Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01212/17
Data do Acordão:02/21/2018
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:OPOSIÇÃO DE JULGADOS
MESMA QUESTÃO DE DIREITO
Sumário:I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
II - Se do confronto dos acórdãos não resulta verificada a divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, deve o mesmo ser julgado findo, por falta de um dos pressupostos desse recurso de oposição de julgados, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT.
Nº Convencional:JSTA000P22939
Nº do Documento:SAP2018022101212
Data de Entrada:11/08/2017
Recorrente:A............, LDA
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo por oposição de acórdãos

1. RELATÓRIO

1.1 A sociedade denominada “A…………, Lda.” (adiante Recorrente) veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido nestes autos em 13 de Julho de 2016 (fls. 182 a 187) e reformado por acórdão de 25 de Maio de 2017 (fls. 283 a 286) da Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, invocando oposição com o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 1680/15 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/c1cbc88c5b69488380257f4e0041213b.).

1.2 Admitido o recurso, o Desembargador que no Tribunal Central Administrativo Sul relatou o acórdão recorrido, em face das alegações produzidas ao abrigo do disposto no art. 284.º, n.º 3, do CPPT, entendeu verificada a oposição de acórdãos e ordenou a notificação das partes para alegaram nos termos do n.º 5 do mesmo artigo.

1.3 A Recorrente apresentou alegações sobre o mérito do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor (Porque usamos o itálico nas transcrições, os excertos que estavam em itálico no original surgirão, aqui como adiante, em tipo normal.):

«1) Após pedido de reforma, o TCA Sul veio modificar a matéria de facto fixando a data de entrada da impugnação judicial a 14.12.2017, ao contrário do estabelecido anteriormente que era 15.12.2010.

2) A recorrente considera existir oposição entre o acórdão proferido nos presentes autos e o acórdão do STA deliberado por unanimidade em 20.01.2016 (Proc. n.º 1680/15), em que votou a Sra. Juíza Conselheira Ana Paula Lobo como Relator e os Srs. Juízes Conselheiros Casimiro Gonçalves e Ascensão Lopes.

3) Com efeito, perante uma situação fáctica substancialmente idêntica, estando em causa o mesmo regime jurídico aplicável, a solução e a consequência jurídicas encontradas foram distintas.

4) Encontra-se em causa o regime instituído no n.º 4 do art. 40.º do CPPT, em conjugação com o estabelecido no art. 38.º e art. 39.º do CPPT e, bem assim, com o regime disposto no art. 254.º do CPC à data por remissão do art. 2.º do CPPT.

5) O Tribunal a quo, bem como TCA no seu acórdão agora em causa, considerou que “o documento que comprova o facto da notificação da decisão é o aviso de recepção da correspondência transmitindo tal decisão e, esse documento, sem lugar a dúvidas foi assinado a 26 de Novembro de 2010”.

6) Porém, esse entendimento, tendo em conta que está em causa “notificação aos mandatários”, impondo o n.º 4 do art. 40.º do CPPT que “as notificações sejam feitas por carta ou avisos registados”, não é acompanhado pela jurisprudência do STA, designadamente no acórdão do STA de 20.01.2016 ora em oposição, cujo entendimento vai no sentido de que o notificando, ora mandatário constituído, deve beneficiar sempre da presunção do 3.º dia posterior ao registo uma vez que a lei impõe a forma de notificação por “carta registada” e não outra, não podendo a Fazenda Pública retirar qualquer consequência desfavorável pelo facto de ter usado “aviso de recepção”, forma essa que não está legalmente prevista no regime da notificação ao mandatário.

7) A recorrente discorda dos argumentos de facto e de direito invocados pelo Tribunal a quo e exposto no acórdão do TCA.

8) Com efeito, entende a recorrente que a Fazenda Pública não cumpriu a forma imposta no n.º 3 do art. 40.º e que, além disso, tendo adoptado uma forma não prevista na lei, não podia retirar as consequências do regime estabelecido no n.º 3 do art. 39.º do CPPT, em conjugação com o n.º 1 do art. 38.º do CPPT.

9) Tratando-se de regime especial de notificação aos mandatários, a Fazenda Pública e o Tribunal estavam impedidos de ilidir, por si só, a presunção da notificação efectuada no 3.º dia posterior ao do registo, conforme o disposto no n.º 2 do art. 39.º do CPPT, em conjugação com o n.º 3 do art. 254.º do CPC, por remissão do art. 2.º do CPPT.

10) Entendimento esse que é seguido no acórdão do STA ora invocado e que a recorrente acolhe.

11) A recorrente apresentou o seu articulado tempestivamente, devendo a decisão ser revogada em conformidade por verificar erro de julgamento.

12) Estranhamente, não existe nos autos um “aviso registado” para poder determinar o termo inicial do prazo e assim poder questionar a tempestividade, facto esse que incumbia à Fazenda Pública que não logrou provar.

13) No entanto, tendo em conta a informação dos CTT nos autos que fixou o registo de envio a 25.11.2010, ao beneficiar da presunção dos três dias, a recorrente só podia ser considerada notificada a 29.11.2010 (2.ªf), tendo até 14.12.2010 para deduzir impugnação judicial, o que a recorrente cumpriu fazendo por meios electrónicos nos termos legais.

14) Pelo exposto, encontram-se violados os n.ºs 1 e 3 do art. 40.º do CPPT, n.º 1 do art. 38.º, n.º 1 e n.º 2 do art. 39.º do CPPT, e bem assim, por remissão do art. 2.º do CPPT, o disposto no art. 254.º do CPC à data dos factos.

Termos em que deve ser concedido provimento ao presente recurso, sendo a decisão recorrida revogada e determinada a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para que se conheça dos fundamentos da impugnação judicial deduzida».

1.4 A Fazenda Pública não contra-alegou.

1.5 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que o Supremo Tribunal Administrativo «não deve conhecer do objecto do recurso». Isto, depois de enunciar os termos do recurso e elencar os requisitos legais do recurso por oposição de acórdãos, com a seguinte fundamentação:

«[…] Apreciação do caso concreto:
As questões jurídicas apreciadas nos acórdãos em confronto são distintas:

-Acórdão recorrido
Foi apreciada a questão da caducidade do direito de acção (impugnação judicial), no quadro fáctico-normativo de uma notificação ao mandatário judicial da impugnante, por carta registada com aviso de recepção, da decisão de indeferimento de reclamação graciosa, tendo por objecto liquidação de Imposto Municipal de Sisa.

-Acórdão fundamento
Foi apreciada a questão da determinação da data relevante da notificação ao mandatário judicial, para o exercício do direito de reclamação contra acto praticado pelo OEF (indeferimento de pedido de anulação de venda de fracção autónoma, efectuada em processo de execução fiscal), quando aquela é efectuada por carta registada com aviso de recepção, assinado em data anterior à que resulta da presunção legal de notificação: (terceiro dia útil posterior ao do registo: art. 40.º n.º 3 CPPT; art. 254.º n.º 3 CPC revogado).

A distinção das questões jurídicas apreciadas nos acórdãos em confronto resulta da circunstância de no acórdão recorrido não estar em causa uma dicotomia de notificações e a eleição daquela relevante para o exercício do direito, enfrentada pelo acórdão fundamento».

1.6 Colheram-se os vistos dos Conselheiros da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal.

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido efectuou o julgamento de facto nos seguintes termos:

«1) Previamente à instauração da presente impugnação a 14 [(Permitimo-nos corrigir a data, de acordo com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 25 de Maio de 2017 (cfr. fls. 283 a 286), que procedeu à reforma do acórdão que conheceu do recurso, proferido em 13 de Julho de 2016 (fls. 182 a 187).)] de Dezembro de 2010 [fls. 2 dos autos], a Impugnante havia reclamado graciosamente da liquidação de imposto Municipal de Sisa ora aqui também em causa, o que fez a 28 de Junho de 2010 [fls. 2 desse procedimento, com o n.º 1503201004005821, do Serviço de Finanças de Cascais, integrado no processo administrativo].

2) A decisão desse procedimento viria a ser tomada a 23 de Novembro de 2010, no sentido do indeferimento da reclamação [cfr. fls.74 desse procedimento], por despacho que lhe foi notificado pelo seguro do Correio e sob aviso, a 26 desse mês, na pessoa do seu Ilustre Mandatário [fls.84 (aviso de recepção) desse procedimento], tendo sido frustrada a notificação, pela mesma via, da própria, por não ter ido reclamar à Estação dos Correios a correspondência registada que lhe foi remetida, depois de ninguém ter atendido, na sua sede, o carteiro [fls. 80, 81 e 82 desse procedimento (a correspondência em causa, com a menção aposta de “não atendeu às 13h36m de 26 de Novembro de 2010”- e com remessa à remetente Administração Tributária em 9 de Dezembro de 2010].”».

2.1.2 O acórdão fundamento considerou a seguinte factualidade (Porque o texto foi retirado da base de dados do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, I.P., os trechos que permitiriam a identificação dos contribuintes envolvidos encontra-se substituídos por reticências.):

«a. Em 12.01.2011, foi instaurado contra B…………, no Serviço de Finanças de Setúbal-2, o processo de execução fiscal n.º 3530201101002520 por dívidas de IRS e respectivos juros compensatórios do ano de 2007, no montante de € 17.916,87 (cfr. fls. 1 - 1v. do processo de execução fiscal apenso);

b. Em 21.03.2011, foi registada a penhora sobre a fracção autónoma designada pela letra “D”, do prédio sito na Rua ………, n.º …, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ………, concelho de Setúbal, sob o artigo n.º 1074 (cfr. fls. 21v. do processo apenso);

c. Em 21.05.2013 foi a ora Reclamante citada como credora com garantia real para reclamar créditos (cfr. fls. 30 - 30v. do processo apenso);

d. Em 06.06.2013, a aqui Reclamante reclamou os seus créditos, juntando procuração designando a sua mandatária (cfr. fls. 66 - 70 do processo apenso);

e. Em 19.06.2013, a Chefe do Serviço de Finanças de Setúbal-2 proferiu despacho no qual determinou proceder à venda do imóvel penhorado, referido na alínea b) supra, fixando o valor base da mesma, assim como as respectivas modalidades (cfr. fls. 33 - 33v. do processo apenso);

f. Em 24.06.2013, foi a ora Reclamante notificada pessoalmente do despacho referido na alínea anterior (cfr. fls. 37v. - 38 do processo apenso);

g. Em 25.09.2013, o bem foi adjudicado à proposta apresentada por C…………, pelo valor de € 25.172,88 (cfr. fls. 42 do processo apenso);

h. Em 28.10.2013, a mandatária da ora Reclamante foi notificada, nos termos do art. 245.º, n.º 2, do CPPT, da decisão de verificação e graduação de créditos e respectiva liquidação (cfr. fls. 71v. do processo apenso);

i. Em 08.11.2013, a Reclamante apresentou pedido de anulação de venda (cfr. carimbo do correio a fls. 56 e fls. 55 a 62 do processo apenso);

j. Por despacho da Directora de Finanças de Setúbal, datado de 31.01.2014, o pedido de anulação de venda referido na alínea anterior foi indeferido, com base na sua extemporaneidade e por falta de fundamento (cfr. fls. 148 - 153v. do processo apenso);

k. Em 14.02.2014, a Reclamante foi notificada, na pessoa da sua mandatária, do despacho de indeferimento referido na alínea anterior, enviado por correio registado com data de emissão de 13.02.2014 (cfr. confissão - artigo 32.º da petição inicial; fls. 154 e Aviso de Recepção assinado, de fls. l54 v. do processo apenso);

l. Com data de registo de 26.02.2014, deu entrada na Direcção de Finanças de Setúbal a presente reclamação (cfr. informação de fls. 57 dos autos);

m. Por ofício da Unidade Orgânica 2 deste Tribunal, datado de 16.04.2014, e com cópia do despacho de fls. 75 dos autos, foi a Reclamante notificada para, no prazo de 10 dias, pagar multa de 0,5 UC, acrescida de 25%, nos termos do disposto nos n.ºs 5 e 6 do art. 139.º do CPC, sob pena de não se considerar válido o acto processual extemporaneamente praticado (cfr. fls. 75 - 76 dos autos);

n. A Reclamante foi notificada do ofício referido na alínea anterior em 17.04.2014, conforme informação da página dos CTT de fls. 137 dos autos.

o. A Reclamante não procedeu ao pagamento da multa referida em n) supra (cfr. fls. 78 dos autos)».

2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

Pretende a Recorrente a uniformização da jurisprudência relativamente a uma alegada questão fundamental de direito, que diz que tem a ver com «o regime instituído no n.º 4 [(Apesar de a Recorrente reiteradamente se referir ao n.º 4.º do art. 40.º do CPPT, pensamos que se trata de um lapso de escrita, tanto mais que o art. 40.º deste Código não tem n.º 4: a Recorrente pretenderá dizer n.º 3 onde escreveu n.º 4.)] do art. 40.º do CPPT, em conjugação com o estabelecido no art. 38.º e art. 39.º do CPPT e, bem assim, com o regime disposto no art. 254.º do CPC à data por remissão do art. 2.º do CPPT».
Se bem alcançamos o teor da motivação do recurso, a Recorrente entende que os acórdãos em confronto terão decidido em sentido divergente a questão de saber se o facto de a notificação ter sido efectuada ao mandatário por carta registada com aviso de recepção, quando a lei apenas impunha como formalidade desse acto a carta registada, implica que a notificação deva considerar-se efectuada da data da assinatura do aviso de recepção ou, pelo contrário, se deve fazer funcionar a presunção estabelecida pelo n.º 3 do art. 254.º do Código de Processo Civil (CPC), na sua redacção anterior (Ou seja, na versão do Código de Processo Civil anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 36/2013, de 12 de Agosto. ), norma que dispõe que a notificação dos mandatários, quando efectuada por carta registada, se presume feita no 3.º dia posterior ao do registo ou no 1.º dia útil seguinte a esse, quando o não seja.
Segundo a Recorrente, para efeitos de considerar efectuada a notificação, enquanto no acórdão recorrido se considerou como data relevante a da assinatura do aviso de recepção, no acórdão fundamento entendeu-se que apenas podia relevar a data presumida com base na data do registo postal.
Apesar de o Desembargador que relatou o acórdão recorrido ter proferido despacho (de fls. 293 a 298), ao abrigo do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT (No sentido de que o relator a que alude o n.º 5 do art. 284.º do CPPT é o do tribunal recorrido vide, por todos, os seguintes acórdãos da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, sendo o segundo do Pleno da Secção:
- de 19 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n.º 26.769, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6e16c69322ac2f6e80256cde0037eb95;
- de 29 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 1234/03, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b0b6ac6dfb8ee12e80256de9004cc7ae.), em que considera existir a alegada oposição de acórdãos, importa verificar se a mesma ocorre (Neste sentido JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume IV, nota 15 c) ao art. 284.º do CPPT, pág. 482.), pois essa decisão não faz caso julgado e não impede ou desobriga o Tribunal ad quem de a reapreciar, em conformidade com o disposto no art. 641.º, n.º 5 («A decisão que admita o recurso, fixe a sua espécie e determine o efeito que lhe compete não vincula o tribunal superior nem pode ser impugnada pelas partes, salvo na situação prevista no n.º 3 do artigo 306.º».) do CPC.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO POR OPOSIÇÃO DE ACÓRDÃOS

2.2.2.1 Ao presente processo é aplicável o regime legal resultante do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) de 2002, nos termos dos arts. 2.º, n.º 1, e 4.º, n.º 2, da Lei n.º 13/2002 de 19 de Fevereiro, na redacção que lhe foi conferida pela Lei n.º 107-D/2003 de 31 de Dezembro.
Assim, a admissibilidade dos recursos por oposição de acórdãos, tendo em conta o regime previsto nos arts. 27.º, alínea b) do ETAF, 284.º do CPPT e 152.º do CPTA, depende de (i) existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e (ii) a decisão impugnada não estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes dito pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base a diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

2.2.2.2 Começaremos por apreciar se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios, já que a sua inexistência obstará, lógica e necessariamente, ao conhecimento do mérito do recurso.
Vejamos o que os dois acórdãos em confronto decidiram.

2.2.2.2.1 O acórdão recorrido, negando provimento ao recurso interposto pela Impugnante (e ora Recorrente), confirmou a sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou caducado o direito de impugnar por considerar que à data em que foi apresentada a petição inicial (que a sentença situou em 15 de Dezembro de 2010, mas o acórdão recorrido, após reforma, corrigiu para 14 de Dezembro de 2010) estava já esgotado o prazo de 15 dias para deduzir impugnação judicial [cfr. art. 102.º, n.º 2, do CPPT, ulteriormente revogado pela alínea d) do art. 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de Dezembro], a contar da data em que foi notificado à Impugnante, na pessoa do seu mandatário, o indeferimento da reclamação graciosa. Isto porque considerou que a notificação ocorreu em 26 de Novembro de 2010, data em que foi assinado o aviso de recepção, e o termo do prazo ocorreria em 11 de Dezembro seguinte, sábado, motivo por que, nos termos da alínea e) do art. 279.º do Código Civil, se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, ou seja, 13 de Dezembro de 2010.
Essa questão – da caducidade do direito de impugnar – foi suscitada pelo Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa, mediante excepção arguida na contestação. Em resposta à mesma, a Impugnante invocou que a notificação (leia-se, a carta remetida pela AT para notificação) da decisão de indeferimento da reclamação graciosa lhe foi entregue pelos serviços postais, não em 26 de Novembro de 2010, data aposta junto da assinatura do aviso de recepção, mas no dia 29 de Novembro de 2010, data que consta como sendo a da entrega no sítio da Internet do serviço postal. Alega que «[t]erá existido certamente erro», referindo-se, ao que tudo leva a crer, à data que foi aposta no aviso de recepção junto à assinatura de quem recebeu a correspondência.
Já em sede de alegações pré-sentenciais, a Fazenda Pública manteve que a data da notificação é a da assinatura do aviso de recepção, enquanto a Impugnante, salientando a discrepância entre a data aposta no aviso de recepção e a informação que consta dos registos informáticos dos CTT, sustentou que «não se encontra suficientemente justificado para que se possa dar como provado que a notificação chegou ao conhecimento da impugnante em data anterior a 29.11.2010», que é a referida naquela informação.
A sentença tratou exaustivamente a questão, designadamente quanto ao valor probatório de um e outro elemento (ou seja, do aviso de recepção e respectiva assinatura versus a informação constante dos registos informáticos dos CTT), para concluir que a data a considerar é a que consta do aviso de recepção.
Em sede de recurso, a Impugnante contrariou essa conclusão: a seu ver, «[e]xigia-se a especificação da notificação com indicação de elementos de facto que traduzissem a perfeição, designadamente indicando [a] data do aviso registado e juntando o registo correspondente» e a AT não fez prova, como lhe competia, de que o conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa ocorreu em 26 de Novembro de 2010, porque não juntou aos autos o «“aviso registado” de envio», como se lhe impunha; mais alegou que, na dúvida quanto à data de recebimento da notificação, esta deve ser resolvida contra a AT, sobre quem recai o ónus de demonstrar a data do “conhecimento efectivo da notificação”, nos termos do art. 74.º da Lei Geral Tributária.
No acórdão, tal como na sentença, a questão da caducidade foi tratada em torno da data em que deve considerar-se efectuada a notificação exclusivamente em função da divergência entre o que consta do aviso de recepção e a informação constante do site dos CTT. A esse propósito, na parte respeitante à fundamentação de facto, ficou dito no acórdão, referindo-se ao ofício para notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa: «[…] trata-se do ofício n.º 108983, de 25.11.2010 (fls. 83 do p.a.), dirigido ao mandatário da sociedade recorrente (com procuração nos autos de reclamação graciosa – fls. 14 do p.a.), para o endereço profissional do mesmo, tal como consta da procuração, informando que a impugnação administrativa em causa foi objecto do despacho de indeferimento datado de 23.11.2010. O aviso de recepção associado ao ofício em apreço foi assinado por ............ em 26.11.2010 – fls. 84 do p.a.
Mais se refere que o aviso de recepção em apreço corresponde ao registo postal n.º RM666168246PT e que o mesmo foi recebido pelo destinatário em 26.11.2010, conforme informação dos CTT – fls. 63 e 90.
Ao considerar a data referida como a data da notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em apreço, a sentença recorrida não enferma do erro que lhe é assacado.
Em face do exposto, impõe-se julgar improcedente o presente esteio do recurso».
Mais adiante, na parte que se refere à fundamentação de direito, o acórdão deixou dito:
«A recorrente defende que a sentença incorreu em erro quanto ao cômputo do prazo de caducidade da acção.
O artigo 102.º, n.º 2, do CPPT, estabelece que «Em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação». Por seu turno, o artigo 40.º, n.º 1, do CPPT, estatui que «As notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório. (…)// 3. As notificações serão feitas por carta ou aviso registado, dirigidos para o domicílio ou escritório dos notificandos, podendo estes ser notificados pelo funcionário competente quando encontrados no edifício do serviço ou tribunal».
Dos elementos coligidos nos autos resulta que a carta de notificação referida em 1. foi recebida pelo seu destinatário, o mandatário da recorrente, em 26.10.2010. Em face dos normativos citados, o prazo de caducidade terminava em 13.12.2010. A petição inicial deu entrada em 15.12.2010 [ulteriormente, o acórdão foi reformado, passando a referir-se como data da entrada da petição inicial o dia 14 de Dezembro de 2010]. Donde resulta que a mesma mostra-se extemporânea. Pelo que o direito de acção em apreço deve ser considerado caduco.
Ao julgar no sentido referido, a sentença recorrida não enferma do invocado erro de julgamento, pelo que deve ser confirmada na ordem jurídica».

2.2.2.2.2 No acórdão fundamento decidiu-se o recurso, interposto por uma credora com garantia real sobre o bem imóvel penhorado e vendido em sede de execução fiscal, da sentença que julgou improcedente a reclamação deduzida contra o indeferimento pelo órgão da execução fiscal do pedido de anulação de venda, com fundamento em caducidade do direito de acção.
Na sentença aí recorrida considerou-se como data relevante para o início do prazo para reclamar aquela em que se mostra assinado o aviso de recepção respeitante à carta remetida ao mandatário judicial da Reclamante em ordem a notificá-lo.
Insurgiu-se a Reclamante contra esse entendimento mediante recurso interposto para o Supremo Tribunal Administrativo. Sustentou, na motivação desse recurso, que, tendo presente que, nos termos do n.º 1 do art. 254.º do CPC na sua anterior redacção, «[o]s mandatários são notificados por carta registada, dirigida para o seu escritório ou para o domicílio escolhido», a única data relevante é a que resulta da presunção consagrada no n.º 3 do mesmo artigo, que dispõe: «A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja»; que essa presunção só pode ser ilidida pelo notificado, mediante a prova de que a carta não lhe foi entregue ou que o foi em data posterior à presumida por razões que não lhe sejam imputáveis, e já não pela Fazenda Pública. Assim, considerou que a sentença incorreu em erro de julgamento ao relevar como data da notificação aquela em que foi assinado o aviso de recepção, erro de que resulta que a notificação e, consequentemente, o termo inicial do prazo para reclamar teriam ocorrido em data anterior à que resulta da referida presunção do n.º 3 do art. 254.º do CPC.
O acórdão fundamento deu provimento ao recurso. Nos termos do respectivo sumário, considerou que «[q]uando a notificação ao mandatário seja efectuada por carta registada com aviso de recepção, não assume qualquer relevo jurídico a data de assinatura do aviso, desde que anterior à data que resulta da presunção de notificação estabelecida no art. 254.º, n.º 3, do antigo Código de Processo Civil» e que «A presunção estabelecida no n.º 3 apenas pode ser ilidida pelo mandatário notificado, se não for notificado ou for notificado mais tarde do que a data que resulta da presunção».
Em consequência desse entendimento, o Supremo Tribunal Administrativo revogou a sentença, que julgara verificada a caducidade do direito de reclamar, e ordenou que os autos regressassem à 1.ª instância, para aí prosseguirem os seus termos.

2.2.2.2.3 Do confronto entre os arestos em confronto resulta que apenas naquele que ora vem invocado como fundamento do recurso foi suscitada, tratada e resolvida a questão de saber se nas situações em que a notificação ao mandatário judicial tenha sido efectuada por carta registada com aviso de recepção, quando a lei apenas exige como formalidade a carta registada, se pode considerar como data da notificação aquela em que foi assinado o aviso de recepção, quando anterior à que resulta da presunção consagrada no n.º 3 do art. 254.º do CPC, na sua versão anterior à actual.
No acórdão recorrido, tal como na sentença que foi objecto do recurso por ele decidido, nunca se abordou a questão de saber se a notificação era a efectuar por carta registada simples ou por carta registada com aviso de recepção e, muito menos, a questão de saber se, tendo sido utilizada, em excesso de formalidade sobre a carta registada, o aviso de recepção, a data em que este foi assinado pode valer contra a data presumida nos termos do n.º 3 do art. 254.º do CPC.
Concluímos, pois, que entre os acórdãos ora em confronto não se verifica divergência relativamente à mesma questão fundamental de direito, designadamente no que se refere à relevância que na notificação efectuada na pessoa do mandatário judicial possa, ou não, assumir a data de assinatura do aviso de recepção (aviso que a lei não impõe), quando anterior à data que resulta da presunção de notificação estabelecida no art. 254.º, n.º 3, do CPC velho.
Poderá argumentar-se que o acórdão recorrido tem subjacente o entendimento de que essa data releva, pois foi a data da assinatura do aviso de recepção que foi considerada para efeitos de fixação do termo inicial do prazo para impugnar. No entanto, não foi questão nele expressamente tratada e decidida e, como acima (em 2.2.2.1) deixámos dito, só a contradição entre decisões expressas, e já não entre uma decisão expressa e uma decisão implícita, podem justificar e fundamentar o recurso por oposição de acórdãos.
Tudo visto, concluímos que, no caso presente e no contexto factual e jurídico acima referenciado, não existe oposição de julgados, na medida em que não se verifica a alegada divergência de soluções quanto à mesma questão de direito. Ora essa divergência seria imprescindível para a prossecução do presente recurso que, reiteramos, visa essencialmente garantir a uniformidade da interpretação e da aplicação do direito e não permitir mais um grau de recurso.
O recurso será, pois, julgado findo por falta dos pressupostos do recurso de oposição de julgados, atento o disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - Atento o disposto no art. 27.º, alínea b) do ETAF, no art. 284.º do CPPT e no art. 152.º do CPTA, o recurso por oposição de acórdãos interposto em processo judicial tributário instaurado após 1 de Janeiro de 2004 (data da entrada em vigor do ETAF de 2002) depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos legais: que se verifique contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.

II - Se do confronto dos acórdãos não resulta verificada a divergência de soluções quanto à mesma questão de direito, deve o mesmo ser julgado findo, por falta de um dos pressupostos desse recurso de oposição de julgados, nos termos do disposto no n.º 5 do art. 284.º do CPPT.


* * *

3. DECISÃO

Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em pleno, em julgar findo o recurso.

Custas pela Recorrente.
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2018. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) - Pedro Manuel Dias Delgado – Ana Paula da Fonseca Lobo – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia – António José Pimpão - Dulce Manuel da Conceição Neto – José da Ascensão Nunes Lopes.