Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0406/15
Data do Acordão:10/07/2015
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:DULCE NETO
Descritores:FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO TRIBUTÁRIO
Sumário:Está suficientemente fundamentado o acto de liquidação em que é claramente perceptível o método e o critério de quantificação adoptou mediante remissão para o relatório de inspecção tributária que denuncia, de forma expressa, clara e congruente, o percurso cognoscitivo percorrido para proceder a tal quantificação.(*)
Nº Convencional:JSTA00069360
Nº do Documento:SA2201510070406
Data de Entrada:04/09/2015
Recorrente:A... E OUTRO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF VISEU
Decisão:NEGA PROVIMENTO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL
Área Temática 2:DIR FISC - IVA
Legislação Nacional:LGT ART91 ART77.
CPA ART124.
CONST76 ART268.
CCIV66 ART487 N2.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A…………… e B…………….., com os demais sinais dos autos, interpõem recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgou improcedente a impugnação judicial que deduziram contra os actos de liquidação de IVA e Juros Compensatórios referentes ao exercício de 2004, de que é devedora originária a sociedade C…………, Ldª.
1.1. As alegações do recurso mostram-se rematadas com as seguintes conclusões:
1. Vem o presente recurso apresentado da sentença que julgou improcedente a impugnação judicial, considerando que os actos impugnados não sofriam do vício de falta de fundamentação que lhes era - e é - imputado.

2. A fundamentação consubstancia-se num discurso funcional externado pela administração, expresso, formal, explícito, contextual, com capacidade para dar a um destinatário normal, colocado na situação concreta do destinatário do acto as razões subjacentes aos actos praticados.

3. E o critério da presunção roça a total ininteligibilidade, seja quanto à sua origem, seja quanto aos valores tidos em conta.

4. É facilmente perceptível que a generalidade da população portuguesa, que não a decisão recorrida, não percebe minimamente que rácio é esse, de onde é que resultam as percentagens, como é que se faz o apuramento das mesmas, quem é são os sujeitos passivos que declararam, quantos é que foram objecto de inspecção tributária, etc.

5. Em consequência da injunção constitucional tipificada no artigo 268º, nº 3, a aplicação de norma eivada de inconstitucionalidade, qual seja a do artigo 77º, nº 1 e 4, da LGT, interpretada no sentido de que, no caso da avaliação indirecta do rendimento, a fundamentação pode consubstanciar-se num discurso de cariz técnico e inacessível (imperceptível) a um destinatário normal.

6. Em Acórdão do Pleno do STA datado de 24.10.2007, no âmbito da questão de aplicação dos métodos indirectos e do critério aplicado decidiu-se que: “Não está fundamentado um acto de liquidação, com uso de métodos indirectos, em que foi aplicada uma margem de comercialização de 20% sobre o presumido volume de vendas, sem nada se dizer sobre as razões da escolha dessa margem, em detrimento de qualquer outra.”

7. Acaso consegue-se aferir a razão ou as razões pelas quais não foi utilizada a medida do 1º Quartil? Ou a mediana? Ou do 3º Quartil?

8. Pelos vistos a sentença recorrida consegue, mas os recorrentes não conseguem, nem sequer por palpite, Venerandos Conselheiros...

9. Violou a sentença recorrida as normas constantes dos artigos 77° da LGT e 268° da CRP.

1.2. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.3. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto do STA emitiu douto parecer no sentido de que devia ser negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, porquanto, «a nosso ver e ressalvado melhor juízo, o critério utilizado pela AT está, do ponto de vista formal, único que a recorrente sindica, suficientemente fundamentado.».

1.4. Colhidos que foram os vistos dos Exmºs Conselheiros Adjuntos, cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. Na sentença recorrida julgaram-se como provados os seguintes factos:

1. A sociedade devedora originária, à data dos factos, desenvolvia a atividade de comércio por grosso de madeira em bruto e produtos derivados (CAE 51531), encontrando-se enquadrada, em termos de IVA, no regime normal com periodicidade trimestral, e, para efeitos de IRC, no regime geral da determinação do lucro tributável — cfr. fls. 58 do processo administrativo apenso.

2. Com base na Ordem de Serviço nº 200600199, de 27.03.2006, a Impugnante foi sujeita a uma ação inspetiva, de âmbito parcial, que incidiu sobre IRC e IVA do exercício de 2004 – cfr. fls. 58 do processo administrativo apenso.

3. Pelo ofício nº 019871, de 16.10.2006, remetido por carta registada, foi a sociedade executada notificada do projeto de relatório para, querendo, exercer o direito de audição – cfr. fls. 51 do processo administrativo apenso.

4. A sociedade não exerceu o direito de audição. - cfr. fls. 72 do processo administrativo apenso.

5. Em 31.10.2006 foi elaborado o relatório da inspeção tributária, que consta de fls. 57 a 72 do processo de administrativo apenso, que se dá por reproduzido, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:








(…)
Com efeito, não identificam correctamente, e duma forma geral, os efectivos transmitentes, quer quanto aos seus nomes quer quanto aos respectivos domicílios [al. a), nº 5, art. 35º].
Não mencionam também, o motivo justificativo da não aplicação do imposto [al. e), nº 5, art. 35º].
Outra das faltas verificadas quanto à ausência de formalidades no preenchimento dos documentos em questão, consiste no facto de nenhum se encontrar assinado pelos fornecedores.
Durante a acção inspectiva notificámos estes fornecedores, que nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 59º da Lei Geral Tributária, aos informassem do seguinte:
1) Descrição das vendas de madeira efectuadas à referida sociedade.
2) Outras vendas efectuadas à sociedade ou a qualquer um dos seus sócios-gerentes.
3) Forma de recebimento, se em dinheiro ou em cheque. No caso de ter sido cheque, a identificação do número, bem como a respectiva instituição financeira.
4) Fotocópias dos documentos que titulam as vendas (facturas, escrituras, recibos etc.).
Analisadas as respostas recebidas, concluímos desde logo que, a sujeito passivo nunca entrega cópia dos contratos/recibos aos fornecedores, senão vejamos:
a) Alguns dos fornecedores respondem à notificação, indicando que estabeleceram contratos verbais de compra e venda de madeira e que nunca foi emitido qualquer documento para titular a venda. (anexo n.º 2);
b) outros fornecedores, respondem à notificação, enviando cópia do contrato de compra. Contudo ao analisarmos este documento, verificamos que se tratam de cópias dos documentos que estão registados na escrita do sujeito passivo, pois no canto superior direito, têm registado o número interno de lançamento na contabilidade (anexo n.º 3).
Após o cruzamento, entre o valor de compras declaradas na contabilidade, e os valores que nos foram comunicados pelos fornecedores, verificámos que na sua generalidade são coincidentes, existindo apenas pequenas divergências, em relação a alguns deles.
IV.1.2. Documentos de transporte
Para o transporte das madeiras, o S.P. emite Guias de Remessa.
Da análise aos ditos documentos, que o S.P. nos disponibilizou constatamos que (anexo nº 4):
- A guia de remessa nº 2437 de 16/03/2004, cliente D…....., SA NIPC …………, apesar de devidamente preenchida, contém todos os exemplares e a indicação “devolvido por não reunir condições”.
- As guias de remessas nº 2439 de 19/03/2004, nº 2445 de 24/03/2004, nº 2446 de 30/03/2004, nº 2448 de 01/04/2004, cliente D……….. SA NIPC ……….., apesar de devidamente preenchidas, contêm todos os exemplares. Estas guias de remessa não foram substituídas por outras nem foi mencionado na mesma o motivo da sua não utilização.
Na contabilidade, não há qualquer venda declarada para este sujeito passivo.
Confrontado o sócio-gerente, E………….., perante estes elementos, o mesmo não apresentou qualquer justificação.
V.2. Omissão de vendas
Como o sujeito passivo, declara margens negativas ao nível da comercialização da madeira, decidimos efectuar um teste nesta área.
Apesar das diligências efectuadas, esta tarefa mostrou-se infrutífera, pelos seguintes motivos:
a) Em alguns dos contratos, a data de compra da madeira, é posterior à data do pagamento (ver anexo nº 5), cerca de 5 a 6 meses. Para além do mais, estes eventuais adiantamentos não estão contabilizados;
b) a quase totalidade das guias de remessa, indicam como local de carga Mortágua, quando deviam ter a indicação exacta da localidade, as aldeias do concelho. Analisados os documentos de compra, verificamos que estes indicam a localização dos pinhais ou eucaliptais, localização esta que não foi indicada nas guias de remessa;
c) é impossível estabelecer qualquer correlação entre as compras aos fornecedores, corte e abate da madeira e as vendas efectuadas (quer em valor quer em quantidade);
De acordo com o já referido anteriormente, após a análise da facturação, verificamos que a última venda de madeira declarada, factura nº 857 com o montante de € 776,45, tem a data de 7 de Julho de 2004.
Analisados os elementos da contabilidade, verificamos que existem compras de madeira posteriores a essa data. Madeira essa que, não se encontra em inventário a 31/12/2004 (o inventário é nulo), o que indicia que a respectiva venda foi omitida:
a) Contrato de compra nº 12/2004, datado de 10 de Julho de 2004, vendedor F……….., compra de madeira em dois eucaliptais em ……………, pelo valor € 3.450,00 (anexo nº 6);
b) Contrato de compra nº 16/2004, datado de 20 de Agosto de 2004, vendedor G…………, compra de madeira de pinho e eucalipto no …………, pelo valor de € 12.500 (anexo nº7);
c) contrato de compra nº 19/2004, datado de 15 de Outubro de 2004, vendedor H…………., compra de madeira em vários eucaliptais em ………, ……… e ………… (ver anexo nº 8), pelo valor de € 10.000,00.

IV – 3. Depósitos bancários
De acordo com os procedimentos contabilísticos adoptados na firma, os depósitos efectuados nas contas de depósitos à ordem (movimento a débito), são sempre efectuados por contrapartida da conta caixa (movimento a crédito).
Ao analisarmos estes movimentos, apurámos irregularidades: verificámos a existência de vários cheques depositados nas contas de depósitos à ordem, cheques esses que nunca tinham entrado em caixa (ver quadro A).





Para a disso, existem outros depósitos de cheques, que apesar de respeitarem ao exercício de 2004, apenas estão reflectidos na contabilidade em 2005 (ver quadro B):




Ao confrontarmos as contas correntes de depósitos à ordem, com os extractos bancários emitidos pelos bancos, apurámos divergências: verificámos a existência de depósitos que não estão reflectidos na contabilidade:




Em 8 de Setembro de 2006, para efeitos do determinado no nº 2 do artigo 31º da Lei Geral Tributária (aprovada pelo DL nº 398/98) e nos artigos 29º e 37º do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária (aprovado pelo DL nº 413/98), notificámos o sujeito passivo C…………………, Lda., NIPC ………., na pessoa de E………….., contribuinte nº. ………, na qualidade de sócio-gerente, para no 19 de Setembro, às 9 horas, no Serviço de Finanças de Mortágua, apresentar os seguintes documentos/esclarecimentos:
a) Justificar quais as operações/transacções a que respeitam os cheques mencionados no quadro A e B, e que se encontram depositados nas contas da firma;
b) Justificar quais as operações/transacções a que respeitam os depósitos bancários referidos no quadro c, depósitos estes que não estão reflectidos na contabilidade;
No dia 18 de Setembro recebemos na Direcção de Finanças de Viseu, a solicitação do alargamento do prazo até 26 de Setembro, ao que acedemos.
No dia 26 de Setembro, no Serviço de Finanças de Mortágua, foram apresentados diversos documentos, que segundo o sócio-gerente da firma, justificavam grande parte dos depósitos. Estes elementos não se encontravam devidamente organizados, pelo que solicitámos uma resposta por escrito. Resposta essa que deu entrada na Direcção de Finanças de Viseu em 29/09/2006, através do ofício n.º 25905 (anexo nº 9).
Analisados estes elementos, verificamos que:
a) Não apresentam qualquer justificativo, para os depósitos com números internos: 30/5 - quadro A; 955, 961, 964, 965, 988, 990 e 991 - quadro B; depósito de valores 251596693 - quadro C.
Desconhece-se assim, a proveniência destes meios monetários, e a origem das operações/ transações a que respeitam.
b) Os depósitos com números internos: 40/8, 40/9, 47/10 quadro A: 962, 966, 967 - quadro B; depósito de valores 238779590 do quadro C, tratam-se de pagamentos de clientes.
Os recibos não (ora registados aa escrita na data a que respeitam.
c) Justificam os depósitos com os números internos: 33/7 - quadro A: 954 - quadro B, como sendo empréstimos de I…………….., pai do sócio-gerente da firma, E…………... Juntando para isso, cópia do extracto bancário da conta que, o Sr. I…………..,, possui na ……………. , onde demonstram a saída dos respectivos cheques.
O Sr. I……………..,, não é sócio da firma, nem pertence aos seus quadros, sendo por isso uma pessoa estranha à mesma, analisado o extracto bancário do Sr. I……………., verificamos a existência de depósitos de elevado valor, em 2004/05/18, € 5.750,00; em 2004/06/22, € 1.000; em 2004/06/29, € 2.650,00; em 2004/07/29, € 21.200,00. Após consulta ao sistema informático, aplicações de IRS, verificamos que este contribuinte não declara quaisquer rendimentos desde o exercido de 2001.
Estes elementos indiciam, sim, que estes depósitos possa corresponder a omissões de vendas da empresa em análise, directamente ou por interposta pessoa.
d) Justificam os depósitos com número internos: 33/11, 34/11 quadro A; depósito em numerário 3300000852182 — quadro C, como sendo empréstimos de A……………., sócio-gerente da firma. Juntando para isso, cópia do extracto bancário da conta que o sócio possui, na ……………… . Estes empréstimos não estão reflectidos na contabilidade como suprimentos.
e) Para os depósitos com número internos: 29/5, 41/8, 41/9 - quadro A; 956, 959 - quadro B, juntam uma escritura de venda efectuada por J……………., pai do sócio-gerente da firma, A………..
Tal como já acontecia com o Sr. I…………, este Sr. J………….., não é sócio da firma, nem pertence aos seus quadros, sendo por isso uma pessoa estranha à mesma. Pelo que se a intenção era justificar os vários depósitos com o produto resultante de empréstimos feitos pelo Sr. J……………., com a venda do imóvel, tal não corresponde minimamente à realidade, na medida em que não há sequer qualquer similitude de valores e pelo menos o cheque nº 2489809585, no montante de € 8.500,00, trata-se de um pagamento do cliente L…………., Lda. (anexo nº 10).
Assim, com excepção do documento interno nº 959 não podemos considerar os restantes depósitos como minimamente justificados.
f) Para o depósito correspondente à transferência 40187190724, referem que se trata de um empréstimo de J…………….., pai do sócio-gerente da firma, A…………… Juntando para isso, cópia do extracto bancário da conta que, o Sr. J………… possui, na ……………. .
Como já antes se disse, o Sr J……….. não é sócio da firma, nem pertence aos seus quadros, sendo por isso uma pessoa estranha à mesma.
Estes elementos indiciam, sim, que estes depósitos possam corresponder a omissões de vendas da empresa em análise, directamente ou por interposta pessoa.
Os factos que acabamos de relatar reflectem bem a má organização contabilística existente na firma, podendo uns ter reflexos em termos de resultados fiscais declarados e outros em termos de movimentos financeiros.
IV – 4. Conclusão
Da análise efectuada aos elementos da escrita do sujeito passivo, apurámos as seguintes irregularidades:
a) ausência dos requisitos legais do artigo 35º do CIVA no preenchimento de documentos equivalentes a facturas, e que titulam as compras de madeira aos fornecedores particulares. Esses mesmos documentos encontram-se todos sem a assinatura dos vendedores.
b) guias de remessas, para as quais não foram emitidas as respectivas facturas;
c) Rendibilidade fiscal negativa, de 71,90%, valor que se afasta em muito da rendibilidade do sector de actividade no distrito de Viseu em 2004, que foi de 0,82%;
d) Margens de lucro negativas ao nível da comercialização de madeira, o que evidencia a omissão de vendas;
e) Compras de madeira, entre l de Julho e 31 de Dezembro de 2004, madeira essa que não se encontra facturada a clientes, nem em inventário no final do ano, pelo que é lícito considerar como omitida a respectiva venda;
f) Empréstimos de sócios não reflectidos na contabilidade;
g) Meios monetários depositados nas contas da firma, para os quais não nos foi apresentada qualquer justificação desconhecendo-se assim as operações/transações a que respeitam.
Tendo em cosas as irregularidades atrás descritas em síntese, conclui-se que a contabilidade afio merece credibilidade, não reflecte a verdadeira situação patrimonial do contribuinte nem os resultados efectivamente obtidos em 2004.
A insuficiência de elementos e as irregularidades acima descritas e constatadas, impossibilitam a quantificação directa e exacta da matéria tributável, nos termos da alínea a), do artigo 88º da LGT, pelo que se propõe que a mesma se faça com, a aplicação dos métodos indirectos, artigo 87º da LGT, alínea b).
V – 1. Critérios e cálculos
Pelo exposto anteriormente se conclui da necessidade da determinação do resultado tributável no exercício de 2004, com recurso a métodos indirectos, atigo 87º, alínea b), e artigo 90º LGT.
Em face das irregularidades já referenciadas, propomos que no exercício em análise, seja considerado o seguinte:







6. As correções à matéria tributável propostas no Relatório de Inspeção Tributária foram sancionadas superiormente - cfr. fls. 54 do processo administrativo apenso.

7. Em 06.11.2006, foi remetido à C………………, Lda, por carta registada com aviso de receção o oficio nº 20837, através do qual foi a Impugnante notificada do relatório de inspeção tributária, da fixação do imposto em falta no montante de 19.740,35 €, bem como para, querendo solicitar o pedido de revisão da matéria tributável ou do imposto, fixado por métodos indiretos - cfr. fls. 52/53 do processo administrativo apenso.

8. O aviso de receção que acompanhou o auto de notificação foi assinado em 07.11.2006 – cfr. fls. 53 do processo administrativo apenso.

9. A C…………………., Lda, não apresentou pedido de revisão da matéria tributável – cfr. fls. 140 do processo administrativo apenso.

10. No seguimento do procedimento inspetivo, foram emitidas as seguintes liquidações:

- nº 06404351, de IVA do período 0403T, no montante de 4.935,09 €;
- nº 06404352, de J.C. do período 0403T, no montante de 485,13 €;
- nº 06404353, de IVA do período 0406T, no montante de 4.935,09 €;
- nº 06404354, de J. C. do período 0406T, no montante de 435,91 € ;
- nº 06404355, de IVA do período 0409T, no montante de 4.935,09 € ;
- nº 06404356, de J.C. do período 0409T, no montante de 386,69 €;
- nº 06404357, de IVA do período 0412T, no montante de 4.935,08 €;
- nº 06404358, de J.C. do período 0412T, no montante de 336,94 €;

11. Tendo decorrido o prazo de pagamento voluntário sem que o sujeito passivo tivesse procedido ao pagamento foi instaurado o processo de execução fiscal nº 2577 2006 01005572 e apenso - informação de fls. 29 e ss. do processo administrativo apenso.

3. A única questão apreciada e decidida na sentença recorrida foi a da invocada falta de fundamentação formal dos actos de liquidação impugnados, porquanto, relativamente aos restantes vícios invocados – erro nos pressupostos de facto e de direito para recurso à tributação da matéria tributável por métodos indiretos e erro na quantificação da matéria tributável – se julgou ser inadmissível o seu conhecimento, atenta a falta de prévio pedido de revisão da matéria tributável a que se refere o artigo 91º da LGT.
Os Impugnantes, ora Recorrentes, aceitam o julgado na parte tocante à referida inimpugnabilidade das liquidações com fundamento em erro na quantificação da matéria tributável e nos pressupostos de aplicação de métodos indiretos, limitando-se a sustentar o erro de julgamento cometido na análise e decisão do vício formal de falta de fundamentação relativamente ao critério de quantificação utilizado no relatório de inspeção.
A sentença julgou a impugnação improcedente com a seguinte argumentação:

«Os Impugnantes invocam a falta de fundamentação relativamente ao critério de quantificação utilizado no relatório de inspeção referindo que não se afigura líquido o motivo de tal escolha.
Como tem sido entendido, para cumprir o dever de fundamentação que sobre si impende, não basta à Administração Tributária referir o critério que utilizou, tem ainda de enunciar os elementos que permitam ao contribuinte e ao Tribunal, ficar a conhecer o processo lógico subjacente ao mesmo para que possa sindicar a validade do mesmo. Neste sentido vide acórdão do TCAN de 06.04.2006, processo nº 188/04 (…)
Veja-se também o acórdão do TCAN de 28.02.2008, processo nº 04634/04-Viseu (…).
Compulsado o relatório de inspeção, no que tange ao critério utilizado, é referido o seguinte: foram utilizados os custos declarados pelo sujeito passivo no exercício de 2004, o total de serviços prestados e ganhos financeiros declarados pelo sujeito passivo em 2004, acréscimos e deduções declarados pelo sujeito passivo no quadro 07, de modelo 22 e a rendibilidade fiscal média do setor de atividade de comércio por grosso de madeira em bruto no distrito de Viseu, no valor de 0,82%, remetendo-se para o anexo 1.
Assim, procedeu-se ao cálculo das vendas de mercadorias estimadas que se apurou em 103.896,58 € e aplicou-se a taxa de 19%, tendo-se apurado o valor do IVA em falta no montante de 19.740,35 €.
Deste modo, verifica-se que os critérios que estão na base da quantificação foram objeto de fundamentação por parte da administração tributária e que se apoiam nas concretas especificidades da atividade económica desenvolvida pela sociedade inspecionada, tendo a inspeção determinado o volume de negócio por métodos indiretos, mediante o recurso ao rácio do setor de atividade, CAE 51531, R07 - RFVendas ano nível da média do distrito de Viseu. Pelo que julgamos que foi integralmente cumprido o dever de fundamentação que, nesta matéria, resulta imposto pelo artigo 77º, nº 4, da LGT.».

Vejamos, então, se a sentença padece do erro de julgamento que lhe vem imputado.

É inquestionável que a administração tributária tem o dever de fundamentar os actos que afectem os direitos ou os legítimos interesses dos contribuintes, em conformidade com o princípio plasmado no art. 268º da CRP e acolhido nos arts. 124º do CPA e 77º da LGT. Fundamentação que há-de ser expressa, pela exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, para permitir a apreensão dos factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, para possibilitar o conhecimento concreto da motivação do acto; e congruente, de modo a que a decisão constitua a conclusão lógica dos motivos invocados como sua justificação.

É também incontroverso que as exigências de fundamentação não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que foi proferido, bastando-se com a expressão clara das razões que levaram a essa concreta decisão. A determinação do âmbito da declaração fundamentadora pressupõe, portanto, a busca de um conteúdo adequado, que há-de ser, num sentido amplo, o suficiente para suportar formalmente a decisão. Razão por que o acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal - o bonus pater familiae de que fala o art. 487º, nº 2, do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, por aceitar, ou não, o acto.

Finalmente, é também inquestionável que os deveres de fundamentação que recaem sobre a administração tributária no caso de tributação por métodos indiciários se referem, não só à indicação dos motivos por que a contabilidade do contribuinte não merece credibilidade e à impossibilidade de quantificação directa e exacta da matéria tributável, como, também, à indicação do critério utilizado para a quantificação dessa matéria.

Contudo, não deve confundir-se a suficiência da fundamentação formal, com a valia ou validade dos fundamentos invocados (fundamentação substancial). Com efeito, na avaliação da correcção formal do acto não se coloca a questão da valia ou correcção dos fundamentos aduzidos, mas só a sua suficiência e coerência, em termos de dar a conhecer as razões da decisão. Uma coisa é saber se a administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; e outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa.

E, por isso, no que toca ao critério para a quantificação da matéria colectável, bastará à administração tributária referir o critério que utilizou, pela indicação dos elementos que permitam ao contribuinte (e, se for caso disso, ao tribunal) ficar a conhecer o critério utilizado, para que possa ser invocado e demonstrado o erro ou desacerto desse critério e, portanto, a falta de fundamentação material do acto, a qual integra vício de violação de lei.

No caso presente, os actos de liquidação em questão ocorreram na sequência de acto inspectivo e em conformidade com o relatório de inspecção tributária homologado por despacho. Relatório onde consta expressamente, no que tange ao critério de quantificação da matéria colectável, que foram utilizados os custos declarados pelo sujeito passivo no exercício de 2004, bem como o total de serviços prestados e ganhos financeiros declarados pelo sujeito passivo nesse exercício, e os acréscimos e deduções declarados pelo próprio sujeito passivo na declaração Mod. 22/quadro 07, e, finalmente, a rendibilidade fiscal média do sector de atividade de comércio por grosso de madeira em bruto no distrito de Viseu, no valor de 0,82%, remetendo-se, neste aspecto, para o anexo 1 ao relatório da inspecção.

E foi neste claro e inequívoco contexto que se procedeu ao cálculo das vendas de mercadorias estimadas, que se apurou em 103.896,58 €, e à qual se aplicou a taxa de IVA, o que levou ao valor do imposto em falta, no montante de 19.740,35 €.

O que significa que, salvo o devido respeito, é claramente perceptível o método e o critério de quantificação que a administração tributária adoptou, já que o relatório que serve de suporte formal fundamentador denuncia, de forma expressa, clara e congruente, o percurso cognoscitivo e valorativo que ela percorreu para proceder a essa quantificação. Questão diferente seria a de saber se a percentagem de rendibilidade fiscal média do sector de atividade de comércio por grosso de madeira em bruto no distrito de Viseu é ou não a indicada no referido relatório e seu anexo, isto é, se essa percentagem de 0,82% é ou não a correcta. O que traduziria a invocação de um vício substancial do acto tributário, por erro na quantificação – que não pode ser conhecido pelas razões enunciadas na sentença –, e não de um vício formal de falta de fundamentação.

Em suma, julgamos que foi integralmente cumprido o dever de fundamentação, não merecendo, por isso, censura a sentença recorrida.


4. Face ao exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Lisboa, 7 de Outubro de 2015. – Dulce Neto (relatora) – Casimiro Gonçalves – Ana Paula Lobo.