Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:078/21.3BEFUN
Data do Acordão:10/21/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA PORTELA
Descritores:PERDA DE MANDATO
Sumário:I - Nas ações de perda de mandato não é aplicável o art. 98º nº2 do CPTA mas antes o art. 11º da LTA por este diploma estabelecer um regime específico.
II - Impende sobre uma deputada municipal um ónus legal de, atendendo às funções públicas que exerce, se informar acerca da legislação que regula, limita e baliza a sua atividade autárquica, detendo um especial dever/obrigação de saber que não podia filiar-se em partido diverso daquele em que se apresentou a sufrágio eleitoral.
Nº Convencional:JSTA00071271
Nº do Documento:SA120211021078/21
Data de Entrada:09/29/2021
Recorrente:A.............
Recorrido 1:MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CPTA ART98 N2
LTA ART8 N1 AL.C) ART11
CC ART342
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:
RELATÓRIO:

1. A……………… vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS, de 2.6.2021, que negou provimento ao recurso jurisdicional, confirmando a sentença, de 17.04.2021, do TAF do Funchal - que julgara procedente a ação intentada pelo Ministério Público para declaração de perda de mandato da ora recorrente, como ..... da Assembleia de Freguesia …………, declarando a sua perda de mandato.

2. Para tanto, alegou em conclusão:

“1. Nos presentes autos é convocada uma questão jurídica delicada e complexa que se prende com a aplicação do artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, aos casos em que a ação de perda de mandato é intentada pelo Ministério Público, e da conjugação deste prazo com o previsto no artigo 11.º, n.º 4, da Lei da Tutela Administrativa, mormente, no que respeita às consequências práticas da inobservância do prazo previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa.

2. Por outras palavras, levanta-se a questão de saber se a (in)observância do prazo de 7 dias previsto no artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, implica a (im)tempestividade da prática do ato processual, quando este seja praticado pelo Ministério Público.

3. Trata-se de uma questão jurídica de importância fundamental, suscetível de se repetir com frequência noutros casos, que, além disso, não foi ainda objeto de análise e decisão por este Venerando Supremo Tribunal Administrativo.

4. Em segundo lugar, o Acórdão recorrido plasma uma interpretação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa, de acordo com a qual a aplicação desta norma sancionatória se basta com elementos objetivos e não subjetivos de modo a aferir a culpa grave.

5. Mais deixa expresso o entendimento de que carece de razão alegar que ao Ministério Público cabia alegar factos concretos em conformidade com o artigo 5.º do Código de Processo Civil e artigo 342.º do Código Civil, donde resultasse a culpa e gravidade do comportamento da Recorrente.

6. De acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21 de maio de 2020, proferido no processo n.º 069/19.4 BEMDL, disponível em www.dgsi.pt, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal, e o Acórdão recorrido contradiz esse entendimento, aludindo a que a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa se basta com os elementos objetivos.

7. A intervenção do Supremo Tribunal Administrativo, como tribunal de Revista, é imprescindível, de modo a emitir as orientações necessárias a uma interpretação segura e coerente das normas legais.

8. Trata-se de questões que, pela sua relevância jurídica, se revestem de importância fundamental, devendo ter-se por preenchido o pressuposto previsto no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA, admitindo-se o presente recurso de revista.

9. O tribunal a quo referiu que a extinção do direito de acionar opera pelo decurso do prazo de 5 anos, quando havia sido alegada a intempestividade para a prática do ato processual, atendendo à aplicação do artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, pelo que incorreu em erro de julgamento, violando o disposto no artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, desconsiderando que prazo previsto no artigo 11.º, n.º 4, da Lei da Tutela Administrativa não exclui a aplicação do artigo 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa.

10. O entendimento de que a aplicação da norma sancionatória prevista no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa se basta com elementos objectivos (inscrição em novo partido político) e não subjectivos (volitivos) de modo a aferir da culpa grave como nos casos do artigo 8º da LTA é inconstitucional por violação do direito de defesa em processo sancionatório, do direito à tutela jurisdicional efetiva e do princípio da presunção da inocência, constantes dos artigos 2.º 32.º, n.º 2 e 10, 2.º, n.º 1 e 4, e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

11. Esse entendimento viola, também, o Princípio da Proporcionalidade da medida sancionatória e, como tal, os artigos 18.º, n.º 2, e 3, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.

12. Não existe nos autos, qualquer elemento que permita concretizar, tendo por referência a concreta situação dos autos, um forte juízo de censura à conduta da Recorrente, em termos de culpa grave ou negligência grosseira.

13. O acórdão recorrido declarou a perda de mandato da Recorrente, com o que incorreu em erro de julgamento, com violação do disposto nos artigos 98.º, n.º 2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável ex vi artigo 15.º da Lei da Tutela Administrativa, 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei de Tutela Administrativa e 2.º 32.º, n.º 2 e 10, 20.º, n.º 1 e 4, e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa.

14. O Acórdão recorrido deve ser revogado.

Termos em que deverá o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente e, em consequência, ser revogado o acórdão recorrido, julgando-se a ação improcedente. Como é de Direito e de Justiça!”

3. O Ministério Público veio apresentar as suas contra-alegações, concluindo:

“1- Por sentença do TAF do Funchal, datada de 17 de Abril de 2021, a Ação foi julgada procedente e, em consequência, declarada a perda de mandato da ora Recorrente, como ………. da Assembleia de Freguesia …….

2- A Recorrente interpõe, agora, Recurso Excecional de Revista do Douto Acórdão do Tribunal Central Administrativo, proferido a 2 de Junho de 2021, nos autos à margem supra identificados e aqui dado por inteiramente reproduzido quanto ao seu teor pelo qual não lhe concedeu provimento ao recurso, tendo mantido/confirmado a sentença da 1ª Instância (TAF do Funchal), nos termos e com os fundamentos dali constantes e aqui dados por reproduzidos.

3- Alega a Recorrente, no essencial, ter existido erro de julgamento de direito:

4- Quanto aos pressupostos de facto e de direito, por errada interpretação dos artigos 8º, nº1, al. c) e 10º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa (LTA), aprovado pela Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, na redacção dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro.

5- Sobre o ónus da prova cabendo ao MP provar a existência de culpa grave ou negligência grosseira da Recorrente (violação do artigo 342º, do Código Civil e do artigo 90º, nº3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos).

6- Ao não julgar verificada a excepção de caducidade do direito de acção, por desrespeito do artigo 98º, nº2, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

7- Contrariamente ao defendido pela Recorrente, as questões em análise (alegadamente controvertidas) não possuem a virtualidade que justifique a admissão e o conhecimento deste Recurso Extraordinário de Revista.

8- Salvo sempre o devido respeito e melhor opinião, não deverá ser admitido o presente Recurso (Excepcional) de Revista.

9- Tendo presentes as razões e fundamentos invocados, tudo aqui dado por integralmente reproduzido por uma questão de economia processual, o Acórdão do TCAS deve ser mantido, por ter feito correcta interpretação dos factos e aplicação do direito.

10- Na verdade,

11- A presente Acção é uma Acção Administrativa não sendo aqui lícita a aplicação subsidiária de conceitos penalísticos.

12- Não tendo, assim, o MP de alegar e provar a culpa da Recorrente.

13- Alegação esta que lhe incumbiria, segundo as regras legais sobre ónus da prova.

14- No que respeita a prazos, o regime da Lei da Tutela Administrativa é especial relativamente às regras do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

15- Acresce, que a Acção foi instaurada dentro do prazo constante do artigo 10º, nº3 desta Lei, pelo que é tempestiva.

16- Por todo o exposto, e sem mais delongas, o douto Acórdão Recorrido (cujos fundamentos acompanhamos de perto e sufragamos) apenas podia concluir e ajuizar como o fez, não merecendo reparo.

17- Não tendo sido violados os preceitos legais destacados pelo Ré/Recorrente nas alegações/conclusões do recurso por si interposto, ou quaisquer outros que cumpra conhecer, deverá ser considerado improcedente o Recurso de Revista mantendo-se, consequentemente, o douto Acórdão recorrido.

Assim decidindo, farão Vossas Excelências, Senhores Conselheiros, a costumada, Justiça!”

4. O recurso de revista foi admitido pela formação deste STA por acórdão de 08.04.2021.

5. Sem vistos, dada a natureza urgente do processo (art. 36º, nºs 1, al. a) e 2 CPTA), cumpre decidir.


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FUNDAMENTAÇÃO

MATÉRIA DE FACTO fixada pelas instâncias:

“A) Em 27 de janeiro de 2015 foi proferido pelo Tribunal Constitucional o Acórdão n.º 51/2015, de cujo decisório consta o seguinte: “8. Decisão Nestes termos, o Tribunal Constitucional considera verificada a legalidade da constituição e decide deferir o pedido de inscrição, no registo próprio existente no Tribunal, do partido político com a denominação “Juntos pelo Povo”, a sigla “JPP” e o símbolo que consta de fls. 7 e se publica em anexo.” – cf. informação disponibilizada no site do tribunal constitucional com o seguinte endereço: https://www.tribunalconstitucional.pt., que nesta data se acedeu;

B) Em 1 de outubro de 2017 o partido político Juntos Pelo Povo, juntamente com o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Nós Cidadãos e o PDR, integraram uma coligação de partidos que se designou por Coligação Confiança – facto não contestado (cf. artigo 8 da contestação);

C) Em 1 de outubro de 2017, A…………….., Ré nos presentes autos, foi eleita para a Assembleia de Freguesia ………. em representação do político Juntos Pelo Povo –cf. Ofício n.º 2/AF, enviado pelo Presidente da Assembleia de Freguesia ao DIAP, constante de fls. 2 do documento n.º 004067011 dos autos no SITAF;

D) Em 24 de outubro de 2017 a Assembleia de Freguesia ……… elaborou uma ata de instalação, da qual consta o seguinte: “Aos vinte e um quatro dias do mês de Outubro do ano de dois mil e dezassete, no Salão de Reuniões da Junta de Freguesia ……, pelas dezoito horas e trinta minutos, onde eu, B…………….. me encontrava, compareceram, para, de conformidade com o disposto nos números um e dois, do artigo oitavo da Lei número cento e sessenta e nove barra noventa e nove, de dezoito de Setembro, se proceder à instalação da Assembleia de Freguesia ….. dos seguintes cidadãos eleitos para a Assembleia de Freguesia, por sufrágio universal e direto, em ato realizado no dia 01 de Outubro de dois mil e dezassete: ----

C……………, portador do cartão de cidadão número …….., válido até 2019-11-02, D……………., portador do cartão de cidadão número ………., válido até 2019-06-23, E………………, portador do cartão de cidadão número ………….., válido até 2022-02-05, A……………., portador do cartão de identificação número …………, válido até 2018-02-18, F…………, portador do cartão de cidadão número …………, válido até 2018-10-21, B……………, portador do cartão de cidadão número …………, válido até 2018-12-16, G……………, portador do cartão de cidadão número …………, válido até 2019-08-26, H…………… portador do cartão de cidadão número …………, válido até 2019-03-04 I…………….., portador do cartão de cidadão número ……….., válido até 2020-07-02, eleitos para a Assembleia de Freguesia, por sufrágio universal e direto, em acto realizado no dia um de Outubro do ano de dois mil e dezassete. ----- Verificada a conformidade formal do processo eleitoral, a legitimidade e a identidade dos eleitos, o Sr. Presidente da Assembleia de Freguesia cessante, declarou-os investidos nas suas funções, do que, para o efeito designado, secretariei, redigi e também subscrevo.” – cf. cópia da ata certificada, constante do documento n.º 004067281 dos autos no SITAF;

E) Em 24 de outubro de 2017 realizou-se a primeira reunião da Assembleia de Freguesia ….., de cuja ata consta o seguinte: “Aos vinte e quatro dias do mês de Outubro do ano de dois mil e dezassete, no Edifício sede da Junta de Freguesia …, Município de Funchal, à ......., .... com conformidade com o preceituado nos n°s e seguintes do artigo número nove da Lei 169/99, de 18 de Setembro, com as alterações introduzidas pela Lei n° 5-A/2002 de 11 de Janeiro, reuniu, sob a Presidência do C………….., na qualidade de cidadão que encabeçou a lista mais votada neste freguesia, nas eleições autárquicas do passado dia 01 de Outubro de dois mil e dezassete, à Assembleia de Freguesia, para o próximo quadriénio, que acabara de ser instalada nos termos legais.

Aberta a reunião, pelo mencionado cidadão da lista mais votada, verificou-se estarem presentes os seguintes membros: Da lista do PSD – C…………; E……………, F…………; B………….. e I……………...--

Da lista CONFIANÇA – D……………..; A……………. e G……………..--------------------

Da lista do CDS - PP – H…………. --------------------------------------

I - Eleição dos Vogais da Junta de Freguesia. --------------------------------------------

Pelo referido cidadão que presidia, foi então anunciado que, em conformidade com o estabelecido nos preceitos legais acima citados se ia proceder à eleição dos vogais que hão-de ser Secretário e Tesoureiro da Junta de Freguesia, de que ele será presidente, face à eleição geral citada, de acordo com o número um do artigo nono da mesma lei, a eleição realizar-se-á por lista e escrutínio secreto. Foi dado um período de cinco minutos para a apresentação das listas dos candidatos.

Deu entrada na mesa apenas uma lista que passou a ser denominada por “Lista A”, com a seguinte composição: - E…………………, e F……………... -------------------------------

Distribuídos boletins de voto a todos os membros efectivos presentes, os mesmos foram preenchidos por cada um, dobrados, tendo de seguida passado à recolha dos votos em recipiente próprio - uma ----------------------------------------

Procedeu-se, depois à contagem de votos que foram atribuídos, concluindo-se pelo seguinte apuramento: Para a Lista “A” , seis votos a favor e dois brancos e um voto contra.- ---------------

Nestas circunstâncias, foram considerados eleitos os vogais da Junta de Freguesia, cujas funções específicas serão distribuídas pelo respectivo Presidente, nos termos dos n°s 2 e 3 do artigo 38° da Lei n° 169/99 de 18 de Setembro os seguintes cidadãos:

E……………… e F………………..

Posto isto, estes dois eleitos foram dispensados dos trabalhos desta reunião por terem passado a fazer parte da Junta de Freguesia, sendo por isso chamados à efectividade de funções, para os substituir, os seguintes membros convocados e ali presentes, eleitos pela lista a que aqueles pertenciam: - ……….., Reformado, residente Rua …………, … – ….., na Freguesia ………, titular do B. I. N…., passado em Funchal, em 07.04.2005. que estava posicionado em 6º lugar da lista do Partido Social Democrata, por motivos de saúde não pode tomar posse passando ao cidadão que segue na lista do mesmo partido. –

……………., residente na Avenida ……….., n° …, apt° …, …, na Freguesia ……., titular do Cartão de Cidadão ………, com a validade 09-07-2019, e …………, Diretor Hoteleiro, residente na Rua ……………… n° ………., na Freguesia da São Pedro, titular do cartão de Cidadão, n° …………, validade, 11/11/2020, e posicionados em 7º e 8º lugares da lista do Partido Social Democrata conforme consta já no respectivo termo de instalação, lavrado em acta no livro de posses desta autarquia. Uma vez refeito o elenco da Assembleia de Freguesia e verificada a identidade e legitimidade destes dois últimos cidadãos, foi o órgão esclarecido de que ia proceder-se à eleição da “Mesa” respectiva composta por três membros: Presidente, Primeiro Secretário e Segundo Secretário. ---------------------------------

II - Eleição da Mesa da Assembleia ----------------------------------------------------------

De acordo com os n°s 1 e 2 do artigo 9º da mesma Lei, a eleição realizar-se-á por lista e escrutínio secreto. Foi dado um período de 5 minutos para apresentação das listas candidatas.

Deu entrada na mesa apenas uma lista que passou a ser denominada por “Lista A”, com a seguinte composição: Presidente: - B…………….; Primeiro Secretário – I…………………; Segundo Secretário - …………. -----------------------------

Distribuídos os boletins de voto a todos os membros efectivos presentes, os mesmos foram preenchidos por cada um, dobrados, tendo de seguida passado à recolha dos votos em recipiente próprio - uma. ----------------------------------------

Procedeu-se, depois à contagem de votos que foram atribuídos, concluindo-se pelo seguinte apuramento: Para a “Lista A”, 5 votos a favor e quatro votos brancos.

Nestas circunstâncias, foi considerada eleita, por escrutínio secreto, a Mesa da Assembleia desta Freguesia para o quadriénio de dois mil e dezassete a dois mil vinte e um, que ficou assim constituída: Presidente: B……………….;

Primeiro Secretário – I…………………..;

Segundo Secretário – ……................

…….......... -------------------------------------------------------------------------------

Assim, o cidadão que até aí presidiu aos trabalhos, ou seja, o que encabeça a lista mais votada na eleição geral, deu o seu lugar à Mesa acabada de eleger, prosseguindo os trabalhos, depois de ter sido chamado para substituir o Presidente da Junta de Freguesia que agora deixava a reunião, o cidadão ……………, Avaliador de Imóveis, residente Rua ………., ……, …….., fração ………., na Freguesia …….., titular do cartão de Cidadão, n° ………, validade, 18/11/2019, que estava posicionado na lista do Partido Social Democrata, em nono lugar efectivo, e de se ter verificada a sua identidade e legitimidade. --------------

III- REGIMENTO ----------------------------------------------------------------------------

Posta em seguida à discussão a análise do regimento do Órgão Assembleia de Freguesia para o quadriénio que ora se inicia, porque não havia sido apresentado qualquer projecto em condições de análise imediata e definitiva, foi deliberado por unanimidade que os representantes das listas por quem foram eleitos tomassem providências para que, em próxima sessão, fossem apresentadas propostas do regimento, ficando, até à aprovação de novo, em vigor o anterior.

IV- ENCERRAMENTO --- (…)” – cf. cópia “ata avulsa da primeira reunião da Assembleia de Freguesia ……….”, constante do documento n.º 004067282 dos autos no SITAF;

F) Em 11 de março de 2021 foi recebido no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal o ofício com a Ref. 13/21, datado de 08.03.2021, dirigido pela Procuradoria da República da Comarca da Madeira para os Serviços do Ministério Público deste Tribunal do qual se extrai o seguinte: “Por despacho da Exma. Senhora Procuradora da República coordenadora da Comarca remete-se o ofício n° 2/AF de 01 de março de 2021 proveniente da Assembleia de Freguesia ……., com dois documentos anexos, a que corresponde a nossa entrada 4074903 de 02.03.2021” – cf. fls. 1 e 4 do documento n.º 004067011 dos autos no SITAF;

G) Do ofício n° 2/AF de, 1 de março de 2021, proveniente da Assembleia de Freguesia ………., que acompanhou em anexo o ofício identificado na alínea anterior, como aí expressamente se identifica, tem o seguinte teor: “Na sequência da publicação no Diário de Notícias de 24 de fevereiro do corrente ano do artigo jornalístico sob a égide “MP faz processo para afastar deputada ” , em que faz referência que o Ministério Público já formalizou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal o processo para a perda de mandato da deputada municipal do Funchal, A…………….., pelo facto desta ter mudado de partido durante o seu mandato, somos a informar V. Ex a que a mesma situação ocorre na Assembleia de Freguesia ….., do concelho do Funchal, ou seja, a mesma foi eleita para esta Assembleia de Freguesia na lista da Coligação Confiança, em representação do partido JPP, e exerce as funções de ….. na mesma até à presente data.

Mais se informa que, decorrente da publicação no Diário de Notícias da Madeira de 22 de janeiro do corrente ano, de um artigo jornalístico que referia uma eventual adesão da mencionada … A……….,, em Setembro de 2020, ao Partido Socialista, foi solicitado, por escrito, através do ofício n.° 1 1-AF, de 5/2/2021, do Presidente da Assembleia de Freguesia …… esclarecimento à mesma (Doc. 1), tendo/a mesma respondido que não apresentou o seu pedido de renúncia ao mandato uma vez que ambos os partidos, JPP e PS, fazem parte da Coligação Confiança (Doc. 2).

Por conseguinte, remetemos o assunto à consideração de V.ª Ex.ª” – cf. fls. 2 do documento n.º 004067011 dos autos no SITAF;

H) Como anexo ao ofício n° 2/AF de, 1 de março de 2021 foi também remetido aos Serviços do Ministério deste Tribunal o ofício do Partido Socialista da Madeira n.º 11, datado de 22 de novembro de 2021, do qual se extrai o seguinte teor:

“ASSUNTO: Informação de filiação

Tenho a honra de, informar, a Vossa Excelência, que a Senhora A……….., é filiada no Partido Socialista, desde o dia 22 de novembro de 2019.” – cf. fls. 3 do documento n.º 004067011 dos autos no SITAF;

I) O ofício acima melhor identificado foi inicialmente remetido pelo Partido Socialista em 20 de fevereiro de 2021 para Procuradoria da República, Tribunal Administrativo do Funchal, Palácio dos Cônsules, Rua da Conceição, n.º 29, 1, andar, Funchal e recebido em 24 de fevereiro de 2021 neste Tribunal – cf. data que consta do envelope que acompanha o expediente remetido a este Tribunal em 11 de março de 2021, identificado na alínea D), de fls. 4 do documento n.º 004067011 dos autos no SITAF;

J) A presente ação foi intentada em 16 de março de 2021 – cf. documento n.º 004067010 dos autos no SITAF.”


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O DIREITO

1-A primeira questão de que cumpre conhecer é saber se andou bem a decisão recorrida ao entender que não ocorre a exceção de caducidade do direito de ação, e que, por isso não foi preterido o artigo 98º, nº2, do CPTA.

Pretende a Recorrente que a presente ação para declaração de perda de mandato foi instaurada para além do prazo de 7 dias previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CPTA e que, por isso, é a mesma intempestiva, exceção dilatória que obsta ao prosseguimento da ação e determina a absolvição da instância da Ré, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 89.º do CPTA.

O que a decisão recorrida, erradamente, não reconheceu.

Então vejamos.

A questão que se coloca é a de saber se, como pretende a recorrente, nas ações de perda de mandato é aplicável o art. 98º nº2 do CPTA, ou se, como se decidiu na decisão recorrida, é aqui aplicável o art. 11º da LTA.

Ora, como resulta do art.15º da LTA “As ações para declaração de perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou entidades equiparadas têm caráter urgente e seguem os termos do processo do contencioso eleitoral, previstos no Código de Processo nos Tribunais Administrativos.”

E o art. 11º do mesmo diploma estabelece:

“Decisões de perda de mandato e de dissolução

1 - As decisões de perda do mandato e de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são da competência dos tribunais administrativos de círculo.

2 - As ações para perda de mandato ou de dissolução de órgãos autárquicos ou de entidades equiparadas são interpostas pelo Ministério Público, por qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido, ou por quem tenha interesse direto em demandar, o qual se exprime pela utilidade derivada da procedência da ação.

3 - O Ministério Público tem o dever funcional de propor as ações referidas nos números anteriores no prazo máximo de 20 dias após o conhecimento dos respectivos fundamentos.

4 - As ações previstas no presente artigo só podem ser interpostas no prazo de cinco anos após a ocorrência dos factos que as fundamentam.”

Ou seja, estabelece um regime específico.

E, seguindo o entendimento veiculado no Acórdão de 29.10.2020, no Proc. nº 163/19.1BEPRT, a que o acórdão recorrido também aderiu, o prazo para o MP interpor a ação de perda de mandato é de 5 anos.

Na verdade, e como se extrai do mesmo:

“(...) O que se diz, e bem, no acórdão recorrido é que resulta do nº 4 do art. 11º da Lei 27/96 de 1/08 (LTA) que o prazo de cinco anos aí referido para interposição das ações de perda de mandato e de dissolução dos órgãos autárquicos tanto o é para o MP como para qualquer interessado direto em demandar ou qualquer membro do órgão de que faz parte aquele contra quem for formulado o pedido.

E que, o prazo de vinte dias a que se refere o art. 11º nº3 da LTA, tal como o mesmo expressamente refere, apenas diz respeito ao dever funcional para o MP de propor as referidas ações dentro do prazo de 20 dias.

O que, na verdade, é perfeitamente perceptível.

Dados os interesses públicos em causa e, independentemente do prazo alargado de cinco anos para propositura das referidas ações, existe uma obrigação ética de rapidez e urgência em fazer com que não se mantenha no poder quem efetivamente não tem condições para tal.

Daí que o MP, a quem incumbe defender a legalidade democrática, tenha um dever funcional de acionar no prazo de vinte dias, que não é um prazo de propositura da ação, pelo que a sua inobservância apenas gera nomeadamente responsabilidade disciplinar, mas não a extinção do direito.

Este só opera com o decurso do prazo previsto no n.º 4 de cinco anos...”

Não sendo aqui aplicável o art. 98º do CPTA e porque a ação foi proposta dentro daquele prazo de cinco anos é a mesma tempestiva carecendo a aqui recorrente de qualquer razão.

2_Alega a recorrente que a decisão recorrida interpretou erradamente os artigos 8º, nº1, al. c) e 10º do Regime Jurídico da Tutela Administrativa (LTA), aprovado pela Lei nº 27/96, de 1 de Agosto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 214-G/2015, de 2 de Outubro que aqui foram preteridos e que competia ao MP a prova da culpa, o que este não fez.

No fundo o que a recorrente pretende dizer é que o pressuposto de culpa grave ou negligência grosseira para preenchimento do art. 8º nº1 al. c) da LTA não está preenchido e que competia ao MP o ónus da prova da sua existência (nos termos do artigo 342º, do Código Civil e do artigo 90º, nº3, do CPTA) sendo sempre de aplicar o art. 10º do mesmo diploma já que não ocorre um forte juízo de censura à sua conduta em termos de culpa grave ou negligência grosseira.

Para tanto refere que, de acordo com o Acórdão do STA de 21 de maio de 2020, proferido no processo n.º 069/19.4 BEMDL, disponível em www.dgsi.pt, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal, o que não foi seguido pelo acórdão recorrido na aplicação do artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da LTA ao se bastar com o preenchimento dos elementos objetivos.

Então vejamos.

Nos termos do disposto no artigo 8.º, n.º 1, alínea c) da LTA:

Perda de mandato

1 - Incorrem em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos ou das entidades equiparadas que:

a) Sem motivo justificativo, não compareçam a 3 sessões ou 6 reuniões seguidas ou a 6 sessões ou 12 reuniões interpoladas;

b) Após a eleição, sejam colocados em situação que os torne inelegíveis ou relativamente aos quais se tornem conhecidos elementos reveladores de uma situação de inelegibilidade já existente, e ainda subsistente, mas não detectada previamente à eleição;

c) Após a eleição se inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio eleitoral;

d) Pratiquem ou sejam individualmente responsáveis pela prática dos atos previstos no artigo seguinte.

2 - Incorrem, igualmente, em perda de mandato os membros dos órgãos autárquicos que, no exercício das suas funções, ou por causa delas, intervenham em procedimento administrativo, ato ou contrato de direito público ou privado relativamente ao qual se verifique impedimento legal, visando a obtenção de vantagem patrimonial para si ou para outrem.

3 - Constitui ainda causa de perda de mandato a verificação, em momento posterior ao da eleição, de prática, por ação ou omissão, em mandato imediatamente anterior, dos factos referidos na alínea d) do n.º 1 e no n.º 2 do presente artigo.”

E, nos termos do artigo 10.º:

“Causas de não aplicação da sanção

1 - Não haverá lugar à perda de mandato ou à dissolução de órgão autárquico ou de entidade equiparada quando, nos termos gerais de direito, e sem prejuízo dos deveres a que os órgãos públicos e seus membros se encontram obrigados, se verifiquem causas que justifiquem o facto ou que excluam a culpa dos agentes.

2 - O disposto no número anterior não afasta responsabilidades de terceiros que eventualmente se verifiquem.”

Entendeu-se na decisão recorrida que manteve a decisão de 1ª instância que:

“Tal como foi nosso entendimento na sentença proferida no Proc. nº 1205/07.9BESNT, de 11.01.2008, no TAF de Sintra (não publicada e da qual não foi interposto recurso), numa situação em tudo idêntica:

“… Ainda que integrado numa coligação, o certo é que o Demandado foi proposto por um partido, o Partido Popular – CDS/PP e após a eleição, inscreveu-se num outro partido, o Partido Social Democrata PPD/PSD, que integra também a mesma coligação. Donde atenta a factualidade descrita vemos que a mesma se insere na estatuição da alínea c) do artigo 8º da Lei nº 27/96, de 1 de Agosto.

Com efeito, tal norma destina-se a assegurar a transparência do processo eleitoral que deve ser mantida ao longo dos respectivos mandatos.

Tanto mais que no caso em apreço a militância partidária tem efeitos ao nível das vagas ocorridas nos órgãos autárquicos, conforme prescreve o nº 1 do artigo 79º da Lei nº 169/99, de 18 de Setembro (define o regime jurídico do funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, assim como as respectivas competências), “As vagas ocorridas nos órgãos autárquicos são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista ou, tratando-se de coligação, pejo cidadão imediatamente a seguir do partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga.” (d/n).

A circunstância de no caso em apreço o Demandado passar a ser militante de um partido que integra a mesma Coligação através da qual foi eleito, não permite afastar a sanção prevista na alínea c) do nº 1 do artigo 8º da Lei nº 27/96.

Diferente seria se o Demandado se tivesse desvinculado do partido pelo qual foi proposto às eleições e passado a assumir o estatuto de independente, como tem sido decidido pela Jurisprudência, citando-se a propósito o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 10.07.2003, in rec. 1054/03:

“Em tal normativo prevê-se a punição de um eleito, com a pena de perda do respectivo mandato, se o mesmo vier inscrever-se em partido político diferente daquele por que foi eleito. De fora da previsão, estão as situações dos eleitos, que após o sufrágio venham, com o estatuto de independentes, integrar-se em grupo de um partido diferente daquele por que concorreram.”

Alega a Recorrente que desconhecia as consequências legais de se ter inscrito num outro partido durante o mandato para o qual foi eleita.

Ora, nunca o argumento atinente a tal desconhecimento poderia relevar perante o preceituado no artigo 6.º do Código Civil, nos termos do qual, “A ignorância ou má interpretação da lei não justifica a falta do seu cumprimento nem isenta as pessoas das sanções nela estabelecidas”. Neste sentido, cf. por todos o Ac. TRG de 21-03-2019 (relator: Heitor Gonçalves), p. 3674/14.1T8VNF-A.G1, disponível em www.dgsi.pt . A norma vertida no citado preceito legal corresponde ao entendimento tradicional de que “a ignorância da lei não aproveita a ninguém”, equiparando a “má interpretação” da lei à sua “ignorância” pura e simples, e que se desdobra em duas regras fundamentais nela vertidas, “sem as quais o Direito não seria verdadeiro Direito, mas um simples conjunto de valores ético-sociais ou de códigos de boas práticas” – vide Diogo Freitas do Amaral, Código Civil Anotado, Coord. Ana Prata, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, p. 18.

Como sustentado na doutrina e na jurisprudência, a perda de mandato constitui uma significativa diminuição do direito ao jus in officio e a inelegibilidade, mesmo que temporária, não deixa de ser uma significativa perturbação do direito fundamental de ser eleito para cargos públicos – cfr. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, pp. 271 e ss.

Acontece que nos termos da alínea c) do nº 1 do art. 8º LTA, como alude Ernesto Vaz Pereira in obra citada p. 32, “a al. c), mais não é do que a lembrança de uma regra de ética e de honestidade política”.

Neste caso a culpa traduz-se num juízo de censura ao agente por não ter adoptado um comportamento conforme a um dever que podia e devia ter tido. Sendo certo que as pessoas que exercem estavelmente uma determinada actividade (função, profissão, etc.) têm um dever reforçado de conhecer as regras jurídicas que regulam essa actividade” - Cfr. "Erro em Direito Penal", Edição da Faculdade de Direito de Lisboa, 1993, páginas 22 e 23. Sem que a sua aplicação contenda com os princípios ínsitos no art. 266.º, n.º 2 da CRP, designadamente com o princípio da proporcionalidade. Carece, pois, de razão quando alega que cabia ao MP alegar factos concretos em conformidade com o art. 5º do CPC e art. 342º, nº 1 do Código Civil donde resultasse a culpa e gravidade do comportamento da Recorrente e correlativamente ser aberta a fase de instrução nos termos do art. 90º, nº 3 do CPTA.

O que se trata é que para a aplicação da norma sancionatória em causa se basta com elementos objectivos (inscrição em novo partido político) e não subjectivos (volitivos) de modo a aferir da culpa grave como nos casos do artigo 8º da LTA: (...)

Sobre o qual se pronunciou recentemente o acórdão do STA 69/19.4BEMDL de 21.05.2020 in www.dgsi.pt onde se diz:

“(...) E é tendo em conta a gravidade da sanção e das suas consequências que a jurisprudência tem afirmado que, exceptuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal.

Tudo, porque, como já se referiu, a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade (Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07).

Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também o é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a atuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira).

No caso sub iudice os factos aos quais se subsumem os efeitos jurídicos (previsão) da citada alínea c) do nº 1 do artº. 8º da LTA foram invocados e provados, como já se expendeu e transparece de forma clara e justificada na sentença recorrida (eleição por um partido e após, durante o mandato, inscrição noutro partido). Tratam-se de elementos objetivos sem que seja necessário densificar a motivação da nova inscrição durante o mesmo mandato. Donde, cabia à Recorrente nos termos do art. 10º da LTA a alegação e prova das causas justificativas e exclupativas como excluentes da aplicação da sanção, sem que tivesse sequer alegado a existência de justificação para essas faltas – que, como elemento impeditivo do direito invocado, lhe incumbiria provar, nos termos do art.º 342.º, n.º 2, do C. Civil (cf., neste sentido, o Ac. do STA de 29/5/2003 – Proc. n.º 993/03). Sendo certo que ficou demonstrado que a Recorrente concorreu por um partido integrado numa coligação, mas que tal facto não é excludente da aplicação da aludida sanção de perda de mandato. Como o alegado desconhecimento da lei ou falta de intenção são para o caso irrelevantes. Por último em termos de interpretação sistemática há que trazer à colação o artigo 160º, nº 1, alínea c) da CRP, segundo o qual “Perdem o mandato os Deputados que: Se inscreverem em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio”. (...)

A decisão recorrida entendeu por um lado que “O que se trata é que para a aplicação da norma sancionatória em causa se basta com elementos objetivos (inscrição em novo partido político) e não subjetivos (volitivos) de modo a aferir da culpa grave como nos casos do artigo 8º da LTA...”

Mas, por outro, refere expressamente: Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também o é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a atuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira).”

Acabando por concluir que “Neste caso a culpa traduz-se num juízo de censura ao agente por não ter adoptado um comportamento conforme a um dever que podia e devia ter tido. Sendo certo que as pessoas que exercem estavelmente uma determinada atividade (função, profissão, etc.) têm um dever reforçado de conhecer as regras jurídicas que regulam essa atividade”.

3. Pretende a recorrente que este pressuposto de culpa grave ou negligência grosseira para preenchimento do art. 8º nº1 al. c) da LTA não está preenchido e que competia ao MP o ónus da prova da sua existência (nos termos do artigo 342º, do Código Civil e do artigo 90º, nº3, do CPTA) sendo sempre de aplicar o art. 10º.

Vejamos então se podemos dizer que o elemento culpa está preenchido,

O acórdão do STA Proc. nº 0248/04 de 22/04/2004 reitera jurisprudência anterior deste Tribunal (cfr. Acs. de 18/05/1995 - Proc. n.º 37472, de 12/05/1995 - Proc. nº 36434, de 18/03/2003 - Proc. nº 0369/03) consignando que “… a perda de mandato tem carácter sancionatório o que implica a necessidade de ter em conta os princípios do direito Disciplinar e Penal (cfr. art. 10º da Lei 27/96). Ou, como se entendeu … “dada a gravidade da sanção de perda de mandato que a lei comina para determinados comportamentos, importa não só determinar se esses comportamentos estão objetivamente tipificados na lei, mas ainda se verifica o elemento subjetivo que justifique um juízo de censura proporcional à medida sancionatória que só será de aplicar quando, ponderados os factores objectivos e subjetivos relevantes, se conclua pela indignidade do requerido para a permanência no exercício das suas funções (…)”.

No Ac. deste STA Proc. nº 048349 de 09/01/2002 também se diz que “… só um grau de culpa relativamente elevado sustentarão a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo.”

O Ac. de 21.3.96, in rec. 39.678, já disse expressamente que a aplicação da perda de mandato só se justifica relativamente a quem, “tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções não observou as regras de isenção e desinteresse (a imparcialidade) e de independência exigíveis a quem deve estar ao serviço do bem comum”, a quem “violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso” (Ac. TC 25/92) …”.

Recentemente, no acórdão deste STA 69/19.4BEMDL de 05/21/2020 diz-se:

“(...) E é tendo em conta a gravidade da sanção e das suas consequências que a jurisprudência tem afirmado que, excetuados os casos em que o dolo é legalmente exigível na configuração da infracção, a perda do mandato só pode ser decretada quando o fundamento legal que a justifica for imputável a título de culpa grave e não mera culpa ou simples negligência no cumprimento de um dever ou duma obrigação legal.

Tudo, porque, como já se referiu, a perda de mandato de alguém que foi democraticamente eleito só deve ser decretada quando houver uma relação de adequação e proporcionalidade entre a falta cometida e a sanção visto que, se assim não for, será de questionar a constitucionalidade das normas que permitam declarações de perda de mandato fundadas em lapsos mínimos e, portanto, destituídas de razoabilidade (Acórdão de 20/12/2007 (rec. 908/07).

Deste modo, e muito embora seja certo que a perda de mandato pode ser decretada sem que haja dolo na conduta do agente também o é que a aplicação dessa sanção só encontra justificação quando "a atuação mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira). Na verdade, atendendo: (i) à natureza sancionatória da medida da perda de mandato, (ii) à intrínseca gravidade desta medida, equivalente às penas disciplinares expulsivas, com potencialidade destrutiva de uma carreira política, iii) a que a conduta dos titulares de cargos políticos eletivos é periodicamente apreciada pelo universo dos respectivos eleitores, há que concluir que a aplicação de tal medida só se justifica a quem tendo sido eleito membro de um órgão de uma autarquia local, no exercício das respectivas funções «violou os deveres do cargo em termos tais que o seu afastamento se tornou imperioso» (cfr. Acórdão STA de 21/03/96).

Violaria o princípio da proporcionalidade das medidas sancionatórias que restrinjam direitos políticos aplicar uma tal sanção a incumprimentos veniais» (Acórdão de 11/03/99, rec. 44.576).

E, porque assim é, entende-se que, nos casos de violação da norma que proíbe ao autarca de intervir em procedimento onde possa obter vantagem patrimonial, essa violação só é determinante da perda do mandato quando se mostre que ele tinha interesse direto, pessoal e relevante nessa intervenção e que esse interesse o impedia de atuar de forma rigorosa, isenta e imparcial na defesa do interesse público posto a seu cargo, acrescentando-se que essa intervenção tem de estar associada a culpa grave visto que “só um grau de culpa relativamente elevado sustentará a suspeição ou a reprovabilidade social da conduta, de tal modo que tornem o visado indigno do cargo” - (Acórdão de 9/01/2002, rec. 48.349).”

A aqui recorrente foi eleita para a Assembleia de Freguesia ………, por sufrágio universal e direto, realizado no dia 1 de outubro de 2017, pela coligação partidária Confiança em representação do partido político denominado Juntos Pelo Povo (alíneas D) e E) da matéria de facto).

E desde 24 de outubro de 2017 exerce funções de …… da Assembleia de Freguesia ………...

Sendo que, em 22 de novembro de 2019, no decurso do seu mandato como …… da Assembleia de Freguesia …….., filiou-se no Partido Socialista (alínea H) da matéria de facto).

Será que, só por si, a atuação da aqui recorrente, revela culpa grave, negligência grosseira, suscetível de conduzir à perda de mandato?

Como se refere na decisão recorrida JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira in CRP anotada Vol. lI, edição 2010, Anotação ao art. 160° CRP, pp 283-284 dizem que:

«IV - Sendo os deputados eleitos necessariamente através da lista apresentada por um partido político, mas não tendo de estar nele inscritos (art 151°), compreende-se que a Constituição não exija a existência ou persistência de uma vinculação formal entre o deputado e o partido que o apresentou como candidato. Com efeito, de acordo com o n°1, c), o deputado que abandona ou é expulso do partido por que foi eleito não perde o mandato, se e enquanto não se inscrever noutro partido.

A A lógica constitucional é simples: o deputado pode desligar-se do partido por que foi eleito (ou manter-se independente, no caso de não estar inscrito nele), mas não pode transferir-se para outro, ou seja, não pode inscrever-se em partido diverso daquele pelo qual forem apresentados a sufrágio. (‘al. c). A Constituição, portanto, não exige fidelidade partidária, mas não consente que um deputado que entre em conflito ou em ruptura com o partido por que foi eleito vá reforçar qualquer outra formação partidária, tendo de permanecer como deputado independente. Por identidade de razão, também não poderá integrar-se em nenhum grupo parlamentar o deputado que, sem deixar o partido, abandonar o do partido por que foi eleito.

Também não perdem o mandato os deputados em caso de dissolução do partido cujas listas se candidataram. Mas também nesse caso ficam necessariamente na situação de deputados independentes, não podendo igualmente inscrever-se em partido diferente (cfr. LO n° 2/2003, de 22-08, arls. 17º e 18°)».

E, como também se disse recentemente no Ac. deste STA de 7/10/2021 em situação perfeitamente idêntica:

“(...) Porém, à factualidade provada, no caso concreto, inexistem quaisquer circunstâncias que afastem a previsão normativa constante do art° 8°, n° 1, al. c) da UPA.

Aliás não restam dúvidas que se impõe um juízo de censura relativamente à conduta da recorrente, uma vez que, não podia desconhecer que a sua conduta era proibida por lei, sendo-lhe exigível que tivesse agido de modo diferente, designadamente, tendo em atenção as funções públicas em que estava investida.

Com efeito, tem de se considerar verificada a culpa quando, a recorrente, sabendo que se tinha candidatado para as eleições autárquicas em 2017, como integrando uma Coligação de Partidos, na qualidade de militante de um desses partidos da Coligação [Juntos pelo Povo], e tendo sido eleita e participado em sessões da Assembleia Municipal, se vem a filiar em 2019, num outro partido [sendo indiferente para o caso, que este outro partido (PS), também fizesse parte da Coligação Confiança, uma vez que o sufrágio popular se realizou em função da Coligação e não de qualquer partido considerado de forma independente].

Por outro lado, quando participou na sessão ordinária de 28.02.2020 e na extraordinária de 30.12.2020, a recorrente já não pertencia à coligação pela qual fora eleita, mas sim ao Partido Socialista, ou seja, agiu representando uma coligação, quando já não o podia fazer, por já se encontrar filiada noutra força política.

Ao alterar esta filiação partidária, após o sufrágio eleitoral, que a elegeu, é manifesto que se terá de considerar que agiu com culpa, nos termos exigidos no n° 1 do art° 10° da Lei 27/96, pois não se vislumbra nos autos qualquer situação fáctica que permita concluir pela incapacidade da recorrente de tomar decisões e fazer opções, nem que tenha sido coagida nesta mudança, ou tenha mudado de filiação por qualquer outro motivo, que não tenha sido a sua expressa vontade, manifestada de forma livre e consciente, bem sabendo ao participar nas sessões em causa que não tinha sido eleita pelo Partido Socialista.

E nem o facto alegado em sede de contestação, no sentido de que o Partido Juntos pelo Povo, abandonou o grupo municipal e a coligação Confiança em Outubro de 2018, tendo permitido aos seus eleitores continuarem a ocupar os seus lugares na Assembleia Municipal, lhe retira a carga subjetiva e intencional do elemento culpa, que não se traduz numa mera negligência ou mera culpa, uma vez que a mesma bem sabia que não fora eleita pelo partido em que mais tarde se veio a filiar (...)

Acresce assim que o juízo de reprovabilidade pessoal da conduta da recorrente não é afastado pela ignorância ou má interpretação da lei, pelo que também carece de fundamento a alegação de que cabia ao Ministério Público alegar factos concretos em conformidade com o art° 5° do CPC e art° 342°, n° 1 do Código Civil donde resultasse a culpa e gravidade do comportamento da recorrente e correlativamente ser aberta a fase de instrução e de prova (art° 90°, n° 3 do CPTA).

Ao invés, cabia à recorrente nos termos do art° 10º da Lei da Tutela Administrativa a alegação e prova das causas justificativas e exclupativas como excludentes da aplicação da sanção, o que no casu não sucedeu.

Por outro lado, a norma contida na al. c), do n° 1, do art° 8° da LTA destina-se a assegurar a transparência do processo eleitoral que deve ser mantida ao longo dos respetivos mandatos, tanto mais, que no caso em apreço a militância partidária tem efeitos ao nível das vagas ocorridas nos órgãos autárquicos, conforme resulta do n° 1 do art° 79° da Lei n° 169/99 de 18.09 [define o regime jurídico do funcionamento dos órgãos dos municípios e das freguesias, assim como as respectivas competências “As vagas ocorridas nos órgãos autárquicos são preenchidas pelo cidadão imediatamente a seguir na ordem da respectiva lista ou, tratando-se de coligação, pelo cidadão imediatamente a seguir no partido pelo qual havia sido proposto o membro que deu origem à vaga.

Assim, o facto de a recorrente passar a ser militante de um partido que integra a mesma Coligação através da qual foi eleita, não permite afastar a sanção prevista na al. e) do n° 1 do art° 8° da LTA.

Inexiste, assim, o apontado erro de julgamento ao acórdão recorrido, bem como a violação de qualquer princípio constitucional, máxime, a violação de direitos de defesa em processo jurisdicional alegados pela recorrente nesta sede recursiva [art. 2°, 18°, 32°, 266° e 268°, n°4 da CRP].”

Por manifesta concordância com o supra exposto e atendendo a que, nomeadamente, a aqui recorrente é uma deputada municipal sobre quem impende um ónus legal de, atendendo às funções públicas que exerce, se informar acerca da legislação que regula, limita e baliza a sua atividade autárquica.

Pelo que, tinha um especial dever/obrigação de saber que não podia filiar-se em partido diverso daquele em que se apresentou a sufrágio eleitoral, podendo, isso sim, permanecer como independente se entendeu sair do partido com base no qual foi eleita.

Temos, pois, de concluir que agiu com culpa preenchendo-se a previsão do art. 8º nº1 al. e) da LTA e sem que resulte dos autos factualidade suscetível de integrar a previsão do art. 10º da referida LTA.

4. A partir do momento em que, e como supra se referiu, está sempre presente na perda de mandato e nomeadamente no artigo 8.º, n.º 1, alínea c), da Lei da Tutela Administrativa uma atuação que mereça um forte juízo de censura (culpa grave ou negligência grosseira) não se coloca a questão da inconstitucional por violação do direito de defesa em processo sancionatório, do direito à tutela jurisdicional efetiva e do princípio da presunção da inocência, constantes dos artigos 2.º 32.º, n.º 2 e 10, 2.º, n.º 1 e 4, e 268.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa por falta de exigência desse grau de culpa.

A questão é que se entendeu que existia a referida culpa com o grau de censurabilidade suscetível de perda de mandato.

Não ocorreu, pois, qualquer violação do Princípio da Proporcionalidade da medida sancionatória e, como tal, os artigos 18.º, n.º 2, e 3, e 266.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa.


*

Em face de todo o exposto acordam os juízes deste STA em negar provimento ao recurso e manter a decisão recorrida.

Lisboa, 21 de Outubro de 2021. – Ana Paula Soares Leite Martins Portela (relatora) – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha – José Augusto Araújo Veloso.