Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:042/13.6BEAVR 0497/17
Data do Acordão:02/06/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P24172
Nº do Documento:SA220190206042/13
Data de Entrada:05/03/2017
Recorrente:MASSA INSOLVENTE DE A..., SA
Recorrido 1:AT — AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA — Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro

. de 26 de Novembro de 2014


Julgou improcedente a impugnação.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

MASSA INSOLVENTE DE A………….., SA, representada pelo Administrador de Insolvência, veio interpor o presente recurso por oposição de julgados nos termos dos art.°s 280.º, n.° 5 e 284.° do Código de Procedimento e Processo Tributário da sentença supramencionada que se pronunciou sobre a legalidade do acto de liquidação de IVA de 2012/04, no montante de 242,50€, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

1. Vem a recorrente notificada da sentença que “Nos termos e com os fundamentos expostos, julga-se a presente impugnação improcedente.”, com o fundamento, em súmula, de que a impugnante não cessou a actividade para efeitos de IVA, nem tão pouco apresentou a declaração periódica a que estava obrigada, mantendo as obrigações declarativas após a declaração de insolvência. Ora,

2. A insolvente foi declarada insolvente no âmbito do Processo de Insolvência de Pessoa Colectiva n.º 441/12.0T2AVR, do Juízo do Comércio de Aveiro, por sentença declaratória de Insolvência datada de 09.03.2012.

3. Deste modo, em função daquela data, não pode a recorrente conformar-se com a decisão proferida pois que, com o devido respeito, a liquidação pretendida operar reporta-se a um período POSTERIOR à declaração de insolvência, não sendo sequer a Massa Insolvente sujeito passivo de imposto, pelo que carece de fundamento a sentença recorrida. É que;

4. Deveras, como vem sendo entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina, a Massa Insolvente e o Administrador da Insolvência não estão obrigados a proceder à entrega de quaisquer declarações periódicas. Assim;

5. Sufraga a sentença ora recorrida o entendimento da Administração Fiscal de que o Administrador da Insolvência / Massa Insolvente procedesse à entrega de declaração de IVA, na pendência do Processo de Insolvência, originando a liquidação que se impugna. Aliás,

6. De facto, andou mal o Tribunal a quo ao considerar a improcedência da oposição apresentada.

É que;

7. pretende a Administração fiscal que o Administrador da Insolvência / massa insolvência procedesse à entrega de declaração do período posterior ao processo de insolvência. No entanto;

8. o Administrador da Insolvência é claramente parte ilegítima para se encontrar demandado, já que, na qualidade de Administrador da Insolvência, este NÃO É REPRESENTANTE da sociedade insolvente nos termos e para os efeitos consignados no CIVA. Na verdade,

9. da mesma forma, não pode a Administração Fiscal pretender assacar à actividade e processualismo de um processo de insolvência que corre subordinado ao diploma ESPECIAL CONSUBSTANCIADO NO C.I.R.E. a factualidade processual que decorre da figura da «liquidação de sociedades» imposta pelo CIRC e pelo CPPT. De facto,

10. a Administração Fiscal insiste obsessivamente a confundir o instituto da “liquidação” de sociedades com o instituto da “insolvência”. Ora,

11. os mesmos não são comparáveis / compagináveis, dispensando-se o aqui exponente de discorrer longamente sobre as disparidades / conflitualidade que ostentam as situações em causa. E,

12. Por outro lado e em primeiro lugar, a declaração de insolvência opera a DISSOLUÇÃO IMEDIATA DA SOCIEDADE — cfr. art.° 141.°, alínea e) do CSComerciais -, embora se mantenha a personalidade jurídica e

13. em segundo lugar, seria muito estranho que a Massa Insolvente apresentasse actividade sujeita a tributação!

14. Da mesma forma, as contas da agora Massa Insolvente NÃO PODEM SER FISCALIZADAS PELA ADMINISTRAÇÃO FISCAL, designadamente, ao nível da apresentação ou não das declarações tributárias,

15. a actividade tributária agora dirigida contra a opositora constitui, ainda, uma violação de princípios fundamentais da relação tributária, designadamente, O PRINCÍPIO DO PROCEDIMENTO TRIBUTÁRIO, PRINCÍPIO DA DECISÃO, PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO e da BOA FÉ, previstos nos art.°s 55.º, 56.º e 59.º, n.°s 1 a 3 da LGTributária.

E que,

16. À Massa Insolvente e ao Administrador da Insolvência não pode ser imputada qualquer obrigação adveniente dos actos próprios do exercício de qualquer actividade de GERÊNCIA da sociedade.

17. Dito de outra forma, o escopo do Administrador de Insolvência é, exclusivamente, a atribuição de valor aos credores, por via da liquidação do património da massa falida, não podendo assumir os deveres funcionais do T.O.C.;

18. Sendo que, após a declaração de insolvência, os únicos responsáveis pelos cumprimentos das declarações de imposto são quem tem competência legal para tal, designadamente, em regra, os T.O.C. que, deixam de existir, na prática, na massa insolvente, não sendo substituídos na sua função por qualquer outro profissional.

19. Por seu lado, a empresa, declarada insolvente, não deixa de ser representada neste processo, para efeitos tributários, pelo seu legal representante E NÃO o AI e a respectiva Massa Insolvente;

20. É este o princípio que releva claramente do disposto no art.º 82.º, n.º 1 do CIRE.

21. O Administrador da Insolvência cumpriu as suas obrigações legais e requereu atempadamente a citação pessoal dos dirigentes dos serviços centrais da administração fiscal, assim como a do Ex.mo Chefe do Serviço de Finanças da área de actividade comercial da insolvente, o que permitiu ao credor Fazenda Nacional a remessa de certidões de dívida para reclamação, através do representante do Ministério Público, e;

22. Com a declaração de insolvência, opera-se a “morte” da sociedade, pois que a mesma não pode ser prefigurada nos mesmos moldes que a dissolução de sociedade, como pretende a Administração Tributária. Assim sendo,

23. Tenta a Administração Fiscal obter dividendos de tributação e, no rateio/distribuição do produto da liquidação, ainda obter pagamentos preferenciais constituiria um duplo ónus que recairia sobre os restantes credores em benefício apenas de uma entidade;

24. Significando: revelar-se-ia manifestamente desproporcional que o processo de insolvência fosse colocado em pé de igualdade com uma mera execução fiscal, servindo apenas para a Fazenda Nacional actuar na mera posição de reclamante dos seus créditos, mais a mais privilegiados, sem atender à particular condição dos demais credores e da falência.

25. CAUTELARMENTE e neste sentido, a sentença agora recorrida encontra-se em oposição com diversos Acórdãos e centenas de sentenças, nomeadamente:

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 09.02.2011, proferido no âmbito do Processo n.º 0617/10, em que foi Relator Dulce Neto, publicado em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/478991baa56b1ff78025783a003f0ebb?OpenDocument&ExpandSection=1

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14.04.2010, proferido no âmbito do Processo n.º 051/10, em que foi Relator Isabel Marques da Silva, publicado em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/6ef8be60395ae0988025770b0056dc05?OpenDocument&ExpandSection=1

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.02.2008, proferido no âmbito do Processo n.º 01057/07, em que foi Relator Miranda de Pacheco, publicado em

http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3a614987ae26fa9d80257401005952fa?OpenDocument;

- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15.03.2007, proferido no âmbito do Processo n.º 07B436, em que foi Relator Oliveira Rocha, publicado em

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/954f0ce6ad9dd8b980256b5f003fa814/ec2f2f223ce69bde802572aa004c0a85?OpenDocument

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no âmbito do Processo n.º 674/084IDLSB-A.L1-3, em que foi Relator Maria José Costa Pinto, publicado em

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/9bf4b90a4fcacdfb8025793500523f26?OpenDocument

- Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26.01.2011, proferido no âmbito do Processo n.º 559/07.1TALSD.P1, em que foi Relator Cravo Roxo, publicado em

http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/56a6e7121657f91e80257cda00381fdf/baaa4291c0c511c38025783b003b3c9b?OpenDocument

- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30.06.2011, proferido no âmbito do Processo n.° 178/10.5IDLSB-A.LI, em que foi Relator Maria José Costa Pinto, publicado em

http://www.dgsLpt/jtrl.nsf/e6e1f17fa82712ff80257583004e3ddc/9bf4b90a4fcacdfb8025793500523f26?OpenDocument;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3/11/1999, proferido no âmbito do Processo n.º 24.046, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 15/06/2000, proferido no âmbito do Processo n.º 25.000, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 21/01/2003, proferido no âmbito do Processo n.º 01895/02, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 26/02/2003, proferido no âmbito do Processo n.º 01891/02, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/01/2005, proferido no âmbito do Processo n.º 1569/03, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 6/10/2005, proferido no âmbito do Processo n.º 715/05, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 16/11/2005, proferido no âmbito do Processo n.º 524/05, publicado em http://www.dgsi.pt;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/02/2008, proferido no âmbito do Processo n.º 1057/07, publicado em http://www.dgsi.pt e;

- Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 12/03/2008, proferido no âmbito do Processo n.º 1053/07, em que foi Relator Brandão de Pinho, publicado em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22elbble680256f8e003ea931/27c598294b7baab480257418004clcd6?OpenDocument&ExpandSection=1.

26. Tal entendimento veio a ser clarificado para o ordenamento jurídico através da redacção dada ao art.º 65.º do C.I.R.E., introduzida pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril. Na realidade,

27. O art.º 65.º n.º 2 do CIRE de forma taxativa veio dispor que “As obrigações declarativas a que se refere o número anterior subsistem na esfera do insolvente e dos seus legais representantes, os quais se mantêm obrigados ao cumprimento das obrigações fiscais, respondendo pelo seu incumprimento.”.

28. Por outro lado, a declaração de insolvência corresponde à morte da sociedade, pelo que é, no mínimo ILEGAL a pretendida liquidação de IVA referente a período posterior à declaração de insolvência, resumindo-se a competência do Administrador da Insolvência à representação patrimonial da insolvente.

29. Aliás, este entendimento tem encontrado sufrágio e ratificação nas diversas instâncias, no sentido de ver reconhecida a especificidade da prática enquanto Administrador da Insolvência e a correlação com as suas obrigações fiscais.

30. Ou seja, resumindo o entendimento maioritário da jurisprudência, temos;

POR UM LADO;

a. De que a declaração de falência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respectivas obrigações declarativas e;

POR OUTRO LADO;

b. Que, a manterem-se quaisquer obrigações declarativas, as mesmas são da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca do Administrador da Insolvência;

31. Neste contexto, com o devido respeito, no entendimento da recorrente, mal andou a sentença recorrida na interpretação que fez da lei, in casu, o CIRE, tal significando que uma sociedade declarada insolvente entra numa fase de liquidação judicial e não administrativa ou fiscal, razão pela qual não pode a Administração Fiscal exigir o que o CIRE não exige, ou levantar obstáculos ao adequado desempenho das funções do Administrador da Insolvência;

32. Nomeadamente impondo-lhe que entregue declarações às quais não se encontra obrigado !!!

POR TUDO ISTO;

33. Em caso de declaração de insolvência, as normas fiscais cedem perante a prevalência das normas que regulam o processo de insolvência!

34. Não existe nesta linha de entendimento qualquer divergência ou incompatibilidade entre as normas do CIRE e as normas da Lei Geral Tributária/LGT e do Código de Procedimento e de Processo Tributário/CPPT, já que o carácter indisponível destas normas, encontrando o seu fundamento no princípio da legalidade da administração tributária nas suas relações com os devedores, terá de se reduzir à concepção de que, atenta a especificidade do processo de insolvência e a tendencial igualdade dos credores do insolvente, NÃO devem ser invocadas de modo a postergar a auto-regulação dos credores. Isto é,

35. os citados normativos têm o seu campo de aplicação na relação tributária, em sentido estrito, não encontrando apoio no contexto do processo especial como é o processo de insolvência, onde o Estado deve intervir também com o fito de contribuir para uma solução, se essa for a vontade dos credores, numa perspectiva ampla de auto-regulação e de desjudicialização.

36. A Massa Insolvente/Administrador da Insolvência cumpriu as suas obrigações legais e requereu atempadamente a citação pessoal dos dirigentes dos serviços centrais da administração fiscal, assim como a do Ex.mo Chefe do Serviço de Finanças da área de actividade comercial da insolvente, o que permitiu ao credor Fazenda Nacional a remessa de certidões de dívida para reclamação, através do representante do Ministério Público.

37. Pelo que, por tudo quanto resulta supra exposto, deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da rejeição do recurso, nos termos do art.º 288.º, n.º 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário, por falta de oposição de julgados.

Tal parecer foi notificado às partes, vindo a recorrente a considerar que se verificava oposição de julgados por entender que a questão a dirimir é: «Por um lado que a declaração de falência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respectivas obrigações declarativas e, por outro lado, que a manterem-se quaisquer obrigações declarativas, as mesmas são da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca do Administrador de insolvência».

O valor da acção 242,50€, tal como fixado na sentença recorrida sem ter sido alvo de recurso é inferior a ¼ das alçadas fixadas para os tribunais judiciais de 1.ª instância — 1250,00€, vigente à data da instauração da impugnação do acto de liquidação -, pelo que não é admissível recurso ordinário, nos termos do disposto no art.º 280.º, n.º 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Porém, nos termos do n.º 5 do mesmo preceito, a existência de alçadas não prejudica o direito ao recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisões que perfilhem solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito e na ausência substancial de regulamentação jurídica, com mais de três sentenças do mesmo ou outro tribunal de igual grau ou com uma decisão de tribunal de hierarquia superior.

Para aferir da admissibilidade do presente recurso importará, pois, encontrar uma decisão de tribunal de hierarquia superior que perfilhe solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito sem que se tenha verificado alteração substancial de regulamentação jurídica. A recorrente apresentou uma pluralidade de decisões do Supremo Tribunal Administrativo, do Supremo Tribunal Justiça, de Tribunais da Relação que, em seu entender perfilhavam uma decisão oposta à da sentença recorrida. Não fez indicação de uma decisão das muitas que referiu que, em concreto, fosse oposta à decisão recorrida, nem para tal foi convidada, por se ter entendido que nenhuma dúvida surgia nem quanto à questão em que pretende verificar-se a oposição, nem quanto às soluções adoptadas pelas decisões fundamento que indicou.

Não se verificou alteração substancial da regulamentação jurídica entre a data de prolação das decisões indicadas como acórdão fundamento e a decisão recorrida.

Por outro lado, teremos que desconsiderar as decisões indicadas e proferidas por um Tribunal comum, uma vez que a lei não prevê que possa ser relevante para uniformização do direito que os Tribunais Comuns e os Tribunais Administrativos e Fiscais decidam uma qualquer questão jurídica em sentido divergente, nem elegeu um Tribunal de uma das duas ordens para decidir tal eventual oposição.

Quanto às decisões indicadas como proferidas pelo Supremo Tribunal Administrativo apesar de muitas e proferidas num largo espaço temporal poderiam agrupar-se numa mesma decisão na medida em que todas foram proferidas em processo de contra-ordenação fiscal e todas concluem que:«A dissolução, por declaração de falência/insolvência, nos termos dos artigos 141.º a 146.º do Código das Sociedades Comerciais, de sociedade arguida em processo contra-ordenacional, acarreta a extinção do respectivo procedimento por dever considerar-se, para o efeito, equivalente à morte da pessoa física.», com excepção do acórdão 051/10 de 14/04/2010, relativa a oposição à execução fiscal sobre matéria completamente diversa onde se discutia se pode instaurar-se e prosseguir execução fiscal contra um executado antes declarado falido, por dívida vencida após a declaração de falência.

Como consta da decisão recorrida «A questão fulcral que se coloca nos presentes autos, reconduz-se à questão de saber se uma sociedade, declarada insolvente, em fase de liquidação do seu património, tem a obrigação de apresentação das declarações periódicas para efeitos de tributação em sede de IVA, e ainda da eventual [in]existência de actividade geradora de rendimento sujeito a tributação.». Na sua fundamentação aderiu à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, que tem vindo a entender, que declarada a falência de uma sociedade comercial, ela entra em liquidação mas mantém a sua personalidade jurídica até a partilha do produto dos seus bens, mantendo-se vinculada a determinadas obrigações fiscais e, ao cumprimento atempado de obrigações declarativas, citando os seguintes acórdãos da secção de contencioso tributário do STA:

- de 24/02/2011, proferido no processo n.º 01145/09;

- de 14/06/2012, proferido no processo n.º 0816/11.

(...) Aliás, o facto de uma sociedade ter sido declarada insolvente e haver entrado em fase de liquidação, não obsta a que, nos termos dos artigos 230.º e 234.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE), em vigor desde 18/09/2004, haja possibilidade de a sociedade poder retomar a sua actividade comercial após ter sido declarada insolvente.

O que significa que, relativamente às sociedades em processo de insolvência, não é o facto de se tratar de uma execução universal de bens e de se estar em presença de uma situação económica deficitária que impede que se possam verificar ganhos fortuitos e inesperados, vendas de bens por valores que podem não só solver todas as dívidas como gerar sobras, incrementos patrimoniais esses para os quais nenhuma razão subsiste para se furtarem a tributação em sede de IVA.

Na verdade resulta do probatório (cfr. pontos 2. e 3.), que a Impugnante somente cessou a actividade para efeitos de IVA em 26/04/2014, e não apresentou a declaração periódica a que estava obrigada.

Desta feita, verificada, pois, a continuidade da sua qualidade de sujeito passivo de IVA, incumbia à Impugnante provar a inexistência de facto tributário, em resultado da inactividade do sujeito passivo e falta de obtenção de quaisquer receitas, o que constitui um vício que pode ser imputado à liquidação oficiosa do imposto por falta de entrega da declaração periódica de rendimentos.

Ora, no caso sub juditio, a esse propósito nada ficou provado, nem a Impugnante alegou o quer que fosse de concreto, antes se limitando, vaga e genericamente, a alegar que «seria muito estranho que a Massa Insolvente apresentasse actividade sujeita a tributação» (cfr. artigo 13.º da petição inicial)

Assim, não tendo a Impugnante alegado factos concretos que permitissem ao Tribunal confirmar essa afirmação e acompanhá-la nessa conclusão, ficamos aptos a validar a actuação da AT, no exercício do poder-dever que lhe incumbe nos termos do artigo 88.º n.º 1 do CIVA, na redacção introduzida pela Lei n.º 64-3/2011, de 30/12, que assim dispõe:

«Se a declaração periódica prevista no artigo 41.º não for apresentada, a Direcção-Geral dos Impostos, com base nos elementos de que disponha, relativos ao sujeito passivo ou ao respectivo sector de actividade, procede à liquidação oficiosa do imposto, a qual tem por limite mínimo um valor anual igual a seis ou três vezes a retribuição mínima mensal garantida, respectivamente, para os sujeitos passivos a que se referem as alíneas a) e b) do n.º 1 daquele artigo.»

A Impugnante estava enquadrada no regime normal mensal de IVA (cfr. ponto 2. do probatório), pelo que, o valor do imposto devido resulta das seguintes operações:

6x €485,00 = €2.910,00/12 (meses) = €242,50.»

Torna-se claro que nestes autos está em causa decidir se a sociedade declarada insolvente, não o administrador de insolvência, ainda que seja ele que em juízo representa a sociedade insolvente, tinha ou não que apresentar a declaração de IVA durante o período em que manteve a sua actividade, mesmo depois de ser declarada insolvente, tendo o Tribunal recorrido concluído que sim.

Tal decisão, proferida numa relação jurídico-tributária apenas regulada pelas normas tributárias e, subsidiariamente pelos diplomas indicados no art.º 2.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, não está em contradição com outras que, proferidas no âmbito do processo de contra-ordenação fiscal, regulado pelo Regime Geral das Infracções Tributárias cujo direito subsidiário consta do seu art.º 3.º, b) e nos conduz ao Regime geral do ilícito de mera ordenação Social que, por sua vez, sendo um ilícito penal de menor gravidade adopta em termos subsidiários os princípios de direito penal e processual penal, art.º 32.º e 41.º do DL 433/82 de 22 de Dezembro.

Os ilícitos contra-ordenacionais têm uma natureza diversa dos impostos, visam reprovação de condutas e finalidades de prevenção geral e especial enquanto estes prosseguem exclusivamente objectivos de arrecadação de receitas demandando, por isso, diversas regulamentações que naqueles acentuam o cariz subjectivo das condutas e se norteiam por índices de culpa — censura ético jurídica de condutas em que o agente infringe o direito adoptando condutas ilícitas quando podia e devia ter agido em conformidade com o direito — enquanto nos impostos se acentua a objectividade das condutas de modo indiferente a qualquer censura ético jurídica. A censura ético-jurídica exige um ente vivo, operante e livre que numa sociedade comercial não existe após a declaração de insolvência porque as pessoas singulares que formam e exteriorizam a vontade social deixam de poder validamente actuar. As declarações periódicas de IVA requerem apenas operações objectivas de contabilização de documentação e operações comerciais que podem continuar a existir depois da declaração de insolvência, com a supervisão do administrador de insolvência, dos credores e do Tribunal de insolvência, enquanto a actividade comercial se mantiver podendo continuar a gerar valores sujeitos a tributação.

Assim, apenas podemos concluir que não apresentou a recorrente uma decisão proferida por um Tribunal de hierarquia superior ao Tribunal recorrido que haja perfilhado solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de direito indicado pela recorrente:

1- A declaração de falência determina a extinção/morte da sociedade, cessando, consequentemente, as respectivas obrigações declarativas;

2- A manterem-se quaisquer obrigações declarativas, as mesmas são da responsabilidade dos legais representantes da insolvente e nunca do Administrador de insolvência.

Nestes termos, não se mostram reunidos os pressupostos legais constantes do art.º 280, n.º 5 para que o recurso possa ser admitido.

Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso.

Sem custas — art.º 4.º, alínea u) do Regulamento das Custas Processuais Custas.

(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131.º n.º 5 do Código de Processo Civil, ex vi art.º 2.º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2019. – Ana Paula Lobo (relatora) – Francisco Rothes – Aragão Seia.