Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0278/17.0BECTB 0800/18
Data do Acordão:09/21/2018
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:COSTA REIS
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P23635
Nº do Documento:SA1201809210278/17
Data de Entrada:09/03/2018
Recorrente:MUNICÍPIO DE PONTE DE SOR
Recorrido 1:A............, LDA E OUTRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO STA:

I. RELATÓRIO

A………… LDª intentou, no TAF de Castelo Branco, contra o Município de Ponte de Sor, acção de contencioso pré contratual onde formulou os seguintes pedidos:
1) Que seja declarada nula ou anulada a decisão de adjudicação proferida pela câmara municipal da entidade demandada no âmbito do procedimento de concurso público com a ref. A-8/2017-2, para execução de fornecimento e prestação de serviços de “musealização do núcleo de arqueologia industrial do centro de artes e cultura de Ponte de Sor”, a favor da contra-interessada B…………, L.dª;
2) Que seja anulado o contrato público que, entretanto, tinha sido celebrado, no seguimento daquela decisão de adjudicação, entre a entidade demandada e a contra-interessada B………… e C…………, e, bem assim, dos efeitos de tal contrato;
3) A condenação da entidade demandada no proferimento de nova decisão de apreciação das propostas, determinando a exclusão das propostas apresentadas pelas contrainteressadas B………… e C…………, e, em consequência, a adjudicação do contrato à autora.”

Indicou como contra-interessadas B…………, L.dª e C………….

O TAF julgou a acção improcedente.

E o TCA Sul, para onde a Autora apelou, concedeu provimento ao recurso.

É desse Acórdão que a A………… vem recorrer (artigo 150.º/1 do CPTA).

II. MATÉRIA DE FACTO
Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete.

III. O DIREITO
1. As decisões proferidas pelos TCA em segundo grau de jurisdição não são, por via de regra, susceptíveis de recurso ordinário. Regra que sofre a excepção prevista no art.º 150.º/1 do CPTA onde se lê que daquelas decisões pode haver, «excepcionalmente», recurso de revista para o STA «quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental» ou «quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». O que significa que este recurso foi previsto como «válvula de segurança do sistema» para funcionar em situações excepcionais em que haja necessidade, pelas apontadas razões, de reponderar as decisões do TCA em segundo grau de jurisdição.
Deste modo, a pretensão manifestada pelo Recorrente só poderá ser acolhida se da análise dos termos em que o recurso vem interposto resultar que a questão nele colocada, pela sua relevância jurídica ou social, se reveste de importância fundamental ou que a sua admissão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
Vejamos, pois, se tais requisitos se verificam in casu socorrendo-nos da matéria de facto seleccionada no Acórdão recorrido.

2. A Autora intentou, contra o Município de Ponte de Sor, acção de contencioso pré contratual pedindo a anulação do acto de adjudicação a favor da B…………, L.dª, proferido no concurso público para execução de fornecimento e prestação de serviços de musealização do núcleo de arqueologia industrial do Centro de Artes e Cultura daquela localidade, bem como do contrato se este, entretanto, tiver sido celebrado e a adjudicação do contrato à Autora.
O Tribunal de 1.ª instância julgou a acção improcedente por entender que, muito embora tenham ocorrido irregularidades na assinatura dos documentos anexos à proposta do concorrente vencedor - concretamente os mesmos não foram assinados com recurso a assinatura electrónica qualificada antes do respectivo carregamento no portal, como deveriam por força do disposto no n.º 4 do artigo 68.º da Lei n.º 96/2015 – certo era que essas irregularidades deveriam considerar-se sanadas dado a assinatura que deveria ter sido aposta antes do carregamento ter sido, entretanto associada a esses documentos.
O Acórdão recorrido revogou essa decisão pelas razões que o mesmo sumariou do seguinte modo:
“i. Carecem de ser assinados electronicamente, conjuntamente com a proposta, os documentos que a constituem, através de certificados de assinatura electrónica qualificada, utilizados aquando da submissão na plataforma electrónica, com recurso às aplicações informáticas disponibilizadas, garantindo essa assinatura as três funções a ela associadas: de identificação, de finalização e de inalterabilidade.
ii. Não se verificando, no caso, a hipótese prevista no nº 5 do artigo 68.º da Lei nº 96/2015, de 17 de Agosto - possibilidade de os ficheiros das propostas serem carregados de forma progressiva na plataforma electrónica, desde que encriptados, permitindo a permanente alteração dos documentos até ao momento da submissão - aplica-se a norma do seu n° 4 (conjugada com a do n° 3): “quando o interessado realizar o carregamento, na plataforma eletrónica, de um ficheiro de uma proposta, este deve estar já encriptado e assinado, com recurso a assinatura eletrónica qualificada”
iii. O carregamento do ficheiro assinado com “assinatura electrónica qualificada”, previsto naquele art. 68°, n° 4, consubstancia uma formalidade essencial insusceptível de degradação em mera irregularidade.
iv. A falta de assinatura legalmente exigida implica necessariamente a exclusão da proposta (art. 146.°, n° 2, al. l) do CCP) e a consequente anulação do contrato celebrado com fundamento na invalidade do acto de adjudicação.
v. Indiciando os autos que o contrato celebrado se encontrará, neste momento, integralmente executado, tal consubstancia uma situação de impossibilidade absoluta a que alude o art. 45.º do CPTA (e 45°, n° 1, al. a) do CPTA) e determina o convite às partes para acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias, devendo ser, na sua falta, aquele montante fixado judicialmente após promovida a competente instrução (art.ºs 45.°, n° 1, al. d), e n° 2, do CPTA).”

Tendo, em consequência, proferido a seguinte decisão:
“- Conceder provimento ao recurso e revogar a sentença recorrida; e, em substituição,
- Reconhecendo ocorrer uma situação de impossibilidade absoluta à satisfação da pretensão fundada da Autora (ora RECORRENTE), pela qual deve ser indemnizada, ordenar a baixa dos autos à primeira instância a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art. 45.°, nº 1. al. d) do CPTA, com o competente convite às partes para acordarem no montante da indemnização devida no prazo de 30 dias, seguindo-se, na falta desse acordo, os ulteriores trâmites previstos no n° 2 daquele artigo..”

3. Inconformado, o Município de Ponte Sor interpôs o presente recurso para que apreciasse a seguinte questão:
A teoria da degradação das formalidades essenciais em formalidades não essenciais (hoje convertida em regra legal – art.º 163.°, n.º 5, alínea b), do CPA) deve ser, ou não, aplicada aos casos em que os concorrentes não assinam, com recurso a certificado de assinatura eletrónica qualificada, os documentos da proposta antes do respetivo carregamento na plataforma eletrónica em que decorre o concurso (assim incumprindo o disposto no artigo 68.°, n.º 4, da Lei n.º 96/2015, de 17/08), mas o fazem já depois desse carregamento? E, em caso afirmativo, qual o resultado, nos casos descritos, do “teste” das finalidades preconizado pela aludida teoria/regra legal?”

4. Conforme resulta do antecedente relato o que está em causa nesta revista é a questão de saber se as irregularidades ocorridas na assinatura electrónica qualificada dos documentos anexos às propostas dos concorrentes podem considerar-se sanadas se, posteriormente à sua submissão na plataforma electrónica, a assinatura que deveria ter sido aposta antes do seu carregamento for associada a esses documentos. Ou seja, e dito de forma diferente, o que está em causa é saber se o incumprimento daquela formalidade pode degradar-se em formalidade não essencial e, portanto, não viciar o procedimento concursal.
A resolução dessa questão foi motivo de divergência não só nas instâncias como no Acórdão recorrido, visto este ter sido tirado com um voto de vencido.
E há que reconhecer que se trata de questão que, pela sua relevância jurídica, se reveste de importância fundamental.
Este Tribunal já decidiu que tal formalidade era essencial e que não podia degradar-se em formalidade não essencial – uma vez que “Além de a consecução do fim legal ter de estar garantido desde o momento da submissão da proposta, uma vez que é a partir desse momento que deve poder ter-se a certeza de que o recorrente se vinculou ao seu conteúdo e de que nenhum elemento desta foi modificado, está sobretudo por demonstrar que outros modos de aposição da assinatura electrónica, que não aquele que a lei imperativamente prescreve de aposição de assinatura em todos os documentos do concurso, garantam do mesmo modo, com a mesma fiabilidade e facilidade de verificação, a inalterabilidade da proposta e dos elementos que a compõem.” – Acórdão de 3/12/2015 (rec. 1028/15)
Todavia, tal jurisprudência ainda se não encontra suficientemente consolidada.
Deste modo, atenta a importância jurídica da questão, justifica-se a admissão da revista, tanto mais quanto é certo que também está em causa a aplicação do art.º 45.º do CPTA e esta não é isenta de problemas.


DECISÃO
Termos em que os Juízes que compõem este Tribunal acordam em admitir a revista.
Sem custas.
Porto, 21 de Setembro de 2018. – Costa Reis (relator) – Madeira dos Santos – São Pedro.