Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0579/20.0BEPNF
Data do Acordão:07/13/2021
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NUNO BASTOS
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO
PRAZO
Sumário:«I - A apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação fiscal é um acto a praticar em juízo, o que significa que tal recurso tem, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido a tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.

II - O facto de, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contra-ordenação em nada interfere com tal natureza, pois que, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como mero receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.

III - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

IV - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do C. Civil.»

Nº Convencional:JSTA000P28019
Nº do Documento:SA2202107130579/20
Data de Entrada:02/10/2021
Recorrente:A........– UNIPESSOAL, LDA
Recorrido 1:AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. A………. – Unipessoal, Lda., com o número de identificação fiscal …………., com sede na Rua ……….., n.º …………, União de freguesias de Pedreira, Rande e Sernade, 4650-…….. Felgueiras, recorre da decisão do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel que rejeitou o recurso da decisão de aplicação da coima aplicada no processo de contraordenação n.º 17752020060000019676, do Serviço de Finanças de Felgueiras, no montante de € 4.151,05.

Com o requerimento de interposição do recurso apresentou a respectiva motivação, que condensou nas seguintes conclusões: «(…)

I. A sentença em mérito, julgou intempestivo o recurso judicial apresentado pela Recorrente no dia 01/09/2020, por considerar que na contraordenação tributária aplica-se subsidiariamente o RGIMOS e nessa medida, aplica-se o regime legal defendido no acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 30/11/2015, isto é, à contagem do prazo dos arts. 59.º e 60.º do RGIMOS e 80.º do RGIT não se aplica o art. 279.º, alínea e), do CC.

II. Decisão com a qual a Recorrente não concorda, desde logo e além do mais por discordar da subsunção jurídica feita pelo Tribunal a quo.

III. Na medida em que, a Recorrente sustenta que a contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

IV. E, caso o prazo de interposição do recurso judicial (artigo 80.º do RGIT) termine em período de férias judiciais, o mesmo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC.

V. O nó górdio que brota destes autos – é o de saber se o termo do prazo de interposição de recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, quando coincida com período de férias judiciais, se deve transferir para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do art. 279.º do CC.

VI. A notificação da decisão recorrida de aplicação da coima foi feita à Recorrente através da disponibilização no seu portal das finanças, constando da mesma o dia 09/07/2020 como data de geração.

VII. Da referida notificação constava que “5. A presente notificação considera-se efetuada no décimo quinto (15.º) dia posterior ao primeiro dia útil seguinte ao registo da sua disponibilização” pelo que, a notificação de decisão de aplicação da coima relativamente a estes autos de contraordenação se teria de considerar efetuada no dia 24/07/2020.

VIII. Acresce que, conforme constante da mesma notificação, a Recorrente dispunha do prazo de 20 dias úteis a contar dessa data para recorrer da decisão proferida, nos termos do artigo 60.º do RGCO, aplicável ex vi artigos 3.º, alínea b) e 80.º do RGIT.

IX. Assim sendo, o prazo de que a Recorrente dispunha para apresentar recurso judicial terminou dia 21/08/2020.

X. Sucede que, de acordo com o artigo 28.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ) que estabelece que as férias judiciais decorrem de 22 de dezembro a 3 de janeiro, do domingo de Ramos à segunda-feira de Páscoa e de 16 de julho a 31 de agosto.

XI. Do exposto resulta que, o término do prazo para apresentação de recurso por banda da Recorrente terminou em período de férias judiciais.

Ora,

XII. É certo que conforme jurisprudência consolidada dos tribunais superiores, o prazo para apresentação de recurso da decisão proferida no âmbito dos processos de contraordenação não é um prazo judicial mas um prazo administrativo pelo que não se suspende em férias judicias, por não lhe ser aplicável o regime do artigo 138.º, n.º 1 do CPC.

XIII. No entanto, conforme resulta da jurisprudência consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, cujo teor sufragamos:

“(…) I - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.

II - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do CC. (…)”

XIV. Subscrevemos ainda a brilhante posição vertida num outro acórdão deste mesmo Colendo STA, segundo a qual:

(…)

IV - O facto de o requerimento de interposição de recurso judicial da decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação tributária dever ser apresentado no serviço de finanças, não obsta a que se considere acto a praticar em juízo, pois, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.

XV. De igual forma, também Jorge Lopes de Sousa e Manuel Simas Santos, em anotação artigo 80.º, Regime Geral das Infrações Tributárias, 4.ª ed., Áreas ed., 2010, pág. 536, expressam que:

“Esta solução prende-se com a razão de ser da transferência do prazo prevista no art. 279º, alínea e), do Código Civil, que não é o encerramento dos tribunais, que mesmo em férias continuam com os serviços de secretaria abertos ao público, mas com o facto de durante as férias não serem praticados actos processuais nos processos não urgentes.

Por isso, sendo o requerimento de interposição de recurso ou impugnação judicial dirigido ao tribunal, apesar de apresentado à autoridade administrativa, que é mero intermediário entre o Recorrente e o tribunal, deverão aplicar-se as regras de contagem do prazo como se aquele fosse apresentado neste”.

XVI. Aqui chegados dúvidas não restam de que, tendo o prazo para a Recorrente apresentar recurso terminado em período de férias judiciais o mesmo transferiu-se para o primeiro dia útil posterior ao seu término por força do preceituado no artigo 279.º, alínea e), do Código Civil, tendo assim transitado para o dia 01/09/2020.

XVII. Resultando da petição apresentada em juízo o registo dos serviços postais o dia 01/09/2020, como o dia a considerar para efeitos da prática do ato.

Ora,

XVIII. Assim sendo, ter-se-á de concluir com afoiteza pela tempestividade do recurso judicial apresentado pela Recorrente a 01/09/2020.

XIX. Decidindo de modo diverso como decidiu, o Tribunal a quo violou entre outras disposições o conjunto normativo integrado pelas disposições dos artigos 80.º do RGIT, artigo 60.º do RGCO ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT, artigo 279.º, alínea e), do CC, artigo 103.º do CPPT, artigo 104.º do CPP e artigo 138.º do CPC, artigo 28.º da LOSJ e ainda o artigo 32.º da CRP.».

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Recebidos os autos neste tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público.

A Ex.ma Senhora Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso, tendo para o efeito convocado a jurisprudência firmada nos acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 21/09/2011, de 28/05/2014 e de 20/04/2020, tirados nos processos 0318/11, 0311/14 e 0653/19.6BECBR, respetivamente.

Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir, em conferência.



2. É o seguinte o teor da decisão recorrida (transcrição parcial):

«(…) No caso em apreço, a Recorrente foi notificada da decisão administrativa de aplicação da coima, nos termos dos arts. 79.º, n.º 2, e 80.º do RGIT, por notificação eletrónica entregue na sua caixa postal eletrónica do Via CTT, no dia 10/7/2020, e apresentou recurso judicial dessa decisão em 1/9/2020.

A Digna Magistrada do Ministério Público pugna pela intempestividade do recurso, porquanto entende que a Recorrente foi notificada da decisão administrativa de aplicação da coima em 28/7/2020 e só apresentou o recurso em 1/9/2020.

A Recorrente respondeu pugnando pela sua tempestividade uma vez que foi notificada da decisão de aplicação da coima em 24/7/2020, pelo que o termo do prazo de apresentação do recurso ocorreu em 21/8/2020, isto é, durante as férias judiciais (art. 138.º do CPC), pelo que o termo do prazo para apresentação do recurso transferiu-se para o primeiro dia útil após férias, ou seja, 1/9/2020 (art. 279.º, alínea e), do CC).

Em sua defesa invoca ainda dois doutos acórdãos do Colendo Supremo Tribunal Administrativo.

Contudo, entendemos que não tem razão.

Pese embora a Recorrente tivesse invocado dois doutos acórdãos do Colendo Supremo Tribunal Administrativo para sustentar a sua tese e este Tribunal os conheça, discorda, com todo o devido respeito, da solução jurídica aí perfilhada.

Este Tribunal defende a sua tese com base em jurisprudência dos tribunais judiciais e no que entende ser a harmonização do sistema jurídico.

O art. 80.º, n.º 1, do RGIT prevê que da decisão administrativa de aplicação da coima cabe recurso para o tribunal tributário de primeira instância, a apresentar no prazo de 20 dias após a sua notificação, a apresentar no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação.

Nos mesmos moldes os arts. 59.º e 60.º do Regime Geral do Ilícito de Mera Ordenação Social (RGIMOS) preveem que a decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é suscetível de impugnação judicial. O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões. O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados. O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

A questão em apreço é se deste regime jurídico resulta que a apresentação do recurso de contraordenação é um ato processual judicial a praticar em juízo.

Para nós entendemos que não.

Destas disposições legais resulta de forma expressa que o prazo não é um prazo judicial e a apresentação do recurso não é um ato processual judicial.

O art. 60.º do RGIMOS prevê expressamente que o regime legal de contagem do prazo de recurso, estabelecendo que se suspende aos sábados, domingos e feriados e que se o termo do prazo cair em dia durante o qual não for possível, durante o período, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

Se conjugarmos esta disposição legal com o regime dos arts. 59.º, n.º 3, do RGIMOS e 80.º, n.º 1, do RGIT, verificamos que o recurso tem de ser apresentado na autoridade administrativa ou no serviço tributário onde tiver sido instaurado o processo de contraordenação.

Daqui resulta de forma expressa que o recurso não tem de ser apresentado em juízo.

Apesar de ser dirigido ao tribunal o recurso é apresentado na respetiva autoridade administrativa ou serviço tributário onde corre o processo de contraordenação e como tal tem de o fazer nos dias úteis ou quando o termo do prazo não for dia útil ou não for possível a apresentação do recurso, esse prazo transfere-se para o primeiro dia útil seguinte.

Logo, não há motivo para aplicar-se o art. 279.º, alínea e), do CC e equiparar os dias não úteis às férias judiciais. Esta aplicação apenas teria razão de ser se o recurso da decisão de aplicação da coima tivesse de ser apresentado em juízo.

No entanto, é pacífico e expressamente previsto na lei que essa apresentação é feita nas autoridades administrativas e não em tribunal. Mais. Não se diga que as autoridades administrativas funcionam aqui como extensão das secretarias judiciais.

Na realidade, a lei prevê expressamente que os recursos são apresentados nas autoridades administrativas e a questão de extensão das secretarias judiciais também não é aplicável na medida em que como é legal e jurisprudencialmente aceite o prazo de recurso não é um prazo processual, nem se lhe aplica o art. 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC.

Outro motivo que nos leva a defender que não estamos perante um prazo processual e uma extensão das secretarias judiciais é que a impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, apesar de ser dirigida ao tribunal, pode nem sequer chegar lá.

Com efeito, após a apresentação da impugnação judicial da decisão de aplicação da coima a autoridade administrativa pode revogar a decisão de aplicação da coima (arts. 62.º, n.º 2, do RGIMOS e 80.º, n.º 3, do RGIT) e se não o fizer quando for remetido o processo ao tribunal competente, o Ministério Público pode retirar a acusação ainda antes da apresentação a juízo (art. 65.º-A do RGIMOS).

Além disso, a situação do processo de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima é diferente da petição inicial do processo de oposição, forma de processo em que se entende que os serviços tributários funcionam como uma extensão da secretaria dos Tribunais Administrativos e Fiscais. Neste caso, o processo de execução fiscal a quem é dirigida a oposição, corre nos Serviços de Finanças, mas é um verdadeiro processo judicial (art. 103.º, n.º 1, da LGT), motivo pelo qual se lhe aplica os arts. 279.º, alínea e), do CC e 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC.

Só que esta situação é em tudo diferente do processo de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima, já que o processo de contraordenação, ao invés do processo de execução fiscal, não é um processo judicial, pelo que não há qualquer motivo para se lhe aplicar os arts. 279.º, alínea e), do CC e 139.º, n.ºs 5 e 6, do CPC ou para considerar os Serviços de Finanças como extensão da secretaria dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

O processo de impugnação judicial (art. 102.º do CPPT) também não é aplicável ao caso em apreço, porque a petição inicial deste processo tanto pode ser apresentada nos Serviços de Finanças como na secretaria do Tribunal Administrativo e Fiscal, dependendo da opção do impugnante, ao invés do que sucede com o processo de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima cujo requerimento de recurso tem necessária e obrigatoriamente de ser apresentado junto das autoridades administrativas.

Outro motivo, ainda, é que o facto de o processo de impugnação judicial da decisão administrativa de aplicação da coima estar dirigido ao tribunal, não faz com que se possa entender que os Serviços de Finanças funcionem, só por isso, como extensão da secretaria dos Tribunais Administrativos e Fiscais.

À semelhança do que sucede com os demais recursos judiciais, os recursos são apresentados no tribunal recorrido e não no tribunal a que se dirige o recurso e aqueles não funcionam como uma extensão destes. A considerar-se tal hipótese no cômputo do prazo de recurso, designadamente dos dias feriados, o recorrente sempre teria de considerar as regras de contagem do prazo do recurso de acordo com o tribunal de recurso e não com as regras do tribunal recorrido.

Acresce que o processo de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima é ainda apresentado na fase administrativa do processo de contraordenação e não na sua fase judicial, o que fasta qualquer efeito processual judicial.

Em nossa defesa não pode ainda deixar de invocar-se a jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Administrativo. Apesar de não se debruçar, em concreto, sobre uma situação idêntica à destes autos, considerou que “Segundo jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, o prazo para a interposição do recurso do acto que aplica a contra-ordenação tributária é um prazo de natureza substantiva – como, de resto, se explica na sentença recorrida por remissão para o acórdão deste Supremo Tribunal de 30 de Novembro de 2011, exarado no processo n.º 904/11 – o que impede a aplicação, in casu, do disposto nos n.ºs 5 a 7 do artigo 145.º do CPC [actualmente, n.ºs 5 a 8 do artigo 139.º do CPC] (por remissão do artigo 107.º-A do CPP), uma vez que estas regras apenas se aplicam aos prazos processuais. No mesmo sentido se havia também já fixado jurisprudência nos tribunais judiciais em matéria de recurso da decisão de aplicação de contra-ordenação ao abrigo do RGCO, como se pode ler no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 10 de Março de 1994 (proc. 045325) “(…) o prazo do recurso do artigo 59.º, n.º 3, do Decreto-Lei n.º 433/92, que diz respeito à fase administrativa do processo de contra-ordenação, não é um prazo judicial a que se aplique o disposto no citado artigo 144.º, n.º 3, do Código de Processo Civil, por força do artigo 104.º, n.º 1, do Código de Processo Penal (…)”.” (Acórdão do Colendo Supremo Tribunal Administrativo de 3/6/2020, processo n.º 0656/17.5BEAVR-0284/18, in www.dgsi.pt).

Pese embora a situação não seja idêntica, ao considerar-se que o prazo em causa não é um prazo processual judicial, tudo indicia que à contagem do prazo dos arts. 59.º e 60.º do RGIMOS e 80.º do RGIT, não se aplica o art. 279.º, alínea e), do CPC, porque não sendo um prazo judicial, não é um ato praticado em juízo.

Também o Colendo Tribunal Constitucional nos seus acórdãos n.ºs 473/01, de 24/10/2001, e 395/02, de 2/10/2002, julgou não inconstitucional os arts. 59.º, n.º 3, e 60.º, n.ºs 1 e 2, do RGIMOS, ao considerarem que o prazo de recurso não se suspende nas férias judiciais, o que ressalta a natureza não processual judicial do prazo de recurso, o que equivale a dizer que o processo de impugnação judicial da decisão de aplicação da coima não é um ato a praticar em juízo e como tal não se lhe aplica o art. 279.º, alínea e), do CC.

Aqui não podemos ainda deixar de citar o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães de 30/11/2015, que considerou que “Ao prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é aplicável o disposto no artigo 279. al. e) do C.C.” (Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães, processo n.º 3/14.8T8CBT.G1, in www.dgsi.pt).

(…)

Só discordamos desta última consideração, quando dá prevalência à aplicação da LGT e do CPPT em detrimento do RGIMOS.

Com efeito o RGIT no seu art. 3.º, alínea b), prevê expressamente que “Quanto às contra-ordenações e respetivo processamento, o regime geral do ilícito de mera ordenação social;”. Por isso, ao RGIT e no que respeita ao processo de contraordenação aplica-se subsidiariamente o RGIMOS e não a LGT, nem o CPPT.

Por isso, só podemos concluir que ao processo de contraordenação tributária aplica-se subsidiariamente o RGIMOS e nessa medida, aplica-se o regime legal defendido no referido acórdão. Isto é, à contagem do prazo dos arts. 59.º e 60.º do RGIMOS e 80.º do RGIT não se aplica o art. 279.º, alínea e), do CC.

O recurso apresentado em 1/9/2020 tem de ser rejeitado por ser intempestivo, porque o prazo de apresentação do recurso de contraordenação terminou em 21/8/2020 e não se transfere para o primeiro dia útil a seguir às férias judiciais (arts. 3.º, alínea b), e 80.º, n.º 1, do RGIT e 63.º, n.º 1, do RGIMOS).

Decisão.

Pelo exposto, o Tribunal rejeita o recurso interposto pela Recorrente, A……….– Unipessoal, Ld.ª, por ser intempestivo.

Condena-se a Recorrente nas custas do recurso, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (arts. 66.º, do RGIT, 4.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º (DL) 324/2003, de 27 de dezembro, 92.º, 93.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27 de outubro e 8.º, n.ºs 7 a 10, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais (RCP)).

Para efeitos de custas e outros previstos na lei fixo o valor do recurso em €4.151,05 (art. 83.º do RGIT).

Deposite e notifique.

Cumpra o art. 70.º, n.º 4, do RGIMOS.».

3. O Direito

Vem o presente recurso interposto do despacho de rejeição do recurso da decisão administrativa de aplicação de coima, com fundamento na sua intempestividade.

Com o assim decidido não se conforma a Arguida – ora Recorrente – por entender que, quando o termo do prazo de interposição do recurso judicial da decisão administrativa de aplicação da coima coincide com período de férias judiciais, deve transferir-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do disposto na alínea e) do artigo 279.º do Código Civil.

A questão fundamental a decidir é, por isso, a de saber se à contagem do prazo a que alude o artigo 80.º, n.º 1 do Regime Geral das Infrações Tributárias se aplica a regra da alínea e) do artigo 279.º do Código Civil.

Ora, o Supremo Tribunal Administrativo vem respondendo afirmativamente a esta questão e de forma uniforme (ver, para além dos já referenciados, e de todos os que neles são invocados, o recente acórdão de 12/05/2021, no processo n.º 0572/20.3BEPNF, que aqui se invoca por ter por objeto mediato uma decisão idêntica à dos presentes autos).

Por outro lado, os argumentos de suporte à decisão recorrida já foram, na essência, analisados e rebatidos naqueles arestos. Não existindo, por isso, razões que justifiquem a revisitação do tema, tendo em vista a revisão da jurisprudência firme deste tribunal.

A tudo acresce que, como judiciosamente foi referido no acórdão de 21 de Setembro de 2011, tirado no processo n.º 318/11, «ainda que eventualmente se viesse a concluir não ser a interpretação que sustentamos a melhor, em face da uniformidade da jurisprudência da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo e da suscetibilidade dela gerar a confiança dos interessados na manutenção daquela posição, sempre seria de manter a jurisprudência, por evidentes razões de sensatez e razoabilidade e porque não está em causa a necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalentes».

De todo o exposto deriva que o recurso merece provimento.



4. Conclusões

Para as conclusões do presente recurso selecionados o sumário do acórdão de 12/05/2021, Proc. 0572/20.3BEPNF, com o seguinte teor:

«I - A apresentação do requerimento de interposição de recurso judicial de decisão de aplicação da coima em processo de contra-ordenação fiscal é um acto a praticar em juízo, o que significa que tal recurso tem, sem margem para qualquer dúvida, natureza judicial pois trata-se de um pedido dirigido a tribunal e cuja decisão lhe está cometida em exclusividade.

II - O facto de, nos termos do disposto no n.º 1 do art. 80.º do RGIT, o requerimento de interposição do recurso dever ser apresentado no serviço de finanças onde foi instaurado o processo de contra-ordenação em nada interfere com tal natureza, pois que, para esse efeito, o serviço de finanças funciona como mero receptáculo do requerimento, que é dirigido ao tribunal tributário.

III - A contagem do prazo de vinte dias após a notificação da decisão administrativa de aplicação da coima, de que o arguido dispõe para interpor recurso (art. 80.º, n.º, 1 do RGIT), faz-se nos termos do artigo 60.º do RGCO (ex vi da alínea b) do art. 3.º do RGIT), donde resulta que o prazo se suspende aos sábados, domingos e feriados.
IV - Terminando esse prazo em férias judiciais, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte, por força do preceituado no art. 279.º, alínea e), do C. Civil.
»



5. Decisão

Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e ordenar a devolução dos autos ao Tribunal Administrativo e Fiscal do Penafiel para aí prosseguirem os seus termos com conhecimento do recurso judicial, se nada mais a tal obstar.

Sem custas.

D.n.

Lisboa, 13 de julho de 2021

Assinado digitalmente pelo Relator, que consigna e atesta que, nos termos do disposto no art.15.º-A do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março, aditado pelo art. 3º do Decreto-Lei n.º 20/2020, de 1 de Maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento.

Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo.