Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:085/04.0BEPRT 01455/13
Data do Acordão:05/22/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANTÓNIO PIMPÃO
Descritores:MERCADORIA COMUNITÁRIA
INTRODUÇÃO EM LIVRE PRÁTICA
Sumário:Não beneficiam do estatuto de mercadorias comunitárias aquelas, relativamente às quais, como as constantes dos presentes autos, não foi feita prova pela recorrente de que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da União.
Nº Convencional:JSTA000P24574
Nº do Documento:SA220190522085/04
Data de Entrada:03/20/2017
Recorrente:A......, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
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1.1. A…………, Lda., deduziu, no Tribunal Tributário do Porto, impugnação judicial da liquidação de receitas tributárias e aduaneiras (direitos aduaneiros de importação, IVA e juros compensatórios) determinadas pelo despacho de 21/08/2003 do Diretor Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto e Venda de Mercadorias a que correspondeu o registo de liquidação n.º 900.129 de 28/08/2003, peticionado a sua anulação.
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1.2. Aquele Tribunal, por sentença de 28/02/2013 (fls.624/645), julgou improcedente a impugnação.
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1.3. É dessa decisão que foi interposto recurso para este Supremo Tribunal Administrativo, terminado as alegações com o seguinte quadro conclusivo:
«I. A liquidação objecto da impugnação que a douta Sentença Recorrida decidiu fundamentou-se no Relatório, dado como integralmente reproduzido no Probatório, de Acção Inspectiva levada a efeito pelos Serviços da Alfândega nas instalações da ora Recorrente, de cujo conteúdo factual esta não discordou;
II. Apesar de anunciada como tendo por objecto o regime suspensivo de trânsito externo, tendo sido determinada por factos verificados quanto a mercadorias fornecidas por uma empresa suíça em Acção de Fiscalização anterior, a Inspecção não assinalou a existência de quaisquer outras mercadorias sujeitas a esse regime, partindo da referenciação de todas as empresas localizadas em países terceiros (ou que fornecessem produtos provenientes de países terceiros) que forneceram mercadorias à ora Recorrente nos anos 2000, 2001 e 2002;
III. Feito o levantamento de todas as facturas respeitantes a esses fornecimentos, os Serviços Aduaneiros solicitaram que a aqui Recorrente lhes apresentasse prova de que as respectivas mercadorias haviam sido sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática na Comunidade, o que esta fez para grande parte, mas não a totalidade, das mercadorias a que essas facturas respeitavam, através de declarações de importação processadas perante alfândegas de vários Estados-membros da CE;
IV. Relativamente às mercadorias para as quais não foi apresentada prova da sujeição a livre prática na CE, os Serviços consideraram que elas teriam sido irregularmente introduzidas no território aduaneiro da Comunidade, com violação das obrigações de condução à alfândega estabelecida no nº 1 do art. 38º do CAC e de declaração sumária ao tempo prevista no seu art. 43º e a consequente constituição de dívida aduaneira na importação, nos termos do disposto na al. a) do nº 1 do art. 202º do mesmo diploma legal;
V. Liquidou assim a Administração Aduaneira, quanto a essas mercadorias, direitos aduaneiros de importação, e também IVA na importação a que se referem a al. b) do nº 1 do art.1º e a al. a) do nº 1 do art. 5º do CIVA, que se torna devido e exigível no momento determinado pelas disposições aplicáveis aos direitos aduaneiros, nos termos da al. c) do nº 1 do seu art. 7º (e cuja cobrança cabe às alfândegas de acordo com o nº 3 do art. 27º na redacção anterior ao Dec-Lei nº 249/2009, de 23/09, e o nº 3 do art. 28º da redacção actual);
VI. A ora Recorrente impugnou a liquidação na parte respeitante a imposições relativas a mercadorias que recebeu dos fornecedores B…….., da Suíça, A……. POLSKA e C………, da Polónia, e A……… HUNGARY da Hungria, invocando o disposto no nº 3, actual nº 4, do art. 221º do CAC, que prevê a caducidade do direito de liquidar, e imputando-lhe violação do disposto no nº 1 do art. 313º das DACAC, relativo ao estatuto aduaneiro das mercadorias;
VII. O Tribunal a quo decidiu que nenhum desses vícios ocorreria, julgando a impugnação improcedente, e a aqui Recorrente aceita agora que não se verificou caducidade do direito à liquidação de nenhuma das imposições liquidadas mas continua a entender que a liquidação impugnada está inquinada de violação do nº 1 do art. 313º das DACAC, e assim também a douta Sentença que a confirmou.
VIII. Podendo as mercadorias ter o estatuto aduaneiro de mercadorias comunitárias ou não comunitárias, sendo comunitárias as inteiramente obtidas no território aduaneiro da Comunidade, as aí introduzidas em livre prática e as aí obtidas a partir de umas e outras, e não comunitárias todas as demais, o ordenamento jurídico comunitário, definindo assim os conceitos, estabelece também critérios práticos de determinação desse estatuto, que condiciona o tratamento aduaneiro a conferir às mercadorias, através de um sistema de presunções que partem da situação em que estas se encontram no TAC;
IX. O princípio geral, previsto no nº 1 do art. 313º das DACAC, é o de que todas as mercadorias que se encontram no território aduaneiro da Comunidade (com ressalva das que saiam de zonas francas ou entrepostos francos situados nesse território) são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se se comprovar que não têm estatuto comunitário;
X. Em derrogação desse princípio, e de acordo com o nº 2 da mesma disposição, consideram-se, pelo contrário, mercadorias não comunitárias, salvo se o respectivo estatuto comunitário for comprovado, as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade em conformidade com o artigo 37º do Código, previstas na al. b) desse nº 2 (presumindo-se no entanto comunitárias mercadorias introduzidas nesse território aduaneiro em certos casos de transporte por via marítima ou aérea), assim como as mercadorias colocadas em depósito temporário, zona franca ou entreposto franco ou sujeitas a regime suspensivo, a que se referem as als. b) e c);
XI. A presunção do estatuto não comunitário dessas mercadorias, contempladas no nº 2 do art. 313º das DACAC, justifica-se porque se encontram em situações que correspondem em regra a mercadorias não comunitárias, seja por estarem a dar entrada no território aduaneiro da Comunidade em proveniência do exterior, seja por permanecerem na situação de depósito temporário subsequente, seja por se encontrarem em partes desse território onde são consideradas como se nele não estivessem, seja ainda por estarem sujeitas a um regime que permite que mercadorias não comunitárias sejam detidas, movimentadas, transformadas ou utilizadas no território aduaneiro sem aplicação dos direitos e outras medidas de importação;
XII. E o exercício de vigilância nas fronteiras do território e a fiscalização das mercadorias no seguimento da sua entrada, bem como à permanência em partes francas, assim como o controlo do desenvolvimento dos regimes suspensivos, com mecanismos específicos de salvaguarda da dívida aduaneira que se constitua em caso de subtracção ou incumprimento, possibilitam que, fora dessas hipóteses, todas as mercadorias que se encontram no território aduaneiro se presumam comunitárias e em livre circulação.
XIII. No caso vertente, e como resulta do Relatório de Inspecção que a Sentença Recorrida deu por integralmente reproduzido, os Serviços da Alfândega, questionando o estatuto aduaneiro de todas as mercadorias que apuraram terem sido fornecidas por empresas localizadas em países terceiros (ou que fornecessem produtos provenientes de países terceiros) em 2000, 2001 e 2002 à aqui Recorrente, e por esta recebidas nas suas instalações, entenderam que aquelas para as quais não foi demonstrada a sujeição aos procedimentos de introdução em livre prática em estâncias aduaneiras de Estados-membros da CE deveriam ser havidas como mercadorias não comunitárias, por considerarem que “a existência de uma factura, registada na contabilidade da empresa, emitida por um fornecedor localizado num país terceiro, pressupõe o envio e posterior introdução no TAC de mercadoria não comunitária”;
XIV. Julgaram daí poder concluir que essas mercadorias seriam “mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade em conformidade com o artigo 37º do Código”, e estariam por isso excluídas pela al. a) do nº 2 do art. 313º das DACAC do princípio de presunção do estatuto comunitário das mercadorias que se encontram no território aduaneiro da Comunidade consagrado no nº 1,
XV. E por isso as supuseram irregularmente introduzidas no TAC, com constituição de dívida aduaneira na importação face ao disposto na al. a) do nº 1 do art. 202º do CAC, bem como de IVA de importação que se teria tomado devido no mesmo momento.
XVI. Na mesma linha, também a douta Sentença Recorrida, da análise a que procedeu das disposições dos arts. 4º, nºs 7 e 8, 37º, 79º, 163º, 201º e 204º do CAC e 313º e 314º e segs. das DACAC, entendeu que “as mercadorias comunitárias cujo estatuto comunitário não possa ser provado, quando exigido, são também consideradas mercadorias não comunitárias (...) porque no momento da entrada das mercadorias em território comunitário, os sujeitos passivos têm de apresentar às autoridades aduaneiras as mercadorias em circulação, por forma a ser atestado o seu estatuto de mercadoria comunitária”, daí resultando que sobre a aqui Recorrente impenderia “o ónus de, por meio da apresentação da documentação devida (cfr. documentos enunciados nos arts. 314º e seguintes das DACAC), comprovar que as mercadorias haviam entrado em território da Comunidade noutro Estado membro, que estas haviam sido apresentadas às autoridades aduaneiras e sujeitas a declaração sumária, como obriga os artigos 38º a 43º do CAC”, pelo que, não tendo cumprido esse ónus, estaria obrigada ao pagamento da dívida aduaneira de importação, em termos que decorreriam do nº1 do art. 201º e do nº 1 do art. 204 do CAC, bem como do IVA de importação, em conformidade com o estabelecido nas als. b) do nº 1 do art. 1º, a) do nº 1 do art. 5º e c) do nº 1 do artº 7º do CIVA;
XVII. Todavia, ao referir-se a “mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade em conformidade com o art. 37º do Código”, para as excluir do princípio de presunção do estatuto comunitário das mercadorias que se encontram no território aduaneiro da Comunidade, a al. a) do nº 2 do art. 313º das DACAC tem em vista as mercadorias que estão a ser, ou vêm de ser, introduzidas nesse território, mercadorias que dão nele entrada, e ficam por isso sujeitas à fiscalização aduaneira e devem ser conduzidas à alfândega pela pessoa que procedeu a essa introdução, nos termos do art. 38º e não as mercadorias que se encontram no interior desse território, ainda que se saiba que, por terem provindo de países terceiros, tiveram em algum anterior momento que ter sido nele introduzidas;
XVIII. Os factos previstos no art. 313º das DACAC, em suporte das presunções que estabelece, respeitam à situação em que as mercadorias se encontram no momento em que se questiona o seu estatuto: encontrando-se as mercadorias no território da Comunidade, fora das condições previstas no nº 2, presume-se que têm estatuto comunitário, nos termos do nº 1, admitindo-se, salvo prova em contrário, que foram produzidas ou introduzidas em livre prática nesse território e aí se encontram regularmente em livre circulação.
XIX. Estando em causa mercadorias que os Serviços Aduaneiros apuraram terem sido recebidas pela ora Recorrente nas suas instalações, e portanto mercadorias que se encontravam no interior do território aduaneiro da Comunidade, e não mercadorias que estivessem a ser introduzidas nesse território, é incorrecta a aplicação que esses Serviços fizeram, em detrimento do nº 1 do art. 313º das DACAC, da al. a) do n 2 da disposição, porque as mercadorias não se encontravam na situação nesta prevista no momento em que questionaram o seu estatuto;
XX. Por isso a liquidação impugnada, não aplicando o nº 1 do art. 313º das DACAC, violou esta disposição e, decorrentemente, o estabelecido no nº 1 do art. 202º do CAC, respeitante à constituição da dívida aduaneira, bem como nas als b) do nº 1 do art. 1º, a) do nº 1 do art. 5º e c) do nº 1 do art. 7º do CIVA, relativas ao IVA conjuntamente devido na importação,
XXI. E também a douta Sentença Recorrida violou o art. 313º das DACAC, ao preterir a sua aplicação do seu nº 1 e confirmar o entendido pelos Serviços da Alfândega, por considerar que da leitura das disposições do CAC e das DACAC que analisou resultaria que essas mercadorias recebidas pela ora Recorrente nas suas instalações não poderiam ser consideradas comunitárias, por o seu estatuto comunitário não ter sido provado através da documentação prevista nos arts. 314º e segs. das DACAC;
XXII. Essa documentação, e nomeadamente o documento T2L referido nos arts. 315º a 316º das DACAC, só tem de ser apresentada, conforme refere o nº 2 do art. 313º quanto a mercadorias nas situações a que se refere este número, e não resulta do que os Serviços Aduaneiros apuraram quanto às mercadorias em causa, e consideraram em fundamento da liquidação, que estas se encontrassem em qualquer dessas situações.
XXIII. Por não ter aplicado o disposto no nº 1 do art. 313º das DACAC, com a consequente presunção do estatuto comunitário das mercadorias, presumindo-as ao invés como não comunitárias, a douta Sentença Recorrida considerou indevidamente que a dívida aduaneira na importação se teria constituído quanto a elas, nos termos de normas do CAC que identificou como sendo as do nº 1 do art. 201º e do nº1 do art. 204º e que o IVA de importação se teria tomado conjuntamente devido e exigível por força da als b) do nº 1 do art. 1º a) do nº 1 do art. 5º e c) do nº 1 do art. 7º do CIVA;
XXIV. Onde a Alfândega tinha incorrectamente considerado a dívida aduaneira constituída por introdução irregular no território aduaneiro, da Comunidade, nos termos da al. a) do nº 1 do art. 202º do CAC, a Sentença Recorrida considerou-a agora constituída à face do estabelecido no nº 1 do art 202º e no nº 1 do art. 204º do mesmo diploma, também incorrectamente, porque a factualidade apreendida na Acção Inspectiva e descrita no seu Relatório nunca consubstanciaria introdução em livre prática por aceitação da respectiva declaração, ou incumprimento de obrigações ou inobservância de condições inerentes à permanência em depósito temporário ou utilização de um regime aduaneiro, ou à concessão de direitos de importação favoráveis em função da utilização para fins especiais, a que estes arts. 201º e 204º do CAC respectivamente se referem;
XXV. Violou por conseguinte a Sentença Recorrida, além do estabelecido no art. 313º das DACAC, o disposto no nº 1 do art. 201º e no nº 1 do art. 204º do CAC, relativos à constituição de dívida aduaneira na importação, bem como nas als. b) do nº 1 do art. 1º a) do nº 1 do art. 5º e c) do nº 1 do art. 7º do CIVA, que tomou como aplicáveis para considerar devido e exigível, conjuntamente com a dívida aduaneira, IVA de importação.
XXVI. Deve portanto a Sentença Recorrida ser revogada, reconhecendo-se que as mercadorias objecto da Impugnação, fornecidas pela B………., A………POLSKA, C……….e A…….. HUNGARY à aqui Recorrente, e por esta recebidas nas suas instalações, tinham estatuto aduaneiro comunitário, por se lhes aplicar o disposto no nº 1 do art. 313º das DACAC e prova do seu estatuto não comunitário não ter sido produzida, anulando-se também a liquidação na parte que foi impugnada, respeitante a direitos aduaneiros de importação, IVA de importação e juros compensatórios respeitantes às mercadorias desses quatro fornecedores.
XXVII. Em consequência, devem as quantias que a ora Recorrente pagou a título de direitos aduaneiros e juros compensatórios, sobre esses direitos e sobre o IVA de importação, ser-lhe restituídas, reconhecendo-se-lhe o direito a sobre elas haver juros indemnizatórios, desde a data do pagamento até à da restituição, nos termos do disposto no nº 1 do art. 43º da LGT, por a cobrança se ter devido a erro imputável à Administração;
XXVIII. E conquanto a ora Recorrente não tenha direito a haver o IVA de importação pago, por ter procedido à sua dedução, deve por aplicação da mesma norma da LGT, e pelas mesmas razões, ser-lhe reconhecido o direito a haver juros indemnizatórios sobre os montantes desse imposto, desde o momento em que os pagou até àquele em que os deduziu.
XXIX. Dado que a decisão do pleito depende essencialmente da interpretação do art. 313º das DACAC, acto adoptado por um Órgão da União, e a decisão que vier a ser proferida por este STA não comporta recurso, deve a questão ser cometida, em reenvio prejudicial, ao TJUE, nos termos do art. 267º do TFUE.».
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1.4. Não foram, apresentadas contra-alegações.
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1.5. Recebidos os autos neste Supremo Tribunal, foi dada vista ao Ministério Público que emitiu a seguinte pronúncia:
«Questão decidenda: determinação do estatuto aduaneiro das mercadorias recepcionadas pela recorrente e sujeitas a tributação
1. Quadro normativo relevante
1° São mercadorias comunitárias, designadamente, as mercadorias importadas de países ou territórios que não façam parte do território aduaneiro da Comunidade (TAC) e introduzidas em livre prática (art. 4º nº 7 CAC);
2º A introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária a uma mercadoria não comunitária implicando, designadamente, o cumprimento das formalidades previstas para a importação de mercadorias e a aplicação dos direitos legalmente devidos (art. 79º CAC);
3º São mercadorias não comunitárias as mercadorias não abrangidas nas diversas previsões do art. 4º nº 7 CAC (art. 4º nº 8 CAC);
4º Sem prejuízo das excepções referidas no art. 313º nº 2 Disposições de Aplicação do CAC (DACAC) todas as mercadorias que se encontrem no TAC são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se se comprovar que não têm estatuto comunitário (art. 313º nº 1 DACAC);
5º Não são consideradas mercadorias comunitárias, por se subsumirem às excepções previstas, as mercadorias introduzidas no TAC em conformidade com o art. 37º CAC (art. 313º nº 2 DACAC);
6º As mercadorias introduzidas no TAC ficam, desde essa introdução, sujeitas a fiscalização aduaneira, com possibilidade de controlo por parte das autoridades aduaneiras; permanecem sob fiscalização até determinação do seu estatuto aduaneiro e, tratando-se de mercadorias não comunitárias, até mudarem de estatuto aduaneiro (art. 37º n.ºs 1/2 CAC)
7º As mercadorias introduzidas no TAC devem ser conduzidas no mais curto prazo a uma estância aduaneira e ser objecto de uma declaração sumária em formulário de modelo oficial ou mediante a apresentação de documento comercial ou administrativo com a enunciação dos dados necessários à identificação das mercadorias (arts. 38º nº 1 al. a), 40º, 43º e 44º CAC);
8º Às mercadorias não comunitárias apresentadas à alfândega deve ser atribuído um dos destinos aduaneiros admitidos nos prazos legalmente estabelecidos (arts.48º e 49º CAC)
9° É facto constitutivo da dívida aduaneira na importação a introdução irregular no TAC de uma mercadoria sujeita a direitos de importação; a dívida considera-se constituída no momento da introdução irregular, sendo responsáveis pelo pagamento, designadamente, as pessoas que tenham adquirido ou detido a mercadoria em causa, tendo ou devendo ter razoavelmente conhecimento, no momento em que receberam ou adquiriram a mercadoria, de que se tratava de uma mercadoria introduzida irregularmente (art. 202º nºs 1 al. a), 2 e 3 CAC).
2.Características do caso concreto
-as mercadorias controvertidas, fiscalizadas no decurso da acção inspectiva da autoridade aduaneira, encontravam-se nas instalações da empresa pertencente à recorrente;
- a recorrente não apresentou documentação comprovativa da introdução das mercadorias em livre prática (com a consequente atribuição do estatuto de mercadorias comunitárias);nem de declaração sumária perante a autoridade aduaneira;
-a recorrente limitou-se à apresentação de facturas emitidas por fornecedores com sede em países terceiros fora do TAC no ano 2000 – Hungria, Polónia e Suíça (probatório n.ºs 5,11,12 e 13)
3. Da subsunção dos factos provados no quadro jurídico relevante (supra indicado) resulta a legalidade dos actos tributários impugnados, com os seguintes fundamento normativo:
a) Direitos de importação
-por introdução irregular no TAC de mercadoria sujeita a direitos de importação (art.202° n°1 a) CAC)
b) IVA
-por importação de mercadorias procedentes de países terceiros que não se encontravam em livre prática (arts. 1° n°1 al. b), 5° n°1 al. a) e 7° n°1 al. c) do CIVA)
CONCLUSÃO
O recurso não merece provimento.
A sentença impugnada deve ser confirmada».
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1.7. Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. A decisão recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:
«1. A Impugnante tem como objecto a “Indústria e Comércio de Material Eléctrico” e pertence ao Grupo …………..
2. Em 30 de Outubro de 2002 a Alfândega do Freixieiro remeteu à Impugnante o ofício n.º 418, intitulado “carta-aviso”, informando-a que por despacho exarado a 30.10.2002 seria iniciada acção de natureza inspectiva, estendendo-se aos anos de 2000, 2001 e 2002 e tendo como âmbito inspecção em sede do regime suspensivo do trânsito externo — cfr. fls. 34 dos autos.
3. Pela Alfândega do Freixieiro da Direcção das Alfândegas do Porto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo foi elaborado o projecto de conclusões do relatório, tendo sido o mesmo remetido em 23.05.2003 à Impugnante através do ofício n.º 03/174, para efeitos de exercício do direito de audição — cfr. fls. 57 a 72 dos autos.
4. Na sequência do projecto de conclusões descrito em 3., a Impugnante exerceu o direito de audição prévia que lhe assistia — cfr. fls. 73 a 77 dos autos.
5. Em 14 de Junho de 2003 foi elaborado “Relatório das Acções PRT” pela Alfândega do Freixieiro da Direcção das Alfândegas do Porto da Direcção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo decorrente de procedimento inspectivo iniciado em 18.11.2002, que aqui se dá por integralmente reproduzido, constando do mesmo o seguinte:
“(…)
B………….., SA
6300 - Zoug
SUÍÇA
De todas as facturas analisadas, existem 10, emitidas no ano 2000, em que a A.........PT não apresentou documentos que comprovem a correcta introdução em livre prática no TAC, das mercadorias correspondentes. No entanto, tendo em atenção a data de constituição da divida, apenas 8 facturas foram consideradas para efeitos do cálculo da prestação tributária em falta, dando, desta forma, cumprimento ao estipulado nos nºs 3 e 4 do artº 221º do Reg. (CEE) nº 2913 do Conselho, de 12 de Outubro de 1992.
(...)
A……..POLSKA
……….. Klodzko
POLÓNIA
Da análise ao extracto relativo a este fornecedor, verifica-se que existe um número significativo de facturas, em que a empresa não apresentou documentos a comprovar a regular introdução em livre prática no TAC das mercadorias correspondentes.
(...)
…………. “C………”
…….. Lodz
Ul. Lodwa …….
POLÓNIA
Através da análise efectuada ao fornecedor acima referenciado, foi possível verificar que das facturas analisadas, existem 21, relativamente às quais, a empresa não possui documentos relativos à correcta introdução das mercadorias no TAC.
(…)
A……… HUNGARY RT
3600 Ózd Dozsa Gyorgy Út ………..
HUNGRIA
Sem dúvida que, dos fornecedores aqui tratados, este é o que tem maior número de transacções comerciais com a A………. PT Através da análise ao extracto deste fornecedor poder-se-á verificar que existem bastantes facturas que titulam mercadorias, relativamente às quais, a empresa não apresentou documentos comprovativos da regular introdução em livre prática no TAC.
5- APURAMENTO DA DÍVIDA
5. 1) Em face do exposto no ponto 3.2 do presente relatório, podemos concluir que existem mercadorias que terão descarregado directamente nas instalações da empresa, não tendo sido também apresentada a respectiva declaração sumária dentro dos prazos legais.
Os factos referidos violam o disposto no nº 1 do artº 38º e artº 43º do Código Aduaneiro Comunitário (CAC), aprovado pelo Reg. (CEE) n° 2913/92 do Conselho, de 12 de Outubro e são constitutivos de dívida aduaneira, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 202 do CAC. De acordo com os elementos disponíveis, a prestação tributária em falta, é a que consta dos quadros que a seguir se apresenta:
(…)
6) IRREGULARIDADES
Face aos elementos de informação comercial aduaneira e contabilística disponibilizados pela empresa, concluiu-se pela existência das seguintes irregularidades:”.
(…)
6.2) A introdução no território nacional das mercadorias tituladas pelas restantes facturas constantes dos quadros anteriores sem as apresentar às estâncias aduaneiras ou recintos directamente fiscalizados pela autoridade aduaneira para cumprimento das formalidades de despacho ou para pagamento da prestação tributária legalmente devida configura facto susceptível de constituir uma infracção fiscal aduaneira prevista e punível nos termos do nº 1 do artº 108º do RGIT, anexo à Lei 15/2001, de 5 de Junho;
6.3) A violação do disposto no art° 29º do Reg. (CEE) 2913/92, conjugado com o disposto no artº 199º do Reg. (CEE) 2454/93, constitui infracção fiscal aduaneira, prevista e punível nos termos do artº 111º do RGIT, anexo à Lei 15/2001, de 5 de Junho.
7- CONCLUSÕES
O exposto nos pontos anteriores do presente relatório, permitiu concluir o seguinte:
1) A empresa pertence ao grupo …………. Este grupo, constitui o ramo Industrial Systems da multinacional A…………, empresa sediada nos Estados Unidos da América. Neste grupo existem empresas localizadas no espaço da União Europeia e outras, pertencentes a países terceiros.
2) A empresa recepcionou, durante o período em análise, mercadorias provenientes do território aduaneiro da comunidade e outras provenientes de países terceiros, sobre as quais incidiu esta Acção de Natureza lnspectiva. Relativamente a estas mercadorias, verificou-se a existência de algumas situações que serão explicadas de seguida:
A) Mercado proveniente de países terceiros que foram correctamente Introduzidas em livre prática no TAC, junto de estâncias aduaneiras portuguesas ou de qualquer outro Estado membro.
B) Mercadorias provenientes de países terceiros em que a empresa não apresentou documentos probatórios da correcta introdução em livre prática no TAC. Assim, pode-se concluir que estas mercadorias terão sido descarregadas directamente nas instalações da empresa, que não é detentora de qualquer autorização para a recepção directa das mercadorias, não tendo sido apresentada a respectiva declaração sumária dentro dos prazos legais.
Os factos referidos violam o disposto no nº 1 do artº 38º e art. 43º do CAC, aprovado pelo Reg. (CEE) n° 2913/92 do conselho, de 12 de Outubro e são constitutivos de dívida aduaneira, de acordo com a alínea a) do nº 1 do artº 202 do CAC.
(...)
8- PROJECTO DE CONCLUSÕES E AUDIÊNCIA PRÉVIA
Em 27.05.2003, a empresa foi notificada pessoalmente do Projecto de Conclusões, tendo exercido o seu direito de audiência prévia em 06.06.2003, através de carta entregue pessoalmente pelo seu representante, da qual se salienta o seguinte:
- A empresa não coloca em causa a recepção das remessas de mercadorias provenientes de países terceiros, referenciadas no projecto de conclusões, nas suas instalações. No entanto alega que, não possui documentos comprovativos da introdução em livre prática das mercadorias provenientes das empresas do grupo, A……….. Hungary (Hungria) e A………. Polska e C……….. (ambas localizadas na Polónia) porque as mercadorias foram introduzidas em livre prática em estâncias aduaneiras de diversos Estados-membros da Comunidade por vários operadores (em regime 4200).
- A empresa entende que as mercadorias que não possuem documentos comprovativos da introdução em livre prática, não poderão ser consideradas irregularmente introduzidas no TAC, sem cumprimento das obrigações de condução e apresentação à Alfândega a que se referem os artº 38º- nº 1 e 43º do CAC.
Perante as declarações prestadas pela empresa, considero que continua a não existir prova de que a as mercadorias tenham sido introduzidas em livre prática noutro país da comunidade, pelo que deverão ser consideradas mercadorias não comunitárias, por isso introduzidas irregularmente no TAC, uma vez que:
1) O facto de a empresa, relativamente às remessas referenciadas no Projecto de Conclusões, trata-las em sede de IVA como aquisições intracomunitárias ou operações assimiladas, procedendo à liquidação do IVA, de acordo com o artº 23º do RITI e a respectiva declaração, de acordo com o artº 25º, também do RITI, não garante, por si só, que as mercadorias em causa tenham sido correctamente introduzidas em livre prática, numa estância aduaneira de outro Estado membro, até porque, a referida liquidação do IVA não poderá ser efectuada com base numa factura de um país terceiro, único documento registado na contabilidade, sob pena de aquela operação não ser controlada em sede de VIES.
2) Existem facturas de compra, por parte da A……….. PT a um fornecedor localizado num país terceiro, devidamente registadas na contabilidade da empresa, constituindo aquelas facturas os únicos documentos facultados pela empresa e, de acordo com o seu representante, os únicos documentos que a empresa possui.
A existência de uma factura, emitida por um fornecedor localizado num país terceiro, registe da na contabilidade da empresa, pressupõe o envio e posterior introdução no TAC de mercadoria não comunitária.
O artº 313º das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (DACAC) refere que “...Sem prejuízo do artº 180º do Código e das excepções referidas no nº 2 do presente artigo, todas as mercadorias que se encontram no território aduaneiro da Comunidade são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se se provar que não têm estatuto comunitário. “. Assim, o nº 2 al. a) do mesmo artigo, do citado diploma legal, refere que “...não são consideradas mercadorias comunitárias, salvo se o respectivo estatuto comunitário for devidamente comprovado, nos termos dos artigos 314º. A 323º” e continua na alínea a) do mesmo artigo., “As mercadorias introduzidas no território aduaneiro da Comunidade em Conformidade com o artº 37º do Código.” Ora, no caso em análise, essa prova não aconteceu.
3) Relativamente ao facto de a empresa alegar que “...seria, aliás, incompreensível que, perante um tão elevado número de operações não concluídas nos termos previstos no artº 92º do CAC, não houvesse notícia de instauração quanto a nenhuma delas do procedimento de inquérito a que se refere o art.º 366º das DACC.” nada nos diz que a mercadoria foi sujeita ao regime de trânsito, com destino a Portugal (...)” - cfr. fls. 79 a 140 dos autos.
6. Em 25.06.2003 o Núcleo de Informações e Fiscalização da Alfândega do Freixieiro da Direcção-Geral das Alfândegas e das Impostos Especiais sobre o Consumo, remeteu à aqui Impugnante o ofício n.º 03/211 dando-lhe conta do resultado do procedimento inspectivo descrito em 2., remetendo em anexo 11 fls. – cfr. fls. 78 a 140 dos autos.
7. A Divisão de Controlo Aduaneiro e Venda de Mercadorias da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo remeteu à Impugnante em 26 de Agosto de 2003 o ofício n.º 003262 com o seguinte teor. “(...) Para os devidos efeitos, fica V. Exa. Notificado do despacho de 21/08/2003, exarado pelo Director Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto, para pagar o montante em Euros de 353.903,04 (trezentos e cinquenta e três mil, novecentos e três euros e quatro cêntimos), a que se reporta a dívida aduaneira objecto do registo de liquidação n° 900.129 de 22/08/2003, nos termos do art.º 220º do Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Reg (CEE) n°. 2913/92, do Conselho, pelo prazo de 10 dias a contar da data da recepção da presente notificação. (...)”— cfr. fls. 442 a 445 dos autos.
8. A comunicação descrita em 7. foi recepcionada pela Impugnante em 27 de Agosto de 2003.
9. Na sequência da liquidação identificada em 7., a Impugnante procedeu em 8 de Setembro de 2003 ao pagamento do montante de €353.903,04 — cfr. fls. 212 dos autos.
10. A Direcção-Geral das Contribuições e Impostos autorizou a Impugnante a deduzir o montante total de €273.787,38 respeitante ao IVA liquidado pela Divisão de Controlo Aduaneiro e Venda de Mercadorias da Direcção Regional de Contencioso e Controlo Aduaneiro do Porto da Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, tendo deduzido o montante de €123.508,18 na declaração periódica de IVA relativa ao mês de Novembro de 2003, entregue em Janeiro de 2003, o montante de €106 491,84 na declaração periódica de IVA relativa ao mês de Dezembro de 2003, entregue em Fevereiro de 2004, o montante de €40.690,67 na declaração periódica de IVA relativa ao mês de Janeiro de 2004, entregue em Março de 2004 e o montante de €3.095,97 na declaração de Março de 2004, entregue em Maio de 2004 – cfr. fls. 463 a 495 dos autos.
11. A A………. Hungary RT emitiu as seguintes facturas à aqui Impugnante, cfr. fls. 418 e 419 dos autos:


12.A A……… Polska emitiu as seguintes facturas à aqui Impugnante, cfr. fls.
413 e 414 dos autos:


13. A B…………. emitiu as seguintes facturas à aqui Impugnante, cfr. fls. 410 dos autos:

14. Pelos factos decorrentes do procedimento inspectivo descrito em 2. foi instaurado procedimento criminal, que originou o processo de inquérito n.º 3/03.2AAPRT, a correr termos nos Serviços do Ministério Público de Vila Nova de Gaia, 4ª Secção — cfr. fls. 497 e 497 dos autos.».
*
3.1. No acórdão proferido a fls. 733 a 746 entendeu-se ser controvertida a questão de saber se as mercadorias em causa, nos presentes autos, têm estatuto comunitário, aplicando-se o disposto no n.º 1 artigo 313.º do DACAC ou se, pelo contrário, se lhes aplica o disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 313.º, presumindo que têm carácter não comunitário.
Foi decidido, por isso, proceder ao reenvio prejudicial ao TJUE, conforme também havia sido solicitados pela recorrente.
Assim este Supremo Tribunal Administrativo colocou ao TJUE a seguinte questão:
«Justifica-se a intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia, no âmbito de pedido de reenvio prejudicial, com vista a encontrar uma interpretação e aplicação conforme do direito da União pelos tribunais nacionais face à existência de fundadas dúvidas, no quadro do direito da União, acerca do sentido e do âmbito do disposto no nº 1 do artigo 313º das DACAC, com vista a determinar se é de presumir que têm as mercadorias a que se referem os presentes autos carácter comunitário se não se comprovar que não têm esse estatuto, ou se devem ser consideradas como mercadorias introduzidas no território aduaneiro em conformidade com o artigo 3° do Código, abrangidas pela exceção prevista na primeira parte da al a) do n 2 do mesmo artigo 313°, e apenas se aceitando que têm estatuto comunitário aquelas para as quais seja apresentada prova de que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da CE.».
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3.2. A esta questão a Sexta Seção do TJUE respondeu da seguinte forma:
«O artigo 313.º do Regulamento (CEE) n.º 2454/93 da Comissão, de 2 de julho de 1993, que fixa determinadas disposições de aplicação do Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 75/98 da Comissão, de 12 de janeiro de 1998, deve ser interpretado no sentido de que mercadorias como as que estão em causa no processo principal, fornecidas e faturadas por sociedades com sede em países terceiros a uma sociedade com sede no território aduaneiro da União Europeia, para aí serem utilizadas, foram introduzidas neste território, na aceção do artigo 37.º do Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho, de 12 de outubro de 1992, que estabelece o Código Aduaneiro Comunitário, conforme alterado pelo Regulamento (CE) n.º 82/97 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 19 de dezembro de 1996, e estão abrangidas, a esse título, pela exceção prevista no artigo 313.º, n.º 2, alínea a), do Regulamento n.º 2454/93, conforme alterado pelo Regulamento n.º 75/98, uma vez que o estatuto de mercadorias comunitárias só é reconhecido às mercadorias para as quais se provar que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da União.».
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3.3. A Sexta Seção do TJUE sustentou a resposta à questão colocada, essencialmente, na seguinte ponderação:
«…39 Para dar uma resposta útil ao órgão jurisdicional de reenvio, há que determinar o alcance da presunção prevista no artigo 313.º, n.º 1, do regulamento de aplicação e das exceções que figuram no n.º 2 deste artigo, numa perspetiva sistémica mais abrangente, relacionando estas disposições com as disposições relevantes do Código Aduaneiro, nomeadamente as aplicáveis às mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União, ao estatuto de mercadorias comunitárias e ao procedimento de introdução em livre prática no território aduaneiro da União de mercadorias importadas de países terceiros.
40 A este respeito, em primeiro lugar, na medida em que o artigo 313.º, n.º 2, do regulamento de aplicação ao conceito de «mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União», na aceção do artigo 37.º do Código Aduaneiro, o mesmo deve ser interpretado, nomeadamente, à luz do artigo 4.º, pontos 13 e 19, e dos artigos 37.º, 38.º, 40.º, 43.º e 45.º do Código Aduaneiro, que fazem parte do título III deste código, consagrado, designadamente, às obrigações associadas à introdução de mercadorias no território aduaneiro da União, à sua sujeição a fiscalização aduaneira até ser determinado o respetivo estatuto aduaneiro, bem como às regras relativas à apresentação e à declaração aduaneiras.
41 A fiscalização pelas autoridades aduaneiras está definida no artigo 4.°, ponto 13, do Código Aduaneiro como a ação empreendida a nível geral pelas autoridades aduaneiras destinada a assegurar o cumprimento da legislação aduaneira.
42 Nos termos do artigo 37.º do mesmo código, as mercadorias introduzidas no território aduaneiro da União ficam, desde essa introdução, sujeitas à fiscalização aduaneira. No âmbito desta fiscalização, podem ser sujeitas a controlo por parte das referidas autoridades, nos termos das disposições em vigor, e permanecem sob fiscalização o tempo necessário para determinar o seu estatuto aduaneiro e, tratando-se de mercadorias não comunitárias, até mudarem de estatuto aduaneiro, serem colocadas numa zona franca ou num entreposto franco ou serem reexportadas ou inutilizadas (Acórdão de 3 março de 2005, Papismedov e o., C-195/03, EU:C:2005:131, n.º 21).
43 No n.º 22 do Acórdão de 3 de março de 2005, Papismedov e o. (C-195/03, EU:C:2005:131), o Tribunal de Justiça observou que as mercadorias que chegam ao território da União ficam sujeitas à fiscalização aduaneira desde a sua introdução neste território, quer esta tenha sido realizada regularmente quer em violação dos artigos 38.º a 41.º e do artigo 177.º, primeiro parágrafo, segundo travessão, do Código Aduaneiro, o que as autoridades fiscalizadoras devem apurar através do controlo que exercem. Por conseguinte, a sujeição das mercadorias a essa fiscalização não está ligada à regularidade da introdução destas últimas no referido território.
44 Várias disposições do Código Aduaneiro permitem delimitar o conceito de «introdução irregular». Assim, o artigo 202.º do Código Aduaneiro define o conceito de introdução irregular como qualquer introdução, com violação dos artigos 38.º a 41.º e do artigo 177.º, primeiro parágrafo, segundo travessão, desse código, de uma mercadoria sujeita a direitos de importação quer no território aduaneiro da União quer noutra parte desse território, apesar de a mercadoria se encontrar numa zona franca ou num entreposto franco (Acórdão de 3 de março de 2005, Papismedov e o., C-195/03, EU:C:2005:131, n.º 25).
(…)
46 Resulta da própria letra de todas as disposições referidas que, para se poder considerar que foi regularmente introduzida no território aduaneiro da União, uma mercadoria deve, logo à chegada, ser conduzida a uma estância aduaneira ou a uma zona franca e apresentada à alfândega. Esta última obrigação, que incumbe ao responsável pela introdução ou à pessoa que toma a seu cargo o transporte, tem como objetivo assegurar que as autoridades aduaneiras foram informadas não só da chegada das mercadorias mas também de todos os dados pertinentes quanto ao tipo de artigo ou de produto em causa bem como da quantidade dessas mercadorias. Com efeito, são estas informações que vão permitir a identificação correta daquelas mercadorias para efeitos da sua classificação pautal e, eventualmente, do cálculo dos direitos de importação (Acórdão de 2 de abril 2009, Elshani, C-459/07, EU:C:2009:224, n.º 22 e jurisprudência referida).
(…).
50 Daqui decorre que qualquer sociedade que, como a D…………., tenha nas suas instalações, situadas no território aduaneiro da União, mercadorias adquiridas a empresas com sede em países terceiros, deve poder, na qualidade de pessoa interessada nas operações em causa efetuadas no âmbito das trocas de mercadorias, na aceção do artigo 14.º do Código Aduaneiro, provar que essas mercadorias foram apresentadas numa estância aduaneira da União e que foi entregue nesta estância aduaneira uma declaração sumária ou que foram cumpridas as formalidades com vista a dar um destino aduaneiro às mercadorias em causa. Caso essas obrigações não tenham sido satisfeitas, há que considerar que houve «introdução irregular no território aduaneiro da Comunidade de uma mercadoria sujeita a direitos de importação», na aceção do artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do Código Aduaneiro.
51 Em segundo lugar, cumpre interpretar o artigo 313.º do regulamento de aplicação em relação com as disposições do Código Aduaneiro relativas ao estatuto de mercadoria comunitária e com o procedimento de introdução em livre prática no território aduaneiro da União de mercadorias importadas de países terceiros.
52 Neste contexto, a título preliminar, há que recordar que o órgão jurisdicional de reenvio indica que não se questiona a entrega das mercadorias nas instalações da D......... nem das correspondentes faturas, registadas na, contabilidade da empresa, emitidas por fornecedor localizado num país terceiro. É, ainda, incontroverso que referentemente a tais mercadorias não foi demonstrada a sujeição aos procedimentos de introdução em livre prática em estância aduaneira da União.
53 A D………. alega, contudo, que o artigo 313.º do regulamento de aplicação assenta no princípio, consagrado no seu n.º 1, de presunção de que as mercadorias que se encontram no território aduaneiro da União são mercadorias da União, de acordo com o qual deveria admitir-se, na ausência de prova do contrário, que essas mercadorias foram produzidas nesse território, nos termos previstos no artigo 4.º, ponto 7, primeiro e terceiro travessões, do Código Aduaneiro, ou foram introduzidas em livre prática, em conformidade com o segundo travessão da mesma disposição e com o artigo 79.º do Código Aduaneiro. Segundo a D…………, esta presunção do estatuto aduaneiro comunitário de mercadorias como as que estão em causa no processo principal é aplicável, a menos que as autoridades aduaneiras demonstrem que têm o estatuto de mercadorias não comunitárias.
54 Como salienta a Comissão, este argumento não pode ser acolhido.
55 Por um lado, mercadorias como as que estão em causa no processo principal, faturadas por fornecedores com sede em países terceiros a uma sociedade que opera no território aduaneiro da União, não podem beneficiar do estatuto de mercadorias comunitárias se não for feita prova de que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da União.
56 Com efeito, em conformidade com o artigo 4.º, ponto 15, alínea a), e ponto 16, alínea a), do Código Aduaneiro, um dos destinos aduaneiros de uma mercadoria é a sua sujeição a um regime aduaneiro, e um dos regimes aduaneiros a que uma mercadoria pode ser sujeita é a introdução em livre prática. Além disso, a definição de mercadoria da União constante do artigo 4.º, ponto 7, do Código Aduaneiro confere este estatuto, nomeadamente, às mercadoras importadas de países que não fazem parte do território aduaneiro da União e que foram introduzidas em livre prática.
57 O artigo 24.º CE, aplicável à data dos factos no processo principal, previa que os produtos provenientes de países terceiros em relação aos quais se tenham cumprido as formalidades de importação e cobrado os direitos aduaneiros ou encargos de efeito equivalente exigíveis nesse Estado-Membro são considerados em livre prática num Estado-Membro.
58 O artigo 79.º do Código Aduaneiro prevê que a introdução em livre prática confere o estatuto aduaneiro de mercadoria comunitária a uma mercadoria não comunitária. A introdução em livre prática implica a aplicação de medidas de política comercial, o cumprimento das outras formalidades previstas para a importação de mercadorias, bem como a aplicação dos direitos legalmente devidos.
59 Por outro lado, no que diz respeito ao ónus da prova do estatuto aduaneiro de mercadorias em circunstâncias como as que estão em causa no processo principal, importa considerar que a presunção enunciada no artigo 313.º, n.º 1, do regulamento de aplicação é ilidida quando, no exercício do seu poder de controlo, a autoridade aduaneira demonstre que estão preenchidas as condições de aplicabilidade de certas exceções ou reservas previstas na referida disposição, nomeadamente, no processo principal, a condição referida no artigo 313.º, n.º 2, alínea a), do regulamento de aplicação. Numa situação deste tipo, como resulta do n.º 50 do presente acórdão, incumbe à sociedade importadora provar o estatuto comunitário da mercadoria em causa. Na falta dessa prova, é-lhe aplicável o disposto no artigo 202.º, n.º 1, alínea a), do Código Aduaneiro.
60 Como resulta do n.º 50 do presente acórdão e da leitura conjugada dos artigos 13.º e 16.º do Código Aduaneiro, uma sociedade importadora como a D…….. deve ser considerada uma pessoa interessada, na medida em que possuía nas suas instalações as mercadorias em causa acompanhadas das respetivas faturas emitidas pelos seus fornecedores com sede em países terceiros, e tem de fornecer às autoridades aduaneiras toda a assistência necessária bem como todos os documentos e informações, seja qual for o seu suporte.
61 Como indicado nos n.ºs 41 a 43 do presente acórdão, em aplicação do artigo 4.º, ponto 13, e do artigo 37.º do Código Aduaneiro, além do poder geral de controlo que lhes é conferido pelo artigo 13.º deste código, as autoridades aduaneiras também têm o poder de controlar mercadorias como as que estão em causa no processo principal ao abrigo do artigo 37.º do Código Aduaneiro, com vista a determinar se a sua introdução no território aduaneiro da União foi realizada regularmente ou em violação dos artigos 38.º a 41.º e do artigo 177.º, primeiro parágrafo, segundo travessão, deste código.
62 Conclui-se que, em circunstâncias como as do processo principal, incumbe à empresa importadora, como a D……….., produzir a prova do estatuto aduaneiro das mercadorias em causa, que, no seu entender, são mercadorias comunitárias. Caso não produza a prova do estatuto comunitário dessas mercadorias, as autoridades aduaneiras podem deduzir daí que as referidas mercadorias têm o estatuto de mercadorias não comunitárias.
63 Tendo em conta as considerações anteriores, há que responder à questão submetida que o artigo 313.º do regulamento de aplicação deve ser interpretado no sentido de que mercadorias como as que estão em causa no processo principal, fornecidas e faturadas por sociedades com sede em países terceiros a uma sociedade com sede no território aduaneiro da União, para aí serem utilizadas, foram introduzidas nesse território, na aceção do artigo 37.º do Código Aduaneiro, e estão abrangidas, a esse título, pela exceção prevista no artigo 313.º, n.º 2, alínea a), do regulamento de aplicação, uma vez que o estatuto de mercadorias comunitárias só é reconhecido às mercadorias para as quais se provar que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da União.».
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3.4. Por isso as mercadorias a que se reportam os presentes autos não podem beneficiar do estatuto de mercadorias comunitárias dado que não foi feita prova pela recorrente, conforme resulta da matéria de facto dado como provada, de que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da União.
*
Não beneficiam do estatuto de mercadorias comunitárias aquelas, relativamente às quais, como as constantes dos presentes autos, não foi feita prova pela recorrente de que foram sujeitas aos procedimentos de introdução em livre prática no território aduaneiro da União.
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4. Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em negar provimento ao recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 22 de maio de 2019. – António Pimpão (relator) - Francisco Rothes – Dulce Neto.