Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0877/13
Data do Acordão:12/04/2013
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:VALENTE TORRÃO
Descritores:IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS
AVALIAÇÃO
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
RECLAMAÇÃO
Sumário:Impugnando o contribuinte as liquidações de IMI, não com fundamento em erro na avaliação, mas com fundamento noutros vícios, nomeadamente na ilegalidade da decisão que ordenou a avaliação, é admissível como meio processual adequado para obter a anulação de tais liquidações a impugnação judicial.
Nº Convencional:JSTA00068489
Nº do Documento:SA2201312040877
Data de Entrada:05/17/2013
Recorrente:A...., S.A.
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR PROC TRIBUT CONT - IMPUGN JUDICIAL.
DIR FISC - IMI
Legislação Nacional:CIMI03 ART77.
CPPTRIB99 ART134 ART54.
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1.“A….., SA”, veio recorrer da decisão do Mmº Juiz do TAF de Aveiro que julgou improcedente, por erro na forma do processo, a impugnação por aquela deduzida contra a liquidação de IMI dos anos de 2005 a 2008, apresentando, para o efeito, alegações nas quais conclui:

1ª) O ERRO NA FORMA DO PROCESSO CONTEMPLADO NO ARTIGO 199º DO CPC CONSISTE EM TER O AUTOR USADO DE UMA FORMA PROCESSUAL INADEQUADA PARA FAZER VALER A SUA PRETENSÃO, PELO QUE O ACERTO OU ERRO NA FORMA DO PROCESSO SE TEM DE AFERIR PELO PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO.

2ª) A pretensão final expressa da Recorrente é a anulação das liquidações adicionais relativas aos anos de 2005-2006-2007 e 2008.

3ª) A estas liquidações adicionais, a Recorrente imputou os vícios de violação dos princípios da igualdade tributária e da imparcialidade da Administração fiscal.

4ª) À luz do nº 1- c) do artº 97º do CPPT, a forma de processo impugnação judicial é a forma processual adequada quando está em causa a decisão de reclamação graciosa de ato tributário que comporte a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

5ª) A forma de processo de impugnação judicial utilizada pela Recorrente é a forma processual adequada, atentos o pedido formulado e o referido - Artº 97º, nº. 1 alínea c) do CPPT.

6ª) No contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária.

7ª) Nos procedimentos tributários que conduzem a um ato de liquidação de imposto, a esfera jurídica do contribuinte é atingida apenas com o ato de liquidação pelo que é este o ato final suscetível de impugnação.

8ª) A ordem interna para se proceder à avaliação, salvo melhor entendimento, não configura um ato administrativo em matéria tributária, imediatamente recorrível, à luz do artº 95º da LGT, já que ele não é um ato imediatamente lesivo dos interesses e direitos do contribuinte uma vez que não produz quaisquer efeitos jurídicos autónomos e diversos dos efeitos jurídicos produzidos pelo ato final de liquidação.

9ª) Assim só o ato de liquidação a que aquela decisão conduziu é que podia ser impugnado, podendo nesta sede ser invocada qualquer ilegalidade do procedimento tributário, nomeadamente dos atos preparatórios.

10ª) A ordem de avaliação na sequência da apresentação da Declaração Modelo 1 do IMI não constitui um ato destacável para efeitos de impugnação.

11ª) Entendendo que a ordem de avaliação na sequência de apresentação do Mod.1 do IMI é um ato destacável para efeitos de impugnação autónoma, o tribunal a quo fez uma incorreta interpretação do artº 54º do C.P.P.T bem como o artº 95º da L.G.T.

12ª) É certo que por vezes a lei admite a impugnabilidade de certos atos anteriores ao ato final, ao contrário do que prevê a regra geral do artº 54º do CPPT, assumindo tais atos a natureza de atos destacáveis.

13ª) Tal é o caso da fixação do Valor Patrimonial Tributário de imóveis que é um ato destacável para efeitos de impugnação, nos termos do Artº 77º do CIMI e 134º do CPPT.

14ª) A atribuição da qualidade de ato destacável tem por objetivo autonomizar os vícios deste ato para efeitos impugnação contenciosa, de modo que só em relação a estes ocorre a preclusão processual que impede que os mesmos vícios sejam apreciados na impugnação do ato final de liquidação.

15ª) Não estando em causa qualquer erro ou vício do processo avaliativo nem estando a Recorrente em desacordo com o processo de fixação do valor patrimonial do artº Urbano nº 1957 da Freguesia de ………., não havia lugar à impugnação nos termos do artº 77º do CIMI e 134º do CPPT.

16ª) As normas contidas nos art° 77º do CIMI e 134º do CPPT estabelecem um meio especial de reação judicial conta as ilegalidades do processo de avaliação e de fixação do valor patrimonial tributário.

17ª) A falta de impugnação do resultado de avaliação nos termos do artº 77º do CIMI e 134º do CPPT apenas faz com que se forme caso decidido do valor da avaliação, mas não sana as ilegalidades dos atos anteriores ao processo de avaliação.

18ª) Por este motivo, na impugnação do ato final consubstanciado nas liquidações adicionais de IMI, não estava a Recorrente impedida de pedir a apreciação de qualquer ilegalidade dos atos preparatórios de tais liquidações adicionais pelo facto de se não ter impugnado o ato destacável de avaliação.

19ª) Entendendo o contrário o Tribunal a quo fez incorreta interpretação do artº 77º do CIMI e 134º do CPPT

TERMOS EM QUE

E SEMPRE COM O DOUTO SUPRIMENTO DE EX.cias SE REQUER QUE O PRESENTE RECURSO SEJA JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA, QUE A DOUTA SENTENÇA PROFERIDA PELO TAF DE AVEIRO SEJA REVOGADA COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, SENDO SUBSTITUÍDA POR SENTENÇA QUE DECLARE A IMPROCEDÊNCIA DA EXCEÇÃO DILATÓRIA E RECONHEÇA QUE A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL É A FORMA PROCESSUAL ADEQUADA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS.

2. O MºPº emitiu o parecer que consta de fls. 229/230 no qual defende a improcedência do recurso, “uma vez que não é de aplicar ao caso o princípio da impugnação unitária que a recorrente defende, para que fosse ainda determinada a convolação na forma de pedido de revisão, que a doutrina e a jurisprudência em certos casos ainda tem admitido, importava ainda que resultassem reunidos os demais pressupostos previstos no artº 115º do CIMI ou no artº 78º da LGT, o que não se afigura resultar em face do que se mostra alegado”.

3. Com interesse para a decisão foram dados como provados em 1ª instância, os seguintes fatos:

A) Em 08/03/2004, foi outorgada uma escritura pública de fusão, através da qual as sociedades B…….., S.A. e C…….., S.A. foram incorporadas na sociedade A’…….., S.A., que alterou a sua firma para A………., S,A., para a qual se transferiram globalmente os patrimónios das sociedades fundidas - cfr. fls. 12 a 21 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

B) Em 28/03/2006, a ora Impugnante submeteu, por via eletrónica, uma declaração modelo 1 do IMI referente ao prédio urbano inscrito na matriz predial da freguesia de ……. sob o artigo nº 1957, indicando como motivo da apresentação da declaração “1ª Transmissão na Vigência do IMI" - cfr. fls. 37 a 39 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

C) Na sequência da apresentação da declaração modelo 1, o prédio mencionado na alínea antecedente foi avaliado, em 30/05/2009, em € 6.255.070,00 - cfr. fls. 42 e 43 dos autos.

D) A ora Impugnante foi notificada da avaliação mencionada na alínea antecedente em 23/06/2009, através do ofício do Serviço de Finanças da Mealhada nº 5785931, de 09/06/2009 - cfr. fls. 41 do procedimento de reclamação graciosa nº 0116201004000374, apenso ao processo de impugnação judicial nº 115/11.0BEAVR, cuja cópia certificada foi mandada extrair e juntar aos presentes autos.

E) Em 12/08/2009, foram emitidas liquidações de IMI para os anos de 2005, 2006, 2007 e 2008, nas quais se apurou uma coleta de imposto para o prédio urbano nº 1957 da freguesia da ……… nos montantes de € 31 275,35, € 31 275,35, € 18765,21 e € 15637,68, respetivamente - cfr. fls. 44 a 47 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido.

F) A Impugnante foi notificada das liquidações mencionadas na alínea antecedente em 23/09/2009, tendo deduzido reclamação graciosa, na qual pediu (…) se digne declarar que na situação concreta acima descrita não havia lugar a avaliação dos prédios constantes da relação de bens anexa ao projeto de fusão, e, em consequência, se digne ordenar a anulação da liquidação adicional de IMI a que se referem os Documentos nrs: 2008 425663403; 2006 468463603; 2007 475494803; 2008 425663503" - cfr. fls. 44 a 50 dos autos, cujo teor de dá por reproduzido.

G) A reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente foi indeferida por despachos do Diretor de Finanças de Aveiro datados de 22/03/2010, notificados à ora Impugnante em 25/03/2010 - cfr. fls. 73 a 77, 84 a 88, 98 a 102, 109 a 113, 123 a 127, 134 a 138, 149 a 153 e 160 a 164 do processo administrativo apenso ao processo de impugnação judicial nº 115/11.0BEAVR, apresentado para consulta nos presentes autos.

H) A presente impugnação foi apresentada, via SITAF, em 09/04/2010 - cfr. fls. 1 e 2 autos.

4. Colhidos os vistos cabe agora decidir.

5. A decisão recorrida entendeu que a recorrente, pretendendo discutir a legalidade da decisão da avaliação do imóvel, o meio adequado para conseguir essa discussão era a ação administrativa especial, sendo certo que, no caso concreto, não era viável a convolação para essa forma processual por motivo de intempestividade.

A recorrente, por sua vez, entende ter sido usado o meio processual adequado, louvando-se na seguinte argumentação:
O ERRO NA FORMA DO PROCESSO CONTEMPLADO NO ARTIGO 199° DO CPC CONSISTE EM TER O AUTOR USADO DE UMA FORMA PROCESSUAL INADEQUADA PARA FAZER VALER A SUA PRETENSÃO, PELO QUE O ACERTO OU ERRO NA FORMA DO PROCESSO SE TEM DE AFERIR PELO PEDIDO FORMULADO NA AÇÃO, sendo certo que a pretensão final expressa da Recorrente é a anulação das liquidações adicionais relativas aos anos de 2005-2006-2007 e 2008.

A Recorrente imputou a essas liquidações os vícios de violação dos princípios da igualdade tributária e da imparcialidade da Administração fiscal pelo que a forma de processo impugnação judicial é a forma processual adequada quando está em causa a decisão de reclamação graciosa de ato tributário que comporte a apreciação da legalidade de um ato de liquidação.

No contencioso tributário vigora o princípio da impugnação unitária e nos procedimentos tributários que conduzem a um ato de liquidação de imposto, a esfera jurídica do contribuinte é atingida apenas com o ato de liquidação pelo que é este o ato final suscetível de impugnação pelo que a ordem interna para se proceder à avaliação, já que ele não é um ato imediatamente lesivo dos interesses e direitos do contribuinte, uma vez que não produz quaisquer efeitos jurídicos autónomos e diversos dos efeitos jurídicos produzidos pelo ato final de liquidação.

Assim só o ato de liquidação a que aquela decisão conduziu é que podia ser impugnado, podendo nesta sede ser invocada qualquer ilegalidade do procedimento tributário, nomeadamente dos atos preparatórios.

Invoca, finalmente, a recorrente, que a falta de impugnação do resultado de avaliação nos termos do artº 77º do CIMI e 134º do CPPT apenas faz com que se forme caso decidido do valor da avaliação, mas não sana as ilegalidades dos atos anteriores ao processo de avaliação.

Por este motivo, na impugnação do ato final consubstanciado nas liquidações adicionais de IMI, não estava a Recorrente impedida de pedir a apreciação de qualquer ilegalidade dos atos preparatórios de tais liquidações adicionais pelo facto de se não ter impugnado o ato destacável de avaliação.

Como se referiu, o MºPº é também do entendimento de que não é aplicável ao caso o princípio da impugnação unitária, pelo que, não tendo a recorrente efetuado o pedido de revisão da avaliação, o recurso improcede.

Vejamos então qual destes entendimentos colhe o apoio legal.

Resulta das alíneas E) a G) do probatório que foi liquidado IMI relativo ao prédio referido na alínea B) do mesmo probatório, relativo aos anos de 2005 a 2008, tendo a recorrente deduzido reclamação graciosa contra tais liquidações por entender que não havia lugar a avaliação dos prédios constantes da relação anexa ao projeto de fusão, a qual foi indeferida.

Mais resulta das alíneas C) e D) na sequência da apresentação da declaração modelo 1, que o prédio foi avaliado, em 30/05/2009, em € 6.255.070, tendo a impugnante sido notificada da avaliação mencionada na alínea antecedente em 23/06/2009.

Ora, por aqui se vê, desde logo, que a recorrente não foi notificada de qualquer despacho a ordenar a avaliação do qual pudesse reclamar ou recorrer; por outro lado, verifica-se também que a recorrente não impugna o resultado da avaliação, pelo que nada impedia a impugnação com fundamento diverso do da fixação do valor.

Assim sendo, o momento próprio para impugnar a legalidade da decisão de avaliação era aquele em que lhe foram notificadas as liquidações, já que são estas o único ato lesivo.
Na verdade, a simples ordem de avaliação, só por si, não constituía qualquer ato lesivo, pelo que nem dela sequer poderia recorrer, nomeadamente quando foi notificada do resultado da avaliação.

Deste modo é aqui aplicável o disposto no artº 54º do CPPT que estabelece o seguinte:

“Salvo quando forem imediatamente lesivos dos direitos do contribuinte ou disposição expressa em sentido diferente, não são suscetíveis de impugnação contenciosa autónoma os atos interlocutórios do procedimento, sem prejuízo de poder ser invocada na impugnação da decisão final qualquer ilegalidade anteriormente cometida”.

Portanto, não sendo o ato que determinou a avaliação imediatamente lesivo, nem impondo a lei a sua impugnação autónoma, a recorrente podia invocar a ilegalidade daquele, como fez, na impugnação judicial das liquidações.

Pelo exposto, a decisão recorrida não pode manter-se.

6. Nestes termos e pelo exposto, concede-se provimento ao recurso, revogando-se a decisão recorrida e ordenando-se a baixa dos autos ao tribunal recorrido.

Sem custas.
Lisboa, 4 de dezembro de 2013. – Valente Torrão (relator) – Casimiro Gonçalves – Francisco Rothes.