Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01437/18.4BEPRT
Data do Acordão:12/16/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:RECURSO
CONTRA-ORDENAÇÃO
REGULARIZAÇÃO
SITUAÇÃO TRIBUTÁRIA
RGIT
Sumário:I - No caso de ocorrer impossibilidade objectiva de regularização da falta cometida com efeitos úteis, a mesma não deve ser impeditiva de a arguida proceder ao pagamento voluntário da coima nos outros números do artº 75 do RGIT, uma vez que isso representaria uma penalização automática à margem da sua própria vontade subjectiva e para uma situação não prevista nos termos legais supra citados.
II - Ocorre uma impossibilidade objectiva na situação em que a arguida retirou a mercadoria do armazém de exportação sem autorização aduaneira e transportou-a para exportação sem a ter manifestado no voo respectivo, mas logo depois participou o facto à alfândega e apresentou as provas de saída da mercadoria do território aduaneiro da União, o que levou a autoridade aduaneira a considerar a exportação certificada.
Nº Convencional:JSTA000P26947
Nº do Documento:SA22020121601437/18
Data de Entrada:07/06/2020
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A....................... NV/SA (SUCURSAL)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1 – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional pela Representante da Fazenda Pública, visando a revogação da sentença de 27-05-2019, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente o recurso intentado por A………… NV/SA (Sucursal), melhor sinalizada nos autos, da decisão de fixação de coima, proferida pelo Director da Alfândega do Aeroporto do Porto, nos processos de contra-ordenação n.ºs 020-0051-18, 020-0052-18, 020-0053-18, 020-0054-18, 020-0055-18, 020-0056-18, 020-0057-18, 020-0059-18 e 020-0062-18 e fixou a coima em €1.800, por violação do artº 59º, parágrafo único, conjugado com o artº 116º do Regulamento das Alfândegas.

Irresignada, nas suas alegações, formulou a recorrente Representante da Fazenda Pública as seguintes conclusões:

I. O legislador do RGIT foi expresso na sua exigência quanto aos requisitos para aplicação dos regimes de exceção de redução, pagamento antecipado e voluntário da coima, designadamente na imposição da regularização da situação tributária em todos eles.
II. A AT deve estrita obediência ao Princípio da Legalidade, não podendo fora dos casos expressa e legalmente excecionados, conceder um benefício, uma vantagem, fixando condições diversas ou desconsiderando as exigidas pela lei. Pelo que;
III. Não regulando expressamente o RGIT a situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, por via do seu desprezo enquanto requisito para efeito dos institutos de redução de coima, de pagamento antecipado e voluntário, consignados nos artigos 30.º, 75.º e 78.º, todos do dito diploma, não caberá à AT fazê-lo, pois não está legalmente habilitada para o efeito.
IV. No RGIT, benefícios de pagamento da coima reduzida (artigo 29.º do RGIT) e do pagamento antecipado da coima (art. 75.º do RGIT), operam antes que tenha sido efetuada qualquer análise do mérito e da determinação da medida da coima em sede de Decisão Final, a qual só ocorre caso não estejam cumpridas as condições da operacionalidade daquelas normas.
V. Na situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, ocorrerá a preclusão do direito do arguido, no processo de contraordenação aduaneira, a beneficiar do pagamento antecipado (art.º 75.º do RGIT) e do pagamento voluntário (art.º 78.º do RGIT), resultando tal preclusão do facto de essa regularização consubstanciar (também) pressuposto do exercício daqueles direitos.
VI. Com efeito, à luz do disposto no artigo 75.º, n.º 3 e no artigo 78.º n.º 4, ambos do RGIT, a aludida regularização da situação tributária constitui condição legal ao pagamento antecipado e ao pagamento voluntário da coima fixada.
VII. Pelo que a douta Sentença, ao interpretar o artigo 75.º do RGIT, nomeadamente os seus n.ºs 1 e 3, no sentido que basta que o arguido pague no prazo para a defesa a coima reduzida devida pela prática da infração simples para que, atendendo à impossibilidade de regularização tributária, esse pagamento antecipado não fique dependente dessa condição e seja impeditivo da Administração fixar coima em Decisão Final, errou na aplicação do Direito.
VIII. Nas contraordenações aduaneiras é frequente que a infração não possa, como nos casos dos autos, ser regularizada no sentido previsto no art.º 30.º do RGIT, o que constitui uma legítima opção legislativa de dar um tratamento diversificado às contraordenações aduaneiras atenta a sua específica natureza jurídica.
IX. Sendo condição do pagamento antecipado da coima previsto no art.º 75.º do RGIT, a regularização da situação tributária (n.º 3) e consubstanciando-se esta no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração (art.º 30.º n.º 3 do RGIT), há que concluir que se a infração não pode ser regularizada nos termos do RGIT, não pode o infractor beneficiar dos regimes de redução (art.º 29.º, art.º 75.º e artigo 78.º) que o RGIT prevê.
X. Não é, pois, admissível a extinção da responsabilidade contra-ordenacional (art.º 61.º al. c) através do pagamento antecipado da coima, tal como vem previsto no artigo 75.º do RGIT, em caso de não regularização da situação tributária, porquanto o n.º 3 da norma prevê que se o arguido não proceder à regularização da situação tributária, o processo prosseguirá para fixação da coima e cobrança da diferença.
Nestes termos e nos melhores de direito, e com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente recurso ser julgado procedente, mantendo-se a Decisão Final recorrida, com as devidas consequências legais, assim se fazendo JUSTIÇA

Houve contra-alegações em que o recorrido A………… NV/SA (Sucursal), conclui da seguinte forma:

1. A sentença recorrida faz uma apreciação ajustada dos preceitos e dos princípios aplicáveis ao pagamento antecipado de coima, quando refere que não é pelo facto de a Recorrida não ter regularizado a sua situação tributária que lhe deve ser negado o direito a pagar antecipadamente as coimas fixadas.
2. A doutrina dominante, tal como se viu, acolhe esta mesma posição, dizendo que em casos como este que aqui nos detém deverá ser concedida aos infratores a possibilidade de pagar antecipadamente a coima sem que tal esteja condicionado por uma sua anterior regularização da situação tributária.
3. A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo já se debruçou sobre a questão aqui em apreço, constituindo entendimento pacífico que apenas nos casos em que o arguido/infrator não tenha regularizado deliberadamente a sua situação tributária é que se justificará uma supressão do seu direito em aceder aos regimes de redução de coima.
4. Nesses termos padece, efetivamente, a decisão final que fixou uma coima à Recorrida no valor de € 1.800,00, de vício de violação de lei, visto que colide com a interpretação acertada que deve ser feita do art. 75.º do RGIT.
5. A isto acresce o facto de o art. 61.º al. c) do RGIT referir que o procedimento contraordenacional se extingue nos casos em que o infrator procede ao pagamento voluntário das coimas.
6. Tendo a Recorrida procedido ao pagamento antecipado e voluntário das coimas que lhe foram notificadas por via dos despachos de acusação, devem considerar-se extintos e arquivados os processo de contraordenação respetivos.
Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o Recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente, mantendo-se em vigor, consequentemente, a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, com as devidas consequências legais.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no seguinte sentido:

“I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da decisão, por simples despacho, proferida pelo TAF do Porto, que julgou procedente o recurso interposto pela arguida da decisão de aplicação de coima, com base na sua ilegalidade, por violação do disposto no artigo 75º do RGIT, e determinou a extinção dos processos de contraordenação (apensos), na sequência do pagamento antecipado da coima.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por considerar ter sido feita uma errónea interpretação e aplicação da lei, já que no seu entendimento o pagamento antecipado da coima pelo mínimo, ao abrigo do disposto no artigo 75º do RGIT, só se mostra relevante se for regularizada a situação tributária e no caso concreto tal desiderato mostra-se impossível, como o próprio tribunal reconheceu.
E termina pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por decisão que julgue o recurso da arguida improcedente.
II. FUNDAMENTAÇAO DE FACTO E DE DIREITO DA DECISÃO.
1. Na decisão recorrida deu-se como assente que foram instaurados diversos processos de contraordenação contra a arguida e aqui recorrida, relativamente aos quais foi proferida decisão de aplicação de coima notificada à arguida em 26/03/2018 e da qual foi interposto recurso pela arguida.
2. Para se decidir pela procedência do recurso, a Mma. Juíza “a quo” considerou que a impossibilidade de regularização da situação tributária não obstava a que a arguida beneficiasse do pagamento antecipado da coima e da consequente extinção dos processos, invocando em suporte de tal entendimento os comentários de Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos (no RGIT anotado) e a jurisprudência do acórdão do STA de 23/01/2019, proferido no processo nº 578/18.2BEPRT.
III. Análise do Recurso.
A questão que vem suscitada pela Recorrente consiste em saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do disposto no artigo 75º do RGIT.
1. Questão PRÉVIA.
Como se alcança da decisão recorrida, a Mma. Juíza “a quo” não fixou qualquer facto relevante na decisão recorrida que permita apreciar e analisar qual a infração imputada à arguida e em que circunstâncias a mesma foi cometida, assim como os termos em que foi efetuado o pagamento antecipado da coima, de modo a permitir se há ou não lugar à regularização da situação tributária e em que termos e se aquele pagamento antecipado é legalmente admissível.
A Mma. Juíza “a quo” alheou-se completamente da sua primacial função, como tribunal de 1ª instância, em fixar os factos relevantes em ordem a aplicar o direito aos mesmos, como emerge do disposto no nº4 do artigo 607º do CPC (uma vez que os factos fixados são meramente circunstanciais e conexos com a tramitação processual e não com o objeto do processo).
Afigura-se-nos, assim, que a decisão recorrida padece de manifesta insuficiência da matéria de facto, que inviabiliza a apreciação da questão que vem colocada a este tribunal, motivo pelo qual se impõe a sua revogação e a baixa dos autos para ampliação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 682º, nº3, do CPC (por aplicação subsidiária).”
*

Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.

*

2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

A). Foram instaurados na Alfândega do Aeroporto do Porto os processos contra-ordenacionais nºs 020-0051-18, 020-0052-18, 020-0053-18, 020-0054-18, 020-0055-18, 020-0056-18, 020-0057-18, 020-0059-18 e 020-0062-18, cfr. teor de fls. 1 a 184 dos presentes autos.
B). Em 20-03-2018 foi proferida decisão de fixação da coima, que foi notificada à Recorrente em 26-03-2018, com o seguinte teor, cfr. fls. 17 a 20 dos autos:
C). O presente Recurso foi apresentado na Alfândega do Aeroporto do Porto em 20-04-2018, cfr. teor de fls. 89 dos autos.
*

2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, pelo que, no caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pela recorrente, a questão que cumpre decidir subsume-se a saber se a decisão vertida na sentença a qual julgou procedente a impugnação, padece de erro de julgamento, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 75º do RGIT, tendo em conta que a condição para o pagamento antecipado da coima pelo mínimo é a regularização da situação tributária mas, uma vez que no caso concreto tal não se mostra possível, não pode o infractor beneficiar dos regimes de redução que o RGIT prevê, não sendo, como tal, admissível a extinção da responsabilidade contra-ordenacional.
Esta questão já foi tratada em inúmeros arestos de que se destaca o recente acórdão deste STA de 28/10/2020, tirado por esta mesma formação no Processo nº713/19.3BEPRT em que a contra-ordenação e a arguida eram as mesmas pelo que, por uma questão de coerência e uniformidade se traslada a respectiva fundamentação jurídica:
“(…)
Como emerge do antecedente quadro conclusivo, controverte a recorrente FP que na situação de impossibilidade de regularização da situação tributária, no caso de contra-ordenações aduaneiras, decorrerá a preclusão do direito da arguida no processo de contra-ordenação, ao pagamento voluntário (art.º 78.º do RGIT) e que tal preclusão resulta do facto de essa regularização consubstanciar igualmente um pressuposto do exercício daquele direito, havendo a sentença recorrida, sustentando o entendimento de que o que se retira do n.º 4 do art.º 78.º do RGIT “é que o direito ao pagamento voluntário fica sujeito à condição da regularização da situação tributária, mas sempre que tal seja possível. Não sendo possível, como é o caso dos autos, a única conclusão que se poderá extrair é que no caso dos autos o pagamento voluntário não ficou dependente de qualquer condição (atendendo à impossibilidade de regularização) sendo perfeitamente válido e tendo a Arguida direito a esse pagamento.”
Nessa linha de entendimento, veio a sentença a concluir que enferma de ilegalidade a decisão que aplicou a coima, na parte em que considerou ter precludido o direito da arguida ao pagamento voluntário da coima nos termos do artigo 78º do RGIT, considerando que a regularização da situação não é realizável em face da impossibilidade de manifestar uma mercadoria já transportada.
Quid juris?
Patenteia o probatório que a arguida retirou a mercadoria do armazém de exportação sem autorização aduaneira e transportou-a para exportação sem a ter manifestado no voo respectivo.
Mais se provou que logo depois participou o facto à alfândega e apresentou as provas de saída da mercadoria do território aduaneiro da União, o que levou a autoridade aduaneira a considerar a exportação certificada.
Ainda com relevo para a decisão, provou-se que montante da mercadoria em causa documentalmente facturado ascende a €10.501,00.
A questão que se coloca radica, pois, em saber se na sentença se incorreu em erro ao julgar-se que a arguida podia beneficiar do regime previsto no nº 1 do art.º 75º numa situação em que não era objectivamente possível proceder à regularização da situação tributária, já que não são, nem nunca foram, discutidos os requisitos previstos no nº 2 do art.º 75º - como seja o valor da prestação tributária ou o valor da mercadoria.
Em acórdão versando uma situação substancialmente idêntica à agora litigada, em que está em causa aferir da possibilidade do pagamento antecipado nos termos do artigo 75º do RGIT, já se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo, além de outros, no Acórdãos prolatado em 29-05-2019, no proc. 1918/18, publicado em www.dgsi.pt, de que foi relatora a Exmª Juíza Conselheira Dulce Neto, e cuja fundamentação e com a devida vénia se excerta:
“(…)
O artigo 75º do RGIT dispõe o seguinte:
Antecipação do pagamento da coima
1 - Tratando-se de contra ordenação simples, o arguido que pagar a coima no prazo para a defesa beneficia, por efeito da antecipação do pagamento, da redução da coima para um valor igual ao mínimo legal cominado para a contraordenação e da redução a metade das custas processuais.
2 - O pagamento antecipado da coima não é aplicável às contra-ordenações aduaneiras em que o valor da prestação tributária em falta for superior a € 15.000 ou, não havendo lugar a prestação tributária, a mercadoria objecto de infracção for de valor aduaneiro superior a € 50.000 e, em qualquer caso, não afasta a aplicação das sanções acessórias previstas na lei.
3 - Caso o arguido não proceda, no prazo legal ou no prazo que seja fixado, à regularização da situação tributária, perde o direito à redução previsto no n.º 1 e o processo de contra-ordenação prossegue para fixação da coima e cobrança da diferença.
Uma leitura conjugada do nº 1 e do nº 3 do preceito leva a concluir que o direito à redução da coima fica condicionado à regularização da situação tributária. Mas visto que essa regularização se traduz no cumprimento das obrigações tributárias que deram origem à infração - em conformidade com o estatuído no art.º 30º nº 3 do RGIT - a questão que logo se coloca é a de saber se o preceito pode ser aplicado a situações em que não é objetivamente possível proceder a essa regularização, como acontece no caso, por ser impossível manifestar uma carga aérea já embarcada e entregue.
Segundo a posição adoptada por JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, na obra "Regime Geral das Infracções Tributárias", 4ª Ed., pág. 508, «Há situações em que não lugar ou não é já possível efectuar tal regularização (...). Nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no nº 3 deste art.º 75º, e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado.».
E foi essa a posição acolhida na sentença e que ditou a procedência do recurso, tendo-se acrescentado que «seria de todo injusto impedir a Recorrente de beneficiar do pagamento voluntário quando foi a própria que informou a Alfândega do Aeroporto do Porto da irregularidade cometida e a Alfândega a notificá-la para proceder ao pagamento nos moldes previstos no art.º 75º do RGIT, sendo que após ter apresentado provas de saída da mercadoria do Território Aduaneiro da União, nos termos do artigo 335º AE-CAU, as exportações que haviam sido indevidamente certificadas, foram devidamente certificadas.».
Posição que igualmente sufragamos, não só pelas razões que o Ministério Público bem evidencia nas suas contra-alegações, como pela argumentação aduzida no acórdão desta Secção de 23/01/2019, no proc. n.º 0578/18.2BEPRT, e plenamente aplicável ao caso vertente - em que a arguida transportou as mercadorias declaradas para exportação sem as ter manifestado nos voos respectivos, mas logo depois participou o facto à alfândega e apresentou as provas de saída da mercadoria do território aduaneiro da União, o que levou a autoridade aduaneira a considerar as exportações devidamente certificadas e a notificar a arguida para proceder ao pagamento da coima nos moldes previstos no art.º 75º do RGIT.
Como se deixou explicitado nesse aresto, «ocorrendo impossibilidade objectiva de regularização da falta cometida com efeitos úteis, a mesma não deve ser impeditiva de a arguida de proceder ao pagamento voluntário da coima nos termos e condições previstas nos outros números do art.º 75º do RGIT, uma vez que isso representaria uma penalização automática à margem da sua própria vontade subjectiva e para uma situação não prevista nos termos legais supra citados.
Esta parece ser a melhor interpretação que respeita e resulta dos ditames do art.º 9º do C. Civil designadamente o seu número 3 pois que não faria sentido que o legislador consagrasse um requisito que não podia ser cumprido, por impossibilidade objectiva, para daí obstar ao pagamento antecipado da coima com benefício. Aliás, nesta situação não pode ser fixado prazo para cumprimento pela Administração Aduaneira e a referência da lei desde a primeira versão do RGIT (Lei 15/2001 de 05/06) sempre nos mesmos termos "no prazo legal ou no prazo que for fixado, à regularização da situação tributária" leva-nos também a entender, que só obstam ao pagamento antecipado da coima com benefício para o arguido, aquelas situações em que existe prazo legal ou este é fixado pela Administração Aduaneira através de notificação e mesmo assim a arguida não regulariza a sua situação tributária não fazendo sentido que o fixasse para um caso de impossibilidade objectiva de regularização da referida situação tributária.
Ora, reitera-se, no caso dos autos não existe prazo legal ou notificação para regularização da situação tributária dada a situação objectiva e especial já supra descrita e, daí que entendamos que a limitação constante do nº 3 do artº 75º do RGIT não tenha aplicação.
Naturalmente que em apoio desta posição acolhemos também a doutrina citada pelo Sr. Procurador Geral Adjunto neste STA, no parecer supra destacado, consistente em "Como afirma Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, 4ª edição, áreas Editora, 2010, pág. 508 "há situações em que não há lugar ou não é já possível efectuar tal regularização [...] nestes casos, será de concluir pela antecipação do pagamento, sem subordinação à condição prevista no n.º 3 deste art.º 75.º e não pela exclusão do direito ao pagamento antecipado.».
Como bem denota a EPGA no seu douto Parecer, à luz da doutrina fixada nesse aresto, impõe-se concluir que a limitação estabelecida no nº 4 do artigo 78º do RGIT (“Se o arguido, até à decisão, não regularizar a situação tributária, perde o direito à redução a que se refere o n.º 1…”) não tem aplicação, nos presentes autos, face à situação objectiva e especial que resulta da matéria fáctica dada como provada e, não obstante a Recorrente alegue tratar-se de uma contra-ordenação grave, o certo é que, independentemente de nada alegar sobre a demonstração de tal asserção, dúvidas não subsistem de que o artigo 78º do RGIT, contrariamente ao que sucede com o artigo 75º do mesmo diploma, não faz depender o pagamento voluntário da coima da gravidade da contra-ordenação.
De assinalar, tal como foi decidido pela sentença recorrida e secundado pelo Ministério Público, que a anulação do segmento da decisão que aplicou a coima na parte em que refere que a Recorrente não tem direito ao pagamento voluntário da coima com a redução prevista no artº 78º do RGIT, não contende com a parte em que tal decisão aplicou a coima porquanto advém da conjugação do teor dos artigos 76º e 78º do RGIT que só depois de fixada a coima é que ocorre a notificação do arguido para a pagar voluntariamente no prazo de 15 dias, com sua redução para 75% do montante fixado, não podendo, porém, a coima a pagar ser inferior ao montante mínimo respectivo, e sem prejuízo das custas processuais, de acordo com o nº1 do preceito referido.
Do antedito, e sem necessidade de outras considerações, concluímos que por a sentença não merecer qualquer censura, é de negar provimento ao recurso.”
Aqui e pelos fundamentos expostos, a decisão não pode deixar de ser a mesma.

*
*
3. – Decisão:

Termos em que acordam os juízes do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Sem custas.
*
Lisboa, 16 de Dezembro de 2020. - José Gomes Correia (relator) – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro.