor, devendo o sujeito passivo proceder, desde o início, ao processo de pedido de reconhecimento do benefício fiscal pelo chefe do serviço de finanças competente, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos no serviço de finanças da área da situação do prédio (n.º 8 do artigo 44.º);

I) A remissão que o n.º 6 do artigo 14.º faz para o n.º 5 do artigo 14.º do EBF, leva a concluir que tanto no caso dos benefícios fiscais automáticos como no caso dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento apenas há perda do benefício se o incumprimento se mantiver;

J) Este incumprimento é aferido nos termos do n.º 7 do mesmo artigo 14.º, que estabelece que «O disposto nos números anteriores aplica-se sempre que as situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 ocorram, relativamente aos impostos periódicos, no final do ano ou período de tributação em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, na data em que o facto tributário ocorreu», sendo diferentes as consequências daí advenientes, pois procede-se ao cancelamento/cessação do benefício fiscal dependente de reconhecimento (n.º 5 do artigo 14.º), e à não produção de efeitos do benefício fiscal automático no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos (n.º 6 do artigo 14.º).

K) Como pode observar-se o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS), proferido no âmbito do processo n.º 06988/13, de 11/27/2014 [ainda no âmbito da redacção anterior], cujo sumário dispõe, na parte que ora interessa, que «1) Pressuposto do cancelamento do benefício fiscal, nos termos do artigo 12.º/5 e 6, do EBF, consiste na existência de dívida tributária não liquidada no termo do exercício. 2) O acto que determina a liquidação do imposto em falta na sequência do cancelamento do benefício fiscal corporiza acto contrário ao reconhecimento do benefício fiscal, proferido em aplicação da legalidade estrita», realçando-se o momento de apreciação do pressuposto do cancelamento do benefício fiscal: «dívida tributária não liquidada no termo do exercício»;

L) Em 31-12-2014 existiam dívidas ao Estado, que apenas vieram a ser pagas em Fevereiro de 2015, o que implicou a cessação/cancelamento do benefício fiscal dependente de reconhecimento, que por não ser um benefício fiscal automático, não goza da possibilidade de suspensão da sua aplicação, antes sendo revogado, tendo esta revogação ocorrido aquando da avaliação da existência dos pressupostos de existência do benefício fiscal;

M) Sendo o benefício fiscal cancelado/revogado quanto ao ano de 2014, teria o sujeito passivo a obrigação de pedir novamente à Administração Fiscal a avaliação dos pressupostos de reconhecimento do benefício fiscal para o futuro, pois um acto administrativo revogado não produz efeitos, na sequência da aplicação do n.º 5 do artigo 14.º do EBF, conjugado com o n.º 8 do artigo 44.º, também do EBF, bem como com o artigo 65.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que sobre a matéria dispõe que «o reconhecimento dos benefícios fiscais depende da iniciativa dos interessados, mediante requerimento dirigido especificamente a esse fim, o cálculo, quando obrigatório, do benefício requerido e a prova da verificação dos pressupostos do reconhecimento nos termos da lei»;

N) O benefício fiscal em causa nos autos carece de reconhecimento, pelo que, sendo cancelado/cessado/revogado, por se verificar que no termo do ano em que se verificou o facto tributário não tinha a situação regularizada, terá o sujeito passivo necessariamente de proceder a novo impulso para que seja novamente reconhecido através de acto administrativo expresso, pois o acto administrativo que revogou a isenção não permite que esta vigore para o futuro, como pretende o Recorrido, com concordância do Tribunal a quo;

O) Se interpretada de outra forma, não faria sentido a distinção de regimes jurídicos estabelecida entre os números 5 e 6 do artigo 14.º, bastando, para tal, um único regime para os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento e para os benefícios fiscais automáticos;

P) «Ubi lex non distinguit nec nos distinguere debemus» já contemplava a compatibilidade entre a letra e o espírito da lei, entendendo que o legislador soube expressar-se da melhor maneira, não devendo existir interpretações desconformes com a lei, pelo que a diferenciação de regimes prevista nos números 5 e 6 do artigo 14.º do EBF tem fundamento na letra e no espírito da lei, com consequências diversas quando se trate de benefícios fiscais dependentes de reconhecimento ou se trate de benefícios fiscais automáticos;

Q) Em suma, após ser verificado o incumprimento nos termos do n.º 7 do artigo 14.º do EBF, que dispõe que «O disposto nos números anteriores aplica-se sempre que as situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 ocorram, relativamente aos impostos periódicos, no final do ano ou período de tributação em que se verificou o facto tributário (…)», e se mantiver a situação de incumprimento (como foi o caso, tendo as dívidas em causa sido cobradas através de processos de execução fiscal já em 2015), o benefício fiscal dependente de reconhecimento foi cancelado/revogado, ex vi do n.º 5 do artigo 14.º do EBF, pelo que no ano de 2015 – o ano fiscal que está em causa nos autos – já não se encontrava em vigor, carecendo de um novo impulso do sujeito passivo, em obediência às regras do n.º 8 do artigo 44.º do EBF e do artigo 65.º do CPPT, para que sua situação fosse apreciada pela AT;

R) Não existindo esse impulso do sujeito passivo, evidente se torna que um acto administrativo revogado não produz efeitos, pelo que no ano de 2015 o sujeito passivo não se encontrava isento do imposto municipal sobre imóveis, por não se encontrar este benefício fiscal reconhecido pela AT, sendo devedor das quantias em discussão nos autos, referentes ao IMI de 2015;

S) Verifica-se assim que, salvo o devido respeito, existiu erro de julgamento pelo Tribunal a quo.

Nestes termos, […], deverá o presente recurso ser considerado totalmente procedente por provado, revogando-se a sentença proferida pelo Tribunal a quo, sendo substituída por outra que determine a improcedência da impugnação, assim se fazendo a costumada JUSTIÇA!».

1.3 A Recorrida contra-alegou, formulando conclusões do seguinte teor:

«1. O Tribunal a quo não claudicou na aplicação do direito ao ter julgado procedente a impugnação intentada pela A............, S.A., e, em consequência, anulado o acto de liquidação do IMI, relativo ao ano de 2015; porquanto

2. Contrariamente ao que é referido pela recorrente Fazenda Pública, a lei não determina o cancelamento/extinção do reconhecimento numa situação em que ocorra um incumprimento tributário pontual, mas tão-só a suspensão do benefício;

3. O artigo 14.º, n.º 5, alínea a), in fine, do EBF determina, isso sim, que enquanto se mantiver a situação de incumprimento cessam os efeitos do reconhecimento, e foi este entendimento que levou a ora recorrida a conformar-se com o pagamento do IMI relativo a 2014, uma vez que entre Novembro de 2014 (entrega de IRS retido na fonte no mês anterior) e 16.02.2015 se encontrou em falta com a entrega do IRS retido na fonte;

4. Contudo, relativamente ao IMI de 2015, não existe fundamento para a sua liquidação, porquanto a 31.12.2015 não existiam quaisquer dívidas tributárias ou outra situação de irregularidade tributária;

5. A fls. 9 das alegações, a recorrente Fazenda Pública defende, em síntese, que: «como vimos supra, e relativamente ao caso dos autos, em 31-12-2014 existiam dívidas ao Estado, que apenas vieram a ser pagas em Fevereiro de 2015, o que implicou a cessação/cancelamento do benefício fiscal dependente de reconhecimento, que por não ser um benefício fiscal automático, não goza da possibilidade de suspensão da sua aplicação, antes sendo revogado»;

6. Ora, esta interpretação configura, de todo, uma desconsideração indevida e violação directa da norma do n.º 5 do artigo 14.º do EBF, de forma particular do segmento «e se mantiver a situação de incumprimento»;

7. Procurar apenas nos n.ºs 5 e 6 do artigo 14.º do EBF – como faz a recorrente Fazenda Pública – o sentido da lei, é redutor.

8. Importa, pelo contrário, alargar o âmbito do regime jurídico à totalidade dos artigos 12.º a 14.º do EBF, normas que determinam a disciplina jurídica da constituição, reconhecimento e extinção dos benefícios fiscais;

9. O reconhecimento de um BF – verificação pelos Serviços de Finanças, que o SP reúne os pressupostos legais para ser declarada a isenção fiscal – é um acto administrativo com efeito meramente declarativo, conforme determinado nos artigos 12.º e 6.º, n.º 2, do EBF;

10. Existe um «verdadeiro direito subjectivo do contribuinte beneficiado» à isenção, nas palavras do Prof. Nuno Sá Gomes, na medida em que, como se viu, o reconhecimento não tem uma natureza constitutiva, mas tão-só declarativa;

11. O BF, contudo, pode ter a respectiva eficácia, por vezes, diferida no tempo, por virtude de uma condição suspensiva, qual seja a existência de uma situação temporária de incumprimento tributário;

12. Assim, seja no momento do pedido de isenção (artigo 13.º do EBF) seja já no decurso da vigência da isenção (artigo 14.º do EBF), enquanto o sujeito passivo apresentar uma situação de incumprimento tributário, não existe a possibilidade de usufruição do benefício fiscal;

13. Nas palavras do Prof. Guilherme Waldemar Oliveira Martins: a lei prevê «a consagração de um dever de cumprimento imputável ao sujeito passivo, como condição prévia da usufruição dos benefícios fiscais (…). E, resulta desta responsabilização, um regime suspensivo e nunca um regime extintivo, para a concessão dos benefícios fiscais a usufruir (…). Quer isto significar que a manutenção da tributação normalmente aplicável fica sujeita a uma condição suspensiva, na medida em que o cumprimento das dívidas fiscais permite a usufruição dos benefícios», acrescentado que caso se verifique uma situação de dívida momento do pedido «nada impede que o pedido de concessão seja deferido, devendo, no entanto, condicionar a respectiva usufruição ao cumprimento das dívidas fiscais identificadas na disposição»;

14. O regime previsto no n.º 5 artigo 14.º do EBF determina que o acto administrativo de reconhecimento da administração tributária que concedeu o BF cessa os seus efeitos no caso do sujeito passivo ter deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto, enquanto se mantiver a situação de incumprimento;

15. Ora, assume-se que os conceitos jurídicos tenham sido aplicados com precisão pelo legislador: a eficácia consiste na produção de efeitos jurídicos por um acto jurídico: ou seja, o despacho de reconhecimento continua a existir, é válido, mas perde temporariamente a capacidade de produzir efeitos, enquanto se mantiver a situação de incumprimento;

16. No caso de um benefício fiscal, a isenção existe, é válida, mas a sua usufruição fica suspensa enquanto se mantiver a situação de incumprimento, sendo um exemplo de acto administrativo com eficácia diferida, nos termos da alínea c) do artigo 157.º do CPA;

17. In casu, a usufruição do BF esteve suspensa entre Novembro de 2014 (entrega de IRS retido na fonte no mês anterior) e 16.02.2015, voltando ser plenamente eficácia a partir dessa data, com o pagamento voluntário pela A……….., S.A., do IRS em atraso;

18. Uma vez que o despacho de reconhecimento não se extinguiu por se encontrar diferida a respectiva eficácia enquanto se mantivesse a situação irregular, não se acompanha a recorrente Fazenda Pública que considera que o BF foi revogado, exigindo um novo pedido de reconhecimento;

19. Para além disto, um acto de revogação não se presume, antes existe na medida em que se verifique uma decisão concreta, executada por um órgão da administração fiscal, ocorrida numa data determinada, que irá produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual;

20. O silogismo defendido pela recorrente, segundo o qual: uma situação não regular para com a Fazenda Pública cessa os efeitos de um BF; a revogação cessa os efeitos de um outro acto; logo, verifica-se a revogação do BF, é indevido;

21. Indevido, por o legislador afirmar que a cessação dos efeitos – e não cessação do BF – dura apenas enquanto se mantiver a situação de incumprimento; segundo, para que existisse na ordem jurídica uma revogação teria sido necessário novo despacho que tivesse feito cessar o despacho de reconhecimento, de 04.02.2012;

22. A jurisprudência e práticas tributárias também reconhecem a figura da suspensão do benefício fiscal, conforme se alcança no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 19.03.2015, tirado no Proc. n.º 07269/13 ou, mais recentemente, no acórdão do STA, de 23.05.2018, tirado no processo n.º 0574/17, esse último enquadrador da sentença a quo;

Nestes termos […], deverá ser julgado improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, com as legais consequências […]».

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no qual, depois de identificar o objecto do recurso, se pronunciou no sentido de que seja negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

Está em causa a extinção de um benefício fiscal dependente de reconhecimento da administração tributária, consubstanciado na isenção de um tributo periódico sobre o património (IMI), estatuído no artigo 44.º/1 h) do EBF.
Como resulta do probatório, por decisão de 24/02/2012 o SLF de Ponta Delgada deferiu pedido de isenção de IMI relativamente ao imóvel a que os autos se reportam, ao abrigo do disposto no artigo 44.º/1/ h) do EBF (estabelecimento de ensino particular integrado no sistema educativo).
No exercício de 2014, a impugnante/recorrida não entregou montantes retidos na fonte, a título de IRS, sendo certo que tais montantes vieram a ser, entretanto, pagos em 02/2015.
No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, como é o caso em apreciação, o acto administrativo que os concede cessa os seus efeitos, se o sujeito passivo deixar de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento e se mantiver a situação de incumprimento e a dívida tributária não tiver sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com prestação de garantia idónea, quando exigível, desde que a situação ocorra no final do ano ou período de tributação em que ocorreu o facto tributário (artigo 14.º/5/a)/b)/7 do EBF, na redacção vigente à data do facto tributário).
Da conjugação dos artigos 13.º e 14.º do EBF constata-se que há uma coincidência entre as circunstâncias que motivam a cessação dos efeitos do acto administrativo que tenha concedido o benefício fiscal e as que motivam a não concessão deste.
Do artigo 13.º do EBF, resulta a consagração de um dever de cumprimento atribuível ao sujeito passivo, como condição prévia da fruição dos benefícios fiscais. Deste modo, existe como que uma responsabilização do mesmo, resultando desta um regime suspensivo, e não um regime extintivo, relativamente à concessão dos benefícios fiscais a fruir, que tem como resultado a manutenção da tributação normalmente aplicável ao facto tributário relevante.
Trata-se de condicionar a fruição do benefício fiscal ao cumprimento das dívidas fiscais” (Códigos Anotados & Comentados EBF e CFI, Edição 2017, Coordenação Glória Teixeira, página 42).
Ora, como resulta, expressamente, do estatuído no artigo 14.º/5/a) do EBF, o acto administrativo que concede o benefício fiscal só cessa os seus efeitos se se mantiver a situação de incumprimento, o que não aconteceu no caso em análise, pois que, logo em 02/2015, a impugnante recorrida procedeu ao pagamento do IRS em dívida.
Como tal, a nosso ver e ressalvado melhor juízo, não ocorreu qualquer cessação automática dos benefícios fiscais que haviam sido concedidos pelo despacho de 2012 da AT.
Ademais, como bem refere a sentença recorrida, esta solução justifica-se no caso em análise, atentos os princípios que devem nortear a actuação da AT e que constam do artigo 55.º da LGT, pois que não faz sentido exigir à impugnante/recorrida um novo requerimento a pedir o mesmo benefício fiscal, porquanto continua a manter os pressupostos de facto previstos no artigo 44.º/1/ h) do EBF.
Estando a impugnante/recorrida isenta de IMI, os actos sindicados sofrem de vício substancial de violação de lei».

1.6 Cumpre apreciar e decidir.

* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

A sentença recorrida deu como provados os seguintes factos:

«1) A sociedade A…………, S.A., é proprietária do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o n.º 3774, da freguesia de …………, Concelho de Ponta Delgada, desde 31 de Dezembro de 2010 (cfr. fls. 47 do processo administrativo).

2) Os prédios rústicos inscritos na matriz predial rústica da freguesia de ………….., concelho de Ponta Delgada, sob os n.ºs 63, 107, 130 e 131, da secção 001, estão registados em nome da sociedade A……….., S.A., pese embora se encontrem pendentes os processos de cadastro geométrico com os n.ºs 32/2010 e 68/2012, tendo em vista a integração no prédio descrito em 1) (cfr. teor da decisão de reclamação graciosa, de fls. 72 e 73 do processo administrativo).

3) Em 24 de Fevereiro de 2012, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada deferiu o pedido de isenção de IMI, relativamente ao prédio referido em 1), com fundamento no seguinte “11 – art. 44.º EBF, n.º 1, al. h) – Estabelec Ensino Particular do sistema educativo” (cfr. fls. 47 do processo administrativo).

4) Em 2014, a sociedade A……….., S.A., não entregou à Administração Tributária os montantes retidos na fonte, a título de IRS, de 2014, no valor de € 8.971,38 (Outubro) e € 16.958,78 (Novembro), razão pela qual foram instaurados os processos de execução fiscal n.º 2992201401311611 e n.º 299220141030037 (por confissão).

5) Em Fevereiro de 2015, a sociedade A…….., S.A., pagou os montantes em dívida nos processos de execução indicados em 4) (por acordo).

6) Em 3 de Dezembro de 2015, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada elaborou o ofício n.º 668661, com a referência 20046017, dirigido à sociedade A…………, S.A., com o seguinte teor:
(…)
Assunto: Decisão pela cessação na sequência do exercício do direito de audição prévia
(…)
Fica notificado, (…) que foi decidido considerar-se improcedente a argumentação deduzida em sede de audição prévia (…), mantendo-se o sentido e alcance da proposta de cessação dos benefícios fiscais (artigo 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais – EBF), referente à liquidação de IMI relativa ao ano/período de 2014:

TIPO DE BENEFÍCIOEfeito
Estabelecimento de Ensino Particular do Sistema EducativoCessação

A presente decisão determinará a liquidação que se mostrar devida, acrescida dos respectivos juros compensatórios.
(…)
Apreciação da audição prévia (Fundamentação):
Em 31-12-2014 as dívidas estavam activas, sendo regularizadas em 2 e 6 de Fevereiro de 2015 (n.º 5 e 6 do art.º 14.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais.” (cfr. fls. 39 do processo administrativo).

7) Em 3 de Dezembro de 2015, em nome da sociedade A…….., S.A., foi efectuada a liquidação de IMI, do período de 2014, relativa aos prédios indicados em 1) e 2), no valor de € 27.276,45, a qual devia ser paga pela sociedade A……….., S.A., no mês de Janeiro de 2016 (cfr. fls. 14 do suporte físico do processo).

8) Em 7 de Fevereiro de 2016, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada levou ao conhecimento da sociedade A…………, S.A., de que havia sido instaurado o processo de execução fiscal n.º 2992201601012355, com vista à cobrança da quantia de € 27.446,63, relativo ao IMI, de 2014 (cfr. fls. 38 do processo administrativo).

9) Em 16 de Fevereiro de 2016, a sociedade A…………., S.A., pagou o valor de € 27.446,63, relativo ao IMI, de 2014 (cfr. fls. 37 do processo administrativo).

10) De acordo com o documento n.º 2015 385694203, em 26 de Fevereiro de 2016, foi efectuada a liquidação da 1.ª prestação de IMI, do período de 2015 [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrita: na sentença escreveu-se 2014 onde queria dizer-se 2015.)], relativa aos prédios indicados em 1) e 2), no valor de € 9.630,87, a qual devia ser paga pela sociedade A…………., S.A., no mês de Abril do mesmo ano (cfr. fls. 16 do suporte físico do processo).

11) De acordo com o documento n.º 2015 385694303, em 26 de Fevereiro de 2016, em nome da sociedade A…………, S.A., foi efectuada a liquidação da 2.ª prestação de IMI, do período de 2015 [(Idem.)], relativa aos prédios indicados em 1) e 2), no valor de € 9.630,87, a qual devia ser paga pela sociedade A………., S.A., no mês de Julho do mesmo ano (cfr. fls. 18 do suporte físico do processo).

12) Em 2 de Junho de 2016, a sociedade A…………., S.A., apresentou no Serviço de Finanças de Ponta Delgada um requerimento pelo qual pediu a anulação da liquidação da 1.ª prestação do IMI, de 2015, indicada em 10), o qual foi tramitado como procedimento de reclamação graciosa n.º 2992201604002199 (cfr. 25, 26, 30 a 35 do suporte físico do processo).

13) Em 5 de Junho de 2016, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada instaurou o processo de execução fiscal n.º 2992201601072145, contra a sociedade A………….., S.A., com vista à cobrança de € 9.630,87, respeitante à 1.ª prestação do IMI, de 2015, juros de mora e custas (cfr. fls. 49 do processo administrativo).

14) Em 26 de Agosto de 2016, o Chefe do Serviço de Finanças de Ponta Delgada decidiu indeferir o procedimento de reclamação graciosa n.º 2992201604002199, com base nos fundamentos constantes da informação com o seguinte teor:
“(…)
Análise:
- Conforme já foi referido na informação anterior, que desta faz parte integrante, o S.P. em 31.12.2014, encontrava-se em incumprimento perante a Autoridade Tributária, existindo em nome de A…………., S.A., valores em dívida, para os quais haviam sido instaurados processos de execução fiscal, que naquela data se encontravam activos.
- Muito embora, a entidade interessada se encontrasse isenta de IMI, desde 2012-02-24, ao abrigo da al. h) do n.º 1 do art. 44.º do EBF, relativamente aos prédios ou parte dos prédios, destinados directamente à realização dos seus fins, nomeadamente, o “Estabelecimento de Ensino - ………….”, verificando-se dívidas fiscais, no caso, já em cobrança coerciva, a situação de isenção foi automaticamente cancelada, para o exercício de 2015, nos termos dos n.ºs 5 e 7, do art. 14.º do EBF.
- Verificando-se o cancelamento/extinção, do benefício fiscal concedido, automaticamente, o S.P. passou a partir daquele ano a ser tributado segundo as regras gerais do CIMI, sem portanto, atender-se a qualquer benefício, visto que o mesmo já não produzia qualquer efeito, dado o seu cancelamento.
- A entidade, pretendendo que o seu prédio fosse novamente integrado na lista das isenções concedidas, ao abrigo da al. h) do n.º 1 do art. 44.º do EBF, deveria, após a regularização das suas dívidas fiscais, ter apresentado um novo pedido de isenção, sujeitando-se a nova apreciação por parte dos serviços, conforme se encontra determinado.
- O Benefício fiscal em causa, não é de atribuição automática, carecendo o mesmo de reconhecimento. Sendo que o primeiro resulta directa e imediatamente da lei e o segundo pressupõe um ou mais actos posteriores de reconhecimento, conforme se encontra estatuído, no próprio artigo 5.º, do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89 de 1/07.
- Ainda de conformidade com o n.º 13 do mesmo diploma (...) os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento não podem ser concedidos quando o sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema de segurança social (...).
- Concernente com a nota de liquidação em crise, na qual constam prédios rústicos, que na realidade, já foram integrados como prédios urbanos, culpabilizando os Serviços pelo facto de estar a cobrar indevidamente imposto - (IMI), por notória duplicação de colecta, temos a informar que de conformidade com os elementos solicitados por esta Direcção de Finanças, ao Instituto Regional de Cartografia e Cadastro de Ponta Delgada, os processos cadastrais já referenciados, encontram-se naqueles Serviços na situação de “pendência”, devido à falta de documentos, solicitados ao aqui reclamante e que nunca foram apresentados.
- Pelo que em face do exposto, não dependerá da A.T. a resolução da situação, carecendo da intervenção directa do requerente junto daquele Instituto, para que num futuro próximo seja reposta a verdadeira designação dos imóveis, com implicações directas quanto à sua tributação.
- Por tudo o que se encontra descrito, sou do entendimento que o pedido do S.P não deverá ter acolhimento, propondo-se superiormente o seu indeferimento” (cfr. fls. 69 a 75 do processo administrativo).

15) Em 29 de Agosto de 2016, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada elaborou os ofícios n.ºs 2956 e 2957, dirigidos à sociedade A………, S.A., e à mandatária constituída no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, levando ao seu conhecimento o teor do acto indicado em 14) (cfr. fls. 76 e 79 do processo administrativo).

16) Em 6 de Setembro de 2016, a mandatária constituída pela sociedade A……….., S.A., teve conhecimento do ofício n.º 2956 (cfr. fls. 77 e 78 do processo administrativo).

17) Em 14 de Julho de 2016, a sociedade A………….., S.A., pagou ao Estado a quantia de € 9.762,45, relativamente ao processo de execução fiscal n.º 2992201601072145 (cfr. fls. 19 e 20 do suporte físico do processo).

18) Em 25 de Julho de 2016, a sociedade A………….., S.A., pagou ao Estado a quantia de € 9.630,87 (cfr. fls. 16 do suporte físico do processo).

19) Em 30 de Novembro de 2016, a sociedade A………….., S.A., apresentou a petição inicial que deu origem ao presente processo de impugnação n.º 169/16.2BEPDL (cfr. fls. 1 do suporte físico do processo)».
*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A sociedade ora Recorrida pediu, ao abrigo do disposto na alínea h) do n.º 1 do art. 44.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), a isenção de IMI para o prédio onde tem instalado o seu estabelecimento de ensino particular e prossegue essa actividade, pedido que lhe foi deferido em 24 de Fevereiro de 2012 pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada.
Ulteriormente, porque aquela sociedade não entregou o IRS que reteve na fonte relativamente aos meses de Outubro e Novembro de 2014 – cujos montantes apenas vieram a ser pagos em Fevereiro de 2015 no âmbito dos processos de execução fiscal que foram instaurados para cobrança coerciva dos respectivos montantes –, o Serviço de Finanças de Ponta Delgada considerou cessado o benefício fiscal, por incumprimento do pressuposto previsto na alínea a) do n.º 5 do art. 14.º do EBF (a regularidade da situação tributária), à data de 31 de Dezembro de 2014, e procedeu à liquidação do IMI respeitante ao ano de 2014, que a sociedade pagou.
A AT, relativamente ao ano de 2015, procedeu à liquidação do IMI que considerou ser devido com referência ao prédio em causa. Ou seja, como referiu na decisão da reclamação graciosa, a AT considerou que a isenção concedida em 2012 não podia valer relativamente ao ano de 2015, uma vez que, «atendendo a que os benefícios fiscais em sede de IMI haviam sido cancelados, foi determinada a sua extinção e por consequência o retorno à reposição automática da tributação-regra, em cumprimento do estipulado no n.º 1 do art. 14.º do EBF». Assim, a seu ver, para que a sociedade ora Recorrida pudesse voltar a beneficiar da isenção de IMI, designadamente em relação ao ano de 2015, «deveria ter requerido junto dos Serviços da Administração Tributária nova isenção em sede de IMI», requerimento que, caso a AT, reconhecesse a verificação dos respectivos pressupostos «viria a produzir os seus efeitos para os anos subsequentes». Em suma, a AT entendeu que a isenção de IMI «se tinha extinguido», sem prejuízo de poder ser novamente pedida.
Discordando dessa liquidação, a ora Recorrida, depois de ver indeferida a reclamação graciosa que contra ela deduziu, apresentou impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada. Alegou, em síntese, que a AT incorreu em ilegalidade quando considerou que o incumprimento da obrigação de entrega do IRS retido no ano de 2014 determina a cessação do benefício e não apenas a suspensão do benefício enquanto a situação de incumprimento se mantiver.
O Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada deu razão à Impugnante e proferiu sentença a anular a liquidação. Para tanto, e em síntese, depois de referir as normas que prevêem a concessão do benefício fiscal em causa e a extinção dos benefícios fiscais – respectivamente, os arts. 44.º, n.º 1, alínea h), e 14.º do EBF –, considerou que, de acordo com o decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo ( Referiu o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 23 de Maio de 2018, proferido no processo n.º 574/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/80e2f14e0284410a8025829b00463148.), «o regime de cessação de benefícios fiscais é o mesmo, quer se trate de benefícios automáticos quer se trate de benefícios dependentes de reconhecimento da administração tributária: só há perda do benefício fiscal se o incumprimento [ou seja, situação tributária não regularizada do interessado] se mantiver», como decorre do art. 14.º, n.º 5, alínea a), in fine, do EBF.
Assim, porque em 3 de Dezembro de 2015, data em que o Serviço de Finanças de Ponta Delgada informou a ora Recorrida de que «o benefício fiscal havia cessado», a situação tributária da mesma já se mostrava (desde Fevereiro do mesmo ano) regularizada, é de concluir que «quando o benefício fiscal foi dado sem efeito» já não se verificava o pressuposto que permitiria «o cancelamento ou perda do benefício fiscal». Mais considerou o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que «não faz qualquer sentido exigir à impugnante a apresentação de um novo requerimento a solicitar o mesmo benefício fiscal, quando a impugnante continua a manter os pressupostos de facto previstos no artigo 44.º, n.º 1, alínea h), do Estatuto dos Benefícios Fiscais (cfr. art. 55.º da Lei Geral Tributária)». Por isso, concluiu pela ilegalidade da liquidação impugnada.
A Fazenda Pública não se conformou com o assim decidido e mantém, em síntese, que a falta de cumprimento de obrigações tributárias determina a revogação, e consequente cessação de efeitos, do acto que concedeu o benefício fiscal, devendo a ora Recorrida, caso pretendesse de voltar a fruir do benefício, de novo requerer o seu reconhecimento ao chefe do serviço de finanças competente. Se bem interpretamos as alegações e respectivas conclusões, a Recorrente, com base no disposto nos n.ºs 5 e 6 do art. 14.º do EBF, sustenta que existe uma diferença de regimes entre os benefícios fiscais automáticos e os benefícios fiscais sujeitos a reconhecimento quando o interessado incorre em situação de incumprimento das suas obrigações tributárias: enquanto relativamente àqueles apenas se verifica a suspensão dos efeitos dos benefícios enquanto a situação de incumprimento se mantiver, relativamente a estes dá-se a perda do benefício, por “revogação”, sem prejuízo de, logo que a situação estiver regularizada, o interessado poder dele voltar a fruir, mas desde que de novo o requeira ao órgão da AT competente para o reconhecer e este lho reconheça.
A Recorrida, por seu turno, entende que a sentença fez correcta interpretação da lei e que a tese sustentada pela Recorrente, não só desconsidera a parte final da alínea a) do n.º 5 do art. 14.º do EBF, da qual resulta que a cessação dos efeitos do benefício fiscal reconhecido por força do incumprimento das obrigações tributários apenas opera se «se mantiver a situação de incumprimento», como também que a AT confunde a cessação dos efeitos do benefício com a cessação do próprio benefício. Ademais, a Recorrida sustenta que a revogação não se presume e sempre exigiria a existência de uma decisão concreta, proferida numa data concreta, para produzir efeitos jurídicos externos numa situação individual.
Assim, a questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a sentença fez correcto julgamento ao considerar que se mantinha no ano de 2015 a isenção de IMI que foi reconhecida à ora Recorrida em 2012. Como decorre do que deixámos dito, a resposta a esta questão passa por indagar se o incumprimento das obrigações tributárias pela sociedade recorrida verificado entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015 determina que aquela isenção não produza efeitos relativamente ao ano de 2015.

2.2.2 DA CESSAÇÃO DE EFEITOS DO BENEFÍCIO FISCAL: SEU ALCANCE

O benefício fiscal em causa – isenção de IMI ao abrigo da alínea h) do n.º 1 do art. 44.º do EBF, na redacção dada pela Lei n.º 82-D/2014, de 31 de Dezembro, prevista para «[o]s estabelecimentos de ensino particular integrados no sistema educativo, quanto aos prédios ou parte de prédios destinados directamente à realização dos seus fins» – inicia-se «no ano, inclusive, em que o prédio ou parte do prédio for destinado aos fins nelas referidos» (n.º 2 do art. 44.º) e «é reconhecida pelo chefe do serviço de finanças da área da situação do prédio, em requerimento devidamente documentado, que deve ser apresentado pelos sujeitos passivos da área da situação do prédio, no prazo de 60 dias contados da verificação do facto determinante da isenção ou, quando aplicável, da entrada em vigor da isenção» (n.º 8), sendo que «se o pedido for apresentado para além do prazo aí referido, a isenção inicia-se a partir do ano imediato, inclusive, ao da sua apresentação» (n.º 9). Por outro lado, o benefício «cessa[…] logo que deixem de verificar-se os pressupostos que os determinaram, devendo os proprietários, usufrutuários ou superficiários dar cumprimento ao disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis» (n.º 10).
Constitui, pois, um benefício sujeito a reconhecimento, de acordo com a distinção consagrada no art. 5.º do EBF («Os benefícios fiscais são automáticos ou dependentes de reconhecimento; os primeiros resultam directa e imediatamente da lei, os segundos pressupõem um ou mais actos posteriores de reconhecimento». ), e foi reconhecido à sociedade ora Recorrida pelo Serviço de Finanças de Ponta Delgada em Fevereiro de 2012.
Entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015, aquela sociedade esteve em situação de incumprimento das suas obrigações tributárias, uma vez que não entregou nos cofres do Estado o IRS que reteve na fonte nos meses de Outubro e Novembro de 2014 na data legalmente estipulada para o efeito (ou seja, até ao dia 20 do mês seguinte àquele em que forma retidas, de acordo com o disposto no art. 98.º, n.º 3, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares) e só veio a fazê-lo em Fevereiro de 2015, já em sede de execução fiscal instaurada para cobrança coerciva daqueles montantes e do acrescido.
Dispunham os n.ºs 5 a 7 do art. 14.º do EBF – artigo que tem como epígrafe «Da extinção dos benefícios fiscais» –, na redacção aplicável à data dos factos (Ulteriormente, o art. 14.º conheceu novas redacções, dadas pelas Leis n.º 42/2016, de 28 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2017), e 114/2017, de 29 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2018). ):
«5- No caso de benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária, o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos nas seguintes situações:
a) O sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento;
b) A dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível.
6- Verificando-se as situações previstas nas alíneas a) e b) do número anterior, os benefícios automáticos não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos.
7- O disposto nos números anteriores aplica-se sempre que as situações previstas nas alíneas a) e b) do n.º 5 ocorram, relativamente aos impostos periódicos, no final do ano ou período de tributação em que se verificou o facto tributário e, nos impostos de obrigação única, na data em que o facto tributário ocorreu».
Assim, porque o IMI é um imposto periódico e em 31 de Dezembro de 2014 – data que o n.º 7 do citado art. 14.º estabelece como relevante para efeitos de aferir da regularidade da situação tributária relativamente aos impostos periódicos – a situação tributária da sociedade ora Recorrida se apresentava irregular, é inequívoco que, de acordo com o disposto nos acima citados n.ºs 5 e 7 do art. 14.º do EBF, com referência a esse ano de 2014, a sociedade não podia fruir do benefício. A esse propósito não existe litígio, sendo que a ora Recorrida se conformou com a liquidação que lhe foi efectuada relativamente ao ano de 2014 e pagou o montante que lhe foi liquidado.
O litígio surge relativamente a saber se o acto que concedeu o benefício, por força da referida situação irregular da interessada (ora Recorrida) cessou os seus efeitos ou meramente suspendeu os seus efeitos no ano em que se verificou essa irregularidade. Ou seja, o litígio refere-se ao ano de 2015, ano em que em 31 de Dezembro, a sociedade Recorrida tinha a sua situação tributária regularizada, motivo por que entende que inexiste motivo para desconsiderar o benefício fiscal que lhe foi concedido em 2012.
A AT sustenta que a situação tributária irregular em que a sociedade incorreu entre Novembro de 2014 e Fevereiro de 2015 levou à cessação dos efeitos do benefício, que deve ter-se por revogado, e não à mera suspensão desses efeitos.
Segundo a interpretação que faz da lei, designadamente com base no n.º 6 do art. 14.º do EBF, a suspensão dos efeitos do benefício no caso da situação tributária irregular do interessado só está prevista para os benefícios fiscais automáticos e já não para os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, como o é o ora sob análise. Para estes últimos, a situação tributária irregular determinaria a cessação dos efeitos do benefício, de acordo com o n.º 5 do mesmo art. 14.º, só podendo o interesse dele poder voltar a fruir desde que formule novo pedido nesse sentido ao órgão da AT competente e este novamente lho reconheça.
A nosso ver, a AT tem razão e apenas não acompanhamos a sua argumentação na parte em que considera que o benefício fiscal em causa foi revogado. A nosso ver, o benefício fiscal não foi, nem tinha que ser, revogado; o que sucedeu foi que os efeitos do acto de reconhecimento cessaram ope legis, uma vez que a lei determina, nas circunstâncias em causa, que «o acto administrativo que o[…] concedeu cessa os seus efeitos» (cfr. n.º 5 do art. 14.º do EBF). Vejamos:
Tal como bem salientou a Recorrente, o legislador, para as situações em que «[o] sujeito passivo tenha deixado de efectuar o pagamento de qualquer imposto sobre o rendimento, a despesa ou o património e das contribuições relativas ao sistema da segurança social, e se mantiver a situação de incumprimento» e «[a] dívida tributária não tenha sido objecto de reclamação, impugnação ou oposição, com a prestação de garantia idónea, quando exigível» estabeleceu dois regimes distintos, consoante os benefícios em causa sejam «benefícios fiscais permanentes ou temporários dependentes de reconhecimento da administração tributária», como na situação dos autos, ou sejam automáticos. Para o primeiro caso, dos benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, «o acto administrativo que os concedeu cessa os seus efeitos», enquanto para o segundo caso, dos benefícios fiscais automáticos, estes «não produzem os seus efeitos no ano ou período de tributação em que ocorram os seus pressupostos» (cfr., respectivamente, n.ºs 5 e 6 do art. 14.º do EBF).
Ou seja, o legislador, usando da liberdade de conformação da lei que lhe assiste, para os casos em que os interessados que estavam a fruir de benefícios fiscais incorrerem em situação irregular relativamente às suas obrigações tributárias de pagamento, que se mantinha nas datas fixadas no n.º 7 do art. 14.º, estabeleceu consequências diversas consoante os benefícios fiscais sejam automáticos ou sujeitos a reconhecimento: suspensão dos efeitos do benefício fiscal, no primeiro caso, e cessação dos efeitos do acto de reconhecimento, no segundo caso.
No caso sub judice, porque a ora Recorrida se mantinha em situação tributária irregular em 31 de Dezembro de 2014, os efeitos do acto de reconhecimento do benefício fiscal cessaram nessa data por mero efeito da lei (ope legis), não sendo necessária declaração alguma da AT nesse sentido e, muito menos, qualquer acto de revogação.
Nessa data, 31 de Dezembro de 2014, os efeitos do acto de reconhecimento do benefício fiscal cessaram. Assim, não pode sustentar-se a manutenção dos efeitos desse acto no ano de 2015, reconduzindo a situação a uma suspensão dos benefícios, como a que o n.º 6 do art. 14.º prevê para os benefícios fiscais automáticos.
É esta a única interpretação que salvaguarda a diferença estabelecida pelos n.ºs 5 e 6 do art. 14.ºdo EBF. Na verdade, como bem salientou a Recorrente, a tese adoptada pela sentença e pela Recorrida significaria, afinal, a existência de um único regime, quer para os benefícios fiscais automáticos quer para os benefícios fiscais dependentes de reconhecimento, pois a situação tributária irregular do interessado sempre teria como consequência a suspensão dos efeitos do benefício fiscal enquanto se mantivesse aquela situação.
Não se pretenda extrair argumento algum em sentido contrário da parte final da alínea a) do n.º 5 do art. 14.º do EBF («e se mantiver a situação de incumprimento»). É que esse segmento da norma deve ser interpretado conjugadamente com o n.º 7 do mesmo artigo. O que significa que, no caso sub judice, a situação de incumprimento só irrelevaria caso já não se mantivesse em 31 de Dezembro do ano em que se iniciou (ou seja, no caso, 2014), o que não ocorreu.
Também não se argumente com “não fazer sentido” impor ao interessado a apresentação de um novo requerimento em ordem ao reconhecimento do mesmo benefício fiscal. Na verdade, o legislador entendeu, relativamente a alguns benefícios fiscais sujeitos a reconhecimento, que este fica dependente do pedido do interessado. E a razão que impõe esse pedido verifica-se, não só quando o pedido é formulado pela primeira vez, como também nas situações, como a dos autos, em que o acto de reconhecimento anteriormente praticado cessou os seus efeitos.
Por outro lado, o acórdão citado na sentença também não dá apoio algum à tese nela adoptada e sustentada pela Recorrida. Por um lado, porque a situação aí abordada e decidida se refere a um benefício fiscal automático e, por outro lado, porque o entendimento nele vertido – de que os pressupostos do n.º 5 do art. 14.º do EBF também valem para os benefícios automáticos, por força do disposto no n.º 6 do mesmo artigo – em nada briga com a tese que ora sustentamos.
Finalmente, como bem salienta a Recorrente, se a sociedade ora Recorrida pretende voltar a fruir do benefício fiscal não lhe resta senão efectuar novo pedido de reconhecimento ao serviço de finanças competente, a quem competirá aferir da verificação dos respectivos pressupostos.
Seja como for, certo é que a liquidação de IMI do ano de 2015 não enferma da ilegalidade que lhe vem assacada e que determinou o Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada a anulá-la.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:


I - De acordo com o disposto no n.º 1 do art. 2.º do EBF, os benefícios fiscais são medidas de carácter excepcional, instituídas para tutela de interesses públicos extra-fiscais relevantes e que sejam superiores aos da tributação que impedem, e a sua extinção tem como efeito imediato a reposição automática dessa mesma tributação, como estabelece o n.º 1 do art. 14.º do mesmo Estatuto.
II - Estando em causa um benefício sujeito a reconhecimento, como o é o previsto na alínea h) do n.º 1 do art. 44.º do BF, da conjugação do disposto nos n.ºs 5 e 7 do art. 14.º do EBF, na redacção aplicável, resulta que a situação tributária irregular do interessado por falta de entrega do IRS retido em Outubro e Novembro de 2014, porque se mantinha em 31 de Dezembro desse ano, determina a cessação ope legis dos efeitos do acto de reconhecimento praticado em 2012, não se exigindo declaração administrativa nesse sentido.
III - O que significa que em 2015, o interessado já não podia fruir o benefício que lhe foi reconhecido em 2012, sem prejuízo de poder requerer de novo o reconhecimento desse benefício, caso se verifiquem os respectivos pressupostos.

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3. DECISÃO

Em face do exposto, concedendo provimento ao recurso, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, em revogar a sentença recorrida e em julgar a impugnação judicial improcedente.

Custas pela Recorrida, em 1.ª instância e neste Supremo Tribunal (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC).

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Lisboa, 22 de Maio de 2019. – Francisco Rothes (relator) – Isabel Marques da Silva – Ana Pula Lobo.