Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0796/15.5BEVIS
Data do Acordão:04/07/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IVA
MÉTODO PRO RATA
PRAZO
Sumário:I- Se o município declara IVA relativamente a bens de utilização mista por erro de enquadramento ou de direito e vem a substituir o método de dedução de IVA pelo de “pro rata” não é de aplicar o prazo previsto no art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., mas o prazo máximo previsto no art. 98.º n.º 4 do C.I.V.A..
II- Tal está de acordo com a jurisprudência do T.J.U.E., segundo a qual: “O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) foi faturado ao sujeito passivo e por ele pago vários anos depois da entrega dos bens em causa, recusa o benefício do direito ao reembolso do IVA com o fundamento de o prazo de preclusão previsto nessa regulamentação para o exercício desse direito ter começado a correr na data da entrega e ter expirado antes da apresentação do pedido de reembolso.”- cfr., entre outros, acórdão “Volkswagen AG”, de 21-3-2018, no proc. C-533/2016, e acórdão “Biosafe”, de 12-4-2018, proferido no proc. C-8/17.
Nº Convencional:JSTA000P27481
Nº do Documento:SA2202104070796/15
Data de Entrada:02/03/2020
Recorrente:MUNICÍPIO DE VISEU
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
I. Relatório

I.1. O município de Viseu, com os sinais dos autos, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 04/10/2019, que julgou totalmente improcedente a impugnação que apresentara das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2014 e 2015, detentoras dos n.ºs 2015 012614233, 2015 012613980, 2015 012614156, 2015 012614155, 2015 012614178, e respetivos juros compensatórios, e absolveu a Fazenda Pública dos pedidos anulatórios formulados.

I.2. Formulou alegações e respectivas conclusões que, depois de convidado a sintetizar, apresentam os seguintes termos:
I. A apresentação de reclamações graciosas ou pedidos de revisão oficiosa são expedientes desproporcionais e onerosos, em particular, no caso de sujeitos passivos mistos que apenas podem deduzir uma ínfima parte do imposto que incorrem (e.g. 1%), inviabilizando sobremaneira o aludido expediente.

II. As liquidações adicionais de IVA e respectivos juros que são impostas ao Município, não são devidas e o procedimento por si adoptado está em conformidade com o Código do IVA, a jurisprudência nacional e comunitária.

III. O regime da dedução do IVA encontra assento no artigo 167.º e seguintes da Directiva do IVA (“DIVA”), sendo as dificuldades maiores deste regime, referentes à dedução do IVA suportado em inputs utilizados simultaneamente em operações que conferem e em operações que não conferem direito à dedução do IVA.

IV. A regra do artigo 23.º do IVA é clara: quando, ao longo de um determinado ano, os sujeitos passivos procedem à dedução do IVA incorrido em inputs mistos com base em critérios provisórios (afectação real e/ou pro rata), devem, na última DP do ano, corrigir esta dedução provisória, com base nos critérios definitivos apurados no final desse ano.

V. Utilizar adicionalmente o aludido artigo 23.º para privar um sujeito passivo da dedução de imposto prejudica, de forma muito vincada, a neutralidade do IVA, que é um princípio basilar deste imposto e constitui uma outra prescrição, praeter inscrita no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, encerrando um claro tratamento mais gravoso, no que à dedução do IVA concerne, dos sujeitos passivos mistos face aos demais sem restrições nesse direito.

VI. O princípio da neutralidade do IVA impõe que a dedução deste imposto pago possa acontecer quando os requisitos materiais estejam verificados, ainda que algum requisito formal não haja sido cumprido.

VII. Na esteira, aliás, do que o TJUE tem amplamente defendido: “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito” – refira-se o acórdão Barlis 06, Processo C-516/14, de 15 de Setembro de 2016.

VIII. O TJUE acaba sempre por confirmar esse direito à dedução para além dos prazos nacionais de caducidade em situações incomparavelmente menos sólidas do que a do Recorrente.

IX. Não se verifica sequer, por parte do Recorrente, um comportamento fiscal, relativo às suas obrigações prestativa (principal) e declarativas (acessórias), que seja minimamente censurável ou criticável.

X. Em sentido convergente, temos não apenas a Jurisprudência nacional - Acórdão do STA de 7 de Outubro de 2015, prolatado no processo n.º 01455/12 e (2) o Acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 01427/14 -, como a doutrina, que é unânime em considerar que situações como a vertente encontram a sua regulação no disposto no quadro geral do artigo 98.º do CIVA, que estabelece como prazo limite para efectivar o direito à dedução do IVA, os 4 anos após o nascimento desse direito,

XI. Sem que o exercício de tal direito esteja dependente de um prévio pedido de revisão oficiosa dos actos tributários.

XII. Neste conspecto, a dedução efectuada pelo Recorrente na DP de 201412T, correspondente ao exercício de 2012 e 2013, no montante global de € 55.488,90, afigura-se tempestiva nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, devendo ser consequentemente declarada a ilegalidade e anulados os actos tributários de liquidação adicional de IVA e juros em apreço.

XIII. Por conseguinte, uma vez declarada a ilegalidade e anulação dos referidos actos tributários de liquidação de IVA, entende o Recorrente, serem devidos juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados à taxa legal, desde a data limite de pagamento voluntário do referido acto de liquidação.

XIV. Como é sabido, o TJUE tem competência para decidir sobre uma questão que lhe seja colocada por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, na acepção do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, assim sendo, caso se entenda ignorar o que dispõem os artigos 22.º, n.º 2, e 98.º. n.º 2, do CIVA, e se siga o entendimento da AT de que a presente matéria é regulada pelo disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA (no que não se concede), será então pertinente e viável o pedido de reenvio prejudicial deste Tribunal Arbitral para o TJUE, uma vez que está em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente normas da Directiva IVA relativas ao direito à dedução.

TERMOS EM QUE,
Deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida que deverá ser substituída por Acórdão que absolva totalmente o Recorrente do peticionado assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.

I.3. O recurso foi admitido, não tendo sido apresentadas contra-alegações.

I.4. Remetidos os autos ao S.T.A., foi dada “vista” ao exm.º magistrado do Ministério Público, o qual se pronunciou no sentido de ser negado provimento ao recurso, arrimando-se ao acórdão do S.T.A. 18-05-2011, proferido no processo 0966/10, disponível em www.dgsi.pt, e acrescentando ainda o seguinte em sede de fundamentação:
“Conclui-se, assim, que a referência a “período posterior” efectuada no n.º 2 do artigo 22.º do CIVA se reporta às situações em que, especialmente, se admite a possibilidade da dedução de imposto em período posterior,
Sendo esta a única interpretação conforme ao disposto no artigo 179.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado (Directiva IVA), que dispõe:
O sujeito passivo efectua a dedução subtraindo do montante total do imposto devido relativamente ao período de tributação o montante do IVA em relação ao qual, durante o mesmo período, surgiu e é exercido o direito à dedução por força do disposto no artigo 178.º.” (sublinhado nosso).
Ou seja, em suma, a regra é a de que a dedução do IVA tem de ser feita na declaração periódica correspondente ao período em que o IVA a deduzir foi suportado, e não, livremente, em qualquer outra declaração periódica subsequente, já que tal é a forma adequada a assegurar que o IVA é deduzido no mesmo período em que é suportado.
O regime em questão não é incompatível com o entendimento de que o exercício do direito à dedução do IVA é um direito fundamental que assegura a neutralidade do IVA, só devendo ser restringido em situações excepcionais.
Com efeito, tal como o Tribunal de Justiça da União Europeia tem vindo sucessivamente a salientar, e conforme resulta da redacção dos artigos 167.º e 179.º/1, da Directiva IVA, o direito à dedução é exercido, em princípio, durante o mesmo período em que se constituiu, ou seja, no momento em que o imposto se torna exigível.
Contudo, nos termos do disposto nos respectivos artigos 180.º e 182.º, o sujeito passivo pode ser autorizado a proceder à dedução do IVA, mesmo que não tenha exercido o seu direito durante o período em que esse direito se constituiu, sem prejuízo da observância de determinadas condições e regras fixadas pelas regulamentações nacionais (cf., neste sentido, Acórdão de 8 de Maio de 2008, Proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457, n.os 42 e 43).
Isto é, os sujeitos passivos podem, em situações que o justifiquem, ser autorizados a proceder à dedução, mesmo que não tenham exercido o seu direito durante o período em que esse direito surgiu.
Contudo, nesse caso, o seu direito à dedução fica dependente de determinadas condições e modalidades fixadas pelos Estados membros.
Neste contexto, o TJUE tem vindo a notar que a possibilidade de exercer o direito à dedução sem limites temporais contraria o princípio da segurança jurídica, que exige que a situação fiscal do sujeito passivo, atentos os seus direitos e obrigações face à Administração Fiscal,
Não seja indefinidamente susceptível de ser posta em causa, pelo que não acolhe a tese segundo a qual o direito à dedução, tal como o direito à liquidação, não pode ser associado a um prazo de caducidade.
A este propósito, o TJUE invoca os princípios da eficácia e da equivalência.
No tocante ao primeiro, nota que o prazo de caducidade previsto não pode, por si só, tornar praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício do direito à dedução,
Quanto ao segundo, tem vindo a analisar se nas situações submetidas à sua apreciação há uma equivalência entre o prazo de caducidade concedido aos sujeitos passivos e o prazo concedido à Administração Fiscal para proceder a correcções,
Tendo concluído, inclusive que, este princípio não é contrariado pelo facto de, em conformidade com a regulamentação nacional, a Administração Fiscal dispor, para exigir a cobrança do IVA devido, de um prazo mais longo do que aquele que é concedido aos sujeitos passivos para solicitarem a sua dedução (cfr., Caso Ecotrade, já cit., n.ºs 43 a 49).
É este o contexto em que, na legislação nacional, se permite que, nomeadamente, ocorrendo um erro material ou de cálculo, que tenha ocorrido em prejuízo do sujeito passivo, o mesmo possa ser corrigido no prazo fixado no artigo 78.º nº 6 do CIVA.
Outro tipo de erros, poderão ser corrigidos mediante a apresentação de declaração de substituição, caso tal ainda seja, nos termos legais, possível, ou, não o sendo, mediante pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º da LGT, desde que verificados, igualmente, os correspondentes pressupostos
Sendo esse o sentido do artigo 98.º/2 do CIVA, ao prescrever que “o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente”,
In casu, afigura-se-nos, salvo o devido respeito por melhor opinião, o que ocorreu foi um erro – não material ou de cálculo – mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Impugnante, ora Recorrente, se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.
Assim, e como é bom de ver, entre a apresentação das declarações periódicas correspondentes ao momento em que as despesas, entretanto entendidas como dedutíveis, foram suportadas, e a apresentação das declarações onde aquelas mesmas despesas foram deduzidas, não ocorreu qualquer alteração na realidade (muito menos alguma das descritas no n.º 2 do artigo 78.º do CIVA).
O que ocorreu foi que o Impugnante se apercebeu, entretanto, que o enquadramento jurídico que fez das despesas por si incorridas – no que à sua dedutibilidade diz respeito – não teria sido o correcto, ou seja, que havia incorrido em erro.
Deste modo, não será o erro em causa corrigível nos termos do n.º 2 do artigo 78.º do CIVA, desde logo porquanto tal norma não se destina à correcção de erros, assim, como não será corrigível nos termos do n.º 6 do mesmo artigo, uma vez que não se trata de erro de cálculo nem de um erro material
Nesta conformidade, a correcção da situação, face a todo o acima exposto, sempre teria de ocorrer por referência à declaração periódica em que o imposto a deduzir foi suportado, mediante a entrega das correspondentes declarações de substituição ou a apresentação de pedido de revisão oficiosa.
O regime legal em causa, assim interpretado, não comportará, portanto, qualquer ofensa ao princípio da neutralidade do IVA, sendo que a possibilidade de, o contribuinte fazer valer o seu direito à dedução durante o prazo de 4 anos previsto no artigo 78.º nº 1 da LGT e no artigo 98.º nº 2 do CIVA não torna praticamente impossível ou excessivamente difícil o exercício de tal direito,
Não se verificando assim, salvo o devido respeito por melhor opinião, qualquer violação dos princípios constitucionais da igualdade e/ou do primado do direito europeu.
Do exposto, afigura-se-nos:
a)- Que o artigo 22.º, nº 2 do CIVA não autoriza o Impugnante, ora Recorrente a, na declaração periódica relativa ao mês de Dezembro de 2014, deduzir valores referentes a 2012 e 2013 relativos a aquisições de bens e serviços que entendeu totalmente afectos a actividades sujeitas a IVA
E que, por lapso, não teria deduzido nas declarações dos períodos correspondentes;
b)- Que o artigo 98.º, nº 2 do CIVA se reporta, não a um prazo genérico de exercício do direito à dedução do IVA nas declarações periódicas de cada um dos períodos abrangidos no prazo de 4 anos ali previsto, mas ao exercício de tal direito por meio do pedido de revisão oficiosa do acto tributário, a que se reporta o artigo 78.º da LGT.”

I.5. Sendo de definir o objecto do recurso de acordo com as conclusões de recurso apresentadas pelo recorrente, nos termos dos artigos 635.º n.º 1 e 639.º n.º 1 do C.P.C., é o mesmo relativo a erro de julgamento, de direito, no que respeita ao prazo aplicável à dedução de I.V.A., no entendimento dado ao art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., bem como quanto à não aplicação do prazo de 4 anos previsto no art. 98.º n.º2 do C.I.V.A..
A recorrente suscita quanto ao primeiro a violação do princípio da neutralidade do IVA e o disposto nos artigos 167.º e segs. da Diretiva de IVA, acabando ainda a invocar que a questão deve ser sujeita à apreciação do T.J.U.E., mediante pedido de reenvio prejudicial, “caso se entenda ignorar o que dispõem os artigos 22.º n.º 2 e 98, nº 2 do CIVA”.
E pede, em consequência do que defende, a revogação da sentença recorrida e a atribuições de juros indemnizatórios.

I.7. Cumpre apreciar e decidir em conferência, com dispensa de vistos por parte dos adjuntos, por motivos de celeridade, nos termos do art. 657.º n.º 4 do C.P.C., tendo, aliás, o projeto sido remetido com a antecedência de cinco dias prevista no n.º 2, e estando o processo acessível através do SITAF.

II.Fundamentação.

II.1. De facto.
A sentença recorrida reputou como relevante a seguinte matéria de facto:
A. O Impugnante declarou EUR 92.859,89 de IVA dedutível na declaração de IVA respeitante ao período de 201412T, reportando para o período subsequente EUR 50.452,19 de crédito.
[cfr. declaração de fls. 37 dos autos]
B. O Impugnante foi objeto de ação inspetiva, efetuada a coberto da OI201500260 em resultado da qual foi determinada a correção de EUR 55.488,90
[cfr. relatório inspetivo constante de fls. 46 a 51 do procedimento administrativo apenso]
C. A correção referida no facto precedente teve a seguinte fundamentação:
“(…)
III.1 REGULARIZAÇÃO INDEVIDA DE IMPOSTO
Na declaração periódica (DP) de IVA do período de 201412T o SP apurou um crédito de imposto a seu favor no montante de €50.452,14.
Analisados os valores descritos na DP verificou-se que o apuramento deste crédito de imposto está relacionado com um acréscimo das deduções de imposto apuradas pelo SP neste período face às declaradas nos períodos anteriores.
Para melhor compreensão, apresenta-se no quadro seguinte um resumo das declarações periódicas de IVA enviadas pelo contribuinte no ano de 2014.

[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]

Posto isto, foi notificado o sujeito passivo para remeter a este Serviço os elementos\documentos e\ou esclarecimentos a seguir indicados (notificação em anexo nº1):
a) Motivos \ factos justificativos da situação de crédito de imposto;
b) Extrato de conta corrente das contas SNC 243 "Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), bem como de fotocópia dos 10 documentos mais relevantes por cada subconta;
c) Balancete analítico à data de 31 de dezembro de 2014.
Em resposta ao solicitado o SP enviou um ficheiro excel com os extratos contabilísticos requeridos, fotocópia dos documentos mais relevantes e um documento elaborado por uma empresa de auditoria com o título "Análise da metodologia de dedução do IVA (2012 a 2014)".
Na posse daqueles elementos, verificou-se que a situação de crédito de imposto está essencialmente relacionado com o lançamento contabilístico n.º 10814 do diário 13 efetuado em 31-12-2014 na conta SNC 2432331 - "IVA Ded.- OBS-Tx. Nor.-M. Nac." no valor de €84.232,21 com a descrição "A............".
Mais se verificou, que o valor de imposto regularizado a favor do SP naquele lançamento resulta do relatório enviado pelo SP.
Naquele relatório é referido que o Município de Viseu apenas tem procedido à dedução do IVA suportado nos inputs afetos à realização de operações tributáveis e que no que respeita aos inputs de utilização mista o Município de Viseu não tem vindo a aplicar qualquer dos métodos previstos no artigo 23° do CIVA.
E que foi objeto de análise a forma de conjugar os dois métodos de dedução previstos no artigo 23° do CIVA - afetação real e pro-rata.
De acordo com a metodologia de dedução do IVA proposta para os inputs de utilização mista e com base nos cálculos nele efetuados é apurado e proposto uma regularização de IVA a favor do SP num total de € 84.232,21, resultante da determinação de uma percentagem de dedução pro-rata conforme descrito no quadro seguinte:
[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]

Conforme resulta dos factos que antecedem o SP acatou a proposta referida no relatório elaborado pela empresa de auditoria A............, tendo no período de 201412T, deduzido um total de imposto de € 84.232,21 relacionado com os anos de 2012 a 2014.
III.1.1 ENQUADRAMENTO CONTABILÍSTICO E FISCAL
O sujeito passivo Município de Viseu é uma pessoa coletiva de direito público.
Quando os municípios e demais pessoas coletivas de direito público realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade não são sujeitos passivos de imposto, mesmo que em sua contrapartida recebam taxas ou contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência (n.º 2 do artigo 2° do CIVA).
Estas mesmas entidades, são sujeitos passivos de imposto quando exerçam algumas das atividades elencadas nas alíneas do n.º 3 do artigo 2° do CIVA, exceto quando se verifique que são exercidas de forma não significativa.
Circunstâncias em que o imposto suportado pode ser deduzido.
Os princípios subjacentes ao exercício ao direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos de imposto estão previstos nos artigos 19° e 20° do Código do IVA, que determinam que, para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estes devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito.
Assim, tendo em atenção as exceções constantes do artigo 21° do mesmo Código, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas ou isentas com direito a dedução ou ainda, sendo não tributadas confiram esse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 20° do Código IVA.
O imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos unicamente a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução (ver artigo 9° CIVA) ou a operações não decorrentes de uma atividade económica não podem ser objeto de qualquer dedução do imposto suportado.
Quando se trate da determinação do imposto dedutível de bens e/ou serviços de utilização mista, ou seja aqueles que são utilizados conjuntamente em atividades que conferem direito a dedução e em atividades operações que não conferem esse direito, as regras de dedução estão enunciadas no artigo 23° do mesmo código.
Tratando-se de bens\serviços afetos a operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, o imposto dedutível deve ser determinado mediante uma percentagem apurada conforme previsto nos n.º 4 e 5 do artigo 23º - pro-rata, sem prejuízo de o sujeito passivo optar pelo método da afetação real (alínea b) do n.º 1 do artigo 23º do CIVA).
Para os bens e serviços parcialmente afetos a realização de atividades fora do campo do imposto, isto é para operações não decorrentes de uma atividade económica, o cálculo do IVA não dedutível é obrigatoriamente apurado mediante o método da afetação real em função da efetiva utilização.
De acordo com o n.º 6 do artigo 23º do mesmo código, quer a percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 - (pro rata), quer a dedução efetuada nos termos do n.º 2 (afetação real), calculados provisoriamente, são corrigidos de acordo com os valores definitivos relativos ao ano a que se reportam.
A correção assim obtida deverá constar da declaração do último período do ano a que respeitam.
Exercício do direito à dedução
Nos termos do n.º 1 do artigo 22° do Código do IVA, o direito a dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível de acordo com as regras dos artigos 7° e 8° do Código do IVA. Ou seja, quando a aquisição de bens ou serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura ou documento equivalente o sujeito passivo adquire o direito à dedução do imposto suportado a partir do momento em que o documento é emitido.
Determina o n.º 2 do artigo 22° do mesmo código, que, em regra a dedução de imposto deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação, sem prejuízo da possibilidade de correções legalmente previstas no artigo 78° do Código do IVA.
As regularizações de imposto ocorridas após o envio da DP, quando respeitem a documentos já registados em períodos de imposto anteriores, quer a favor de Estado ou do sujeito passivo, encontram-se reguladas pelo artigo 78° do Código do IVA.
De acordo com o n ° 6 do artigo 78º do mesmo código, a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51 º e 65° (registos contabilísticos) e nas declarações periódicas de imposto é obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado e é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de 2 anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução de acordo com o n.º 1 do artigo 22° do mesmo código.
Sobre o âmbito da aplicação das regularizações previstas no artigo 78° do CIVA, a AT emitiu o ofício circulado 30082/20051 de 17 de novembro.
De acordo com o n.º 8 daquele ofício circulado regularizações previstas neste artigo não podem ser utilizados nas seguintes situações:
a) Alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos;
b) Apuramento de pro-rata;
c) Regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam.
Determina este oficio-circulado que estas situações devem ser regularizadas ao abrigo dos artigos 23° a 26° do CIVA.
III.1.2 CORREÇÃO FISCAL
Decorre do relatório da empresa de auditoria que nos períodos para os quais foi feita aquela análise 2012 a 2014, o SP Município de Viseu não adotou qualquer dos métodos previstos no artigo 23° do CIVA para a determinação do imposto dedutível nos inputs de utilização mista.
Para validação deste facto, efetua-se o seguinte transcrição do relatório efetuado por aquela empresa de auditoria (folhas 5 do anexo 2):
"... o Município de Viseu procedeu à dedução do IVA suportado nos inputs afetos exclusivamente à realização de operações tributáveis.
No que respeita aos inputs de utilização mista, o Município de Viseu não tem vindo a aplicar qualquer dos métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA. Neste contexto, a A............ colaborou com o Município de Viseu no sentido de identificar a metodologia adequada de dedução do IVA incorrido, através da conjugação dos métodos de afetação real e do pro rata." (fim de transcrição)
Do exposto resulta que, o imposto deduzido pelo SP com referência ao lançamento contabilístico em análise, resulta da aplicação de uma forma retroativa de um novo método de determinação de lva dedutível - percentagem do pro rata.
A dedução de imposto relativa aos anos de 2012 e 2013 não resulta da correção referida no n.º 6 do artigo 23° do CIVA, nem da correção de um erro material ou de cálculo, mas sim da adoção de um novo critério de determinação de iva dedutível.
Ou seja, o SP não aplicou o método da percentagem de dedução no devido tempo, quando, nos termos do Código do IVA o método de dedução a utilizar tem que ser aferido no momento em que se concretiza a dedução do imposto.
Os documentos de suporte do imposto deduzido com referência aos exercícios de 2012 e 2013 foram atempadamente registados na sua contabilidade, pelo que já foram ultrapassados os prazos para exercer o direito a dedução estabelecidos nos artigos 22° e 23° do Código do IVA.
Os métodos e critérios de dedução utilizados por sujeitos passivos mistos, elencados no art.º 23.º do CIVA, não podem ser alterados para além do prazo previsto no seu n.º 6, isto é, depois da entrega da declaração do último período do ano a que respeita.
Por outro lado, a adoção de um novo método de dedução de imposto relativo aos bens \ serviços de utilização mista, também não pode ser efetuada ao artigo 78° do Código do IVA, uma vez que a omissão de dedução do IVA suportado não configura um erro, mas uma opção do SP.
Do exposto nos pontos que antecede resulta que o SP deduziu indevidamente no período de 201412T o seguinte montante de imposto relacionado com o apuramento do pro rata relativo aos anos de 2012 (€21.411,00) e 2013 (34.077,90):

[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]
(…)”
[cfr. relatório inspetivo constante de fls. 46 a 51 do procedimento administrativo apenso]
D. Em razão daquela correção foram emitidas as seguintes liquidações:
[Segue imagem, aqui dada por reproduzida]

[cfr. liquidações de fls. 26 a 36 dos autos]
*
Não foram dados como provados outros factos com interesse para a decisão da causa.

II.2. De direito.
Resulta da matéria de facto que o Município de Viseu veio a declarar € 92.859,89 de IVA dedutível na declaração de IVA respeitante ao período de 201412T, reportando para o período subsequente € 50.452,19, a crédito, utilizando as percentagens de “pro rata” indicadas no ponto III.1 do relatório de inspeção que foi reproduzido na matéria de facto que antecede e em foi corrigido o total de € 55.488,90, relativo aos anos de 2012 e 2013.
No mesmo relatório, utilizado na fundamentação da liquidação, foi sustentado que a correção só era possível em obediências às regras constantes do art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., visto a correção efetuada não consistir em correção de erro material, mas de opção que o contribuinte devia ter efetuado por esse regime, em vez do método de dedução real.
Na sentença recorrida também assim foi considerado, de acordo com a jurisprudência do S.T.A. que no mesmo é citada (acórdão de 18-5-2011, proc. 0966/10), bem como do T.J.U.E. (acórdão de 8-5-2008, proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457).

Contudo, há que reconhecer razão ao recorrente quanto a não ser de aplicar o prazo previsto no art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., bem como quanto a ser tempestiva a dedução de I.V.A. efetuada dentro do prazo previsto no art. 98.º n.º 2 do C.I.V.A..
Com efeito, este art. 98.º do C.I.V.A prevê como regime-regra a revisão oficiosa para exercício do direito à dedução do I.V.A.
E comporta o mesmo duas estatuições: no n.º 1 impõe à A.T. a obrigação de proceder à revisão oficiosa, nos casos ali previstos; e no n.º 2 estabelece um prazo geral e supletivo para que os sujeitos passivos de IVA promovam ainda, a seu favor, a retificação do imposto liquidado e deduzido.
Relativamente ao prazo de quatro anos previsto neste n.º 2, o mesmo é aplicável na falta de disposições especiais, às quais se refere o art. 78.º do C.I.V.A., em que se prevê, nomeadamente, a retificação de erros materiais e de cálculo - e quanto a estes se refere ainda o art. 95-B n.º 2 do C.P.P.T..
Em face destas várias normas legais, as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, têm sido agrupadas da seguinte forma, tal como sistematizadas por Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62:
“i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável;
ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos;
iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.”
A correção cometida pelo ora recorrente em 12.2014 relativamente nas autoliquidações de IVA atinentes aos anos de 2012 e 2013, consubstancia erro de enquadramento ou de direito, conforme considerado em vários acórdãos do S.T.A., nos quais se tem considerado que o limite máximo então aplicável é o de 4 anos, previsto no art. 98.º n.º 2 do C.I.V.A. – assim, nomeadamente, no proferido a 28-6-2017 no proc. 1427/14, no de 17-6-2020, proc. 443/13.0BEPRT e no de 3-2-2021, proc. 0228/15.9BEViS, acessíveis em www.dgsi.pt.
Aliás, conforme refere o exm.º magistrado do Ministério Público – embora não levando em conta o que resulta desta jurisprudência -, “o que ocorreu foi um erro – não material ou de cálculo – mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Impugnante, ora Recorrente, se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.”
Conforme a recorrente ainda invoca, o T.J.U.E. acabou por tomar posição no sentido que defende, embora não propriamente através do acórdão “Barlis”, o qual se pronunciou sobre a dedução de IVA quanto a requisitos constante de faturas.
Mais recentemente foi considerado pela jurisprudência do T.J.U.E. que o prazo para regularização há-de ser razoável, ainda que não ilimitado – assim, no acórdão “Biosafe”, de 12-4-2018, proferido no proc. C-8/17, bem como acórdão “Volkswagen AG”, de 21-3-2018, no proc. C-533/2016, ambos publicados também em www.curia.europa.eu.pt.
Neste último acórdão, proferido mesmo em caso em que o contribuinte que tinha declarado IVA relativamente a bens de utilização mista, e em que veio a substituir o método de dedução de IVA pelo de “pro rata”, figura o seguinte na parte dispositiva:
-“O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) foi faturado ao sujeito passivo e por ele pago vários anos depois da entrega dos bens em causa, recusa o benefício do direito ao reembolso do IVA com o fundamento de o prazo de preclusão previsto nessa regulamentação para o exercício desse direito ter começado a correr na data da entrega e ter expirado antes da apresentação do pedido de reembolso.”
Assim, e embora no artigo 267.°, § 3, do T.F.U.E., se encontre previsto que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional tenha o dever de reenvio sempre que uma questão de direito da União nele seja suscitada, tal não é de aplicar, nomeadamente, quando se entenda, como é o caso, que a disposição do direito da União Europeia se impõe com uma evidência tal que não há lugar a nenhuma dúvida razoável.

Do que antecede resulta que o recurso obtém provimento, sendo de revogar o decidido na sentença recorrida e julgar por substituição procedente a impugnação, anulando as impugnadas liquidações, nos termos do art. 665.º n.º1 do C.P.C..

Quanto à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, consideramos que obtém o recurso também provimento por o erro em causa ser de direito, não relativo a mera questão de forma, verificando-se “erro imputável aos serviços”, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da L.G.T., de acordo ainda com o que vem sendo decidido pela jurisprudência – cfr., nomeadamente, acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. de 4-11-2020, proferido no proc. 037/19.6BALSB, acessível também em www.dgsi.pt.

III. Decisão:
Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogam o decidido na sentença recorrida e julgam por substituição procedente a impugnação, anulando as impugnadas liquidações, condenando ainda no pedido de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º n.º1 da L.G.T..
Custas pela Fazenda Pública, uma vez que, embora não tenha contra-alegado, é vencida, para efeitos do art. 527.º n.º 1 do C.P.C..
Lisboa, 7 de abril de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia.