Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0425/06.8BEPRT
Data do Acordão:02/03/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:NULIDADE
DESPACHO
RECURSO
Sumário:I - A arguição da nulidade mediante reclamação (para o próprio tribunal onde a mesma ocorreu) só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se o estiver, logra aplicação a doutrina que se encontra resumida no brocardo dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
II - Assim, o despacho judicial que ordenou a notificação do arguido para proceder ao pagamento da taxa de justiça deve ser atacado mediante recurso.
III - Tendo o arguido optado por arguir a nulidade desse despacho perante o próprio juiz que o proferiu, não pode, depois, indirecta e enviesadamente, pretender atacá-lo mediante a interposição de recurso do despacho que indeferiu a arguição da nulidade.
Nº Convencional:JSTA000P27107
Nº do Documento:SA2202102030425/06
Data de Entrada:12/14/2020
Recorrente:A.......
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional do despacho que indeferiu arguição de nulidade, proferido no processo de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima com o n.º 425/06.8BEPRT

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente (adiante também denominada Arguida) interpôs recurso para o Tribunal Central Administrativo Norte do despacho por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu a arguição de nulidade do despacho que, em ordem à decisão do recurso de impugnação judicial da decisão de aplicação de coima por despacho – nos termos do art. 64.º, n.º 2, do Regime Geral das Contra-Ordenações (RGCO), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, aplicável ex vi da alínea b) do art. 3.º do Regime Geral das Infracção Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho –, ordenou a sua notificação para cumprir o disposto no n.º 8 do art. 8 do Regulamento das Custas Processuais (RCP), ou seja, para proceder à autoliquidação e pagamento da taxa de justiça.

1.2 Apresentou para o efeito alegações, com o seguinte quadro conclusivo:

«1.ª- Contudo, com todo o respeito (que é muito), conforme infra se expõe, a Arguida não pode concordar com o decidido no despacho de que ora se recorre.

2.ª- Em 2006, vigorava o Código das Custas Processuais (DL n.º 224-A/96, de 26 de Novembro). E estava em vigor o n.º 2, do artigo 93.° do Regime Geral das Contra-ordenações (DL n.º 433/82, de 27 de Outubro), com a seguinte redacção:
Está também isenta de taxa de justiça a impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas.

3.ª- Portanto, em 2006 – data da prática do acto (ou seja, da constituição da obrigação tributária) – a impugnação judicial, apresentada pela Arguida, estava, objectiva e automaticamente, isenta de taxa de justiça.

4.ª- Sendo que a taxa de justiça é um tributo que, conforme resulta do n.º 3, do artigo 103.º da Constituição da República Portuguesa, não pode ser cobrado retroactivamente.

5.ª- Acresce que, sendo a taxa de justiça devida pelo impulso processual realizado pela parte, não seria aceitável que se viesse a tributar a Arguida, aplicando-se uma lei que entrou em vigor em 01/09/2013, quando o impulso processual ocorreu em 2006.

6.ª- Até porque (mesmo que fosse aplicável o Regulamento das Custas Processuais, o que se coloca por mera hipótese de Direito), após 01/09/2013, a Arguida não praticou qualquer ato de impulso processual.

7.ª- Sendo que, também de acordo com o previsto nas alíneas a) e f), do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 86/2018, de 29 de Outubro (consagradoras do princípio constitucional da não retroactividade da legislação fiscal) a Arguida não deve ser agora obrigada a proceder ao pagamento de uma taxa de justiça.

8.ª- Devendo assim o despacho de que ora se recorre ser anulado/revogado, por ilegal, e substituído por decisão que considere procedente a nulidade invocada pela Arguida, considerando esta isenta de taxa de justiça, ou, subsidiariamente, que considere procedente a nulidade invocada pela Arguida e considere que a taxa de justiça é devida apenas a final».

1.3 O Magistrado do Ministério Público no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto respondeu à alegação da Recorrente, concluindo nos seguintes termos:

«1- Nos termos do art. 8.º n.º 7 do R.C.P. é devida taxa de justiça pela impugnação das decisões de autoridades administrativas no âmbito de processos de contra-ordenacionais quando a coima não tenha sido previamente liquidada.

2- Nos termos do n.º 8 da norma legal citada, a taxa de justiça é autoliquidada nos dez dias subsequentes à notificação ao arguido da data de marcação da audiência de julgamento ou do despacho que a considere desnecessária, devendo ser expressamente indicado ao arguido o prazo o prazo e os modos de pagamento da mesma.

3- De facto, na data de apresentação do recurso, a recorrente beneficiava de isenção de taxa de justiça pela impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas – art. 93.º, n.º 2, do citado diploma legal.

4- Essa isenção deixou de vigor com a aplicação do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro que no seu art. 1.º, n.º 1, é claro ao determinar que todos os processos estão sujeitos a custas nos termos fixados pelo Regulamento.

5- Por sua vez, o art. 25.º, n.º 1, do DL 34/2008 de 26 de Fevereiro revogou todas as isenções de custas previstas em qualquer Lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas que não estivessem previstas nesse DL.

6- Todavia, o seu art. 27.º, n.º 1, fazia aplicar o R.C.P. apenas aos processos iniciados a partir da sua entrada em vigor, que ocorreu em 20 de Abril de 2009.

7- Ora, só em 13 de Maio de 2019 é proferido o despacho nos termos do art. 8.º n.º 8 do R.C.P. por o recurso de contra-ordenação ter estado suspenso entre as datas referidas.

8- Nessa data, a recorrente já não beneficiava de qualquer isenção de custas por força do R.C.P. e do diploma que o publicou, entretanto alterado pela Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro e pelo DL 126/2013 de 30 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013.

9- Logo, desde esta data, a recorrente deixou de beneficiar de isenção de taxa de justiça pela impugnação de decisão proferida por entidade administrativa.

10- Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso e confirmada a decisão recorrida».

1.4 A Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto admitiu o recurso, para subir em separado e imediatamente.

1.5 O Tribunal Central Administrativo Norte declarou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do recurso, indicando como tribunal competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo, ao qual ordenou fossem remetidos os autos.

1.6 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer no sentido de que o recurso merece provimento, com a seguinte fundamentação: «[…]

De facto, na data de apresentação do recurso, a Recorrente beneficiava de isenção de taxa de justiça pela impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativas – art. 93.º n.º 2 do citado diploma legal.
No entanto, tal isenção deixou de vigor com a aplicação do Regulamento das Custas Processuais aprovado pelo DL 34/2008 de 26 de Fevereiro.
O seu art. 1.º n.º 1 é claro ao determinar que todos os processos estão sujeitos a custas nos termos fixados pelo Regulamento.
Por sua vez, o art. 25.º n.º 1 do DL 34/2008 de 26 de Fevereiro revogou todas as isenções de custas previstas em qualquer Lei, regulamento ou portaria e conferidas a quaisquer entidades públicas ou privadas que não estivessem previstas nesse DL.
O seu art. 27.º n.º 1 fazia aplicar o R.C.P. apenas aos processos iniciados a partir da sua entrada em vigor, que ocorreu em 20 de Abril de 2009.
Ora, só em 13 de Maio de 2019 é proferido o despacho nos termos do art. 8.º n.º 8 do R.C.P. por o recurso de contra-ordenação ter estado suspenso entre as datas referidas.
Consequentemente, nessa data, a Recorrente já não beneficiava de qualquer isenção de custas por força do R.C.P. e do diploma que o publicou, entretanto alterado pela Lei 7/2012 de 13 de Fevereiro e pelo DL 126/2013 de 30 e Agosto, que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013.
No entanto:
Apesar de já ter sido designada audiência de julgamento, que se encontrava suspensa, a Mmª Juíza [do Tribunal] a quo proferiu despacho, datado de 13 de Maio de 2019, no qual entendeu decidir o recurso mediante simples despacho.
Só que a Recorrente, por requerimento datado de 30 de Maio de 2019, se opôs à decisão por simples despacho (cf. fls. 263 a 266, do SITAF).
Pelo que, face à oposição tempestivamente manifestada pela arguida, está o Tribunal a quo impedido de decidir por simples despacho [cfr. artigo 64.º, n.º 2 do RGCO].
Consequentemente, salvo o devido respeito por melhor opinião, há que proceder à continuação da audiência de julgamento, iniciada a 7 de Outubro de 2009,
Não havendo lugar ao pagamento da taxa de justiça, uma vez que, como referimos supra naquela data estava isenta de tal taxa a impugnação judicial de qualquer decisão das autoridades administrativa.
Consequentemente, entendemos que o recurso merece provimento».

1.7 Cumpre apreciar e decidir.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

Com interesse para a decisão a proferir, há que ter presente o seguinte circunstancialismo processual:

a) por decisão do Director da Alfândega do Freixieiro, de 13 de Dezembro de 2015, foi aplicada à Arguida (ora Recorrente) uma coima de € 2.000, por violação do disposto na alínea c) do art. 2.º do Decreto-Lei n.º 417/88, de 22 de Dezembro, o que integra a contra-ordenação prevista e punida pela alínea c) do n.º 4 do art. 108.º do RGIT, por se ter verificado que declarou às autoridades aduaneiras o seu regresso definitivo a Portugal em 30 de Junho de 2004 e, em verificação a posteriori, se ter concluído que esse regresso ocorreu em finais de 2003;

b) a Arguida apresentou recurso judicial da decisão em 17 de Janeiro de 2006;

c) por despacho da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, proferido em 12 de Junho de 2009, foi designado o dia 7 de Outubro de 2009 para a realização da audiência de julgamento;

d) a audiência de julgamento foi aberta n data designada para o efeito e, no decorrer da mesma, foi proferido despacho do seguinte teor:
«Atentos os factos invocados, a não oposição do D.M.M.P. e do Recorrido, susto o presente Recurso contra-ordenacional até que seja proferida decisão com trânsito em julgado na acção administrativa especial dos autos 2462/05.0BEPRT.
[…]»;

e) a referida acção foi instaurada pela Arguida contra o despacho do Director da Alfândega do Freixieiro que, com fundamento no comportamento descrito em a), revogou o deferimento do pedido de benefício fiscal, indeferiu esse pedido e ordenou a liquidação das imposições legais consideradas devidas;

f) por ofício junto ao autos em 20 de Fevereiro de 2019, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela comunicou ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto o trânsito em julgado da sentença que julgou improcedente a acção administrativa especial com o n.º 2462/05.0BEPRT;

g) em 13 de Maio de 2019, a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto proferiu despacho do seguinte teor:
«Nos termos do disposto no art. 64.º n.º 2 do DL 433/82 de 27 de Outubro (RGCO), com as alterações sucessivas que lhe foram introduzidas, ex vi art. 3.º b) do RGIT, aprovado pela Lei 15/01 de 5 de Junho, decidirei o recurso interposto por simples despacho, salvo fundamentada oposição.
Para esse efeito, notifique os arguidos/recorrentes e o RFP.

*
Assim, deverá a Recorrente cumprir o disposto no artigo 8.º, n.º 8 do Regulamento das Custas Processuais.
Notifique»;

h) em cumprimento desse despacho, em 17 de Maio de 2019, a Arguida foi notificada, para além do mais, «para, caso a coima não tenha sido previamente liquidada [leia-se paga], no prazo de 10 dias, liquidar a taxa de justiça no montante de uma unidade de conta – 102,00 € – nos termos dos n.º 7 e n.º 8 do artigo 8.º do Regulamento de Custas Processuais, juntando-se para o efeito a respectiva guia»;

i) por requerimento entrado em juízo em 29 de Maio de 2019, a Arguida veio opor-se à decisão do recurso por despacho e arguir a «nulidade da notificação para pagamento de taxa de justiça penal», argumentando que «a arguida, atento a aplicação da lei no tempo, não tem que proceder ao pagamento nos termos do artigo 8.º, n.º 8, do Regulamento das Custas Processuais, porquanto tal regime não é aplicável a este processo pendente (cfr. art. 27.º do DL n.º34/2008, de 26 de Fevereiro)» e concluindo que «cumpre arguir a nulidade do despacho em apreço na parte onde ordena a notificação para a Recorrente cumprir o disposto no artigo 8.º, n.º 8, do RCP, regime em anexo ao do DL n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, bem como a nulidade da emissão da referida guia de pagamento», terminado com o pedido de que se reconheça e declare a arguida nulidade, «com as legais consequências»;

j) a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu o requerido por despacho de 1 de Julho de 2019;

l) notificada desse despacho, veio a Arguida dele interpor recurso por requerimento apresentado em juízo em 3 de Setembro de 2019;

m) por despacho de 1 de Outubro de 2019 da Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, esse recurso foi admitido, para subir imediatamente, em separado e com efeito suspensivo.


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A questão suscitada no presente recurso encontra-se claramente delimitada por todos os intervenientes processuais e respeita à exigência da autoliquidação e pagamento de taxa de justiça pela Arguida no processo de impugnação judicial da decisão de aplicação de coima, quer porque quando foi instaurada a impugnação judicial da decisão de aplicação da coima, em 2006, a lei em vigor não previa o pagamento de taxa de justiça pelo arguido nesse processo, quer porque a aplicação do disposto nos n.ºs 7 e 8 do art. 8.º do RCP ao recurso judicial se traduziria numa aplicação retroactiva de lei tributária, quer porque o pagamento dessa taxa só poderia ter lugar caso o recurso judicial pudesse ser decidido por despacho, o que não é possível, atenta a oposição da Arguida, antes devendo prosseguir a audiência de julgamento, que foi aberta em 7 de Outubro de 2009.
No entanto, prévia e oficiosamente, há que indagar da recorribilidade da decisão de que foi interposto o presente recurso. É o que faremos de seguida.

2.2.2 DO MODO DE ATACAR AS DECISÕES JUDICIAIS

No caso sub judice, a autoliquidação e pagamento da taxa de justiça foi ordenada pela Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto no mesmo despacho por que se propôs, ao abrigo do disposto no art. 64.º, n.º 1, do RGGO, subsidiariamente aplicável em sede de contra-ordenação tributária [cf. art. 3.º, alínea b), do RGIT], decidir a impugnação judicial da decisão que aplicou a coima por simples despacho, ao invés de decidir mediante audiência de julgamento
Assim, pretendendo a Arguida reagir contra a exigência do pagamento de taxa de justiça e vê-la reapreciada por um tribunal de hierarquia superior, deveria tê-lo feito, dentro do prazo legal para o efeito, mediante a interposição de recurso do despacho judicial que a determinou, podendo aí, em sede de recurso, arguir nulidades.
Não foi essa a via que a Arguida escolheu, mas a da arguição da nulidade, mediante reclamação apresentada perante a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que a indeferiu. Essa opção quanto ao modo de reagir contra o despacho que ordenou o pagamento da taxa de justiça, veda-lhe, agora, a possibilidade de, ainda que indirecta ou enviesadamente, mediante recurso do despacho que indeferiu a arguição da nulidade, atacar aquele primeiro despacho, que deve considerar-se transitado em julgado, por falta de oportuna interposição de recurso [cf. art. 74.º, n.º 1, do RGCO, aplicável ex vi do art. 3.º, alínea b), do RGIT].
Como é sabido, a arguição da nulidade só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se o estiver, logra aplicação a doutrina que se encontra resumida no brocardo dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.
Diz ALBERTO DOS REIS: «É postulado tradicional, que o próprio Supremo tem várias vezes proclamado: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se [...]. A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (artigo 677.º) e não por meio de arguição de nulidade do processo» (Código de Processo Civil Anotado, vol. V, reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pág. 424.). No mesmo sentido, também MANUEL DE ANDRADE afirma: «[...] se a nulidade está coberta por uma decisão judicial (despacho), que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente, a deduzir (interpor) e tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se» (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1993, pág. 183). Ainda no mesmo sentido, pronuncia-se também ANTUNES VARELA (Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, págs. 378/379.).
Ou seja, não tendo a Arguida lançado oportunamente mão do meio processual próprio para ver reapreciado por tribunal de hierarquia superior a decisão judicial que lhe impôs o pagamento da taxa de justiça – o recurso jurisdicional –, essa decisão transitou em julgado e não pode agora ser revogada ou modificada através do recurso do despacho que indeferiu a arguição da nulidade dessa decisão.
No fundo, embora o recurso venha interposto do despacho que indeferiu a arguição de nulidade, tem por objecto o anterior despacho por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto ordenou o pagamento da taxa de justiça, que há muito transitara em julgado, por dele não ter sido interposto recurso.
Concluímos, pois, que o despacho por que a Juíza do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto indeferiu a arguição de nulidade do despacho que determinou o pagamento da taxa de justiça não é recorrível (Vide, no Código de Processo Civil, o disposto no art. 630.º, n.º 2: «Não é admissível recurso […] das decisões proferidas sobre as nulidades previstas no n.º 1 do artigo 195.º […], salvo se contenderem com os princípios da igualdade ou do contraditório, com a aquisição processual de factos ou com a admissibilidade de meios probatórios».) com fundamento na ilegalidade dessa determinação.
O facto de o Tribunal a quo ter admitido o recurso em nada vincula este Supremo Tribunal.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - A arguição da nulidade mediante reclamação (para o próprio tribunal onde a mesma ocorreu) só é admissível quando a infracção processual não está ao abrigo de qualquer despacho judicial; se o estiver, logra aplicação a doutrina que se encontra resumida no brocardo dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.

II - Assim, o despacho judicial que ordenou a notificação do arguido para proceder ao pagamento da taxa de justiça deve ser atacado mediante recurso.

III - Tendo o arguido optado por arguir a nulidade desse despacho perante o próprio juiz que o proferiu, não pode, depois, indirecta e enviesadamente, pretender atacá-lo mediante a interposição de recurso do despacho que indeferiu a arguição da nulidade.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em não admitir o recurso.

Custas pela Recorrente.

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Lisboa, 3 de Fevereiro de 2021. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Paulo José Rodrigues Antunes.