Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0244/11.0BELRS
Data do Acordão:02/20/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
IRS
MAIS VALIAS
VENDA DE ACÇÕES
EXCLUSÃO DE TRIBUTAÇÃO
CONTAGEM DE PRAZO
Sumário:I - O art.° 10.°, n.º 2, al. a) do CIRS, na redacção anterior à Lei 15/2010, excluía da incidência as mais-valias realizadas na transmissão de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
II - A contagem deste prazo de 12 meses deve ser efectuada de acordo com o regime do Código Civil (art. 279° al. c)), na ausência de norma específica constante do CIRS ou de outro diploma de natureza tributária, subsidiariamente aplicável.
III – A aplicação das regras hermenêuticas adequadas não pode ser impedida pela circunstância do quadro 4 do anexo G1 declaração modelo 3 (mais-valias não tributadas) não contemplar em campos próprios a indicação dos dias de aquisição e de alienação dos títulos, pois decorre das regras e princípios gerais, designadamente sobre a hierarquia das normas jurídicas, que têm de ser os “formulários” aprovados para cumprimento das obrigações declarativas dos sujeitos passivos que se têm de adequar à lei e não a interpretação das leis que se tem de adequar aos “formulários”.
Nº Convencional:JSTA000P24246
Nº do Documento:SA2201902200244/11
Data de Entrada:12/14/2018
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A...
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório -
1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira recorreu para o Tribunal Central Administrativo Sul da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa, de 17 de Outubro de 2017, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A………….., com os sinais dos autos, do despacho de indeferimento de reclamação graciosa interposta da liquidação de IRS n.º 2010 18990446, respeitante ao exercício de 2009, no montante de €38.090,36, anulando o despacho reclamado bem como as liquidações que lhe estão subjacentes na parte respeitante à transmissão das acções do BIG, no montante de €29.981,71 e respectivos juros compensatórios liquidados.
A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões:
I – Pelo elenco de razões acima arroladas, ressalve-se melhor entendimento, infere-se que a sentença proferida pelo Tribunal “ad quo” caiu em erro, porquanto os factos dados como provados devem levar, na aplicação devida das normas substantivas, a solução diversa da sentenciada e portanto conduziriam a uma decisão diferente da adoptada pelo Tribunal ad quo. Como tal, somos levados a concluir pela existência resulta de uma distorção na aplicação do direito de tal forma a que o decidido não corresponde à realidade normativa objecto de uma análise deficiente, levando a decisão recorrida a enfermar de error juris.
II – Nos presentes autos está em causa uma liquidação adicional de IRS, uma vez que não se considerou a exclusão da tributação de mais-valias em sede de IRS, porquanto as acções do BIG tinham sido adquiridas em Junho de 2008 e alienadas em 2009, não tendo ainda decorrido a detenção por prazo superior a 12 meses.
III – A Fazenda não concorda com a posição da douta sentença do Tribunal ad quo porquanto o prazo se conta em meses do calendário e não em dias, tal como a doutrina reconhece, sendo a razão pela qual o campo 4 faz referência a meses do ano.
IV – A questão decidenda é saber se a impugnante deteve por prazo superior a 12 meses as acções do BIG.
V – Para Jacob, António A., exemplifica como se conta o tempo decorrido entre a compra e a venda de acções detidas pelo seu titular durante um período igual ou inferior a 12 meses, referindo que “Certo sujeito passivo adquiriu acções em 22/12/2007 que vendeu em 26/12/2008. Neste caso deve preencher o quadro 8 do anexo G ou o quadro 4 do anexo G da declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS?” Jacob, António, A. IRS, Declaração Modelo 3 e Anexos, Relativa a Rendimentos de 2008, pp. 437
VI – O mesmo autor supra menciona que “A redacção da norma levanta a questão de saber quando é que as acções se consideram detidas durante mais de 12 meses, sendo a posição da Administração Tributária é de que os 12 meses devem ser entendidos como meses do calendário e como tal, na situação concreta em análise, a não tributação das mais-valias só se aplicaria se a aquisição das acções fossem vendidas em Dezembro tivesse ocorrido em Novembro do ano anterior, ou então essas acções fossem vendidas a partir de Janeiro de 2009. Esta posição levou mesmo a que, já há alguns anos, o campo da data do quadro 08 do anexo G deixasse de fazer referência ao dia da compra e da venda.” Jacob, António, A. IRS, Declaração Modelo 3 e Anexos, Relativa a Rendimentos de 2008, pp. 438
VII – Por fim, o mesmo autor supra, conclui que “Assim sendo, e no caso concreto, deve ser preenchido o quadro 8 do anexo G da declaração de rendimentos modelo 3 de IRS, já que a operação em causa não pode beneficiar de não sujeição prevista na alínea a) do n.º 2 do art. 10.º do Código respectivo.” Jacob, António, A. IRS, Declaração Modelo 3 e Anexos, Relativa a Rendimentos de 2008, pp. 438
VIII – Na verdade, tendo sido as acções alienadas em 29/06/2009 elas estariam sujeitas a tributação, só não estariam se alienadas em 01/07/2009, ou seja, detidas por um período de mais de 12 meses.
IX – O art. 279.º, al. c) do CC deve ser entendido nesse sentido, já que o prazo deve ser contabilizado em meses, daí a referência a meses de calendário e não contabilizado em dias.
X – No período compreendido entre 29/07/2009 até 31/07/2009, há uma moratória que não releva para a contagem do prazo.
XI – Por outro lado, A Administração tributária sempre se guiou por esta interpretação, tendo sido esta que foi informada ao impugnante, via email aquando do preenchimento da declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS.
XII – Para Pinto, José, sobre o enquadramento em IRS das vendas de acções refere que “(…) a alienação de acções está sujeita a IRS, de harmonia com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do respectivo Código.
Existe, todavia, na alínea a) do n.º 2 do mesmo artigo, uma norma de exclusão tributária relativa às acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
Não obstante a não incidência de IRS nestes casos, estão os sujeitos passivos obrigados a declarar as respectivas transacções, recorrendo para o efeito ao anexo G1 da declaração modelo 3, destinado precisamente às mais-valias não tributadas.
Estranhamente, no quadro 4 desse anexo apenas existem locais próprios para a indicação dos meses de aquisição e de alienação, e não para os dias. Tanto quanto apurámos, essa omissão resultará de uma interpretação (…) do texto da citada alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, no sentido de que a exclusão nela prevista, por respeitar a acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses, apenas se aplicará se as acções forem vendidas a partir do mês seguinte ao mês homólogo do ano seguinte ao da aquisição.
Face a uma interpretação destas, (…) sugerindo-se aos leitores que, por uma questão de precaução, e no caso de pretenderem beneficiar da não sujeição a IRS, apenas vendam as suas acções a partir do mês seguinte em que a titularidade cumprir um ano.” (bold e sublinhado nosso) – Pinto, José Alberto Pinheiro, revista TOC n.º 121, de Abril de 2010 pp. 61 e 62.
XIII – Assim sendo, a impugnante foi informada pela Administração Tributária de que só seria considerada a exclusão da tributação, em sede de mais-valias em IRS, se a alienação se tivesse operado em 01/07/2009 e não e 29/06/2009, devido ao prazo se contar em meses do calendário, o qual constitui direito circulatório estando os funcionários da AT a ele obrigados e, da doutrina supra citada que corrobora a posição da AT.
XIV – Nos termos expostos, deve o presente recurso proceder uma vez que não havendo campo na declaração de rendimentos Mod. 3 de IRS para se colocar os dias, estando a mesma em meses, - atente-se no facto de que as declarações de rendimentos estão sujeitas a aprovação pela AR, sendo publicadas em DR, após a sua aprovação -, a contagem do prazo, para efeitos de exclusão da tributação de IRS, nos termos do art. 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2, do CIRS, conta-se em meses, sendo esses meses de calendário e não em dias, razão pelo qual, tendo sido adquiridas as acções do BIG em Junho de 2008 e alienadas em Junho de 2009 ainda não se tinham completado os 12 meses, não havendo lugar à exclusão de tributação e, nesse sentido, a sentença do Tribunal ad quo que decidiu pela procedência dos presentes autos sofre de erro de julgamento, devendo a mesma ser anulada e substituída por outra.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que declare a impugnação improcedente, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


2 – Contra-alegou o recorrido, concluindo nos seguintes termos:
A. A única questão em discussão nos presentes autos é apurar se as acções do BIG – tendo sido adquiridas a 27 de junho de 2008 e alienadas a 29 de junho de 2009 – foram ou não detidas por um período temporal superior a 12 meses, para efeitos de aplicação do disposto na (então vigente) alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS.
B. Como questão prévia, constitui entendimento da Recorrida que este venerando Tribunal não é a instância competente, em razão da hierarquia, para apreciação do presente recurso, uma vez que a Recorrente não questiona de forma fundamentada nas suas conclusões de recurso a factualidade dada como assente pelo Tribunal a quo, limitando-se a questionar o enquadramento jurídico efetuado na sentença recorrida.
C. Ou seja, a Recorrente limita-se a esgrimir a sua discordância face ao teor da decisão proferida pelo Tribunal a quo, em particular deduzindo um conjunto de argumentos meramente interpretativos sobre as normas legais aplicáveis de forma a concluir que a sentença recorrida procedeu a uma errónea aplicação e interpretação das normas legais aplicáveis aos factos tributários.
D. Ficou provado que o Recorrido alienou no dia 29 de junho de 2009 as ações que havia adquirido em 27 de junho de 2008.
E. Tal como decorre da (então vigente) alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS, as “mais-valias provenientes da alienação de (…) acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses” estão excluídas de tributação.
F. A Recorrente discorda da sentença do Tribunal a quo porque entende que o referido prazo de 12 meses apenas se completaria a 1 de julho de 2009.
G. Salvo o devido respeito, esta interpretação é manifestamente absurda.
H. Face ao estatuído no artigo 279.º, do Código Civil, crê-se que a resolução do presente caso é bastante clara e simples, até porque não cabe ao intérprete adotar, nem tão pouco conceber, qualquer tipo de posições inovadoras que não tenham qualquer sustentação na redação da lei, no espírito da lei, na língua portuguesa ou no mero sendo comum,
I. Toda a doutrina e jurisprudência demonstram, à luz da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, que, tendo adquirido as ações do BIG no dia 27 de junho de 2008:
(i) O primeiro dia do prazo de contagem do período de detenção das referidas foi o dia 28 de junho de 2008; e
(ii) O último dia de contagem para efeitos de determinação do período de 12 meses, foi o dia 28 de junho de 2009.
J. Uma vez que as ações que o Recorrido detinha no BIG foram alienadas no dia 29 de junho de 2009, não restaria senão concluir que aquele foi titular das mesmas por um período correspondente a 12 meses e um dia (ou 12 meses e dois dias, conforme se considere que o 1.º dia é o dia 27 de junho de 2008 ou o dia seguinte).
K. Logo, sendo um período temporal de 12 meses e um dia superior a um período de 12 meses, não se poderá senão concluir que o requisito temporal fixado na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (relembre-se que tal disposição legal ainda é aplicável ao caso aqui em apreço) – “mais de 12 meses” – se encontra plena e absolutamente verificado.
L. Ao contrário do que a Recorrente pretende, a doutrina por si citada não suporta a sua posição, mas apenas informa qual é a posição da AT, sendo que um dos Autores citados chega mesmo a revelar a sua “estranheza” quanto a esse entendimento.
M. Termos em que deverá o presente recurso improceder.
N. Qualquer entendimento diverso daquele que se encontra aqui pugnado estará em total violação com os princípios da legalidade e da tipicidade, prescritos na CRP.
Nestes termos e nos demais de Direito, deve o recurso ser julgado totalmente improcedente.
Assim fazendo, VOSSAS EXCELÊNCIAS, a costumada Justiça!


3 – Por despacho do Relator no Tribunal Central Administrativo Sul – de fls. 164 a 177 dos autos – aquele Tribunal julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecimento do recurso e competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo (Secção de Contencioso Tributário), para quem os autos foram remetidos precedendo requerimento da recorrente nesse sentido (fls. 185 dos autos).


4 - O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal emitiu parecer nos seguintes termos:
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência da impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa apresentada contra liquidação de IRS (ano 2009) e juros compensatórios, no montante global de €38 090,36
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: interpretação da norma constante do art. 10.º n.º 2 al. a) CIRS (redação vigente em 2009)
1. Constituem incrementos patrimoniais (rendimentos da categoria G) as mais-valias, tal como definidas no art. 10.º CIRS (art. 9.º n.º 1 al. a) CIRS)
Os sujeitos passivos devem declarar a alienação onerosa das acções, ainda que detidas durante mais de 12 meses, bem como a data da respectiva aquisição (art. 10.º, n.º 11 CIRS redacção vigente em 2009)
Estavam excluídas de tributação as mais-valias provenientes da alienação de acções detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses (art. 10 nº 2 al. a) CIRS redacção vigente em 2009)
Este período temporal de 12 meses tem a natureza de prazo, na medida em que o seu decurso tem consequência jurídica: exclusão de tributação das mais-valias
A contagem do prazo de 12 meses deve ser efectuada de acordo com o regime do Código Civil, na ausência de norma específica constante do CIRS ou de outro diploma de natureza tributária, subsidiariamente aplicável
O prazo fixado em meses, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data (art, 279.º al. c) CCivil)
2. No caso concreto as acções foram detidas pelo sujeito passivo por período superior a 12 meses:
a) Aquisição em 27 junho 2008 (primeiro dia de detenção dos títulos)
b) Alienação em 29 junho 2009
A aplicação das regras hermenêuticas adequadas não pode ser impedida pela circunstância do quadro 4 do anexo G1 declaração modelo 3 (mais-valias não tributadas) não contemplar em campos próprios a indicação dos dias de aquisição e de alienação dos títulos
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada.


Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

- Fundamentação -
5 – Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida “caiu em erro”, como alegado, ao decidir que beneficiam da exclusão de tributação então prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (na redacção vigente à data dos factos – 2009), as mais-valias provenientes da alienação, ocorrida a 29 de junho de 2009, de acções, adquiridas em 27 de junho de 2008, por terem sido detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.


6 – Na sentença do Tribunal Tributário de Lisboa objecto de recurso foram fixados os seguintes factos:
A) A………….. (ou impugnante) aufere rendimentos das categorias A, B, F e G do CIRS;
B) Em 07-09-2010 o impugnante entregou declaração de rendimentos, Modelo 3 de IRS, em relação ao ano fiscal de 2008, tendo inscrito no anexo G, no quadro 8 a alienação onerosa de valores mobiliários do Banco de Investimento Global (BIG) (doc. n.º 3 da impugnação);
C) O rendimento da categoria G, referente a mais valias provinha da alienação onerosa de acções do BIG, no valor de €775.771,50, datada de 2009-06-29, e adquiridas a 2008-06-27, pelo valor de €369.415,00 (doc n.ºs 1 e 2 da impugnação);
D) Na sequência da entrega da declaração de rendimentos a AT emitiu as liquidações n.ºs 2010 5004971900, de IRS de 2009, no valor de €37.669,29 e 2010 00001563557, de juros compensatórios, no valor de €421,97 (fls 65 e 67, do pa);
E) O impugnante procedeu ao pagamento do montante de €7.687,58 correspondente esse valor à parte da colecta que não é contestada ou impugnada (fls 64 do pa);
F) Do restante valor, correspondente à transmissão das acções do BIG, o impugnante deduziu reclamação graciosa em 2010-11-23;
G) Por despacho de 2011-01-10, a reclamação graciosa foi indeferida com os fundamentos da informação de 16-12-2010, junta a fls. 48 a 50 e 53 e 54, cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, onde consta, nomeadamente:
(…)
2.Alega que as acções em causa foram detidas pelo reclamante por um período superior a um ano, pelo que, a mais valia apurada se encontra isenta de tributação em sede de IRS, de acordo com o disposto na al a) do n.º 2 do art. 10.º do CIRS.
3.A questão que se coloca, é a de saber quando é que as acções se consideram detidas durante mais de doze meses, sendo que a posição da Administração Fiscal, é a de que os 12 meses devem ser entendidos como meses de calendário e como tal, na situação em análise consideramos não haver lugar à exclusão da tributação da mais valia apurada.
4.A posição da administração Fiscal levou a que o campo da data do quadro 08 do anexo G deixasse de fazer referência ao dia da compra e ao dia da venda.
5.O art. 279.º do CC, com o título “Cômputo dos termos”, na al c) refere que “o prazo fixado em semanas, meses ou anos, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro da última semana, mês ou ano; mas se no último mês existir dois correspondente, o prazo finda no último dia desse mês”.
(…)

7 – Apreciando.
7.1 Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida, a fls. 102 a 111 dos autos, julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo ora recorrido do indeferimento da reclamação graciosa interposta do acto de liquidação de IRS respeitante a 2009, na parte respeitante às mais-valias obtidas com a alienação onerosa de acções do Banco de Investimento Global (BIG), no entendimento de que tais mais-valias estavam excluídas de tributação, ex vi do então vigente n.º 2 alínea a) do artigo 10.º do Código do IRS, porque haviam sido detidas pelo seu titular durante mais de 12 meses.
Para assim julgar, entendeu a sentença recorrida que de harmonia com o preceituado naquela alínea c) do art. 279.º do Código Civil, iniciando-se o prazo no dia 27-06-2008, data da aquisição das acções do BIG e considerando que detenção das acções é de 12 meses, esse prazo terminou em 27-06-2009, dia que corresponde àquele no 12.º mês subsequente.// Atento que nas mais valias resultantes da alienação onerosa de valores mobiliários sujeitas a IRS como incrementos patrimoniais o facto tributário ocorre no momento da alienação, no caso a 29-06-2009, o impugnante deteve as acções por um período superior a 12 meses, sendo de julgar a impugnação procedente - cfr. sentença, a fls. 110 dos autos.
Discorda do decidido a recorrente, imputando à sentença recorrida erro de julgamento ao não ter sancionado o entendimento da AT, veiculado em “direito circulatório” e do qual o contribuinte fora informado, nos termos do qual o prazo se conta em meses do calendário e não em dias, tal como a doutrina reconhece, sendo a razão pela qual o campo 4 faz referência a meses do ano, que tendo sido as acções alienadas em 29/06/2009 elas estariam sujeitas a tributação, só não estariam se alienadas em 01/07/2009 e que o art. 279.º, al. c) do CC deve ser entendido nesse sentido, já que o prazo deve ser contabilizado em meses, daí a referência a meses de calendário e não contabilizado em dias, havendo no período compreendido entre 29/07/2009 até 31/07/2009, uma moratória que não releva para a contagem do prazo.
Contra-alegou o recorrente, pugnando pelo não provimento do recurso, alegando que a interpretação propugnada pela AT é manifestamente absurda, que face ao estatuído no artigo 279.º, do Código Civil, (…) a resolução do presente caso é bastante clara e simples, até porque não cabe ao intérprete adotar, nem tão pouco conceber, qualquer tipo de posições inovadoras que não tenham qualquer sustentação na redação da lei, no espírito da lei, na língua portuguesa ou no mero sendo comum, que toda a doutrina e jurisprudência demonstram, à luz da alínea c) do artigo 279.º do Código Civil, que, tendo adquirido as ações do BIG no dia 27 de junho de 2008: O primeiro dia do prazo de contagem do período de detenção das referidas foi o dia 28 de junho de 2008; e o último dia de contagem para efeitos de determinação do período de 12 meses, foi o dia 28 de junho de 2009, e uma vez que as ações que o Recorrido detinha no BIG foram alienadas no dia 29 de junho de 2009, não restaria senão concluir que aquele foi titular das mesmas por um período correspondente a 12 meses e um dia (ou 12 meses e dois dias, conforme se considere que o 1.º dia é o dia 27 de junho de 2008 ou o dia seguinte), pelo que sendo um período temporal de 12 meses e um dia superior a um período de 12 meses, não se poderá senão concluir que o requisito temporal fixado na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS (relembre-se que tal disposição legal ainda é aplicável ao caso aqui em apreço) – “mais de 12 meses” – se encontra plena e absolutamente verificado.
Também o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA se pronuncia pelo não provimento do recurso, pois a contagem do prazo de 12 meses deve ser efectuada de acordo com o regime do Código Civil, na ausência de norma específica constante do CIRS ou de outro diploma de natureza tributária, subsidiariamente aplicável. //O prazo fixado em meses, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data (art. 279.º al. c) CCivil).// No caso concreto as acções foram detidas pelo sujeito passivo por período superior a 12 meses: Aquisição em 27 junho 2008 (primeiro dia de detenção dos títulos); Alienação em 29 junho 2009. Sendo que a aplicação das regras hermenêuticas adequadas não pode ser impedida pela circunstância do quadro 4 do anexo G1 declaração modelo 3 (mais-valias não tributadas) não contemplar em campos próprios a indicação dos dias de aquisição e de alienação dos títulos.
Vejamos.
Contrariamente ao alegado pela recorrente, “não caiu em erro” a sentença do Tribunal “a quo” quando decidiu que as acções do BIG alienadas pelo recorrente haviam sido detidas pelo seu titular por um período superior a 12 meses, razão pela qual as mais-valias resultantes da sua alienação estavam excluídas de tributação à data dos factos, ex vi do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 10.º do Código do IRS.
Este Supremo Tribunal teve recentemente ocasião de se pronunciar já sobre esta mesma questão – Cfr. o nosso Acórdão de 12 de Dezembro último, proferido no recurso n.º 642/15 (proc. n.º 0254/11.7BEMDL) -, aí consignando que: a interpretação propugnada pela Fazenda Pública, (…) não colhe qualquer apoio nem na letra nem na ratio legis.// Com efeito, face a uma interpretação que tenha em conta o sentido próprio ou exacto das palavras que o texto da norma compreende, nada aponta no sentido de que a expressão “durante mais de 12 meses” corresponda apenas ao período a partir do mês seguinte ao mês homólogo do ano seguinte ao da aquisição.// Se essa fosse a intenção do legislador o mesmo expressamente o teria estabelecido.//A interpretação propugnada pela Fazenda Pública adopta assim uma solução que nunca foi admitida à face da lei. // Para além disso a tese da Recorrente não encontra também apoio na ratio legis subjacente àquele preceito legal. //Como sublinha José Guilherme Xavier de Basto (Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra editora, pags. 403/404.), foi objectivo do legislador, ao impor um limite mínimo de detenção das acções, penalizar, por um lado, as mais valias de curto prazo, ou mais valias especulativas, e por outro lado favorecer o desenvolvimento do mercado de valores mobiliários.
Ora é manifesto que tais objectivos não são nem mais nem menos beneficiados com a interpretação dada pela Fazenda Pública. // Em suma, resulta do exposto que uma interpretação literal da norma da alínea a) do nº 2 do artigo 10º do CIRS, na redacção vigente à data dos factos, afasta, de modo decisivo, a tese da Recorrente, a qual não colhe também qualquer apoio na ratio legis do preceito. //Aliás, o único argumento apresentado pela Administração Fiscal para fundamentar tal interpretação é a circunstância do quadro 4, do Anexo G1 do formulário da declaração de IRS, não conter campos para os dias, mas apenas campos para os meses, o que, como bem notam os recorridos, não deixa de ser sintomático da sua falta de sustentação legal.
(fim de citação).
Assim, como bem diz o Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto junto deste STA no seu parecer junto aos autos e supra reproduzido, na interpretação da norma constante do art. 10.º n.º 2 al. a) CIRS (redação vigente em 2009), deve ter-se em conta que o período temporal de 12 meses tem a natureza de prazo, na medida em que o seu decurso tem consequência jurídica: exclusão de tributação das mais-valias, que a contagem do prazo de 12 meses deve ser efectuada de acordo com o regime do Código Civil, na ausência de norma específica constante do CIRS ou de outro diploma de natureza tributária, subsidiariamente aplicável, que o prazo fixado em meses, a contar de certa data, termina às 24 horas do dia que corresponda, dentro do último mês, a essa data (art. 279.º al. c) CCivil) e que no caso concreto as acções foram detidas pelo sujeito passivo por período superior a 12 meses, pois foram adquiridas em 27 junho 2008 (primeiro dia de detenção dos títulos) e alienadas em 29 junho 2009.
Sendo igualmente inequívoco para este Supremo Tribunal que a aplicação das regras hermenêuticas adequadas não pode ser impedida pela circunstância do quadro 4 do anexo G1 declaração modelo 3 (mais-valias não tributadas) não contemplar em campos próprios a indicação dos dias de aquisição e de alienação dos títulos, pois decorre das regras e princípios gerais, designadamente sobre a hierarquia das normas jurídicas, que têm de ser os “formulários” aprovados para cumprimento das obrigações declarativas dos sujeitos passivos que se têm de adequar à lei e não a interpretação das leis que se tem de adequar aos “formulários”.
Acresce que, no direito fiscal, são proibidas as moratórias que não tenham na lei o seu fundamento – cfr. o artigo 85.º do CPPT -, sendo que esta moratória atípica, que a AT reclama em seu favor na contagem do prazo de detenção das acções, manifestamente não tem fundamento legal.

O recurso não merece provimento.
- Decisão -
8 - Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 20 de Fevereiro de 2019. – Isabel Marques da Silva (relatora) – Francisco Rothes – Dulce Neto.