Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0917/17
Data do Acordão:03/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANA PAULA LOBO
Descritores:IRS
MAIS VALIAS
SUCESSÃO MORTIS CAUSA
MOMENTO DA TRANSMISSÃO DOS BENS DA HERANÇA
PARTILHA
BENS
QUOTA
Sumário:I - Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – art.º 2119.º - que estabelece que; «Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.» e art.º 2031.º - «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele».
II - A impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária.
III - O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respectivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária.
Nº Convencional:JSTA00070582
Nº do Documento:SA2201803070917
Data de Entrada:07/17/2017
Recorrente:A......E MARIDO
Recorrido 1:FAZENDA PÚBLICA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:REC JURISDICIONAL
Objecto:SENT TAF AVEIRO
Decisão:PROVIDO
Área Temática 1:DIR FISC - IRS / MAIS VALIAS
Legislação Nacional:LGT98 ART11.
CCIV66 ART2119.
DL 442-A/1988 DE 1998/11/30 ART5.
Aditamento:
Texto Integral:
RECURSO JURISDICIONAL
DECISÃO RECORRIDA – Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro
. de 22 de Fevereiro de 2017.

Julgou improcedente a impugnação.

Acordam nesta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

A……….. e B………., vieram interpor o presente recurso da sentença supra mencionada, proferida nos autos de impugnação judicial n.º 512/12.3BEAVR do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (adiante designado abreviadamente por IRS), do ano de 2008, no valor de €74.749,74, tendo, para esse efeito formulado, a final da sua alegação, as seguintes conclusões:

A. Tendo ocorrido o óbito do antecessor dos recorrentes em 01.02.1987 (portanto, antes da entrada em vigor da lei que veio tributar as mais valias), abriu-se a sua sucessão (Artº. 2031º do Código Civil) e deu-se a vocação sucessória dos respetivos herdeiros, conforme dispõe o Artº 2032º do Código Civil, sendo nesse exato momento que ingressou na esfera jurídica desses o direito potestativo de aceitarem ou repudiarem a herança daquele – Artº. 2032º do Código Civil, direito que, no caso dos autos eles exerceram pela positiva, isto é, deram forma legal ao respetivo Instrumento Notarial de Habilitação e subsequentemente formalizaram a partilha dos bens, o qual retrotrai ao momento da abertura da sucessão – Artº. 2050º do Código Civil;

B. Assim, na data em que se abriu a sucessão e, portanto, se deu o chamamento dos herdeiros do falecido (01.02.1987), ainda, se não encontrava em vigor a lei que veio tributar as Mais Valias, pois, este tipo de rendimento, apenas, passou a ser tributado em sede de categoria “G”, após 01.10.1989 e, apenas os bens cujos direitos sobre eles tenham sido adquiridos após essa data e, nem todos;

C. Desse modo, na data da aquisição do respetivo direito (01.02.1987), não existia a dita categoria “G” e, por conseguinte, caso viesse, como veio, a surgir subsequente alienação, em caso de diferença de valor, o excesso não pode ser tributado, mesmo em caso de o herdeiro levar a mais do que o valor respeitante ao seu quinhão e tenha de repor tornas, como foi o caso, pois, como se disse, a fonte de aquisição é a sucessão e, o herdeiro, apenas, levou a mais e deu tornas, por o bem ser indivisível e, nem sequer se sabe, nem isso, a nosso ver, importa para os autos, se de facto levou a mais, pois, à partilha, apenas, foi levado um bem;

D. Ademais, a data da aquisição, independentemente de a formalização da partilha ser posterior, é a mesma, ou seja, 01.02.1987, pelo que, nenhum sentido faz a tributação;

E. Acresce que, mesmo que se pudesse entender de outro modo, o que não encontra apoio nas regras do direito sucessório acima sumariamente indicadas, sempre a Administração Tributária, por força do disposto no nº. 1 do Artº. 68-A da LGT, se encontra vinculada à circular nº. 21 de 19.10.1992 da Direção dos Serviços de IRS, ainda em vigor e não revogada nem expressa nem tacitamente por qualquer outra, onde se concluiu: “O momento de aquisição dos bens por sucessão “mortis causa” é o da abertura da herança, ainda que na partilha sejam adjudicados aos herdeiros bens de valor superior aos da sua quota ideal”;

F. Se bem se vê a questão, o que, efetivamente, releva para a transmitente é o momento da sua aquisição, portanto, ser anterior, ou ulterior a 01.10.1989 e, no caso dos autos é anterior, pelo que, ressalvado o devido respeito, não pode haver tributação;

G. Mesmo que assim não fosse, pretende a Administração Tributária cobrar juros compensatórios que diz vencidos em 01.01.2008, quando os mesmos não são desde aí devidos, já que, só em meados de 2009 seria devido tributo pretendido cobrar, uma vez que a Escritura Pública de alienação foi outorgada em 09.04.2008 e, como é sabido, o imposto, apenas, é devido no ano subsequente;

H. A decisão sindicada desvia-se, pois, das normas dos Artºs 2031º, 2032º e 2050º do Código Civil, bem assim do Artº. 68º-A da LGT e circular nº. 21º de 19.10.1992 da Direção dos Serviços do IRS e da Lei criadora da categoria que veio tributar as mais valias, apenas, entrada em vigor em 01.10.1989, cuja validade interpretativa importa repor.

Requereu que seja concedido provimento ao presente recurso revogando-se, por conseguinte, a decisão recorrida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Foi emitido parecer pelo Magistrado do Ministério Público no sentido da procedência do recurso.

A decisão recorrida considerou provados os seguintes factos:

1. Os impugnantes foram objeto de uma inspeção tributária nos termos constantes do relatório constante do PA de fls. 3 a 10.

2. No âmbito da inspeção identificada em 1), foi efetuada uma correção ao IRS do ano de 2008 por se ter entendido que o bem alienado pelos impugnantes não havia sido adquirido na íntegra em 01.02.1987 com o óbito de C………., pelo que não haveria lugar à exclusão total de tributação.

3. Por escritura pública realizada no Cartório Notarial de Estarreja, a impugnante e a mãe, habilitaram-se como únicas e universais herdeiras do falecido, C……….., (facto admitido por acordo).

4. Igualmente por escritura pública de partilha outorgada na Cartório Notarial de Albergaria-a-Velha, os impugnantes e a viúva de C………., partilharam entre si um imóvel inscrito sob o artº Rústico nº 6413, o qual foi adjudicado à impugnante, cfr. fls.13 a 15 do PA.

5. Por escritura pública de compra e venda outorgada em 09.04.2008, os impugnantes venderam o imóvel identificado em 5), pelo preço de € 515.000,00, cfr. fls. 11 a 12 do PA.

6. Dá-se aqui por reproduzida a demonstração da liquidação do IRS e juros compensatórios e constante destes autos de fls. 32 a 33.

7. A petição inicial foi apresentada em 14.05.2012, cfr. fls. 2 e 3 destes autos.

***

Questão objecto de recurso:
1- O momento de aquisição dos bens por sucessão "mortis causa".


Em questão neste recurso está a apreciação sobre se estão verificados os pressupostos da exclusão de tributação em IRS relativamente às mais-valias obtidas pelos impugnantes em resultado da alienação onerosa de um bem imóvel durante o ano de 2008. Decisiva para esta questão é a forma e momento de aquisição do referido imóvel, por parte da impugnante, na sequência de óbito de seu pai, de quem era uma das herdeiras, verificado em 01.02.1987.

Não dispondo o direito tributário de norma própria sobre esta matéria, ao abrigo do disposto no art.º 11.º da Lei Geral Tributária, teremos que nos socorrer das normas de direito sucessório constantes do Código Civil – art.º 2119.º - que estabelece que;« Feita a partilha, cada um dos herdeiros é considerado, desde a abertura da herança, sucessor único dos bens que lhe foram atribuídos, sem prejuízo do disposto quanto a frutos.» e art.º 2031.º - «A sucessão abre-se no momento da morte do seu autor e no lugar do último domicílio dele ».

Assim a impugnante adquiriu o bem que vendeu no momento em que ocorreu o decesso da pessoa de quem o herdou, sem que tal sofra qualquer alteração por a partilha da herança ter decorrido em momento posterior, ou pela circunstância de nessa partilha lhe ter cabido o bem cujo valor excedia a sua quota hereditária. O momento de aquisição do imóvel é um e um único, o momento da morte do autor da sucessão, sendo a partilha apenas uma forma de distribuir os bens pelos herdeiros em conformidade com a lei, a vontade do de cujus e os interesses dos herdeiros, em preenchimento dos respectivos quinhões hereditários, sempre, em todas as situações, com efeitos retroagidos àquele momento inicial da sucessão hereditária.

O legislador tributário, nem para tributação de mais valias veio legislar de modo diverso.

A Administração Tributária em informação vinculativa, referenciada nas alegações, e já analisada detalhadamente pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido no processo: 053/15, de 26-10-2016 também assim considerou, em interpretação vinculativa, para os serviços da Administração Tributária.

Deste modo, no caso concreto, considerando que a sucessão se abriu em 01.02.1987, que o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) entrou em vigor em 1 de Janeiro de 1989, nos termos do disposto no art.º 2.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, haverá que ter-se em conta o disposto no art.º 5.º do Dec. Lei n.º 442-A/88, de 30.11 por estarmos perante uma operação que não era tributada em sede de imposto de mais valias.

A sentença recorrida que assim não entendeu, considerando que uma parte do bem foi adquirida na data da abertura da sucessão e outra na data da partilha, sem considerar que os efeitos desta se rectoagem àquela, enferma do vício de violação de lei que lhe vinha apontado, por incorrecta interpretação do direito, a determinar a sua integral revogação.


Deliberação

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, e revogar a sentença recorrida.

Custas pela recorrida que não suporta, nesta instância, taxa de justiça, dada a ausência de contra-alegações.
(Processado e revisto pela relatora com recurso a meios informáticos (art.º 131º nº 5 do Código de Processo Civil, ex vi artº 2º Código de Procedimento e Processo Tributário).

Lisboa, 7 de Março de 2018. – Ana Paula Lobo (relatora) – António Pimpão – Ascensão Lopes.